PLANEJAMENTO PATRIMONIAL E SUCESSÓRIO: O PAPEL DO ACORDO DE SÓCIOS E DO PROTOCOLO FAMILIAR

WEALTH AND SUCCESSION PLANNING: THE ROLE OF SHAREHOLDERS’ AGREEMENTS AND FAMILY PROTOCOL.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505301806


Letícia Cadete Medeiros Marcolino
Orientador: Prof. Dr. André de Souza Dantas Elali


Resumo: Este artigo aborda o planejamento patrimonial e sucessório, destacando a importância do acordo de sócios e do protocolo familiar como ferramentas essenciais para a longevidade das empresas familiares, visando reduzir conflitos e otimizar processos.

Palavras-chave: Planejamento Sucessório. Protocolo Familiar. Acordo de Sócios. Governança Corporativa. Empresa Familiar.

Abstract: This paper discusses estate and succession planning, highlighting the importance of shareholder agreements and family protocols as essential tools for the longevity of family businesses, aiming to reduce conflicts and optimize processes.

Keywords: Wealth Management. Family Protocol. Shareholder Agreement. Corporate Governance. Family Business.

1 INTRODUÇÃO

A transição entre gerações costuma ser um dos momentos mais desafiadores para as empresas familiares, momento no qual a complexa teia que une laços afetivos, patrimônio e gestão empresarial comumente se torna palco para conflitos e incertezas. Quando a sucessão bate à porta, inevitavelmente, surgem tensões e inseguranças e nesse delicado cenário, o planejamento patrimonial e sucessório emerge não apenas como uma ferramenta de organização, mas como um pilar essencial para a preservação dos negócios e da harmonia familiar. 

Nesse contexto, dois instrumentos se destacam pela capacidade de alinhar expectativas e prevenir litígios no coração da governança familiar: o acordo de sócios e o protocolo familiar.

Apesar de muitas vezes mencionados lado a lado, cada um deles possui finalidades próprias, contudo complementares, de modo que sua adoção de forma conjunta pela família empresária busca justamente harmonizar dois universos — o das regras formais e o das dinâmicas afetivas. 

Este artigo se propõe a analisar as particularidades do acordo de sócios e do protocolo familiar, esclarecer suas funções, diferenças e, sobretudo, seu potencial como instrumentos vitais para a longevidade e a prosperidade das empresas familiares no Brasil. Ao explorar suas aplicações práticas, o intuito é oferecer uma visão clara de como tais mecanismos podem ser utilizados para construir pontes entre gerações, assegurando um futuro mais seguro para o patrimônio e para os membros da família.

2. DEFINIÇÃO E OBJETIVOS DO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO PATRIMONIAL

A sucessão causa mortis refere-se à transmissão dos direitos e obrigações de uma pessoa falecida para seus herdeiros, seja por determinação legal ou pela manifestação expressa do falecido. Esse princípio está previsto no artigo 1.784 do Código Civil de 2002:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Isso significa que, no momento do óbito, a herança é transferida automaticamente aos herdeiros, sem necessidade de qualquer ato adicional. Embora a sucessão constitua um direito fundamental, assegurado pelo artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal, as questões relacionadas ao processo sucessório ainda representam um tema sensível na sociedade, muitas vezes negligenciado por falta de planejamento adequado.

O planejamento sucessório surge como um caminho para minimizar disputas e complicações relacionadas à transmissão do patrimônio. Além dos possíveis conflitos entre herdeiros, o processo de inventário pode se estender por anos, mesmo em vias extrajudiciais. Durante esse período, os bens podem sofrer desvalorização ou até mesmo deixar de existir, exigindo revisões nas cotas hereditárias.

O especialista Marcelo Truzzi destaca a morosidade desse processo ao afirmar que “o inventário é um processo maltratado, que se alonga no tempo e, não raro, após longo período em que as partes tentam chegar aos finalmentes, estes acabam frustrados”. Além disso, a insatisfação com a divisão de bens pode levar ao litígio, postergando ainda mais a resolução do caso.

Outro ponto crítico do inventário é a carga tributária incidente, especialmente o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), regulamentado pelos estados e pelo Distrito Federal, conforme artigo 155, inciso I, da Constituição Federal. Esse tributo é obrigatório em toda transmissão de bens e direitos, podendo representar um custo significativo para os herdeiros.

