FEELINGS EXPERIENCED BY FAMILY MEMBERS OF CHILDREN WITH OROFACIAL CLEFTS UNDERGOING PEDIATRIC SURGERY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504181212
Stephanny Morais Silva¹; Carolina Silva Liquieri Vaz²; Dayse Conceição Santoro³; Lisandra Rodrigues Risi⁴; Carlos Eduardo Peres Sampaio⁵.
Resumo
Introdução: As fissuras orofaciais são as malformações não sindrômicas de acometimento craniofacial mais comuns, sendo decorrentes de uma falha na fusão do processo estrutural do lábio e/ou palato, podendo ser unilateral, mediana ou bilateral. A fissura de lábio e/ou palato apresenta-se como demanda de saúde pública, visto que prevalece entre as malformações que acometem a face. Questão norteadora: Quais os sentimentos dos familiares após a necessidade de realização do procedimento cirúrgico corretivo de palatoplastia e queiloplastia? Objetivo: Analisar as percepções dos familiares de crianças com fissuras orofaciais em situação cirúrgica. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, que vai buscar aprofundar-se sobre essa temática tão pouco explorada na literatura. Os dados coletados são obtidos através de conversas com os participantes, que permite a compreensão profunda e a interpretação de experiências vivenciadas pelo entrevistado. O estudo será realizado a partir da chegada do familiar no centro cirúrgico de um Hospital Universitário, localizado no Rio de Janeiro. Resultados: Os resultados mostraram que o diagnóstico causa um impacto emocional profundo, marcado por sentimentos de choque, tristeza e, em alguns casos, culpa, especialmente quando o diagnóstico ocorre após o nascimento, sem preparação prévia. Discussão: destacou-se a importância do suporte emocional e da abordagem multidisciplinar no atendimento a crianças com fissura orofacial e seus familiares. Estudos anteriores confirmam que uma equipe composta por psicólogos, fonoaudiólogos e cirurgiões é essencial para auxiliar os familiares na adaptação, fortalecer o vínculo emocional e reduzir o estresse ao longo do tratamento. Conclusão: concluiu que o apoio psicológico contínuo e políticas de acolhimento são fundamentais para o bem-estar das famílias, e sugeriu o desenvolvimento de materiais informativos e capacitação profissional para uma abordagem humanizada. Tais medidas visam reduzir o impacto do diagnóstico e proporcionar um ambiente mais acolhedor para o desenvolvimento das crianças.
Descritores científicos: fissura palatina, fenda labial, familiares, malformações, anormalidades craniofaciais, cirurgia.
ABSTRACT
Introduction: Orofacial clefts are the most common non-syndromic craniofacial malformations, resulting from a failure in the fusion of the structural process of the lip and/or palate, which can be unilateral, median or bilateral. Cleft lip and/or palate is a public health issue, as it is one of the most common malformations affecting the face. Guiding question: What are the feelings of family members after having to undergo the corrective surgical procedure of palatoplasty and cheiloplasty? Objective: To analyze the perceptions of family members of children with orofacial clefts undergoing surgery. Methodology: This is an exploratory study with a qualitative approach, seeking to delve deeper into this subject which has been little explored in the literature. The data collected will be obtained through conversations with the participants, which will allow for an in-depth understanding and interpretation of the interviewees’ experiences. The study will be carried out from the moment the family member arrives at the operating room of a University Hospital located in Rio de Janeiro. Results: The results showed that the diagnosis causes a profound emotional impact, marked by feelings of shock, sadness and, in some cases, guilt, especially when the diagnosis occurs after birth, without prior preparation. Discussion: the importance of emotional support and a multidisciplinary approach in caring for children with orofacial clefts and their families was highlighted. Previous studies confirm that a team made up of psychologists, speech therapists and surgeons is essential to help family members adapt, strengthen the emotional bond and reduce stress throughout the treatment. Conclusion: concluded that continuous psychological support and reception policies are fundamental for the well-being of families, and suggested the development of informative materials and professional training for a humanized approach. Such measures aim to reduce the impact of the diagnosis and provide a more welcoming environment for children’s development.
Scientific descriptors: cleft palate, cleft lift, family members, malformations, craniofacial abnormalities, surgery.
RESUMEN
Introducción: Las fisuras orofaciales son las malformaciones craneofaciales no sindrómicas más frecuentes, resultantes de un fallo en la fusión del proceso estructural del labio y/o paladar, que puede ser unilateral, medio o bilateral. El labio y/o paladar hendido es un problema de salud pública, ya que es una de las malformaciones más comunes que afectan a la cara. Pregunta guía: ¿Cuáles son los sentimientos de los familiares después de tener que someterse al procedimiento quirúrgico correctivo de palatoplastia y queiloplastia? Objetivo: Analizar las percepciones de los familiares de niños con hendiduras orofaciales sometidos a cirugía. Metodología: Se trata de un estudio exploratorio, con enfoque cualitativo, que pretende profundizar en este tema tan poco explorado en la literatura. Los datos recogidos se obtendrán a través de conversaciones con los participantes, lo que permitirá conocer en profundidad e interpretar las experiencias de los entrevistados. El estudio se llevará a cabo desde el momento en que el familiar llega al quirófano de un Hospital Universitario situado en Río de Janeiro. Resultados: Los resultados mostraron que el diagnóstico provoca un profundo impacto emocional, marcado por sentimientos de shock, tristeza y, en algunos casos, culpa, especialmente cuando el diagnóstico ocurre después del nacimiento, sin preparación previa. Discusión: se destacó la importancia del apoyo emocional y el abordaje multidisciplinario en el cuidado de niños con fisura orofacial y sus familias. Estudios anteriores confirman que un equipo formado por psicólogos, logopedas y cirujanos es fundamental para ayudar a los familiares a adaptarse, fortalecer el vínculo emocional y reducir el estrés durante todo el tratamiento. Conclusión: concluyó que las políticas de acogida y apoyo psicológico continuo son fundamentales para el bienestar de las familias, y sugirió el desarrollo de materiales informativos y de formación profesional para un abordaje humanizado. Estas medidas tienen como objetivo reducir el impacto del diagnóstico y proporcionar un entorno más acogedor para el desarrollo de los niños.
