CLINICAL PROFILE AND CAUSES OF READMISSION IN PATIENTS WITH CHRONIC KIDNEY DISEASE ON HEMODIALYSIS IN A PUBLIC TERTIARY HOSPITAL: A RETROSPECTIVE STUDY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202508310804
Heidy Silva do Nascimento Alonso¹
Guilherme Rodrigues Fonseca²
Resumo
Introdução: A reinternação de pacientes com Doença Renal Crônica (DRC) em hemodiálise é um desafio associado a complicações do acesso vascular. Este estudo descreveu o perfil clínico-epidemiológico e as causas de reinternação em uma coorte de pacientes em hospital terciário.
Métodos: Estudo observacional retrospectivo analisou 144 internações de 51 pacientes com DRC e múltiplas hospitalizações em 2024. Coletaram-se dados sociodemográficos, comorbidades, tipo de acesso e causa da internação. A análise estatística usou testes de associação e comparação de medianas.
Resultados: A idade média foi 61,5 anos, com predomínio de hipertensão (92,2%) e diabetes (66,7%). O cateter Shiley foi o acesso mais comum (54,9%), com redução na proporção de fístulas arteriovenosas (FAVs) ao longo do tempo. As principais causas de internação foram disfunção (56,9%) e infecção do acesso (15,3%). O tempo de internação foi maior em usuários de Permcath (19,0 dias). A mortalidade global foi 13,7%, principalmente por sepse. Pacientes com FAV tiveram maior taxa de óbito proporcional, associada a perfis clínicos mais frágeis.
Conclusão: As complicações do acesso vascular, especialmente em usuários de cateteres, foram a principal causa de reinternação. A dependência de cateteres em detrimento de acessos definitivos reflete fragilidades no cuidado ambulatorial. Estratégias de cuidado integrado, focadas no planejamento e preservação do acesso vascular, são fundamentais para reduzir a morbimortalidade e otimizar os desfechos nesta população vulnerável.
Palavras-chave: Doença Renal Crônica; Hemodiálise; Hospitalização; Reinternação Hospitalar; Acesso Vascular.
Abstract
Introduction: Hospital readmission of patients with Chronic Kidney Disease (CKD) on hemodialysis is a major challenge related to vascular access complications. This study described the clinical-epidemiological profile and causes of readmission in a cohort of patients at a tertiary hospital.
Methods: This retrospective observational study analyzed 144 hospitalizations of 51 CKD patients with multiple admissions in 2024. Sociodemographic data, comorbidities, type of vascular access, and causes of hospitalization were collected. Statistical analyses included association tests and median comparisons.
Results: The mean age was 61.5 years, with a predominance of hypertension (92.2%) and diabetes (66.7%). Temporary non-tunneled central venous catheters (Shiley type) were the most common access (54.9%), with a decreasing proportion of arteriovenous fistulas (AVFs) over time. The main causes of hospitalization were access dysfunction (56.9%) and access-related infection (15.3%). Length of stay was longer among tunneled cuffed catheter (Permcath) users (19.0 days). Overall mortality was 13.7%, mainly due to sepsis. Patients with AVFs had a higher proportional mortality rate, linked to more fragile clinical profiles.
Conclusion: Vascular access complications, particularly among catheter users, were the leading cause of readmission. Reliance on catheters over definitive accesses highlights weaknesses in outpatient care. Integrated care strategies, focusing on vascular access planning and preservation, are essential to reduce morbidity and mortality and improve outcomes in this vulnerable population.
Keywords: Chronic Kidney Disease; Hemodialysis; Hospitalization; Hospital Readmission; Vascular Access.
INTRODUÇÃO
A Doença Renal Crônica (DRC) é uma condição progressiva, irreversível e de alta prevalência, caracterizada por alterações estruturais e/ou funcionais renais persistentes por mais de três meses, incluindo redução da taxa de filtração glomerular, proteinúria, hematúria ou anormalidades morfológicas [1,2]. No estágio mais avançado da doença, denominado Doença Renal Crônica Terminal (DRC-ET), torna-se necessária a terapia renal substitutiva (TRS) para manutenção da vida, sendo a hemodiálise a modalidade mais frequentemente utilizada no Brasil, correspondendo a 95,3% dos casos em 2023 [3].