Com precisão, Daniele Teixeira define o planejamento sucessório como o instrumento jurídico que permite a adoção de uma estratégia voltada para a transferência eficaz e eficiente do patrimônio de uma pessoa após a sua morte. (TEIXEIRA, 2018).

Historicamente, a aquisição e acumulação de bens resultam de anos de trabalho e dedicação dos patriarcas e matriarcas, tornando fundamental a preocupação com a perpetuação desse patrimônio. Nesse sentido, o planejamento sucessório permite que a transferência ocorra de forma estruturada, com processos burocráticos otimizados, de modo a previnir perdas financeiras e, como já pontuado, disputas familiares.

Assim, o Planejamento Patrimonial Sucessório, também conhecido como Wealth Management, é a estratégia ideal às famílias que buscam a transmissão eficiente do patrimônio e Gladston Mamede e Eduarda Mamede enfatizam a importância de tal planejamento ao afirmar que:

 “não se pode deixar de considerar o custo elevado da ausência de um plano sucessório e, mesmo, da preparação de pessoas para que venham eventualmente a ocupar a administração societária a bem da proteção dos interesses familiares. Em outras palavras, repetindo o que já faziam os nossos antepassados, há séculos é preciso formar sucessores. Corajosamente, é indispensável preparar a família para a sucessão, ainda que isso implique trabalhar com a ideia da própria morte” (MAMEDE E MAMEDE, 2018, p. 111).

Complementando essa visão, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho definem o planejamento sucessório como “um conjunto de atos que visa a operar a transferência e a manutenção organizada e estável do patrimônio do disponente em favor dos seus sucessores” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2016, p. 404).

No processo de Planejamento Patrimonial Sucessório envolve a integração de diversas áreas do direito, incluindo direito de família, sucessões, tributário e societário. O direito tributário, em particular, desempenha um papel essencial ao buscar a redução da carga fiscal sobre o patrimônio e as transações de transmissão. Além disso, objetiva garantir que todas as obrigações tributárias inerentes ao processo sucessório sejam cumpridas de acordo com a legislação vigente, já que quanto maior a complexidade do patrimônio e o número de herdeiros, maiores são os riscos e a complexidade da dinâmica familiar.

No Brasil, observa-se ainda uma considerável resistência das famílias empresárias ao planejamento patrimonial, principalmente devido à relutância em discutir temas como morte e dinheiro de forma interligada. Muitas famílias evitam o assunto para prevenir conflitos “antes da hora”, enquanto outras desconhecem as ferramentas e estratégias disponíveis para garantir uma sucessão mais tranquila e eficiente. Independentemente do porte econômico, o planejamento patrimonial é indispensável para garantir a continuidade do patrimônio familiar de forma estruturada, segura e em conformidade com a legislação vigente, razão pela qual a adoção de algumas ferramentas a seguir aprofundadas se torna essencial ao tratar deste tema. 

3. EMPRESAS FAMILIARES: PLANEJAMENTO E GOVERNANÇA.

Uma empresa familiar é uma entidade empresarial na qual a propriedade e a gestão estão predominantemente nas mãos de uma ou mais famílias. Essas empresas geralmente têm membros da família envolvidos em funções-chave de liderança e administração, de modo que a propriedade é comumente transferida a cada geração. 

No tipo empresarial em tela a dinâmica familiar influencia significativamente a tomada de decisões e a cultura organizacional, uma vez que na empresa familiar a família ou as famílias estão no comando da atividade econômica fim, exercendo efetivamente o poder de controle de forma contínua, nos termos do art. 1161 da Lei das Sociedades por Ações – LSA (Lei nº 6.404/1976). Por essa razão, estão de certa forma “vulneráveis” aos impactos gerados por, por exemplo, divórcios, inventários, interdições e outros incontáveis conflitos advindos do núcleo familiar.

