PARTO DISTÓCICO COM PROLAPSO CERVICOVAGINAL E CESARIANA EM VACA: RELATO DE CASO

DYSTOCIC PARTURITION WITH CERVICOVAGINAL PROLAPSE AND CESAREAN SECTION IN A COW: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202510201951


João Victor Moraes Lôbo¹
Lucas Bezerra de Sá²
Mateus Bezerra de Sá³


Resumo 

A distocia é definida como um evento no qual existe uma dificuldade durante o processo do parto. O parto distocico pode se apresentar por causas de origem materna, em consequência a defeitos anatômicos ou patológicos no canal do parto a exemplo do estreitamento das vias fetais moles e duras, torção uterina e prolapso, como o cervicovaginal e por outro lado, as causas de origem fetal podem estar relacionadas a fatores como gestação gemelar, tamanho do feto, estática fetal incorreta e má formação fetal. A identificação da distócia de forma precoce bem como a conduta adequada, são essenciais tanto para a sobrevivência da mãe quanto do bezerro. Para diagnóstico do parto distócico, alguns pontos importantes precisam ser avaliados como a fase de gestação e tempo de trabalho de parto além disso, uma anamnese detalhada deve ser realizada bem como um exame físico minucioso avaliando pontos importantes como os sinais vitais, avaliação da dilatação do canal do parto e a estática fetal. A conduta terapêutica em casos que necessitam de intervenção obstétrica pode ser manejada de forma clínica ou cirúrgica a exemplo da realização das manobras obstétricas, episiotomia, fetotomia ou cesariana. O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso de distocia com presença de prolapso cervicovaginal em uma bovina fêmea mestiça, a qual foi submetida ao tratamento cirúrgico do prolapso por meio da técnica da sutura vulvar de Bühner e a cesariana, para realização da retirada do bezerro, promovendo a sobrevivência da mãe e também do bezerro. Conclui-se que a abordagem cirúrgica adotada permitiu a retirada do feto e o reposicionamento das estruturas prolapsadas, de acordo com as recomendações presentes na literatura veterinária. A técnica empregada demonstrou viabilidade prática e adequação aos princípios da obstetrícia veterinária, sendo uma alternativa válida para manejo de casos semelhantes.

Palavras-chave: Bovinos; cesariana; distocia; obstetrícia; prolapso.

Abstract 

Dystocia is defined as an event in which difficulty occurs during the parturition process. Dystocic labor may result from maternal causes, due to anatomical or pathological defects in the birth canal, such as narrowing of the soft or hard birth passages, uterine torsion, and prolapses — including cervicovaginal prolapse. On the other hand, fetal causes may be related to factors such as twin pregnancy, fetal size, abnormal fetal presentation or position, and congenital malformations. Early identification of dystocia, as well as the adoption of an appropriate therapeutic approach, is essential for the survival of both the dam and the calf.For the diagnosis of dystocia, several aspects must be assessed, including the stage of gestation, duration of labor, and, additionally, a detailed anamnesis and thorough physical examination should be performed, evaluating vital signs, the degree of cervical dilation, and fetal presentation and position. Therapeutic management in cases requiring obstetric intervention can be clinical or surgical, including obstetric maneuvers, episiotomy, fetotomy, or cesarean section. The present report aims to describe a case of dystocia associated with cervicovaginal prolapse in a crossbred cow, which underwent surgical treatment using the Bühner vulvar suture technique and a cesarean section for fetal extraction, ensuring the survival of both the dam and the calf. It was concluded that the surgical approach adopted allowed successful fetal removal and repositioning of the prolapsed structures, consistent with the recommendations described in veterinary literature. The technique proved to be practical, effective, and aligned with the principles of veterinary obstetrics, representing a viable alternative for the management of similar cases. 

Keywords: Cattle; cesarean; dystocia; obstetrics; prolapse.

Introdução 

O parto distócico é definido como um evento no qual existe uma dificuldade durante o processo de parição. A distocia pode se apresentar por causas de origem materna, em consequência a defeitos anatômicos ou patológicos no canal do parto bem como, de origem fetal que pode estar relacionada a fatores como gestação gemelar, tamanho do feto, posição no útero e fetos que apresentam má formação. Todos esses fatores resultam em um período de parto mais prolongado, logo, é fundamental a execução de procedimentos adequados para tal situação, a exemplo da realização de manobras obstétricas ou até mesmo da cesariana com o intuito de que tanto o terneiro quanto a vaca, não apresentem complicações ou sequelas e não reduzam suas taxas de produtividade, evitando assim, prejuízos econômicos para o produtor (Rice, 1994; Borges, 2011; Nunes, 2021).  