Descriptores científicos: fisura del paladar, labio leporino, familiares, malformaciones, anomalías craneofaciales, cirugía.
1 INTRODUÇÃO
As fissuras orofaciais são as malformações não sindrômicas de acometimento craniofacial mais comuns, sendo decorrentes de uma falha na fusão do processo estrutural do lábio e/ou palato, podendo ser unilateral, mediana ou bilateral. A fissura de lábio e/ou palato apresenta-se como demanda de saúde pública, visto que prevalece entre as malformações que acometem a face1-2.
De etiologia multifatorial, que inclui fatores genéticos e ambientais, se desenvolvem no período embrionário e início do fetal, ou seja, entre a 4ª e 12ª semana de gestação. Podem acometer isoladamente ou em associação o lábio, rebordo alveolar e o palato. Assim, quanto maior o comprometimento anatômico, maiores serão as implicações funcionais, estéticas e psicossociais3.
Em recém-nascidos e lactentes, as implicações relacionam-se às dificuldades funcionais, em particular as alimentares, que incluem o selamento labial ineficaz, a sucção insuficiente por causa da ausência de pressão intraoral, o refluxo nasal de alimento e tempo de mamada prolongado2.
O processo de reabilitação de pacientes com fissuras labiopalatinas inicia-se com as cirurgias plásticas primárias, sendo realizadas nos primeiros meses e anos de vida e o processo reabilitador é longo: inicia-se na infância e estende-se até a idade adulta, requerendo tratamento multidisciplinar e interdisciplinar3-4.
Durante o período gestacional, tanto a mãe quanto o pai idealizam seu bebê e criam expectativas de uma criança perfeita. Um bebê malformado produz a descontinuidade relacionada à idealização do nascimento perfeito, ferindo a fantasia e a expectativa idealizada, gerando nessa mãe sensações de desespero, angústia, incertezas, questionamentos em busca de respostas que justifiquem a malformação, sentimento de incapacidade, não aceitação e abalo emocional. Sofrimento geralmente vivido em silêncio, pela vergonha, culpa e remorso que a impedem de assumir esses sentimentos; e pela falta de atenção dos outros, que estão ocupados com o cuidado com a criança1;5.
É muito importante que o diagnóstico ocorra durante a gestação e que a mãe saiba que seu bebê é fissurado durante o pré-natal, pois assim haverá tempo para o acompanhamento e a preparação efetiva da mãe e outros familiares, que poderão compreender melhor a malformação facial e se preparar para a chegada de um bebê diferente do que era esperado; e que vai exigir cuidados específicos e procedimentos médicos e cirúrgicos nos primeiros meses de vida e ao longo de seu desenvolvimento6.
Nas malformações craniofaciais, no caso a fissura de lábio/palato, em que o defeito é na face, o processo de aceitação dos pais é mais difícil, por serem facilmente visualizadas e identificadas como anormalidades. Nesse momento, os pais precisam se desfazer da imagem criada durante a gestação e ver seu bebê real7.
O diagnóstico precoce é importante tanto para o preparo emocional dos pais quanto para a equipe de saúde que deve estar organizada e preparada ao realizar os primeiros atendimentos7.
Nesse sentido, o processo de assimilação é lento e as dificuldades se somam à falta de informações adequadas. O enfermeiro é responsável por orientar e dirimir dúvidas pertinentes aos cuidados, proporcionando maior tranquilidade e segurança, propondo uma assistência holística e humanizada, e envolvendo não somente o paciente, mas sua família7-8.
A queiloplastia e a palatoplastia são as primeiras cirurgias plásticas reparadoras executadas durante o longo e complexo tratamento das fissuras labiopalatinas. Para a criança que nasce com a fissura labiopalatina, a cirurgia reconstrutora é um desafio não só estético, mas, principalmente, funcional. A queiloplastia consiste na cirurgia reconstrutora da fissura labial, e a palatoplastia na reconstrução da fissura palatina5.
As crianças com fissuras orais são geralmente tratadas em centros de referência para malformações craniofaciais. Para tratá-las são necessárias várias correções cirúrgicas funcionais e estéticas, com a atenção constante de profissionais médicos pediatras, cirurgiões plásticos, otorinolaringologistas e geneticistas, enfermeira, fonoaudióloga, odontólogo, psicólogo, assistente social, nutricionista, entre outros. O tratamento, muitas vezes, torna-se um processo longo que inclui o acompanhamento dos pais por uma equipe multidisciplinar7.
Embora estudos sobre os cuidados ao lactente com fissura de lábio e/ou palato associada à síndrome estejam disponíveis, aqueles referentes ao universo das implicações sociais vivenciadas por pais cuidadores são incipientes8.
2 1.1 Justificativa
Este estudo foi motivado ao presenciar, na residência, alguns casos de ansiedade em acompanhantes de crianças submetidas a cirurgias corretivas de má formações faciais.
Sendo assim, entender os sentimentos vivenciados pelos familiares de crianças com malformações orofaciais é essencial para melhor compreender, apoiar e melhorar a qualidade de vida dessas crianças e suas famílias. Isso contribui para uma abordagem mais holística e compassiva no tratamento e no suporte a essas famílias, promovendo o bem-estar emocional de todos os envolvidos.