A prevalência da DRC tem crescido globalmente, impulsionada pelo envelhecimento populacional e pela alta incidência de comorbidades como hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus [4]. Estima-se que a DRC afete cerca de 10% da população mundial, com mais de 2 milhões de pessoas em terapia dialítica [4]. No Brasil, segundo dados do Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), em 2023 havia 153.831 pacientes em TRS [3].
Pacientes em hemodiálise apresentam taxas de hospitalização três a quatro vezes superiores à população geral, e as reinternações em até 6 meses acometem entre 30% e 50% dos indivíduos, segundo dados do United States Renal Data System [5]. As causas mais comuns de reinternação são infecções sistêmicas, complicações cardiovasculares e falhas de acesso vascular [6].
Estudos realizados nos Estados Unidos e na Romênia mostram que as reinternações em pacientes dialíticos estão associadas a maior vulnerabilidade clínica e impactos significativos nos sistemas de saúde [7,8]. Ainda que o impacto das complicações relacionadas ao acesso vascular esteja bem documentado — com evidências de maior risco de infecção, reinternação e mortalidade entre usuários de cateteres venosos centrais [2,9,10] —, estudos brasileiros sobre essas associações são escassos. Em busca realizada na base PubMed, em junho de 2024, com os descritores ‘hemodialysis AND readmission AND Brazil’, foram identificados apenas quatro estudos nacionais publicados entre 2005 e 2023.
Diante desse cenário, o presente estudo foi realizado em um hospital público terciário não especializado em nefrologia. O objetivo é descrever o perfil clínico-epidemiológico de pacientes dialíticos reinternados e identificar as principais causas e padrões de reinternação, com ênfase na associação entre o tipo de acesso vascular e os desfechos clínicos hospitalares.
MÉTODOS
Delineamento, População e Aspectos Éticos
Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo e descritivo, realizado em um hospital público terciário (Hospital Estadual Dr. Jayme dos Santos Neves, Vitória, ES, Brasil). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CAAE86190524.2.0000.5065; Parecer nº 7.534.076), com dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (conforme Resoluções CNS nº 466/2012 e 510/2016).
Foram incluídos pacientes com Doença Renal Crônica (DRC) em hemodiálise com duas ou mais internações registradas entre janeiro e dezembro de 2024. Foram excluídos casos de lesão renal aguda, internação única ou prontuários com dados insuficientes para análise. A partir de 447 pacientes submetidos à hemodiálise no período, foram selecionados 51 pacientes elegíveis, totalizando 144 hospitalizações, conforme detalhado no fluxograma do estudo (Figura 1).
Coleta de Dados e Definição de Variáveis
Os dados foram extraídos dos prontuários eletrônicos por um único pesquisador treinado, utilizando planilha padronizada (Microsoft Excel® 365), a partir de uma lista inicial de pacientes gerada por relatórios administrativos do serviço de diálise.
As variáveis analisadas incluíram dados sociodemográficos (idade, sexo), clínicos (hipertensão, diabetes, cardiopatias), de acesso vascular (presentes em todas as internações) e desfechos (ocorrência e causa do óbito). A causa principal de cada internação foi categorizada em cinco grupos: disfunção do acesso, infecção associada ao acesso, urgência dialítica, outras infecções e causas diversas. A definição de urgência dialítica seguiu critérios objetivos, como sobrecarga volêmica refratária, hipercalemia ou acidose metabólica. Os motivos de internação foram extraídos da evolução clínica padronizada do hospital, registrada em prontuário eletrônico por médicos assistentes, o que garantiu uniformidade na identificação das causas.
Análise Estatística
Os dados foram analisados com o software SPSS® versão 26.0. Variáveis categóricas foram expressas em frequências absolutas e relativas. A normalidade das variáveis contínuas foi avaliada com o teste de Shapiro-Wilk. Dados com distribuição normal foram apresentados como média e desvio padrão (DP) e comparados com o teste t de Student, enquanto dados não normais foram apresentados como mediana e intervalo interquartil (IIQ), analisados com o teste de Mann-Whitney. A associação entre variáveis categóricas foi testada com o qui-quadrado de Pearson (com correção de Yates, se necessário). Análises multivariadas não foram realizadas devido ao tamanho amostral.