O trato reprodutivo das fêmeas bovinas, é composto por ovários, tubas uterinas, útero, cérvix uterina, vagina, vestíbulo da vagina e vulva. Os ovários são órgãos pares que possuem um formato elíptico, são sustentados pelo mesovário, irrigados pela artéria ovariana e além disso, são órgãos que apresentam tanto função endócrina quanto exócrina. As tubas uterinas estão intimamente interligadas aos ovários, são órgãos pares sustentados pela mesossalpinge e é dividida em três estruturas sendo estas o infundíbulo que capta os oócitos liberados pelo ovário, a ampola na qual ocorre a fertilização e o istmo, que está ligada ao corno uterino e transporta os espermatozóides até a ampola. Na sequência, se encontra o útero que tem o formato em Y, é constituído por dois cornos uterinos, um corpo e uma cérvix e apresenta três camadas sendo o endométrio a mais interna, camada mucosa que contém estruturas denominadas carúnculas as quais, possuem o papel de fixar a placenta durante a gestação, em seguida está o miométrio que é uma camada muscular e a mais externa, é o perimétrio que se apresenta como uma camada serosa. A cérvix é uma estrutura fibrosa e atua como uma barreira entre a vagina e o útero, se abrindo somente durante o cio ou no parto. Caudal a cérvix, está localizada a vagina, que é o órgão copulatório. Em seguida se encontra o vestíbulo da vagina que apresenta o hímen vaginal e o orifício uretral e por último, está a vulva que representa a abertura externa do trato reprodutivo (Hafez; Hafez, 2004; König; Liebich, 2011). 

Diversos são os fatores que podem levar a ocorrência dos partos distócicos em fêmeas da espécie bovina, sendo estes a raça, conformação da vaca e do touro, nutrição, peso, idade, a duração da gestação e cruzamentos industriais com raças européias, merecem destaque pois podem acarretar em problemas durante o parto, resultando em um aumento de custo na produtividade, devido aos gastos necessários com intervenção médica e uso de medicamentos e além disso, afetar o desempenho produtivo e reprodutivo do animal em questão (Andolfato; Delfiol, 2014; Helguera et al., 2016). 

As distocias de origem materna se caracterizam pela presença de constrição no canal do parto ou pela deficiência de força expulsiva na qual, a inércia uterina se destaca como responsável por cerca de 20% dos casos em que o canal do parto não apresenta condições para a ocorrência de um parto eutócico. A inércia uterina primária se define pela ausência da contração uterina de modo eficaz devido a causas endócrinas por diminuição de estrógenos, ocitocina e prostaglandina ou metabólicas, como a hipocalcemia. A inércia uterina secundária, ocorre por conta de um longo período de trabalho de parto, que resulta em um esgotamento da contratilidade do útero relacionado a uma estática fetal incorreta, gemelaridade ou patologia abdominal. Merecem destaque também o estreitamento das vias fetais moles e duras na qual se tratando da via fetal mole, se destacam a hipoplasia de órgãos genitais externos, anomalias nos órgãos genitais e distocias na cérvix, causadas por cervicite crônica e pela dilatação insuficiente. Na via óssea, as alterações se devem ao estreitamento pélvico que pode ocorrer por alterações hereditárias como a pelve infantil ou adquiridas a exemplo das fraturas, luxações e tumores ósseos. Além disso, existe a torção uterina que ocorre devido a falta de estabilidade no corno gestante e também de origem materna, se apresentam o prolapso vaginal ou uterino, que podem ocorrer devido ao esforço gerado pela distocia (Freire, et al., 2014; Silva, 2018). 

