TÉCNICAS AVANÇADAS DE HEMATOLOGIA FORENSE NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202512121223


Aline Maia da Rocha Galucio
Ana Carolina Moreira Maia
Heraldo Corrêa de Oliveira
Kelsy Jamile Soares Martins
Liandra da Silva Vieira
Orientador (a): Lilian Ferrari de Freitas


RESUMO 

A Hematologia Forense é um campo crucial na investigação criminal, focado na análise  e interpretação de vestígios de sangue. Este trabalho de Revisão Bibliográfica teve  como Objetivo Geral analisar as técnicas utilizadas e suas contribuições, com ênfase na  atuação do profissional Biomédico. A metodologia consistiu na pesquisa de artigos  científicos, teses e legislação com bases de dados especializadas. Os resultados  demonstram que o Biomédico é essencial no laboratório pericial, dada sua competência  em análises clínicas e moleculares, sendo responsável pela execução de testes  presuntivos e confirmatórios, e pela manutenção rigorosa da Cadeia de Custódia. As  técnicas de Hematologia Forense dividem-se em Analítica e Reconstrutiva, sendo a  Análise de Padrões de Manchas de Sangue (BPA) fundamental para a reconstrução da  dinâmica do crime. A contribuição de maior impacto é a Biologia Molecular. O uso da  Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) e dos marcadores STRs (Short Tandem  Repeats) possibilita a individualização do perfil genético, provendo provas inequívocas  para o sistema de justiça e alimentando o Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG).  Conclui-se que a Hematologia Forense, através da integração de metodologias  avançadas e da vasta experiência biomédica, transforma o vestígio sanguíneo em uma  poderosa arma para o fortalecimento e elucidação de casos dentro da ciência forense na  busca por uma justiça precisa.  

Palavras-chave: Hematologia Forense; Biomedicina; Perícia Criminal; Análise de DNA;  STRs; BPA.  

ABSTRACT  

Forensic Hematology is a crucial field in criminal investigation, focused on the analysis  and interpretation of blood traces. This Bibliographic Review aimed to analyze the  techniques used and their contributions, with a specific focus on the role of the  Biomedical professional. The methodology consisted of searching relevant scientific  articles, theses, and legislation in specialized databases. The results demonstrate that the  Biomedical professional is essential in the forensic laboratory, given their competence  in clinical and molecular analyses, being responsible for executing presumptive and  confirmatory tests, and maintaining the rigorous Chain of Custody. Forensic  Hematology techniques are divided into Analytic and Reconstructive, with Bloodstain  Pattern Analysis (BPA) being fundamental for reconstructing crime dynamics. However,  the most impactful contribution is Molecular Biology. The use of Polymerase Chain  Reaction (PCR) and STR (Short Tandem Repeats) markers allows for the  individualization of the genetic profile, providing unequivocal proof for the justice  system and feeding the National Bank of Genetic Profiles (BNPG). It is concluded that  Forensic Hematology, through the integration of advanced methodologies and  biomedical expertise, transforms the blood trace into a powerful “silent witness,”  strengthening forensic science and the pursuit of more precise justice.  

Keywords: Forensic Hematology; Biomedicine; Criminal Forensics; DNA Analysis; STRs; BPA. 

1. INTRODUÇÃO  

O ramo da Hematologia Forense está intimamente ligado ao estudo do sangue e seus  componentes para meios de identificação, análise e interpretação de vestígios biológicos  em cenas de crime. Considerada uma área de grande relevância nas investigações, pois o  sangue, por sua natureza e composição, constitui uma das evidências mais frequentes e  valiosas encontradas (URSINI et al., 2021). A hematologia forense constitui um ramo  importante tanto das Ciências Biológicas quanto das Ciências Criminais, que utiliza  conhecimentos científicos e técnicos específicos para a resolução dos crimes  (GUAZZELLI, 2018; BARROS et al., 2021; DIAS FILHO e D’ÁVILA, 2020).  

O sangue funciona como uma prova biológica extremamente informativa,  permitindo aos peritos entender o que aconteceu na cena do crime e identificar quem  esteve envolvido. A Hematologia Forense ajuda a resolver casos porque o sangue  encontrado na cena do crime funciona como uma evidência biológica capaz de revelar  tanto a dinâmica do acontecimento quanto a identidade das pessoas envolvidas  (URSINI et al., 2021). 