RESULTADOS
Os resultados revelaram três achados principais: (1) alta prevalência do uso de cateter venoso central (76,5%) na primeira internação, com piora do perfil de acesso ao longo do tempo; (2) associação entre tipo de acesso e causas de internação, especialmente maior frequência de infecção nos usuários de cateter; e (3) taxa de mortalidade global de 13,7%, sem diferença estatística entre os tipos de acesso, embora com destaque para a sepse como principal causa de óbito.
Características Basais da População
A amostra foi composta por 51 pacientes com Doença Renal Crônica (DRC) em hemodiálise, totalizando 144 internações hospitalares durante o ano de 2024. Houve predomínio do sexo masculino (n = 27; 52,9%). A idade mediana foi de 61,5 anos (intervalo interquartil [IIQ]: 52–70 anos). A informação sobre o tempo de terapia renal substitutiva (TRS) por hemodiálise estava disponível em 22 dos 51 prontuários (43,1%), não permitindo análise robusta da duração da terapia dialítica na maioria dos casos.
As comorbidades mais prevalentes foram hipertensão arterial sistêmica (HAS), presente em 92,2% dos pacientes (n = 47), seguida de diabetes mellitus (DM) em 66,7% (n = 34) e cardiopatias em 33,3% (n = 17).
Perfil do Acesso Vascular e sua Evolução
Na primeira internação registrada, 76,5% dos pacientes (n = 39) utilizavam cateter venoso central: 54,9% (n = 28) do tipo de curta permanência (Shilley) e 21,6% (n = 11) de longa permanência (Permcath). Apenas 23,5% (n = 12) apresentavam fístula arteriovenosa (FAV) funcional.
Na última internação do período, observou-se piora no perfil de acesso, com aumento no uso de Shilley para 74,5% (n = 38) e redução nos acessos definitivos. A comparação pareada revelou uma redução significativa no uso de FAVs (23,5% → 13,7%; p = 0,02; teste de McNemar). Esses dados, detalhados na Tabela 1, indicam uma transição preocupante para acessos mais temporários e de maior risco durante o acompanhamento.
Causas de Internação e Tempo de Permanência Hospitalar
As principais causas de internação variaram conforme o tipo de acesso vascular (Tabela 2). A disfunção do acesso foi mais prevalente entre os usuários de cateteres — 70,8% para Shiley e 50,0% para Permcath — em comparação aos usuários de FAV (36,4%). Infecções associadas ao acesso foram registradas exclusivamente como causa principal de internação entre usuários de cateteres (0% no grupo com FAV; p = 0,01).
A urgência dialítica foi mais comum nos pacientes com FAV (18,2%), enquanto as infecções sistêmicas e causas diversas apresentaram distribuição mais equilibrada.
O tempo de permanência hospitalar foi significativamente maior no grupo com Permcath (mediana de 19,0 dias; IIQ: 12–28), seguido por FAV (15,6 dias; IIQ: 8–22) e Shilley (13,4 dias; IIQ: 7–19). O teste de Kruskal-Wallis indicou diferença significativa entre os grupos (p = 0,04), e análise post hoc com teste de Mann-Whitney mostrou diferença significativa entre Permcath e Shiley (p < 0,05; d = 0,8, indicando grande tamanho de efeito).
Mortalidade
Sete pacientes (13,7%) evoluíram para óbito. As taxas de mortalidade por tipo de acesso foram: FAV – 28,6% (2/7); Shiley – 13,2% (5/38); Permcath – 0% (0/6), conforme detalhado na Tabela 3. Não houve associação estatisticamente significativa entre tipo de acesso e óbito (p = 0,32; teste do qui-quadrado de Pearson).