Dentre as causas da distocia de origem fetal, a mais recorrente se trata da desproporção feto-pélvica, que corresponde a cerca de 50-55% dos casos, na qual o bezerro é muito grande para passar pelo canal do parto de maneira fisiológica. Uma outra causa importante, é o parto gemelar devido ao fato dos fetos não conseguirem ser expulsos em razão da largura que possuem em relação ao canal do parto. Existem também, as malformações fetais que podem ocorrer por conta de fatores genéticos, virais, químicos e físicos geralmente na fase inicial de formação do feto, sendo os monstros fetais mais frequentemente recorrentes os gêmeos siameses e o Schistosomus reflexus. A alteração na estática fetal, é uma outra causa que apresenta alta incidência de casos que resultam em distocia, pois o feto se encontra em uma posição que não consegue passar de forma natural pelo canal do parto, se fazendo necessário um exame vaginal para a confirmação de tal alteração. A morte fetal também se enquadra como uma das causas de partos distócicos e pode se desenvolver por diversas razões, a exemplo da hipóxia durante a gestação, infecções por vírus e bactérias e assim, resultar em aumento de volume do feto, devido a putrefação e por último, se apresenta a mumificação fetal, na qual ocorre a morte fetal por traumatismos, torção uterina levando a reabsorção dos líquidos fetais e aderência das membranas e assim, não são produzidos os hormônios necessário para iniciar o trabalho de parto (Jackson, 2004; Grunert et al., 2005; Medeiros et al., 2014). 

Devem ser observados alguns pontos importantes para a identificação de um parto distócico como a fase de gestação e o tempo de trabalho de parto. Para diagnosticar uma distocia, uma anamnese detalhada deve ser feita, obtendo-se informações a respeito da situação do feto e histórico reprodutivo da vaca, seguido pelo exame clínico da mesma avaliando os sinais vitais, escore corporal, sinais de dor, realização da palpação retal e vaginal, que atuam de forma fundamental para avaliação da dilatação do canal do parto, da estática fetal e se há a presença de obstruções que estão provocando a distocia. A ultrassonografia serve como um exame complementar a palpação, auxiliando na avaliação da viabilidade fetal e no diagnóstico de patologias a exemplo da hidrocefalia (Rice, 1994; Antoniassi et al., 2013; Mee, 2013; Frazer et al., 2020).   

A conduta terapêutica em casos que necessitam de intervenção obstétrica, pode ser manejada de forma clínica ou cirúrgica, a depender das condições às quais se encontram o feto e a parturiente. As manobras obstétricas se apresentam como uma opção de tratamento clínico com o objetivo de corrigir a estática fetal através da tração e extração do feto com o auxílio de manobras como a retropulsão, a extensão, rotação, a inversão e a tração, fazendo o uso de materiais auxiliares como o fórceps, cordas e correntes. As opções cirúrgicas consistem na realização da episiotomia para facilitar a passagem do feto. A fetotomia é uma técnica realizada para dividir em partes menores o feto morto, através da amputação das partes do mesmo, que não consegue ser exteriorizado. E também, existe a cesariana, técnica cirúrgica com altas taxas de sobrevivência para a vaca e o bezerro e que é indicada para diversas formas de distocia a exemplo da hipertrofia fetal, alteração da estática fetal, alterações das vias fetais e torção uterina (Turner; McIlwraith, 2016; Resende et al., 2018; Nunes, 2021). 

O presente trabalho tem como objetivo realizar um relato de caso sobre parto distócico com presença de um prolapso cervicovaginal em uma fêmea mestiça da espécie bovina. 

Relato de caso  

No dia 26 de agosto de 2025 no Sítio Rocha, município de  Parnamirim – PE,  foi atendida uma vaca mestiça com aproximadamente 3 anos de idade, pesando cerca de 350 kg, primípara, em fase final de gestação, apresentando prolapso cervicovaginal  e intensas contrações. De acordo com as informações fornecidas pelo proprietário, o quadro teve início por volta das 18 horas do mesmo dia. O atendimento veterinário ocorreu por volta das 23 horas, no qual verificou-se que o animal apresentava persistência das contrações abdominais e prolapso cervicovaginal (Figura 1).

Figura 1. Prolapso cervicovaginal na vaca.

Fonte: Arquivo pessoal. 

O  animal foi devidamente contido em decúbito esternal e, em seguida, realizou-se tricotomia da região sacrococcígea. Procedeu-se à antissepsia do local com solução antisséptica apropriada,  seguida da administração de 5 mL de cloridrato de lidocaína a 2% sem vasoconstritor, por bloqueio epidural no espaço sacrococcígeo. Adicionalmente, foi realizada anestesia infiltrativa nos pontos de introdução e passagem da agulha de Gerlach para maior conforto do animal durante o procedimento. 