Conforme análise do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas brasileiras possuem controle familiar, configurando mais de 50% (cinquenta por cento) do PIB e empregando cerca de 75% da mão de obra ativa do país. No entanto, embora as empresas familiares representem porcentagem predominante no mercado nacional, somente o percentual mínimo de 3% a 4% delas subsistem após a terceira geração, de acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Tal dado revela a importância crescente de as empresas familiares adotarem mecanismos jurídicos e estratégicos voltados ao Wealth Management, uma vez que o Planejamento irá atuar na organização da transmissão de bens e na gestão do patrimônio de maneira estruturada e personalizada às necessidades de cada família empresária, levando em conta as particularidades do patrimônio e das relações familiares de cada indivíduo ou empresa. É imprescindível ressaltar tal aspecto, posto que ao contrário do que muitos acreditam e acabam por disseminar, o planejamento sucessório não segue um padrão fixo ou universal, cada situação requer uma análise detalhada, já que aspectos como o regime de bens, a composição, localização do patrimônio e o perfil dos herdeiros influenciam diretamente as decisões estratégicas. 

Para compreender a complexidade dessas empresas, o modelo dos três círculos, de Tagiuri e Davis (1978), é elucidativo. Esse modelo classifica a dinâmica das empresas familiares em três esferas interdependentes: família, propriedade e gestão. A família representa os laços sanguíneos e afetivos que influenciam as decisões empresariais; a propriedade está relacionada à titularidade e às diretrizes sobre o destino dos ativos; e a gestão envolve a administração da empresa e sua relação com o mercado. O grande desafio é alinhar essas três dimensões para evitar conflitos e garantir a perpetuação do negócio, de modo que o Protocolo Familiar torna-se indispensável nessa conjuntura.

Para John L. Ward, diretor da Kellogg School of Management, para alcançar sucesso e longevidade, a empresa familiar precisa ter tanto um negócio saudável quanto uma família saudável. Nesse contexto, inúmeros fatores podem vir a ser a razão principal para que os membros de uma empresa familiar resolvam realizar um planejamento estratégico na seara patrimonial e sucessória. Podemos citar entre os mais comuns o desalinhamento de expectativas entre a família com relação ao futuro do negócio, divergências de entendimento no que tange a diferença entre remuneração de capital e remuneração de trabalho, dependência de membros da família dos dividendos da empresa, disputas entre herdeiros acerca do patrimônio a ser partilhado após o falecimento do patriarca ou matriarca, busca conjunta por maior eficiência na estrutura de governança da empresa, entre muitos outros fatos geradores.

Diante de tais possibilidades, entende-se que a gestão patrimonial e familiar é fundamental a fim de assegurar a longevidade da empresa e da família por meio da fixação de regras e condutas para mitigar eventuais conflitos entre os familiares, privilegiando sempre, de um lado, a preservação do patrimônio e do outro o bem-estar da família. Tal objetivo pode e deve ser alcançado por meio do Protocolo Familiar e pelos documentos e efeitos societários dele decorrentes, conforme será discutido no próximo tópico.

4. INSTRUMENTOS JURÍDICOS UTILIZADOS NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO PATRIMONIAL

O planejamento sucessório patrimonial pode se valer de diversos instrumentos jurídicos, cuja escolha dependerá da estrutura familiar, do volume e da natureza dos bens, do perfil dos herdeiros e dos objetivos almejadas pela família. Embora o foco deste trabalho seja o protocolo familiar e o acordo de sócios, é imprescindível mencionar os principais mecanismos complementares que compõem o arsenal jurídico à disposição das famílias empresárias.

Dentre as estratégias mais utilizadas, destaca-se a doação de bens em vida, com ou sem reserva de usufruto. Essa ferramenta permite ao titular do patrimônio antecipar a partilha entre os sucessores, ainda em vida, muitas vezes vinculando os bens à cláusulas restritivas (como impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade), de forma a proteger o acervo contra riscos externos e garantir sua destinação conforme os desejos do doador.

Outro mecanismo amplamente utilizado é a constituição de holding familiar, por meio da qual o patrimônio é transferido para uma pessoa jurídica, geralmente com o objetivo de facilitar a administração dos bens, otimizar a carga tributária e organizar a sucessão de forma societária e planejada. Além disso, permite uma gestão centralizada e a instituição de regras de governança através do contrato ou estatuto social.

Ainda no campo da sucessão inter vivos, destaca-se o regime de bens no casamento ou na união estável. A escolha de um regime adequado – ou mesmo a elaboração de um regime híbrido – pode ser essencial para garantir equilíbrio patrimonial e segurança jurídica na sucessão.