Frente ao exposto, busca-se responder a seguinte questão norteadora: Quais os sentimentos dos familiares após a necessidade de realização do procedimento cirúrgico corretivo de palatoplastia e queiloplastia?
3 1.2 Objeto de estudo
Percepções dos familiares de crianças com fissuras orofaciais em situação cirúrgica.
4 1.3 Objetivo geral
Analisar os sentimentos dos familiares de crianças com fissuras orofaciais em situação cirúrgica.
5 1.4 Objetivos específicos
Determinar o momento de conhecimento do diagnóstico de malformação orofacial.
Descrever os sentimentos vivenciados pelos familiares mediante diagnóstico de malformação orofacial.
Identificar os sentimentos dos familiares após a realização do procedimento cirúrgico corretivo de fissuras orofaciais.
6 1.5 Relevância e Contribuições do estudo
A pesquisa trará contribuições para a formação do enfermeiro, pois favorece o diagnóstico de suas práticas assistenciais, a correlação delas com os dados científicos mais atuais favorecendo uma avaliação da assistência e assim análise para quanto a necessidade de novas ações, focando uma melhor evolução perioperatória da criança e contribuindo e proporcionando um bem estar a todos os envolvidos nesse processo.
Os dados e resultados obtidos nesta pesquisa terão como objetivo fundamental contribuir significativamente para a melhoria da qualidade da assistência prestada aos pacientes. A análise cuidadosa dessas informações visa identificar áreas potenciais de aprimoramento e estratégias eficazes para aprimorar os cuidados de saúde oferecidos, com foco na otimização dos protocolos de tratamento, na maximização dos resultados clínicos e no bem-estar geral dos indivíduos atendidos.
Este estudo busca fornecer insights valiosos que possam informar práticas baseadas em evidências, contribuindo assim para a contínua excelência e aprimoramento dos serviços de assistência multiprofissionais direcionados aos pacientes em questão. Além disso, também visa compreender os sentimentos e preocupações dos acompanhantes das crianças que são submetidas a cirurgia orofacial e durante o processo cirúrgico, visando oferecer um suporte mais abrangente e empático durante todo o período de tratamento.
Referente a pesquisa em enfermagem, este estudo irá propiciar a identificação de possíveis fragilidades na assistência prestada ao acompanhante e a necessidade de rever as condutas do cuidado de enfermagem prestado, podendo servir de modelo para outros tipos cirúrgicos pediátricos e assim possam nortear a sua prática profissional.
7 2. Revisão de Literatura
8 2.1 Desenvolvimento de fissuras de lábio
O desenvolvimento do palato ocorre entre a quinta e décima segunda semana de vida embrionária, com o período mais crítico ocorrendo entre a sexta e a nona semana. A fissura labiopalatina ocorre pela não fusão dos processos maxilares e nasomedial durante o período embrionário9.
Dentre as malformações craniofaciais, as fissuras de lábio e/ou palato são prevalentes, podendo acometer, isoladamente ou em associação, o lábio, rebordo alveolar e o palato. Sua etiologia é multifatorial e inclui fatores genéticos e ambientais. No Brasil, admite-se a incidência de um caso para cada 650 nascidos vivos10.
Pacientes acometidos por fissuras de lábio e/ou palato podem apresentar problemas funcionais (dificuldade no processo mastigação-deglutição-respiração, distúrbios dentários, audição, fonação, disfunções otológicas frequentes), estéticos e psicossociais (aparência física distinta, problemas de comunicação e socialização) que podem levar à exclusão social10.
9 2.2 Impactos emocionais dos familiares
Famílias que têm crianças com anomalias orofaciais, como fissuras labiopalatinas (fenda labial e/ou palato), muitas vezes enfrentam uma série de impactos emocionais e psicológicos. As fissuras orofaciais podem variar em gravidade, e os desafios enfrentados pelas famílias podem depender do tipo e da extensão da anomalia, bem como das circunstâncias individuais. Alguns dos impactos emocionais que os familiares podem experimentar incluem: choque e angústia inicial, culpa e autorrecriminação, preocupações com o futuro, estresse financeiro, isolamento social, sentimentos de luto, estigma e discriminação, pressão para tomar decisões médicas5;7-8.
Trata-se, portanto, de uma condição complexa que, na maioria dos casos, requer um tratamento longo, multiprofissional, especializado e múltiplas cirurgias. Não existe consenso na literatura quanto ao melhor protocolo a ser seguido. O protocolo cirúrgico vai depender do tipo de fissura e do estado de saúde da criança. A cirurgia reparadora primária é a primeira etapa da abordagem terapêutica do portador de fissura labiopalatina e pode reduzir fortemente as sequelas estéticas e funcionais. Em contrapartida, a realização dessa cirurgia após o período recomendado pode interferir no desenvolvimento normal da fala, na aceitabilidade social e no desempenho escolar das crianças afetadas11.
A hospitalização sugere um momento de apreensão no qual o paciente, em desequilíbrio de sua saúde, necessita de atendimento e cuidados integrais, podendo gerar situações pouco comuns em seu cotidiano: insegurança e perda de independência, de decisão, do reconhecimento social, da auto-estima e de sua identidade, representando algo não positivo e reconhecido pelo mesmo como experiência não desejada12.
Os principais centros de tratamento de anomalias craniofaciais brasileiros seguem os padrões estabelecidos pela American Cleft Palate-Craniofacial Association (ACPA), que recomenda o fechamento cirúrgico primário do lábio dentro dos primeiros 12 meses de vida, ou o mais precocemente possível desde que seja considerado seguro para a criança, e o fechamento cirúrgico do palato até a criança completar 18 meses de idade11.