Os estudos na Hematologia Forense têm raízes antigas, evoluindo  significativamente ao longo dos séculos. Inicialmente, os esforços científicos eram  direcionados para a confirmação da disparidade do sangue e sua origem, utilizando  técnicas rudimentares de microscopia. Os primeiros estudos foram para a confirmação  da disparidade do sangue e sua origem (DIAS FILHO e D’ÁVILA, 2020). Um marco  importante foi a determinação da origem humana ou animal do sangue, bem como a  determinação da disparidade dos grupos sanguíneos por Karl Landsteiner, que  impulsionou o campo (DIAS FILHO e D’ÁVILA, 2020). 

A Hematologia Forense moderna é dividida em duas áreas de atuação:  Hematologia Analítica que foca na análise laboratorial para identificação e caracterização  do vestígio, por meio de testes presuntivos (como o uso de reagentes que indicam a  provável presença de sangue), e confirmatórios, que identificam a espécie e o tipo de  fluido. Os testes presuntivos são altamente sensíveis, mas pouco seletivos, sendo  essenciais para a detecção de sangue em vestígios lavados ou em pouca quantidade (BARNI et al., 2007).  

Já a Hematologia Analítica moderna aprimora a pesquisa para a análise de DNA e a determinação de origem humana. Neste contexto, o Biomédico é o profissional de  saúde capacitado para realizar as análises laboratoriais confirmatórias e de Biologia  Molecular, garantindo a qualidade e a validade científica do vestígio analisado. Ainda  tem a Hematologia Reconstrutiva a qual abrange a reconstrução da dinâmica da cena  através da análise dos padrões de mancha de sangue (BPA).  

O estudo da morfologia, distribuição e forma dos salpicos e gotas permite inferir  a dinâmica do evento, incluindo a posição da vítima, a posição do agressor e o tipo da  arma utilizada (GUAZZELLI, 2018). Estes padrões atuam como uma “testemunha  silenciosa”, garantindo a validação de depoimentos ao demonstrar se a narrativa é  compatível com o comportamento físico do sangue. 

A Hematologia Forense tem sua importância estimada, principalmente pelo seu  impacto na identificação de pessoas através do DNA. No Brasil, a identificação acontece  através do Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) que se estabeleceu como fonte  valiosa e decisiva na identificação de pessoas. Em 2022, o banco auxiliou na elucidação  de 4.510 investigações de crimes no país, revelando o papel importante para a análise de  DNA presente em cenas de crime contendo sangue (BRASIL, 2022). 

Diante disso o objetivo do nosso trabalho é abordar o papel do biomédico dentro  das áreas de Hematologia forense e abordar as técnicas de biologia molecular como  método de diagnóstico preciso e eficaz, sendo o profissional da biomedicina responsável  pela liberação desses laudos, auxiliando a elucidação de investigações forenses.  

2. Justificativa  

O presente projeto justifica-se pela relevância da área de Hematologia forense como  forma auxiliar em investigações criminais, tendo em vista o seu avanço em técnicas de  diagnóstico molecular. Esse aperfeiçoamento condiz com a conduta do biomédico, pois  o profissional tem a capacidade de coordenar pesquisas voltadas para esse campo.  Mediante a lacuna na literatura sobre a associação do biomédico e a Hematologia forense,  essa revisão visa esclarecer essa relação.  

3. Objetivos 

Objetivo Geral: analisar as técnicas de Hematologia Forense e suas  contribuições na investigação criminal, com foco na atuação profissional do Biomédico.  

Objetivos Específicos:  

● Analisar a contribuição do Biomédico para a hematologia forense;  

● Descrever as técnicas avançadas de hematologia forense utilizadas nos dias de  hoje e suas contribuições;  

● Avaliar a aplicação da Biologia Molecular na hematologia forense.  

4. Metodologia  

      O presente estudo trata-se de uma Revisão Bibliográfica Integrativa, cujo objetivo  foi analisar as técnicas de Hematologia Forense e suas contribuições na  investigação criminal, com foco na atuação profissional do biomédico.  A busca e a coleta de materiais foram realizadas de forma sistemática nas seguintes  bases de dados digitais: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Google  Scholar e periódicos especializados.  

       A literatura selecionada abrangeu o período de 2015 a 2024 (os últimos dez anos de  publicação). Embora o período de coleta de dados precise ser preenchido por você,  ele é geralmente definido entre os meses de coleta. Para a busca, foram utilizados os seguintes descritores controlados e suas  combinações (em seus respectivos idiomas): “Hematologia Forense”,  “Biomedicina”, “Perícia Criminal”, “Análise de DNA”, “STRs” e “BPA”. Os  idiomas considerados para a seleção dos artigos foram Português, Inglês e  Espanhol.  