No que diz respeito à sucessão causa mortis, o testamento continua sendo um instrumento fundamental, especialmente quando se deseja beneficiar pessoas fora da ordem legal de herdeiros, impor condições ou distribuir a parte disponível do patrimônio de forma estratégica.

Também merecem menção os planos de previdência complementar privada, os seguros de vida e os fundos de investimento com designação de beneficiários. Tais mecanismos permitem ao titular indicar diretamente quem receberá os valores, fora da partilha tradicional, oferecendo agilidade e liquidez aos beneficiários, sem necessariamente passar pelo processo de inventário.

Embora o trust ainda não encontre regulamentação legal no Brasil, vem sendo utilizado por famílias que possuem ativos no exterior ou interesses transnacionais. Seu objetivo principal é a gestão patrimonial a longo prazo, por meio de um terceiro de confiança (trustee), que administra os bens segundo diretrizes previamente fixadas pelo instituidor.

Por fim, no campo estritamente societário, há os acordos de sócios e os protocolos familiares, que são os principais objetos deste trabalho e merecem estudo aprofundado. Tais instrumentos não apenas regulam aspectos legais e patrimoniais, como também servem à governança e à continuidade dos valores intrínsecos à familia empresária.

Importante ressaltar que o planejamento sucessório eficiente raramente se vale de um único instrumento. Ao contrário, exige a combinação harmônica entre diversas estratégias jurídicas, moldadas à realidade daquela família, com suporte de uma assessoria técnica qualificada.

5. O PAPEL DO PROTOCOLO FAMILIAR NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO PATRIMONIAL

O Protocolo Familiar tem como finalidade assegurar que a família e a empresa, ou empresas, formem um bloco coeso, unido por laços de afetividade, consciência social e profissionalismo. Ele desempenha um papel essencial na longevidade das empresas familiares, pois estabelece diretrizes claras que conciliam os interesses familiares e empresariais, garantindo a continuidade dos negócios ao longo das gerações. Além disso, o protocolo fortalece a governança corporativa, promovendo práticas transparentes e estruturadas que minimizam conflitos e garantem a gestão eficaz do patrimônio familiar.

As regras estabelecidas devem atender às preocupações e necessidades legítimas dos membros da família, especialmente no que se refere à atuação de cada um como indivíduo e sócio. Dessa forma, busca-se evitar que questões estritamente familiares ou pessoais interfiram nos critérios profissionais que devem nortear a gestão das atividades econômicas, ao mesmo tempo em que se impede que a relação puramente econômica comprometa a manutenção dos laços familiares, essenciais à longevidade das famílias empresárias.

Além disso, o Protocolo Familiar é um documento que consolida valores, princípios e regras de conduta da família em relação ao seu patrimônio, abrangendo tanto bens tangíveis quanto intangíveis. Os bens tangíveis incluem aqueles físicos e perceptíveis, como imóveis, veículos, participações em empresas, investimentos financeiros e obras de arte, todos passíveis de transmissão por herança, sucessão ou testamento. Já o patrimônio intangível compreende ativos não físicos, como nome e reputação familiar, tradições e rede de relacionamentos. Esses elementos, fundamentais para a cultura e a imagem da família, não são transferíveis por herança ou testamento, mas representam um legado que pode ser fortalecido ao longo das gerações por meio da gestão consciente dos valores e práticas descritos no Protocolo Familiar.

Por se tratar de um pacto que visa orientar o relacionamento entre os membros da família vinculados a uma sociedade empresária, seja de forma direta ou indireta, é imprescindível que todos participem da sua elaboração, compreendam e concordem com seus termos. Isso garante sua efetividade na prática, pois, ao assinarem o documento, os envolvidos aceitam que suas regras e previsões serão incorporadas à tradição familiar e empresarial, tanto em seus objetivos gerais quanto em seus objetivos específicos.