Atualmente, existem duas abordagens comumente usadas para o momento do reparo da fenda palatina: reparo em dois estágios e reparo em estágio único. O dilema do crescimento maxilar após o reparo da fenda palatina tem levado alguns cirurgiões a preferir o reparo em dois estágios.
O protocolo geral, originalmente introduzido por Schwekendiek e Doz, implicava o reparo do palato mole ao mesmo tempo que o reparo da fenda labial, em torno de 4 a 6 meses. O palato duro era fechado e reparado com cerca de 4-5 anos. Idades mais precoces foram propostas posteriormente para o reparo do palato duro, geralmente em torno de 18 a 24 meses. A justificativa para essa abordagem é que a fenda do palato duro se estreita durante o tempo entre os procedimentos, exige menos dissecção e resulta em menos distúrbios do crescimento maxilar13.
10 2.3 Cuidados de Enfermagem nas cirurgias corretivas de fissuras orofaciais
Se o tratamento oferecido não for adequado, o paciente acometido por esta malformação pode apresentar desordens que irão afetá-lo como indivíduo, mas que também irão atingir sua família e a sociedade. Nesta perspectiva, o enfermeiro como integrante da equipe cirúrgica que atende esta clientela, deve aplicar a Sistematização da Assistência de Enfermagem Perioperatória (SAEP) como instrumento para realizar o registro completo descrevendo toda avaliação clínica e assistência de enfermagem prestada durante o período perioperatório, O correto desenvolvimento e aplicação da SAEP reafirma a importância da presença do profissional de enfermagem durante o processo cirúrgico. Além disso, a mesma deve ser documentada no prontuário do paciente seguindo os preceitos teóricos da enfermagem14.
Nesse sentido, os profissionais de enfermagem utilizam a Sistematização da Assistência de Enfermagem como metodologia para planejar, organizar e direcionar sua prática, onde sua operacionalização ocorre por meio da elaboração do Processo de Enfermagem (PE). Este, no que lhe concerne, é composto das seguintes etapas: histórico (entrevista e exame físico), diagnóstico, prescrição ou intervenções e avaliação ou evolução de enfermagem, conforme recomenda a Resolução 358/2009 do Conselho Federal de Enfermagem, devendo embasar-se num Referencial Teórico14.
No entanto, prestar o cuidado de forma que o paciente se perceba e tenha entendimento sobre o cuidado que é oferecido no ambiente hospitalar, pode se apresentar como uma atividade complexa, sendo necessário que as equipes de saúde estejam cada vez mais preparadas e sensibilizadas12.
Assim, existe a necessidade de equipes multiprofissionais que atuem neste processo de modo que se possa estabelecer novas diretrizes para o diagnóstico, o tratamento e a prevenção de fissuras, além do estabelecimento de uma sistematização da assistência de enfermagem perioperatória, com base nas melhores evidências científicas15.
11 3. Metodologia
12 3.1 Tipo de Estudo
Trata-se de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, que vai buscar aprofundar-se sobre essa temática tão pouco explorada na literatura. O estudo se enquadra como exploratório qualitativo em razão dos dados coletados serem obtidos através de conversas com os participantes, que permite a compreensão profunda e a interpretação de experiências vivenciadas pelo entrevistado.
Os métodos de estudo qualitativos são úteis para explorar integralmente a natureza de fenômenos pouco compreendidos. A pesquisa qualitativa exploratória destina-se a desvendar os vários modos pelos quais o fenômeno se manifesta e seus processos subjacentes16.
Neste tipo de estudo os pesquisadores coletam principalmente dados qualitativos, ou seja, descrições narrativas, que podem ser obtidos a partir de entrevistas com participantes, observações do comportamento dos participantes em ambientes naturais ou registros narrativos, como diários16.
Pesquisadores qualitativos empregam uma abordagem flexível para coleta e análise de dados, tornando impossível definir com precisão o fluxo da atividade. Esse fluxo varia de estudo para estudo, e os próprios pesquisadores não sabem de antemão exatamente como se desenrolará a investigação16.
Os pesquisadores qualitativos começam inicialmente pela observação e conversa com os entrevistados que têm uma experiência de primeira mão com o fenômeno estudado16.
As discussões e observações são estruturadas tenuemente, permitindo que os participantes expressem ampla variedade de crenças, sentimentos e comportamentos16.
13 3.2 Local e sujeitos
O estudo foi realizado a partir da chegada do familiar no centro cirúrgico de um Hospital Universitário, localizado no Rio de Janeiro.
O Hospital Universitário dispõe de 16 salas de cirurgias atualmente e realiza cirurgias de diversas especialidades tais como: ortopédicas, cardíacas, cardíacas pediátricas, urológicas, cirurgia geral, ginecológicas, pediátricas, proctológicas, plásticas, neurológicas, otorrinolaringologia, oftálmicas, por robótica, híbrida, vasculares, entre outras. Também possui a sala de recuperação anestésica que possui 12 leitos, destes 12 leitos, 6 são monitorizados e 6 não.
População: familiares dos pacientes pediátricos admitidos no centro cirúrgico para procedimento corretivo; População de amostra: familiares de pacientes pediátricos submetidos a procedimento cirúrgico eletivo e urgência, admitidos no centro cirúrgico; Tamanho da amostra: 30.
Critérios de inclusão: familiares lúcidos e orientados com crianças submetidas a procedimento cirúrgico eletivo de ambos os sexos, entre o período de neonatos até a idade pré-escolar, em pré-operatório ou pós-operatório imediato, admitidos no centro cirúrgico. Critérios de exclusão: familiares com crianças submetidas a procedimento cirúrgico que não estarão em condições responsivas no pré-operatório ou pós-operatório.