Contudo, 71,4% dos óbitos (5/7) ocorreram em pacientes com Shilley e a sepse foi a causa predominante, presente em 100% dos casos. Em quatro pacientes (57,1%), a sepse esteve diretamente associada a infecção de corrente sanguínea relacionada ao acesso. O poder estatístico da análise foi estimado em 35% (β = 0,65), o que pode ter limitado a detecção de diferenças significativas entre os grupos.
Perfil Clínico dos Pacientes que Evoluíram para Óbito
A Tabela 4 resume o perfil clínico dos sete pacientes que evoluíram a óbito. Todos apresentavam HAS e a maioria tinha múltiplas comorbidades. O número de internações variou entre 2 e 5 episódios, e o tempo total de internação variou entre 6 e 60 dias. As causas de internação foram predominantemente infecciosas ou relacionadas à falência do acesso. A sepse foi a causa direta do óbito em todos os casos.
DISCUSSÃO
Este estudo confirma que as complicações do acesso vascular são o principal motor das reinternações em pacientes em hemodiálise. A análise da trajetória dos acessos revela uma falha sistêmica em dois momentos críticos: uma falha de manutenção, com a perda progressiva de acessos permanentes ao longo das internações; e uma dependência consolidada de cateteres venosos centrais de curta permanência, que perpetua o risco de infecções e disfunções. No grupo de pacientes com cateter Shiley, é possível que coexistam dois perfis distintos: um grupo que nunca teve acesso a um acesso permanente e que, potencialmente, poderia ter sido melhor preparado em ambiente ambulatorial especializado; e outro grupo formado por pacientes que já utilizaram acessos permanentes previamente, mas que evoluíram com falência de múltiplos sítios vasculares, restando o Shilley como única opção viável. A existência desses perfis não pode ser confirmada com os dados disponíveis, mas contribui para compreender a complexidade assistencial envolvida. A convergência dessas fragilidades parece configurar um ciclo de reinternações, aumento da gravidade clínica e maior mortalidade hospitalar.
A análise do tempo de permanência hospitalar, associada ao tipo de acesso e à causa da internação, fornece elementos importantes para compreender os diferentes perfis de risco. O menor tempo médio observado nas internações associadas ao cateter Shilley (13,4 dias) pode ser explicado, em parte, pela natureza das complicações predominantes — especialmente disfunções mecânicas simples, que demandam apenas troca do dispositivo. No entanto, é possível que o tempo de internação tenha sido prolongado em alguns casos por intercorrências infecciosas, como infecções de corrente sanguínea adquiridas durante a internação, ou por dificuldades técnicas associadas ao manejo do acesso vascular em pacientes com anatomia complexa ou múltiplas falhas prévias. Por outro lado, as internações relacionadas ao Permcath apresentaram maior tempo médio (19,0 dias), o que se justifica pelo predomínio de ICS como causa de internação, exigindo antibioticoterapia prolongada, retirada do cateter e, por vezes, internação em unidades de terapia intensiva. Esses achados estão alinhados a estudos prévios que apontam as infecções relacionadas ao cateter como causas importantes de morbidade em pacientes em diálise (8, 9,10).
Assim, os dados sugerem que o ônus do cateter de curta permanência (Shiley) reside na frequência elevada de internações, enquanto os acessos de longa permanência, quando falham, impõem maior gravidade clínica por evento. A fístula arteriovenosa (FAV), embora associada a menor risco infeccioso e ao menor tempo médio de internação entre os grupos analisados, apresentou a maior taxa proporcional de mortalidade. Esse achado deve ser interpretado com cautela, considerando o número absoluto reduzido de pacientes com FAV na amostra. Os dois óbitos observados nesse grupo ocorreram em pacientes com perfis clínicos complexos e maior fragilidade: um deles por complicação infecciosa pós-operatória, e o outro por quadro neurológico grave com infecção associada. Embora não diretamente relacionados à doença renal crônica em estágio terminal (DRC-ET), esses desfechos refletem a vulnerabilidade clínica desses pacientes, o que pode ter contribuído para a evolução desfavorável. Embora nenhuma infecção de corrente sanguínea (ICS) não tenha sido registrada como causa inicial de internação entre os usuários de FAV, alguns pacientes deste grupo evoluíram com ICS durante a hospitalização.