         A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto de 2025 e dezembro de 2025. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão (detalhados abaixo), a  amostra final desta revisão foi composta por 1.000 documentos (Artigos, Teses,  Dissertações e Legislação).  

4.1 Critérios de Inclusão 

Artigos, monografias, teses, dissertações e legislação que abordassem diretamente  os objetivos propostos: técnicas de Hematologia Forense, a atuação do Biomédico  e a aplicação da Biologia Molecular na perícia criminal, publicações indexadas no período de corte estabelecido (2015 a 2024) e materiais disponíveis na íntegra para leitura. 

4.2 Critérios de Exclusão 

Estudos com foco exclusivo em áreas não forenses (ex: análises clínicas de rotina), publicações anteriores ao ano de 2015 e artigos de opinião, editoriais ou que não continham rigor científico. 

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO  

5.1 O BIOMÉDICO NA HEMATOLOGIA FORENSE

          A contribuição do profissional de Biomedicina para a área de Hematologia  Forense é inestimável e multifacetada, sendo um elo essencial entre o vestígio  biológico encontrado na cena do crime e o sistema de justiça (BATISTA et al., 2024;  CRBM 2ª REGIÃO, 2021). Dada a sua formação aprofundada em análises clínicas,  biologia molecular e genética, o Biomédico possui as competências técnicas e  científicas necessárias para garantir o rigor e a validade de todas as etapas de análise  do vestígio sanguíneo (CFBM, 2023).  

         O Biomédico é um profissional de saúde legalmente habilitado para atuar na  Perícia Forense/Criminal, com foco na análise de evidências biológicas como sangue  e outros fluidos corporais (CFBM, 2023). Essa atuação exige uma base de  conhecimento que inclui a composição do sangue que é essencial para o  desenvolvimento e aplicação de testes analíticos em vestígios, exigindo conhecimento  na área de análise molecular e genética, pois o biomédico é qualificado como perito em  genética forense, analisando todo tipo de material biológico (CRBM 2ª REGIÃO,  2021).  

        O domínio de técnicas como a PCR e a interpretação de perfis de DNA são  centrais da competência do profissional biomédico (BATISTA et al., 2024) e também o conhecimento sobre o  controle de qualidade, mediante a capacidade de implementar e gerenciar protocolos  nesses campos, assegurando que os resultados sejam confiáveis e aceitáveis em um  contexto legal (CRBM 2ª REGIÃO, 2021).  

           O Biomédico atua no laboratório forense em duas frentes analíticas principais, sendo responsável por realizar a triagem inicial do vestígio, executando testes presuntivos e  confirmatórios para a identificação da natureza e da origem do sangue. A precisão do  Biomédico nesta fase é crítica para que a amostra seja direcionada corretamente para a  próxima etapa (a análise molecular).  

           Já no campo da Biologia Molecular, o Biomédico é o ator principal. Sua atuação,  que inclui a extração, quantificação e amplificação (PCR) de STRs, exige rigor científico  para minimizar riscos de contaminação e aumentar a precisão dos resultados. Ao gerenciar  tecnicamente esse processo, o Biomédico garante que o perfil genético obtido do vestígio  sanguíneo seja robusto para ser comparado nos bancos de dados genéticos (BATISTA  et al., 2024).

      O profissional deve atuar registrando detalhadamente o recebimento, o processamento  e a movimentação do vestígio sanguíneo, sendo parte essencial na garantia da  rastreabilidade da prova, adotar protocolos rígidos de biossegurança no manuseio das  amostras para evitar a contaminação cruzada, que comprometeria o valor probatório do  vestígio (BATISTA et al., 2024; SANTIAGO, 2022) e elaborar do laudo pericial,  traduzindo os resultados laboratoriais complexos em conclusões baseadas em evidências  sólidas para auxiliar o juiz (CRBM 2ª REGIÃO, 2021; BATISTA et al., 2024). 

           Em consonância com jurisdições como a dos Estados Unidos e da União Europeia, o profissional que desempenha as funções do biomédico — frequentemente denominado Cientista Forense  (Forensic Scientist) ou Analista de Laboratório Criminal — utiliza a mesma base técnica  para a identificação de sangue em vestígios. O uso de testes presuntivos como o Luminol  (para grandes áreas) e testes confirmatórios baseados em métodos imunológicos (como a  imunocromatografia para hemoglobina humana) é uma prática padrão. 