O instrumento de coleta de dados será desenvolvido para analisar o estudo e usado para entrevistar os familiares dos pacientes durante sua permanência no centro cirúrgico. Um teste piloto da ferramenta de coleta de dados será realizado para verificar a adequação e eficácia do instrumento.
14 3.3 Coleta de dados
Foi realizada uma coleta de dados em formato de entrevista semiestruturada dos pacientes submetidos à cirurgia corretiva de malformação com a elaboração de um instrumento que foi válido por meio de entrevista piloto. Ao total foram realizadas 13 entrevistas.
Uma entrevista semiestruturada é uma abordagem de coleta de dados frequentemente utilizada na pesquisa qualitativa nas quais o objetivo é compreender em profundidade as perspectivas, experiências e significados dos participantes. Ela combina elementos de entrevistas estruturadas e entrevistas não estruturadas (também conhecidas como entrevistas abertas). Neste tipo de entrevista, o pesquisador tem uma lista de tópicos ou perguntas a serem abordados, mas a conversa pode fluir de forma mais flexível, permitindo que o entrevistador adapte as perguntas e explore tópicos adicionais com base nas respostas do entrevistado.
Os discursos dos participantes serão registrados por meio de um gravador de voz (MP3), após autorização e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Na entrevista semiestruturada, o pesquisador buscará não induzir as respostas ou restringir a fala do participante. Posterior os dados serão transcritos na íntegra e compilados para em banco de dados em Excel.
A entrevista semiestruturada é um dos principais meios que o investigador tem para realizar a Coleta de Dados, privilegiando a entrevista ao mesmo tempo que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação17.
Uma entrevista semiestruturada é um método de coleta de dados qualitativos que envolve a realização de entrevistas com um roteiro de perguntas ou tópicos previamente elaborado, mas com flexibilidade para o entrevistador explorar questões adicionais ou aprofundar as respostas dos entrevistados. Essa abordagem permite uma compreensão mais aprofundada das perspectivas e experiências dos participantes, ao mesmo tempo em que mantém uma estrutura básica de questionamento. Ela é frequentemente utilizada em pesquisas qualitativas para explorar e documentar as percepções, opiniões e significados subjacentes a um tópico de estudo.
Esses dados serão analisados e categorizados por análise de conteúdo de Bardin.
15 3.4 Questões éticas
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), localizado na Rua São Francisco Xavier, 524, sala 3018, bloco E, 3o andar, – Maracanã – Rio de Janeiro, RJ, e-mail: coep@sr2.uerj.br – com o parecer nº 7.047.645 de agosto de 2024. A coleta de dados foi iniciada somente após essa aprovação, garantindo o anonimato dos depoentes de acordo com os critérios éticos estabelecidos na resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
16 3.5 Análise e Tratamento de dados
A análise de conteúdo como proposta por Laurence Bardin é uma abordagem qualitativa que visa compreender o significado subjacente em um conjunto de dados, muitas vezes textuais, analisando o conteúdo de diferentes tipos de documentos, como textos, imagens, vídeos, entrevistas, entre outros.
Ela envolve a organização e interpretação do conteúdo, identificando categorias, temas e padrões. A análise de conteúdo de Bardin é amplamente utilizada em pesquisa qualitativa e permite aos pesquisadores extrair informações valiosas a partir de dados textuais, como entrevistas, documentos ou outros materiais escritos18-19. A metodologia de análise de conteúdo de Bardin envolve várias etapas, incluindo19:
1. Pré-análise: Nesta fase, os pesquisadores definem o objetivo da pesquisa, o material a ser analisado e os critérios de inclusão/exclusão. Também podem ser definidas categorias e unidades de análise preliminares.
2. Codificação ou Categorização: Os pesquisadores analisam o material e codificam os elementos relevantes, atribuindo rótulos, categorias ou códigos a trechos do conteúdo. Os códigos são agrupados em categorias com base em semelhanças ou temas identificados. Essas categorias podem ser desenvolvidas de forma indutiva (a partir dos dados) ou dedutiva (com base em teorias pré-existentes).
3. Tratamento dos resultados, inferências e interpretação: Nesta etapa, os pesquisadores exploram o conteúdo em profundidade, identificando relações, tendências, padrões e significados subjacentes às categorias. Interpretação: Os pesquisadores interpretam os resultados da análise de conteúdo e elaboram conclusões com base nas descobertas.
É importante mencionar que a análise de conteúdo pode ser realizada de diversas maneiras, dependendo dos objetivos da pesquisa e do material em análise. Essa abordagem é valiosa para compreender os significados, representações e discursos presentes nos dados. A análise de conteúdo de Bardin fornece uma estrutura sistemática para lidar com dados textuais e extrair insights significativos.
17 3.6 Riscos e benefícios do estudo
Toda pesquisa oferece algum tipo de risco. Nesta pesquisa, o risco pode ser avaliado como mínimo, isto é, o participante pode apresentar um desconforto ao responder as perguntas da entrevista. Objetivando minimizar esses riscos, o participante tem a possibilidade de levar o tempo que for necessário para responder o questionário, até que se sinta confortável e calmo ou mesmo, se negar a participar da entrevista.
Por outro lado, os benefícios previstos com a conclusão da pesquisa são multifacetados e abrangem tanto aspectos científicos quanto práticos. A pesquisa visa agregar conhecimento significativo sobre os sentimentos vivenciados pelos familiares de crianças com fissuras orofaciais, permitindo a identificação de padrões emocionais e comportamentais que ocorrem desde a descoberta da malformação até o período pós-cirúrgico. Esse entendimento poderá ser utilizado em futuras pesquisas e formar a base para novos estudos que busquem melhorar a qualidade de vida e o apoio psicológico a essas famílias.