A mucosa vaginal, exteriorizada e recoberta por material orgânico decorrente do contato com fezes e solo, foi submetida à lavagem com água e sabão, seguida de antissepsia rigorosa, visando à remoção de sujidades. Após a higienização, procedeu-se à reintrodução manual e cuidadosa das estruturas prolapsadas, com retorno da mucosa vaginal e do colo uterino à sua posição anatômica, evitando-se traumas adicionais aos tecidos. Com o objetivo de prevenir recorrência do prolapso foi realizado sutura de Bühner, utilizando equipo de  fluidoterapia esterilizado e agulha de Gerlach. Logo em seguida foi administrado a dose de 0,05 mg/kg de Dexametasona fosfato dissódico (Cort-Trat® SM) intramuscular. 

Diante do quadro de trabalho de parto ativo, associado à ausência de progressão fetal e ao histórico de prolapso cervicovaginal previamente corrigido, optamos pela realização imediata de cesariana de emergência. Como o animal já se encontrava em decúbito esternal, realizou-se o reposicionamento cuidadoso para decúbito lateral direito, a fim de viabilizar o acesso cirúrgico pelo flanco esquerdo. Procedeu-se à tricotomia ampla da região paralombar esquerda, seguida de antissepsia rigorosa com solução degermante à base de clorexidina 2% e posteriormente aplicação de álcool iodado 0,1%. Para bloqueio anestésico regional, foi empregada a técnica do bloqueio em ´´L“ invertido, utilizando-se cloridrato de lidocaína a 2% sem vasoconstritor, distribuída entre os planos subcutâneo, muscular e peritoneal, com objetivo de garantir analgesia adequada durante toda a intervenção, e logo após, colocou-se o pano de campo estéril. 

Após a confirmação da analgesia, realizou-se incisão cutânea numa posição mais ventral em relação ao flanco, seguida  de incisão dos planos musculares com divulsão, respeitando a anatomia local, até a exposição do peritônio parietal, o qual foi cuidadosamente incisado para acesso à cavidade abdominal. A seguir, procedeu-se à identificação e exteriorização do corno uterino gestante para que a menor quantidade possível de líquido caísse na cavidade. Foi realizada uma incisão no útero sobre um membro, e promovida a retirada do concepto. 

O feto foi retirado com sucesso e apresentava sinais vitais ao nascimento, sendo imediatamente submetido à higienização e estimulação tátil-respiratória. A placenta foi inspecionada, com remoção manual apenas de porções já desprendidas, evitando-se tração forçada para prevenir hemorragias e lesões uterinas adicionais. Em seguida as bordas da incisão uterina foram limpas com uso de compressas estéreis, removendo o excesso de fluídos e resíduos presentes. Na sequência, o útero foi suturado em dois planos invaginantes contínuos, ambos no padrão Cushing. 

Logo após a histerorrafia, procedeu-se à limpeza minuciosa do útero e da cavidade abdominal e então o útero foi realocado em sua posição anatômica. A síntese da parede abdominal foi realizada por planos: os músculos foram suturados com plano contínuo festonado, a camada subcutânea recebeu sutura intradérmica e a pele foi suturada utilizando padrão contínuo festonado.    

No pós-operatório imediato, a fêmea recebeu administração de dipirona por via intravenosa, com o objetivo de promover analgesia sistêmica, contribuindo para o conforto pós-operatório imediato. Adicionalmente, foi administrado antibiótico de amplo espectro a base de penicilina (Megacilin® Super Plus) na dose de 20.000 UI/kg por via intramuscular.

Figura 2.  Pós-operatório imediato, evidenciando a vaca e o bezerro em boas condições após os procedimentos cirúrgicos.

Fonte: Arquivo pessoal. 

Foi instituído como conduta de protocolo terapêutico pós-operatório: Dexametasona (Cort-Trat® SM) na dose de 0,05 mg/kg, via intramuscular, uma vez ao dia, por três dias consecutivos; Penicilina (Megacilin® Super Plus) na dose 20.000 UI/kg, via intramuscular, uma vez ao dia, por cinco dias consecutivos; Dipirona (D-500) na dose de 25mg/kg, via intramuscular, uma vez ao dia, por cinco dias consecutivos. Adicionalmente, foi aplicada solução tópica à base de spray prata ao redor da ferida cirúrgica imediatamente após a sutura da pele. Em seguida, foi recomendada a reaplicação diária do produto até a completa cicatrização ou remoção dos pontos de pele. A remoção dos fios da sutura de pele foi orientada para ser realizada em 15 dias pós-operatório, ou conforme avaliação clínica individual. 