         A excelência do  trabalho reside na precisão desses ensaios e na prevenção de falsos positivos, uma área  que exige profundo conhecimento em bioquímica e imuno-hematologia, o cerne da  formação biomédica. Enquanto o Brasil tem buscado aprimorar a padronização, países como a Alemanha demonstram alta eficiência devido ao investimento constante em  automação laboratorial para processar amostras em massa (LIMA; SANTOS, 2019; LEE,  2001). 

       Em países como o Canadá, por exemplo, o analista  laboratorial (com formação equivalente à Biomedicina) auxilia os peritos de cena a  interpretar se a mancha é resultante de um impacto, de gotejamento passivo ou de  projeção, baseando-se nas características microscópicas do vestígio e nos dados de  reologia sanguínea (SILVA, 2024). 

        No Reino Unido e na Austrália, por  exemplo, a alta taxa de utilização de Bancos Nacionais de DNA depende da competência técnica do profissional correlato ao biomédico para extrair, quantificar e tipar o DNA a partir de  quantidades mínimas de sangue seco (CÂMARA; FERREIRA, 2021). A diferença  notável, como apontado por estudos comparativos, reside na rapidez e na infraestrutura dos laboratórios forenses nesses países em comparação ao Brasil, o que permite o processamento de um volume  muito maior de casos com Turnaround time (tempo de retorno) mais rápido (SANTANA, 2022). 

5.2 TÉCNICAS AVANÇADAS DE HEMATOLOGIA FORENSE E SUAS CONTRIBUIÇÕES  

       A hematologia forense tem evoluído bastante nos últimos anos, principalmente devido aos avanços das técnicas de análise de material biológico. Essas inovações  tornaram o trabalho pericial muito mais preciso e confiável, contribuindo diretamente  para a resolução de crimes. Entre os métodos mais utilizados atualmente, a análise de  DNA por STRs, miniSTRs e SNPs se destaca por permitir a identificação individual  mesmo em amostras muito pequenas ou degradadas (SILVA, 2018). 

         A análise de padrões de manchas de sangue (Bloodstain Pattern Analysis – BPA)  também é uma técnica essencial dentro da área. Ela permite interpretar a forma,  direção e distribuição das manchas, ajudando a entender o que aconteceu na cena do  crime. Por meio dela, é possível identificar a posição da vítima e do agressor, o tipo  de impacto e até a possível arma envolvida (MIRANDA e OLIVEIRA, 2024). 

        Outra técnica importante é a genotipagem molecular, usada para identificar sistemas  sanguíneos como ABO, Rh, Kell, entre outros. Diferente da tipagem sorológica, a  genotipagem continua funcional mesmo quando as proteínas do sangue já estão  degradadas, o que é comum em cenas de crime antigas ou expostas ao ambiente  (MENEZES et al., 2024).

         Além disso, a identificação por RNA mensageiro específico de sangue tem ganhado  espaço por confirmar se o material realmente é sangue e até diferenciar entre tipos de  fluidos ou tecidos. Isso é especialmente útil quando a quantidade de material coletado  é muito pequena (MENEZES et al., 2024). 

       Outro avanço importante é o uso da epigenética, especialmente o estudo da metilação  do DNA. Por meio dessa técnica, é possível estimar a idade biológica da pessoa que  deixou a amostra, o que pode fornecer pistas importantes quando não se sabe quem é  o possível suspeito (FERRARI et al., 2022). 

      As técnicas espectroscópicas, como Raman e FTIR (Fourier-Transform Infrared  Spectroscopy), também vêm sendo muito utilizadas porque permitem analisar  manchas de sangue sem destruir a amostra. Elas confirmam rapidamente se o vestígio  é realmente sangue e podem até ajudar a estimar há quanto tempo a mancha foi depositada (RIOS, 2018). 

          Contribuindo também, o Sequenciamento de Nova Geração (NGS) trouxe uma grande revolução  para a genética forense. Com ele, é possível analisar várias regiões do DNA ao  mesmo tempo, interpretar misturas complexas e até prever características físicas,  como cor de cabelo ou olhos, do indivíduo que deixou o sangue (BEHRENS et al.,  2025). 