A menor proporção de infecção de corrente sanguínea (ICS) registrada como causa inicial de internação entre os usuários de cateter Shiley pode estar relacionada à dinâmica assistencial do hospital analisado. Trata-se de um hospital terciário de portas fechadas, que recebe apenas pacientes referenciados por outras unidades da rede pública de saúde. Nesse contexto, infecções menos graves — como aquelas sem repercussão sistêmica ou passíveis de manejo com antibioticoterapia ambulatorial — costumam ser tratadas na própria clínica de hemodiálise à qual o paciente está vinculado, sem necessidade de internação hospitalar. Além disso, pacientes com cateteres de difícil manejo ou em situação de falência de múltiplos acessos frequentemente são encaminhados ao hospital por impossibilidade de punção ou necessidade de avaliação especializada. Esse processo seletivo contribui para que apenas os casos mais graves ou complexos sejam hospitalizados, configurando um viés de referência que deve ser considerado na interpretação dos resultados (11,12).
A mortalidade observada na coorte (13,7%) foi elevada, com predomínio de causas infecciosas. Destaca-se a complexidade clínica dos pacientes que evoluíram a óbito: todos apresentavam múltiplas comorbidades, internações prolongadas e complicações sequenciais, muitas vezes com evolução para cuidados paliativos. Esse perfil reforça a importância de abordagens proativas e individualizadas para o manejo do paciente dialítico com múltiplas internações.
A literatura internacional reforça que pacientes em hemodiálise com reinternações frequentes apresentam risco aumentado de mortalidade, declínio funcional e uso intensivo de recursos hospitalares (5,6). Estratégias preventivas centradas na manutenção de acessos definitivos, no controle rigoroso de comorbidades e na coordenação entre serviços ambulatoriais e hospitalares têm sido apontadas como essenciais para melhorar desfechos clínicos e reduzir custos (7,9).
Dentre as intervenções possíveis, destacam-se os ambulatórios especializados em acesso vascular, com participação de nefrologistas, cirurgiões vasculares, infectologistas e equipe de enfermagem treinada. A adoção de protocolos para preservação de FAVs, técnicas de salvamento de acessos disfuncionais, prevenção de infecções e triagem precoce de sinais de deterioração clínica também se mostram promissoras (9,10).
Este estudo apresenta limitações relevantes. Trata-se de um estudo retrospectivo, unicêntrico e com amostra limitada. A informação sobre o tempo de terapia dialítica estava disponível em menos da metade dos prontuários (43,1%), o que limitou análises longitudinais mais robustas. A ausência de dados precisos sobre o tempo de doença renal crônica também restringe algumas inferências importantes sobre progressão da doença e tempo de exposição aos riscos associados. Além disso, a natureza do hospital analisado — maior hospital público do Espírito Santo, mas que não é porta aberta e depende de referenciamento via unidades de pronto atendimento — pode ter contribuído para a seleção de uma população mais grave e subestimação de complicações menos complexas. Ainda assim, os achados fornecem uma caracterização detalhada de um grupo de pacientes em situação de alta vulnerabilidade e contribuem para a compreensão de fatores associados à reinternação e mortalidade hospitalar em pacientes em hemodiálise no Brasil.
CONCLUSÃO
O presente estudo evidenciou que as complicações relacionadas ao acesso vascular continuam sendo o principal motivo de reinternação entre pacientes com DRC em hemodiálise hospitalizados em um centro terciário público. A predominância de cateteres de curta permanência e a baixa presença de fístulas arteriovenosas funcionais refletem fragilidades no cuidado ambulatorial prévio, seja pela ausência de planejamento adequado, seja pela falência de múltiplos sítios vasculares ao longo da trajetória do paciente. As infecções associadas a acessos, embora não registradas como causa inicial em todos os casos, configuram um risco relevante durante a hospitalização. Esses achados reforçam a necessidade de estratégias integradas que promovam o acompanhamento longitudinal, a preservação de acessos vasculares funcionais e o planejamento antecipado da terapia renal substitutiva, com o objetivo de reduzir internações potencialmente evitáveis e melhorar os desfechos clínicos dessa população.