Entender os sentimentos e as expectativas dos familiares contribuirá para o aprimoramento da assistência prestada pelos profissionais de saúde. Com uma compreensão mais profunda das necessidades emocionais e psicológicas dos familiares, os profissionais poderão oferecer um suporte mais adequado e humanizado, melhorando a experiência dos pacientes e seus familiares durante o tratamento.
Os insights obtidos através da pesquisa permitirão a criação de protocolos e práticas mais eficazes e personalizadas no cuidado de crianças com fissuras orofaciais. Isso resultará na melhoria da sistematização da assistência prestada, garantindo que as intervenções sejam baseadas em evidências e focadas nas necessidades reais das famílias. Os resultados da pesquisa poderão ser utilizados para sensibilizar e educar a sociedade sobre os desafios enfrentados pelas famílias de crianças com fissuras orofaciais, levando a um aumento da empatia e do apoio comunitário, bem como a uma maior inclusão social dessas famílias.
A pesquisa contribuirá também para a formação de profissionais de saúde mais preparados e conscientes das complexidades emocionais associadas às fissuras orofaciais, capacitando-os para oferecer um atendimento integral e humanizado, crucial para o sucesso dos tratamentos cirúrgicos e para o bem-estar geral dos pacientes e suas famílias.
Em suma, os benefícios previstos com a conclusão desta pesquisa são amplos e impactantes, englobando avanços científicos, melhorias práticas na assistência à saúde, e impactos positivos na sociedade. Detalhar esses benefícios de forma clara e objetiva é essencial para justificar a relevância e a importância do estudo, demonstrando que os objetivos da pesquisa vão além da mera coleta de dados, proporcionando melhorias reais e significativas na vida dos participantes e na prática clínica.
18 4. Resultados e Discussão
Foram analisadas 15 entrevistas, sendo 11 do sexo masculino e 5 do sexo feminino. Dentre as quais foram 7 de palatoplastia e 8 de queiloplastia, as crianças variaram entre 7 meses e 5 anos, com maioria do sexo masculino. A maioria dos diagnósticos das fissuras foi identificado no momento do nascimento, ou seja, após o parto, durante a primeira avaliação clínica do recém-nascido, enquanto em uma minoria dos casos o diagnóstico foi feito ainda durante a gestação, normalmente por meio de ultrassonografias de alta resolução.
Todos têm indicação de cirurgia corretiva, incluindo palatoplastia e/ou queiloplastia. A maioria dos familiares relataram choque ou tristeza ao receber o diagnóstico. Alguns sentiram culpa, especialmente em relação à gestação, outros mencionaram estigma social, com recebimento dos julgamentos. A cirurgia é vista como esperança de normalização, sendo a fala de maior expectativa para a maioria dos familiares.
A alimentação preocupa boa parte dos pais que almejam também melhoria estética. Uma parcela pequena das mães conseguiu amamentar diretamente no peito, enquanto a maioria precisou recorrer à mamadeira. Com isso elas enfrentam frustração por não amamentarem naturalmente, promovendo um impacto emocional.
19 4.1 Impacto Emocional no Diagnóstico de Malformação
A descoberta da fissura orofacial foi descrita por todos os familiares como um momento de grande impacto emocional. A maioria dos familiares expressou choque e tristeza, sendo relatado sentimento de culpa. Isso está alinhado com a literatura, que destaca como o diagnóstico de malformação congênita pode gerar um sentimento de perda da idealização do bebê “perfeito”. Autores destacam que o estigma associado à aparência facial pode amplificar essas reações emocionais, criando uma sensação de inadequação dos pais7.
É possível perceber, a partir das falas dos familiares entrevistados, o impacto emocional que o diagnóstico de fissura orofacial causou, marcado por sentimentos de choque, tristeza e, em alguns casos, culpa. Esses depoimentos refletem as reações e as dificuldades emocionais enfrentadas pelos familiares ao se depararem com essa condição inesperada. A seguir, falas dos depoentes:
“Foi um baque, porque tenho dois filhos sem fissura, foi um choque.” Entrevistado 1)
“Descobri no nascimento foi um susto, me senti horrível, pensei que tinha feito algo errado na gravidez” (Entrevistado 2)
“Eu me senti muito mal e com medo, pois a fissura chamava atenção.” (Entrevistado 3)
“Foi um impacto emocional forte descobrir com 29 semanas, mexeu comigo.” (Entrevistado 6)
“Ficamos em choque, os exames não mostraram nada, só soubemos ao nascer.” (Entrevistado 8)
“Chorei muito ao receber a notícia, pois não sabia que havia casos na família.” (Entrevistado 10)
Esse impacto emocional não apenas afeta o vínculo inicial com o bebê, mas também impõe uma carga psicológica significativa aos cuidadores, que enfrentam a necessidade de múltiplas cirurgias para a correção da condição ao longo da vida da criança20.
Essa carga emocional vivenciada pelos familiares diante do diagnóstico de palatoplastia e queiloplastia faz com que haja uma “ruptura do ideal”, em que a expectativa de um bebê saudável e “perfeito” é subitamente deixada pela realidade de uma condição que exige cuidados especiais e adaptações.
De acordo com os dados obtidos neste estudo foi possível observar que em relação às informações fornecidas às mães durante o período gestacional e pós parto sobre o diagnóstico, houve uma desinformação por parte da equipe que as acompanhava na maior parte dos casos. Por não terem recebido explicações claras e tranquilizadoras, muitas mães buscaram informações por conta própria em fontes digitais e em grupos de apoio com outras mães que enfrentaram/enfrentam o mesmo desafio.