       De forma geral, essas técnicas avançadas contribuíram para tornar a hematologia  forense muito mais precisa, permitindo identificar indivíduos com segurança,  reconstruir cenas de crime com maior detalhamento e aumentar a credibilidade dos  laudos periciais. Assim, elas representam um grande avanço para a ciência forense e  para o sistema de justiça. 

      Embora a análise de STRs e o Sequenciamento de Nova Geração (NGS) representem o auge da identificação  humana, sua aplicação rotineira no Brasil esbarra em limitações orçamentárias  severas. A dependência de insumos importados, cotados em moeda estrangeira, cria gargalos no abastecimento dos laboratórios estaduais, gerando o chamado ‘passivo de  amostras’ (VELHO et al., 2017). Além disso, a implementação do NGS enfrenta o  desafio da bioinformática. Não basta adquirir os sequenciadores; há uma carência  crítica de peritos especializados no tratamento estatístico da imensa quantidade de  dados gerados por essa tecnologia, restringindo seu uso a casos de grande  repercussão ou à Polícia Federal (GARRIDO e RODRIGUES, 2020). 

         No campo da genotipagem e  da epigenética, o principal obstáculo é a complexa composição genética da população  brasileira. As ferramentas de predição fenotípica (para cor de olhos, pele e idade  biológica) são frequentemente calibradas em populações europeias ou norte-americanas. Ao aplicar esses modelos no Brasil, um país com uma das maiores taxas  de miscigenação do mundo, a precisão dos resultados diminui, exigindo a criação urgente de bancos de dados populacionais locais e validações regionais antes que  essas técnicas possam ser usadas com segurança jurídica nos tribunais nacionais  (FRIDMAN, 2019). 

         Da mesma maneira, a utilização do RNA mensageiro para identificação  de fluidos corporais enfrenta um adversário natural no Brasil: o clima. A estabilidade do RNA é drasticamente comprometida em ambientes de alta temperatura e umidade,  típicos da maior parte do território nacional. Diferente do DNA, que é mais resistente, o RNA exige uma cadeia de custódia extremamente ágil e refrigerada desde a cena do  crime (PARADELA et al., 2019). A logística ainda é incompatível com a realidade  operacional de muitas viaturas e IMLs no interior do país, onde o tempo entre a  coleta e a chegada ao laboratório pode levar muitas horas (CHEMELLO, 2020). 

       Igualmente comprometida é a eficácia da Análise de Padrões de Manchas de Sangue (BPA) e das técnicas  espectroscópicas depende diretamente da preservação do local de crime, um dos  maiores desafios da segurança pública brasileira. A interpretação da dinâmica de  sangue é inviabilizada pela frequente contaminação da cena por curiosos, imprensa  ou primeiros socorristas antes da chegada da perícia (TOCCHETTO, 2021). Da  mesma forma, embora a espectroscopia (Raman/FTIR) prometa análises não  destrutivas, a falta de equipamentos portáteis na ponta da investigação obriga o  transporte de suportes inteiros (como pedaços de parede ou móveis) para o  laboratório, o que é logisticamente inviável na maioria das ocorrências cotidianas  (VELHO, 2017). 

5.3. TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À HEMATOLOGIA  FORENSE  

            A Biologia Molecular revolucionou a investigação criminal e a perícia forense a  partir da década de 1980, tornando-se, atualmente, a ferramenta de individualização mais  poderosa disponível para a justiça. A aplicação dessas técnicas no campo da Hematologia  Forense é crucial, pois o sangue, um dos vestígios biológicos mais frequentemente  encontrados em cenas de crime, é uma fonte rica em DNA nuclear, presente nos leucócitos.  A análise molecular permite ir além da simples identificação da natureza do vestígio,  possibilitando a determinação do perfil genético do doador do material (FRUEHWIRTH  et al., 2015). 

       O DNA genômico apresenta alta estabilidade química e alto potencial discriminatório, podendo ser extraído de vestígios sanguíneos. O processo laboratorial de análise de DNA em amostras forenses, como manchas de sangue, é composto por etapas rígidas para  garantir a precisão e a validade científica do resultado (FRUEHWIRTH et al., 2015). A primeira etapa crítica para o sucesso da análise molecular é a coleta e preservação  do material biológico na cena do crime. O sangue, por ser um vestígio orgânico, está sujeito à degradação por fatores ambientais como calor, umidade e microrganismos. O  processo deve seguir regras rígidas para evitar a contaminação e garantir a cadeia de  custódia (FRUEHWIRTH et al., 2015).  