Gersick et al. esclarecem a relevância do Protocolo Familiar ao afirmar que:

A estrutura e a distribuição da propriedade – quem possui quanto e qual tipo de ação – podem ter efeitos profundos sobre outras decisões empresariais e familiares (por exemplo, quem será o CEO ou um líder familiar) e sobre muitos aspectos operacionais e estratégicos. Justamente por isso, a separação entre os critérios familiares e empresariais deve ser bem definida, o que se torna possível por meio do Protocolo Familiar, documento em que as diretrizes da família e sua influência sobre a sociedade/empresa são delimitadas e bem estabelecidas. (GERSICK et al., 1997, p. 29) 

Para tornar a matéria mais objetiva, é relevante destacar os principais temas abordados no Protocolo Familiar, tais como: estrutura de governança corporativa, familiar e jurídico-sucessória; papéis e responsabilidades dos membros da família na empresa; critérios de qualificação e formação de acionistas familiares; regras para entrada e saída de familiares e cônjuges/companheiros da gestão da propriedade; estratégias de gestão de conflitos; normas sobre atividades concorrentes; disposições sobre regime de casamento/união estável dos membros da sociedade; e valores e princípios que devem ser preservados na condução dos negócios. 

Quanto aos objetivos do planejamento sucessório patrimonial, destacam-se: (i) a destinação racional e a preservação de bens; (ii) a continuidade da atividade empresarial familiar; (iii) a liberação rápida de recursos e ativos; (iv) a prevenção de disputas sucessórias; e (v) a proteção de herdeiros e terceiros. Esses objetivos podem ser combinados para moldar o planejamento conforme as particularidades e especificidades de cada família e empresa.

Cumpre destacar, no entanto, que existem limites importantes a serem observados, como o direito dos herdeiros necessários, mudanças na estrutura familiar, alterações legislativas ou interpretativas do Direito Sucessório, Familiar e Tributário, e modificações patrimoniais. Esses fatores devem ser cuidadosamente considerados para garantir a segurança jurídica e a efetividade do planejamento ao longo do tempo.

Por essa razão, dado que o Protocolo Familiar é concebido para ter um caráter duradouro, funcionando como diretriz para as relações familiares e a governança empresarial ao longo de gerações, ele deve ser estruturado de maneira flexível, permitindo revisões e atualizações periódicas. Essa adaptação é essencial para garantir sua relevância frente às mudanças na família, na empresa ou em outros fatores determinantes.

Por fim, vale ressaltar que o Protocolo Familiar possui forte caráter moral, visando à proteção dos bens tangíveis e intangíveis da família ou do grupo empresarial. Após sua assinatura, é fundamental que seus termos sejam incorporados formalmente a instrumentos jurídicos apropriados, como acordos de acionistas, estatutos sociais, contratos sociais, testamentos e pactos antenupciais, conforme as necessidades do caso. Esse procedimento assegura a validade jurídica do planejamento, garantindo que as disposições acordadas sejam cumpridas e tenham força vinculante.

6 ACORDO DE SÓCIOS E PREVENÇÃO DE CONFLITOS FAMILIARES

Apesar de o contrato social e o estatuto social, devidamente registrados, serem imprescindíveis para a construção de um ambiente empresarial ordenado e eficiente, não se pode, nos dias de hoje, ignorar o papel dos pactos sociais como grandes aliados aos interesses e estratégias dos membros da sociedade empresária.  

O acordo de sócios, ou acordo de quotistas, consiste em instrumento contratual pactuado entre quotistas de uma mesma sociedade, distinto do seu contrato social e que tem por objeto o exercício dos direitos decorrentes da titularidade das quotas. Cumpre ressaltar que tal instrumento está submetido às normas comuns de validade e eficácia de todo o negócio jurídico privado, ou seja, deverá respeitar os requisitos de validade exigidos para qualquer negócio jurídico: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, nos termos do art. 104 do Código Civil.

No documento, os sócios de uma sociedade limitada, a fim de complementar o contrato social, definem regras específicas para a relação entre os quotistas, estipulando-se normas sobre a administração da empresa, o exercício de seus direitos societários, a transferência de quotas e outros aspectos essenciais à condução da sociedade.

Nesse sentido, posto que em empresas familiares a cultura da família está profundamente incorporada na gestão dos negócios, de modo que missão e valores empresariais são fortemente influenciados por aspectos familiares, torna-se crucial separar de forma clara e objetiva os critérios familiares dos empresariais. É justamento por meio desse instrumento que os membros da família empresária irão tratar de questões específicas as quais os sócios, muitas vezes, preferem não inserir diretamente no contrato social ou estatuto da empresa, razão pela qual possui papel fundamental na gestão de empresas familiares, vez que além de assegurar a preservação do controle da empresa entre os parentes, ele estabelece regras e diretrizes para fortalecer a boa convivência entre eles. Dessa forma, a elaboração de tal documento fomenta a harmonia das relações dentro da sociedade, evitando ou dirimindo conflitos e assegurando que o negócio seja gerido de acordo com os interesses compartilhados pela família gestora.