As percepções em torno do processo cirúrgico revelam preocupações como a falta de conhecimento sobre o que ocorre no centro cirúrgico, recebimento em relação à anestesia, medo de não despertar ou de não sair da sala de cirurgia, entre outros. Esses pensamentos dificultam a compreensão das informações transmitidas aos envolvidos, especialmente quando são utilizados termos técnicos, o que deixa os familiares com dúvidas e não alivia suas ansiedades21.
Há relatos limitados sobre essa temática abordando o impacto emocional que os familiares vivenciam durante o processo de descoberta do diagnóstico de malformação, até a realização da cirurgia.
20 4.2 Expectativas com a Cirurgia Corretiva
A cirurgia corretiva é vista com grande esperança. A maior parcela dos familiares demonstrou esperar que a cirurgia melhore a fala da criança, enquanto a outra parcela deseja que ajude na alimentação. Esses dados refletem a expectativa de que a cirurgia traga melhorias funcionais e estéticas, contribuindo para a inclusão social das crianças e para a redução do estigma. Estudos indicam que a correção cirúrgica precoce tem resultados positivos na funcionalidade e na autoestima das crianças10.
“Então eu me sinto com expectativa na questão da fala. A questão da fala dele, tem horas que a gente entende o que ele fala, tem horas que a gente não entende o que ele fala. A minha expectativa é que ele consiga falar melhor. E a comida também que ainda volta muito no nariz, pra ele dormir a gente tem que fazer a lavagem nasal, e acredito que dê uma amenizada, estou com essa esperança.” (Entrevistado 2)
“Nossa, uma maravilha, porque vai ajudar a comer, a mamar também, porque no começo ela não tava conseguindo pegar nada, não conseguia chupar chupeta, pegar na mamadeira, nada.” (Entrevistado 5)
“A minha expectativa é que ele tenha uma vida normal com certeza, interagir com os coleguinhas dele, não sofrer bullying, porque isso é antigo não é de hoje. E que ele seja muito feliz.” (Entrevistado 8)
“Senti um certo medo de passar pelo centro cirúrgico, pela anestesia, por tudo que pode acontecer. E o outro maior medo também é o pós-cirúrgico, disseram que é bem complicado, por ele ser uma criança, praticamente um bebê ainda, de como lidar com essa situação.” (Entrevistado 7)
Os pais começam a ansiar o momento da cirurgia, e que todo o impacto emocional, assim como o funcional na criança, causado pela deformidade labial, seja reparado após o resultado cirúrgico para que a vida siga “normalmente”. Nesse contexto, é essencial promover um diagnóstico situacional sobre cada caso de fissura, e um diálogo com os pais acerca dos cuidados pré-operatórios e a idade certa da criança, devido às suas fases de desenvolvimento, uma vez que se faz necessário planejar e programar ações educativas visando minimizar a ansiedade e as dúvidas acerca do momento da cirurgia reconstrutora da fissura labial (queiloplastia) e/ou a cirurgia reconstrutora da fissura palatina (palatoplastia), tendo em vista obter os melhores resultados6.
“To bem empolgada, acho que desde que a gente descobre é uma das primeiras coisas que não saem da sua cabeça, o dia da cirurgia. Essa noite eu nem dormi, tô acordada, virada. (Entrevistado 11)
Por isso, a forma de comunicar o diagnóstico aos pais é um fator de suma importância, pois mobiliza sentimentos na família que devem ser trabalhados pela equipe de saúde. Buscar ter uma linguagem adequada e empática, tendo consciência dos processos emocionais que estes familiares enfrentarão, poderá minimizar o impacto da notícia. Entretanto, muitos profissionais de saúde se limitam a transmitir as informações com uma linguagem técnica e sem identificação emocional, limitando-se a informar em linhas gerais sobre a patologia, gerando dúvidas e, no caso da fissura labiopalatina, buscam expressar uma resolução informando que há cirurgia para corrigir a malformação6.
No entanto, fica evidente o quanto uma equipe multidisciplinar treinada pode contribuir para uma melhor aceitação, reduzindo a angústia e o medo, além de proporcionar informações mais claras e adequadas para esses familiares acompanhantes.
21 4.3 Dificuldades na Amamentação
As dificuldades de amamentação surgiram como um desafio significativo para os familiares entrevistados, que descreveram frustração e tristeza ao não conseguirem amamentar seus filhos no peito. A fissura orofacial torna a sucção difícil, impedindo uma experiência de amamentação completa.
“Ele não conseguiu mamar no peito, e meu leite secou muito rápido.” (Entrevistado 4)
“Foi muito difícil ver ela não conseguir mamar, me senti incapaz.” (Entrevistado 7)
“A amamentação foi impossível, mesmo tentando muito, o leite secou rápido.” (Entrevistado 9)
Muita dificuldade, porque ele não teve sucção, eu quase perdi ele, porque depois de 10 dias que eu descobri o que ele tinha, porque quando ele nasceu não me falaram nada, examinaram ele mas não viram. Me senti uma péssima mãe, precisei fazer terapia, porque eu tinha a expectativa de amamentar ele desde a gestão. E eu falei que ia ser amamentação exclusiva, quando ele nasceu e eu vi que eu quase perdi ele porque ele não estava amamentando e depois eu fui descobrir o porquê, eu me senti super incapaz. Péssima mãe. (Entrevistado 15)
As orientações são de fundamental importância, pois uma vez bem orientadas, essas famílias conseguem fazer com que as crianças tenham uma melhor taxa de desenvolvimento, pois alimentam-se com mais facilidade, e fazem com que a ansiedade dos pais seja menor22.