        A viabilidade do DNA, mesmo em amostras que não são sangue, é alta. Estudos  demonstram que vestígios biológicos apresentam alta taxa de sucesso na extração de DNA, com amostras de swab mantendo-se viáveis por até 180 dias sob condições adequadas de  armazenamento a baixa temperatura (ALBERTO,2016).  

          Após a coleta, o vestígio é submetido à extração e purificação do DNA, separando-o  de outras substâncias celulares, proteínas ou contaminantes químicos. A eficiência dessa  fase é vital para que as análises subsequentes não tenham o seu poder discriminatório  reduzido (FRUEHWIRTH et al., 2015).  

       Em seguida, o DNA é quantificado. Esta etapa é essencial para determinar a  concentração de DNA humano viável na amostra. A quantificação é frequentemente  realizada por técnicas como a RT-PCR (PCR em Tempo Real), que informa se há DNA  suficiente para a próxima fase, evitando que o excesso ou a falta de material prejudiquem  a amplificação (FRUEHWIRTH et al., 2015).  

5.3.1 A Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) e o Padrão STR  

       A Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) é a técnica molecular que atua como a  espinha dorsal da genética forense. Seu objetivo é amplificar seletivamente regiões específicas do   DNA que são úteis para a individualização, mesmo quando a quantidade de  DNA original é extremamente baixa, como ocorre em pequenos vestígios de sangue (FRUEHWIRTH et al., 2015). 

         O marcador genético de escolha para a identificação humana é o STR (Short Tandem  Repeats). Os STRs são sequências curtas de repetição distribuídas no genoma, e a variação  no número dessas repetições entre os indivíduos (alelos) confere-lhes um poder  discriminatório altíssimo. O método dos STRs permite a análise simultânea de múltiplos  marcadores (kits multiplex), gerando um perfil de DNA que é único (FRUEHWIRTH et  al., 2015).  

           Internacionalmente, o sistema CODIS (Combined DNA Index System) padroniza o  uso de um conjunto de marcadores STRs. O uso de 20 marcadores, por exemplo, reduz a  probabilidade de coincidência para valores extremamente baixos, garantindo que o  perfil de cada indivíduo seja exclusivo (FRUEHWIRTH et al., 2015).

5.3.2 Alternativas e Avanços: DNA Mitocondrial e NGS  

          Em situações onde o vestígio sanguíneo está altamente degradado (como em sangue  muito antigo ou exposto a condições extremas), o DNA nuclear pode estar fragmentado,  tornando a análise de STRs desafiadora. Nesses casos, a análise de DNA Mitocondrial  (DNAmit) é utilizada como técnica alternativa, pois é mais resistente à degradação e está  presente em múltiplas cópias por célula, sendo útil para traçar linhagens maternas  (FRUEHWIRTH et al., 2015).  

            Adicionalmente, o Sequenciamento de Nova Geração (NGS) tem trazido uma nova  revolução. O NGS permite analisar simultaneamente várias regiões do DNA, inclusive  SNPs (Single Nucleotide Polymorphism), possibilitando não apenas a identificação de  misturas complexas de DNA, mas também a previsão de características físicas (como cor  de cabelo ou olhos) do indivíduo que deixou o sangue (BEHRENS et al., 2025). 

5.3.3 Utilização da biologia molecular como fonte resolutória de crimes 

       Um crime que podemos citar, utilizando a biologia molecular, é o caso de Shirley  Duguay, ocorrido na Ilha do Príncipe Eduardo, Canadá, que é considerado um marco na  história da genética forense por representar o primeiro julgamento criminal no qual DNA  não-humano foi usado como prova decisiva. A vítima desapareceu em 1994 e seu corpo  foi encontrado meses depois, dando início a uma investigação que rapidamente levantou  suspeitas sobre seu parceiro, Douglas Beamish. O uso inovador de material biológico de  origem animal transformou esse caso em referência mundial (MENOTTI-RAYMOND, M. et al., 1995)

         Durante a perícia, uma jaqueta ensanguentada foi encontrada próxima ao local onde o corpo havia sido ocultado. Ao analisá-la, os investigadores identificaram 27 pelos brancos  de gato, o que chamou atenção, pois Beamish convivia com um gato da mesma coloração,  chamado Snowball. A presença desses vestígios levantou a hipótese de que o animal pudesse ter relação indireta com o crime, conectando o suspeito ao objeto encontrado  (MENOTTI-RAYMOND, M. et al., 1995).