O Acordo de Sócios está previsto no art. 118 da LSA 6.404/76 e irá delimitar os direitos e os interesses dos sócios, a fim de minimizar, ou até mesmo evitar, conflitos entre eles, já que nos termos do referido artigo as disposições sobre compra e venda de quotas, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto ou do poder de controle deverão ser observados pela empresa quando o Acordo de Sócios estiver arquivado na sua sede. O caput do artigo 118 do prevê: “Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede”. Entende-se, portanto, que a sociedade empresária deve cumprir e respeitar as disposições lícitas constantes no acordo de quotistas, que é desta forma oponível à própria sociedade, desde que arquivado em sua sede.

Necessário pontuar que apesar do Acordo de Quotistas versar sobre direitos disponíveis relacionados ao ambiente societário, direta ou indiretamente, sua validade está condicionada à observância dos limites legais e de princípios como a boa-fé e a probidade. Desse modo, a confecção de acordo que contrarie o ato constitutivo da sociedade, extrapole sua função social ou cause prejuízo à coletividade será considerado ilícito. 

Complementarmente, a validade jurídica dos acordos de quotistas, baseia-se na teoria geral das obrigações e na liberdade jurídica e econômica assegurada pelo artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal. Essa autonomia permite que as partes estipulem compromissos válidos entre si, desde que respeitem os princípios constitucionais e as disposições legais previstas, alcançando, assim, a função dos acordos parassociais que é buscar a conciliação de interesses sem comprometer a soberania coletiva ou a integridade da sociedade.

Conforme preceitua Marcelo Bertoldi, o Acordo de Sócios possui a natureza jurídica denominada de parassociais, estes por sua vez possuem as seguintes características contratuais: tem relação de dependência com a sociedade empresária, com objeto e assuntos relacionados com a empresa e seu funcionamento; são contratos estabelecidos entre alguns sócios ou todos; e em relação à sociedade são contratos que tem autonomia, criando vínculo entre os signatários. (BERTOLDI, 2006, p. 37). 

O instrumento em questão caracteriza-se pela ausência de uma forma legal específica, o que confere ampla liberdade em sua formatação, podendo se manifestar de diversas maneiras, como por meio de declarações conjuntas, cláusulas específicas em contratos ou até mesmo deliberações registradas em atas de assembleias ou reuniões. A sua estrutura pode variar em complexidade, abrangendo desde disposições simples, como preferências na transferência de quotas ou ações, até mecanismos mais detalhados que fixem obrigações, direitos, procedimentos executórios, controle societário, bem como cláusulas voltadas à resolução de conflitos entre os sócios.

No contexto das empresas familiares, além de versar sobre o exercício do poder de controle e restringir a circulação das quotas da sociedade, o acordo de quotistas deve versar sobre diversos outros aspectos relacionados à família e à sua interação com à sociedade, à administração, à regras relativas à política de dividendos e de reinvestimentos, à sucessão do sócios fundador, ao exercício do direito de retirada e apuração de haveres, entre tantas outras matérias, estas que extrapolam à tipicidade do artigo 118 da Lei das S.A.  

7. DIFERENÇAS ENTRE O ACORDO DE SÓCIOS E PROTOCOLO FAMILIAR

Tanto o Acordo de Sócios quanto o Protocolo Familiar são instrumentos cruciais para a governança e sustentabilidade das empresas familiares. Embora ambos compartilhem o objetivo de assegurar a longevidade e o bom funcionamento do negócio, eles possuem finalidades distintas e complementares, e é importante compreender suas diferenças para garantir uma gestão eficiente e harmoniosa.