Menos da metade das mães amamentaram no peito, enquanto o restante recorreu a alternativas como a mamadeira. Essa dificuldade gerou sentimentos que estão de acordo com a literatura sobre a importância do vínculo emocional que a amamentação traz.
A frustração relatada reflete um cenário complexo, onde, além da preocupação com o bem-estar físico do seu filho, existe um sentimento de incapacidade em alimentá-lo e mantê-lo saudável, com ganho de peso. Visto que muitas mães sonham e idealizam com esse momento de experiência única de criação de vínculo com seu bebê, contudo, em contrapartida, muitas delas relatam sentir-se aliviadas e satisfeitas ao perceberem que, mesmo optando por alternativas como a mamadeira, seus filhos estavam saudáveis e bem alimentados.
22 4.4 Apoio Emocional e Multidisciplinar
A família é uma fonte de apoio emocional inigualável, fornecendo conforto e suporte nos momentos de dificuldade e desafio. Ao longo da vida, a família continua a desempenhar um papel crucial, oferecendo conexão, identidade e um senso de pertencimento que são fundamentais para o bem-estar psicológico e emocional23.
A fissura orofacial apresenta desafios que vão além dos cuidados médicos. Para os familiares, o diagnóstico e o tratamento cirúrgico de uma condição visível e complexa como essa demandam de um acompanhamento que envolve não apenas o aspecto físico, mas também o suporte emocional. O apoio multidisciplinar engloba uma equipe composta por psicólogos, assistentes sociais, cirurgiões, fonoaudiólogos e outros especialistas, que atuam de maneira integrada para atender às diversas necessidades da criança e de seus familiares.
As relações envolvendo pais e filhos são reconhecidas como parte fundamental na construção da saúde emocional desses membros, tendo como função básica a proteção de seus filhos. Os laços afetivos favorecem o desenvolvimento emocional e previnem desajustes biopsicossociais, contribuindo na recuperação quando os desajustes são inevitáveis24.
Os relatos ressaltam a necessidade de um suporte emocional contínuo para os familiares, desde o diagnóstico até o pós-operatório. Além do apoio psicológico, uma equipe multidisciplinar pode ajudar a reduzir o impacto emocional da condição. O acompanhamento com psicólogos e especialistas em fissura orofacial é essencial para que os familiares se sintam coletados e bem informados.
“Me senti mal, muito mal, achei que a culpa era minha, eu não entendia muito bem, não sabia nada sobre. E foi a partir dali que eu fui pesquisar e tentar entender e aprender do que se tratava. (Entrevistado 14)
“Eu fiquei muito assustada na hora, eu descobri com 27 semanas na morfológica do 2º trimestre, eu fui lá uma vez e a médica falou que não estava conseguindo ver melhor você voltar na semana que vem, aí quando eu voltei ele foi bem rude.” (Entrevistado 12)
“Eu fiquei emocionada, chorei muito, até porque a forma que eu recebi a notícia foi muito ruim, porque o médico não explicou direito só falou que ele ia ter o lábio leporino e falou que depois o meu médico ia conversar comigo” (Entrevistado 9)
Isso serve para lembrar que a participação da família no tratamento está também associada às várias outras tarefas presentes no cotidiano dessas pessoas, tais como seus empregos e suas ocupações, cuidados com sua própria saúde ou com outros relacionamentos para além daquele com o familiar25.
23 Considerações Finais
A análise das entrevistas mostra um padrão de sentimentos de choque e frustração, aliado a uma forte esperança na cirurgia corretiva. O estigma social e as dificuldades de educação reforçam a importância de um atendimento humanizado e de um suporte psicológico para as famílias. Esses fatores são cruciais para que os familiares possam se adaptar melhor à condição e oferecer o apoio necessário ao desenvolvimento saudável das crianças.
Fica evidente a importância de uma conduta humanizada e integrada no cuidado de crianças com anomalias orofaciais. A busca de estratégias de acolhimento e de suporte psicológico é essencial para ajudar as famílias a se adaptarem ao diagnóstico e a promover o bem-estar da criança em todas as etapas de tratamento.
A análise dos dados revelou que a maioria dos familiares recebeu o diagnóstico de forma inesperada, muitas vezes após o nascimento da criança, o que potencializou o impacto emocional. A ausência de diagnóstico em alguns casos contribuiu para os sentimentos de choque, tristeza, angústia, medo, culpa, essa resposta emocional reflete na ruptura da expectativa de um bebê idealizado destacando a necessidade de orientação, suporte e acolhimento para os familiares nesse momento delicado. Após a cirurgia corretiva, foram relatados sentimento de alívio e esperança quanto ao seu desenvolvimento. A maioria dos entrevistados percebe a cirurgia como um marco para a melhoria na qualidade de vida da criança.
A limitação do estudo foi porque houve uma escassez de estudos sobre a temática abordada, deixando irrefutável a necessidade de novas pesquisas. Essa lacuna no conhecimento científico dificulta a compreensão plena e a elaboração de estratégias mais eficazes de acolhimento, assistência e apoio aos familiares envolvidos em todo o processo. Como contribuição, destaca-se a necessidade de capacitação profissional para esse tipo de diagnóstico, fazendo com que se tenha uma abordagem mais humanizada, distribuir materiais informativos sobre o diagnóstico para que seja reduzido o estigma e disseminar informações sobre o tratamento e os cuidados necessários.
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¹Enfermeira especialista em Centro Cirúrgico, Central de Material e Esterilização e Robótica;
²Enfermeira especialista em Centro Cirúrgico, Centro de Material e Esterilização e Robótica;
³Enfermeira. Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
⁴Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora pela Escola de Enfermagem Anna Nery – UFRJ;
⁵Enfermeiro. Professor Titular do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).