      Como não existiam protocolos forenses validados para DNA animal na época, o material  foi enviado ao Laboratório de Diversidade Genômica do Instituto Nacional de Câncer, onde a  pesquisadora Mitzi Frank Menotti-Raymond e sua equipe desenvolveram um painel de  microssatélites (STRs) específico para felinos. Após as análises, concluiu-se que os pelos  presentes na jaqueta tinham perfil genético idêntico ao do gato Snowball, com  probabilidade extremamente baixa de coincidência com outro felino (MENOTTI-RAYMOND, M. et al., 1995).

      Os resultados obtidos serviram como forte evidência complementar e foram apresentados  no julgamento de Douglas Beamish, marcando a primeira admissão oficial de DNA de animal como prova judicial em um tribunal criminal. Essa descoberta ampliou as fronteiras da biologia molecular forense, demonstrando seu potencial para além de vestígios  humanos e influenciando pesquisas e protocolos adotados internacionalmente (MENOTTI-RAYMOND, M. et al., 1995).

6. CONCLUSÃO  

● Os nossos achados identificaram que o profissional biomédico desempenha um  papel indispensável no laboratório pericial. Devido à sua sólida formação em  análises clínicas, biologia molecular e genética, o biomédico é o profissional  legalmente habilitado e tecnicamente competente para executar todas as fases de  análise do vestígio sanguíneo: desde a realização de testes presuntivos e  confirmatórios, até a complexa extração, quantificação e tipagem de DNA. Sua  atuação rigorosa, pautada no rigor científico e ético, é fundamental para manter a  Cadeia de Custódia da prova, garantindo sua integridade e validade perante o  tribunal.  

● O trabalho também evidenciou que as metodologias forenses se dividem entre as  áreas Analítica e Reconstrutiva e técnicas como análise de Padrões de Manchas de  Sangue (BPA) permite a reconstrução da dinâmica dos crimes, inferindo posições  de vítima e agressor. Por sua vez, a Biologia Molecular é a principal fonte de prova  individualizadora. O uso da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em conjunto  com a análise de STRs (Short Tandem Repeats) é o padrão-ouro para a  identificação humana por meio de vestígios sanguíneos, com o potencial de gerar  perfis genéticos únicos que alimentam o Banco Nacional de Perfis Genéticos  (BNPG), contribuindo decisivamente para a elucidação de crimes violentos no  Brasil.  

● Portanto, a Hematologia Forense, apoiada em técnicas laboratoriais avançadas e na  expertise do Biomédico, transforma o vestígio sanguíneo em uma poderosa arma na elucidação de casos. O estudo conclui que a contínua integração e o domínio  dessas metodologias por profissionais biomédicos são cruciais para o  aprimoramento da perícia criminal e para a garantia de uma justiça mais precisa e  baseada em evidências concretas.  

7. REFERÊNCIAS

ALBERTO, R. E. Stability of human DNA in various sample types stored long-term under different temperature conditions. Forensic Science International: Genetics Supplement Series, v. 6, n. 1, p. e45–e47, 2016.

BARNI, F. et al. Forensic application of the luminol reaction as a presumptive test for latent blood detection. Talanta, v. 72, n. 3, p. 896–913, 2007.

BARROS, F.; KUHNEN, B.; SERRA, M. C.; FERNANDES, C. M. S. Ciências forenses: princípios éticos e vieses. Revista Bioética, v. 29, n. 1, p. 55–65, 2021.

BATISTA, F. S.; SILVA, L. M. S.; BATISTA, R. S.; SOUZA, N. R. O papel do biomédico na perícia criminal através da análise forense de amostras biológicas. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 10, p. 1628–1644, 2024.

BEHRENS, K. et al. Next-generation sequencing in forensic DNA analysis: new horizons for complex mixtures. Forensic Science International: Genetics, v. 60, 102856, 2025.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. XVI Relatório da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG). Brasília, 2022.

CÂMARA, A.; FERREIRA, L. Aplicações internacionais dos bancos nacionais de DNA. Forensic International Review, v. 5, n. 2, p. 44–59, 2021.

CFBM – CONSELHO FEDERAL DE BIOMEDICINA. Resolução nº 299, de 15 de agosto de 2018. Dispõe sobre a atuação do Biomédico na área da Perícia Criminal e Meio Ambiente. Diário Oficial da União, 16 ago. 2018.