O Protocolo Familiar é um documento abrangente, voltado para a relação entre todos os membros da família, com ou sem vínculo direto com a sociedade empresária. Seu principal objetivo é preservar o legado familiar e empresarial, estabelecendo diretrizes que alinhem os interesses da família com os objetivos do negócio. O Protocolo aborda temas como: missão, visão e valores da família empresária; critérios para a sucessão familiar; regras sobre o funcionamento de conselhos e assembleias familiares; e diretrizes para a entrada e saída de membros da família em cargos empresariais, entre outros. Além disso, o Protocolo visa garantir a harmonia entre os membros da família, tratando também de questões como casamento, regime de bens e a proteção do patrimônio familiar, tanto tangível quanto intangível.

Já o Acordo de Sócios é um instrumento jurídico regulamentado pela legislação societária e se destina exclusivamente à relação entre os sócios de uma sociedade empresária. Seu foco é a organização da gestão da empresa e a proteção dos interesses dos sócios. Ele trata de temas como: administração da sociedade; regras de entrada e saída de sócios (voluntária ou involuntária); apuração de haveres; distribuição de lucros; governança corporativa; e mecanismos de resolução de conflitos entre os sócios. Embora o Acordo de Sócios possa envolver membros da família, ele não abrange as questões familiares mais amplas que o Protocolo Familiar trata, sendo voltado unicamente para aspectos societários e a manutenção da estabilidade e saúde financeira da empresa.

A principal diferença entre esses dois documentos reside em sua abrangência e foco. O Protocolo Familiar é mais flexível e amplo, pois lida com questões que vão além da gestão empresarial, tratando da convivência familiar, sucessão, valores e missão da família. Ele integra todos os membros da família, independentemente de sua participação no capital social da empresa. Por outro lado, o Acordo de Sócios é estritamente societário e visa a organização interna da empresa, com regras que impactam apenas os sócios ou quotistas, que podem ou não ser familiares.

A confusão entre esses dois documentos pode levar a problemas na governança e na resolução de conflitos, uma vez que o Protocolo Familiar busca a harmonia e continuidade do legado familiar e empresarial, enquanto o Acordo de Sócios regula a dinâmica entre os sócios, focando na gestão do negócio. Ambos são essenciais para o sucesso e a longevidade das empresas familiares, mas devem ser usados de forma complementar, sempre respeitando suas finalidades distintas.

Em suma, enquanto o Protocolo Familiar cuida da preservação do legado, da cultura e dos valores da família, o Acordo de Sócios assegura a boa administração e a estabilidade financeira da sociedade, prevenindo conflitos societários e assegurando a continuidade do negócio. Ambos, portanto, são instrumentos necessários para uma governança eficiente e sustentável, mas com papéis claramente diferenciados.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos instrumentos jurídicos aplicáveis ao planejamento patrimonial e sucessório no contexto das empresas familiares evidencia a importância de estratégias estruturadas e personalizadas. A realidade brasileira demonstra que, apesar do protagonismo econômico das empresas familiares, muitas vezes sua continuidade é comprometida pela ausência de medidas preventivas que regulem a sucessão e a governança.

Nesse cenário, instrumentos como o protocolo familiar e o acordo de sócios se destacam não apenas como ferramentas jurídicas, mas como pilares de sustentabilidade das relações familiares e empresariais. O protocolo familiar, com sua função educativa, integradora e preventiva, promove a harmonia dos vínculos familiares diante das complexidades do ambiente corporativo. Já o acordo de sócios traduz as diretrizes familiares em comandos jurídicos vinculantes, protegendo a empresa das instabilidades naturais do ciclo da vida.

Mais do que instrumentos de proteção patrimonial, eles representam o amadurecimento das famílias empresárias frente à necessidade de conciliar afetos e negócios. São meios de perpetuar valores, distribuir responsabilidades e garantir que o legado construído por uma geração não se perca em disputas ou desorganização.

Ressalta-se que o planejamento sucessório não se confunde com a chamada blindagem patrimonial. Trata-se, antes, de um processo ético, transparente e tecnicamente orientado para viabilizar a continuidade do negócio e preservar o patrimônio familiar, sem afronta à ordem pública ou aos direitos de terceiros.

Por fim, cabe aos operadores do Direito – e especialmente àqueles que acompanham famílias empresárias – não apenas oferecer as ferramentas disponíveis, mas também fomentar o diálogo, a escuta e a conscientização. Planejar é um ato de responsabilidade intergeracional. É garantir que o patrimônio material e imaterial da família seja não apenas protegido, mas cultivado com propósito e visão de futuro.

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