CONFLITO DE INTERESSE
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
DISPONIBILIDADE DE DADOS
Os dados que suportam os resultados deste estudo não estão publicamente disponíveis devido a restrições de privacidade e ética, pois contêm informações que podem comprometer a identidade dos pacientes. Os dados podem ser disponibilizados mediante solicitação razoável ao autor correspondente, desde que em conformidade com as políticas do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.
REFERÊNCIAS
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TABELAS
Tabela 1. Distribuição do tipo de acesso vascular na primeira e última internação (n = 51 pacientes)
Tipo de Acesso Vascular | Primeira Internação n (%) | Última Internação n (%) |
Fístula Arteriovenosa (FAV) | 12 (23,5%) | 7 (13,7%) |
Cateter de Longa Permanência (Permcath) | 11 (21,6%) | 6 (11,8%) |
Cateter de Curta Permanência (Shiley) | 28 (54,9%) | 38 (74,5%) |
Tabela 2. Causas de internação e tempo de permanência conforme o tipo de acesso vascular (n = 144 internações)
Característica da Internação | FAV (n=22) | Permcath (n=26) | Shiley (n=96) | Total (n=144) |
Disfunção do Acesso | 8 (36,4%) | 13 (50,0%) | 68 (70,8%) | 89 (61,8%) |
Infecção Associada ao Acesso | 0 (0,0%) | 6 (23,1%) | 10 (10,4%) | 16 (11,1%) |
Urgência Dialítica | 4 (18,2%) | 1 (3,8%) | 5 (5,2%) | 10 (6,9%) |
Outras Infecções | 5 (22,7%) | 3 (11,5%) | 8 (8,3%) | 16 (11,1%) |
Causas Diversas | 5 (22,7%) | 3 (11,5%) | 5 (5,2%) | 13 (9,0%) |
Tempo de Permanência – Mediana (IIQ) | 15,6 (8–22) | 19,0 (12–28) | 13,4 (7–19) | 14,0 (8–21) |
Tabela 3. Mortalidade por tipo de acesso vascular na última internação (n = 51 pacientes)
Tipo de Acesso Final | Total de Pacientes | Óbitos (n) | Taxa de Mortalidade (%) |
Cateter de Curta Permanência | 38 | 5 | 13,2% |
Cateter de Longa Permanência | 6 | 0 | 0,0% |
Fístula Arteriovenosa (FAV) | 7 | 2 | 28,6% |
Total | 51 | 7 | 13,7% |
Tabela 4. Perfil clínico dos pacientes que evoluíram para óbito (n = 7)
Sexo | Idade | Comorbidades | Acesso | Internações | Dias Internado | Causa da Internação | Causa do Óbito |
F | 60 | HAS, DPOC, IC | Shiley | 2 | 24 | Complicação cirúrgica | Choque séptico pós-operatório |
M | 60 | HAS, DM, IC | FAV | 2 | 49 | Urgência dialítica + déficit neurológico | Sepse sem recuperação neurológica |
F | 72 | HAS, DM | Shiley | 2 | 34 | Múltiplas complicações | Choque séptico |
M | 50 | HAS, DM, AVE | Shiley | 2 | 60 | Status epiléptico + falência de acesso | Sepse por falência de acesso |
F | 65 | HAS, DM, ICFER | Shiley | 5 | 6 | Infecção de corrente sanguínea | Choque séptico |
M | 69 | HAS, DM, epilepsia | FAV | 4 | 60 | Infecção pós-operatória | Sepse em cuidados paliativos |
F | 84 | HAS, DM | Shiley | 2 | 14 | Infecção relacionada à FAV | Choque séptico |
FIGURAS

¹MD – ORCID: https://orcid.org/0009-0009-2658-2743,
Hospital Estadual Jayme dos Santos Neves, Serviço de Clínica Médica, Serra, ES, Brasil.
²MD – ORCID: https://orcid.org/0009-0001-0964-0499,
Hospital Estadual Jayme dos Santos Neves, Serviço de Clínica Médica, Serra, ES, Brasil.