Discussão  

A rotina de atendimentos obstétricos na espécie bovina, apresenta uma alta casuística, na qual os partos distócicos se manifestam como uma urgência. A anamnese, assim como um exame físico minucioso, atuam como fatores fundamentais para que o caso seja conduzido da melhor forma possível. Isso ocorre através da obtenção de dados, avaliação dos sinais vitais e da presença de dilatação no canal do parto. Dentre os episódios de distocia, 62,99% ocorrem em vacas cujas idades variam entre 2 e 5 anos, sendo que as primíparas apresentam um risco mais elevado de desenvolverem partos distócicos, quando comparadas com as multíparas. As distocias mais frequentes nas novilhas são a incompatibilidade feto-pélvica, a dilatação insuficiente da cérvix e as alterações na estática fetal, que podem resultar na ocorrência do prolapso (Borges et al., 2006; Freire et al., 2014; Helguera et al., 2016). Após realização da anamnese e do exame físico, foi possível entender que a vaca atendida no presente relato, possui aproximadamente 3 anos de idade, era primípara e apresentava uma distocia de origem materna, sendo esta causada por conta de uma dilatação cervical insuficiente associada ao prolapso cervicovaginal, tornando-se necessária, uma intervenção obstétrica de urgência, o que corrobora com as informações presentes na literatura.  

Segundo Faria (2013), a ausência de dilatação cervical, como a observada neste caso, pode decorrer de múltiplos fatores, como a deficiência na estimulação provocada pelo feto e suas membranas, alterações hormonais, estresse em novilhas devido à hierarquia social e falhas na resposta hormonal do canal cervical. Fatores hormonais, aliados à dilatação física induzida pelo início do parto e à presença das membranas fetais, estão diretamente envolvidos no mecanismo de dilatação. Em casos de hipocalcemia, a redução da contratilidade uterina pode comprometer a abertura do colo do útero, dificultando a progressão do parto. Essa dilatação insuficiente da cérvix no momento do parto, pode resultar na ocorrência do prolapso cervicovaginal, no qual, os fatores predisponentes para a determinada ocorrência  incluem o relaxamento e o aumento da mobilidade das estruturas de tecido mole no canal pélvico e no períneo, ao passo que o parto se aproxima e também ao aumento da pressão intra-abdominal devido ao crescimento do feto, aumento da gordura intra-abdominal ou à distensão do rúmen (SIlva et al., 2011), como ocorreu no caso relatado.  

O tratamento do prolapso em bovinos pode envolver diferentes abordagens cirúrgicas, sendo as técnicas de sutura vulvar, como as descritas por Caslick, Bühner e Flessa, amplamente empregadas na prática clínica. No entanto, nenhuma dessas intervenções apresenta eficácia absoluta para todos os casos, exigindo, em determinadas situações, ajustes no protocolo adotado de acordo com a gravidade do quadro e as condições específicas do animal (Prestes et al., 2008). A principal finalidade das técnicas de contenção aplicadas em casos de prolapsos é prevenir a exteriorização da parede vaginal, cervical ou uterina, evitando a recorrência do quadro clínico. Prolapsos classificados como de grau moderado a grave são comumente tratados com técnicas de contenção mais robustas, sendo a sutura de Bühner e a técnica de Flessa indicadas nesses casos (Prestes; Landim-Alvarenga; Lourenção, 2017). O padrão de sutura utilizado neste relato foi o do tipo Bühner, condizente com as recomendações da literatura para casos graves e moderados.  Todas as técnicas citadas requerem a realização de anestesia epidural, limpeza criteriosa de toda a área exposta e a escolha adequada do método terapêutico conforme as particularidades de cada caso, podendo ser associado o uso de fármacos de suporte (Gilbert, 2018). De acordo com Flórez (2020), o protocolo anestésico indicado nesses procedimentos consiste na anestesia epidural baixa, realizada com cloridrato de lidocaína a 2 % sem vasoconstritor, em volume de 5 a 7 mL, aplicada no espaço sacrococcígeo. Tais condutas foram seguidas no presente relato, garantindo analgesia e segurança durante o procedimento cirúrgico, permitindo a execução sem intercorrências relacionadas à dor ou movimentação do animal.  