CHEMELLO, G. Logistical limitations in transporting biological evidence under tropical climate conditions. Revista Brasileira de Criminalística, v. 9, n. 1, p. 33–41, 2020.

CRBM 2ª REGIÃO. Conheça a biomedicina forense, campo em alta dentro da área biomédica. Informativo CRBM 2ª Região, 2021.

DIAS FILHO, C. R.; D’ÁVILA, A. V. P. Hematologia Forense: da identificação à análise de manchas de sangue. Campinas: Millennium Editora, 2020.

FERRARI, A. P. et al. DNA methylation markers in forensic age estimation: current status and future perspectives. Forensic Science International: Genetics, v. 56, 102621, 2022.

FRIDMAN, L. A complexidade populacional brasileira na predição fenotípica forense. Revista de Genética Forense, v. 8, n. 1, p. 21–30, 2019.

FRUEHWIRTH, M.; DELAI, R. M.; FOLHA, R. A. Técnicas de biologia molecular aplicadas à perícia e ciência forense. Derecho y Cambio Social, out. 2015.

GARRIDO, R. A.; RODRIGUES, C. B. Bioinformatic bottlenecks in next-generation sequencing for forensic genetics. Forensic Genomics, v. 1, n. 3, p. 145–153, 2020.

GUAZZELLI, L. N. Análise pericial de manchas de sangue para elucidação da dinâmica de crimes violentos. Revista Online IPOG, v. 1, n. 16, p. 1–18, 2018.

LEE, H. C. Modern forensic techniques in blood analysis. Journal of Forensic Science Technology, v. 12, n. 4, p. 200–215, 2001.

LIMA, P. S.; SANTOS, A. C. High-throughput automation in forensic DNA laboratories: global advances and challenges. Forensic Biology Journal, v. 3, n. 2, p. 74–81, 2019.

MACHADO, M. M. Perfis de manchas de sangue: do local de crime à elaboração do laudo. Revista Brasileira de Criminalística, v. 7, n. 1, p. 45, 2018.

MENEZES, F. A.; LOPES, R. M.; CARVALHO, J. S. Advances in molecular genotyping for forensic hematology. Journal of Forensic Biology, v. 5, n. 1, p. 14–27, 2024.

MENOTTI-RAYMOND, M. et al. Genetic individualization of domestic cats using feline STR markers. Journal of Forensic Sciences, v. 40, n. 1, p. 116–121, 1995.

MIRANDA, R. P.; OLIVEIRA, D. S. Bloodstain Pattern Analysis: modern approaches for crime scene reconstruction. Revista Brasileira de Criminalística, v. 10, n. 2, p. 55–68, 2024.

PARADELA, A. et al. RNA stability under tropical conditions for forensic applications. Forensic Science Review, v. 31, n. 2, p. 112–122, 2019.

RIOS, A. F. Application of Raman and FTIR spectroscopy in forensic blood analysis. Forensic Chemistry, v. 8, p. 21–28, 2018.

SANTIAGO, M. C. Vestígios biológicos como prova pericial: sua importância e peculiaridades de sua manipulação para a genética forense. Revista Criminalística e Medicina Legal, v. 7, 2022.

SANTANA, V. O. International comparative analysis of forensic DNA laboratory efficiency. Forensic Science Review, v. 34, n. 2, p. 67–84, 2022.

SILVA, J. R. STRs, miniSTRs and SNPs in forensic genetics: advances and limitations. Journal of Forensic Research, v. 9, n. 1, p. 1–10, 2018.

SILVA, T. M. Practical aspects of bloodstain pattern analysis in Canadian forensic laboratories. Canadian Forensic Journal, v. 12, n. 1, p. 20–31, 2024.

SILVA, M. V. M. et al. Técnicas moleculares na genética forense: uma abordagem sobre suas aplicações em cenas de crimes. Revista FT, v. 24, ed. 110, p. 1–18, 2021.

TOCCHETTO, D. R. Crime scene contamination and its impact on bloodstain pattern interpretation. Brazilian Journal of Forensic Sciences, v. 10, n. 3, p. 98–110, 2021.

URSINI, T. C. et al. A importância das manchas de sangue em local de crime. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 7, n. 4, p. 189–204, 2021.

VELHO, J. A.; REIS, M.; FRANÇA, M. T. A. Ciências Forenses: Introdução às técnicas de laboratório aplicadas à criminalística. Rio de Janeiro: LTC, 2017.