O protocolo anestésico realizado para proceder com a cesariana em vacas, se baseia no uso do bloqueio local em ´´L´´ invertido, que é realizado com a aplicação de 60 ml a 80 ml de lidocaína 2%, sem vasoconstritor, usando uma agulha longa com o intuito de impedir a transmissão de impulsos nociceptivos, atingindo e assim, resultando na dessensibilização de toda a musculatura do flanco. (Teixeira; Santos, 2001; Jackson, 2004; Turner; McIlwraith, 2016). A vaca do relato foi submetida ao bloqueio anestésico local em ´´L´´ invertido com 80 ml de lidocaína a 2% sem vasoconstritor, promovendo dessensibilização entre os planos subcutâneo, muscular e peritoneal para  então, ser procedida a cesariana.  

A cesariana se apresenta frequentemente como um procedimento de emergência, podendo ser realizada em diversas formas de distocia. Além disso, é considerado um procedimento cirúrgico que promove uma alta taxa de sobrevivência tanto para o bezerro quanto para a mãe, pois o parto distócico prolongado, coloca em risco a vida de ambos. O procedimento deve ser realizado em um ambiente higiênico, iluminado e com instalações que permitam uma adequada contenção do animal. Se tratando da técnica cirúrgica da cesariana, existem algumas formas de abordagem sendo estas pelo flanco esquerdo, pelo flanco direito ou um acesso com incisão paramediana ventral no entanto, o acesso cirúrgico pelo flanco esquerdo é o mais utilizado na rotina, por conta  do rúmen atuar impedindo a possibilidade de evisceração das alças intestinais. Esse acesso apresenta como objetivo evitar a contaminação do feto, mas também pode ser feito quando o feto morreu recentemente e inclusive, com a vaca em estação (Vermunt, 2008; Turner; McIlwraith, 2016). 

Após a incisão da pele e do subcutâneo no acesso cirúrgico através do flanco, os músculos oblíquo abdominal externo, oblíquo abdominal interno e transverso do abdômen, são submetidos a divulsão dígito-digital. Na sequência, o útero deve ser localizado e exteriorizado, sendo feita então a histerotomia, preferencialmente na curvatura maior do corno gravídico, evitando os placentomas por conta do risco de hemorragia. Os membros do bezerro são utilizados como referência para o local da incisão e durante a tração do feto, cuidados devem ser tomados para que não ocorra laceração do útero e nem extravase conteúdo uterino para a cavidade abdominal. Na sequência, a histerorrafia é executada com sutura dupla e invaginante. Por fim, o útero é reposicionado anatomicamente e são feitas as suturas da musculatura e da pele (Martins, 2007; Schulz, 2008; Vermunt, 2008; Turner; McIlwraith, 2016; Nunes, 2021). No presente relato, pelo fato da paciente apresentar uma distocia, optou-se pela realização da cesariana de emergência. Dessa forma, a vaca foi contida em decúbito esternal em um ambiente higiênico. O procedimento foi realizado com o acesso cirúrgico pelo flanco esquerdo e a técnica de acordo com a descrição da literatura citada. O procedimento aconteceu sem intercorrências e tanto a vaca quanto o bezerro sobreviveram.  

As recomendações pós-cirúrgicas, como sugerido por Andolfato; Delfiol (2014), consistiram no uso de antibioticoterapia profilática, sendo a penicilina o antibiótico de escolha neste caso, cuidados tópicos com a ferida cirúrgica, sendo estes o uso de antisséptico, repelente e também a retirada dos pontos. Além disso, foi realizado o controle da dor e da inflamação, com o uso de dipirona e dexametasona respectivamente. De acordo com Jericó; Andrade (2008), a dipirona é um fármaco antipirético e analgésico, com fraca ação anti-inflamatória. Segundo SPINOSA et al. (2002), o uso de glicocorticóide no pós-cirúrgico deve ser feito buscando um efeito anti-inflamatório e prevenindo um possível choque séptico.  

4. Conclusão 

O presente relato de caso demonstra a relevância da intervenção obstétrica imediata e da escolha técnica apropriada em situações de parto distócico associado ao prolapso cervicovaginal em fêmeas bovinas. Considerando o estágio avançado da gestação, o quadro clínico apresentado e as condições do canal cervical, optou-se pela realização de cesariana pelo flanco esquerdo, e correção do prolapso com técnica de sutura de Bühner.

A abordagem cirúrgica adotada permitiu a retirada do neonato e o reposicionamento das estruturas prolapsadas, de acordo com as recomendações presentes na literatura veterinária. A técnica empregada demonstrou viabilidade prática e adequação aos princípios da obstetrícia veterinária, sendo uma alternativa válida para manejo de casos semelhantes.      

5. Referências bibliográficas 

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