OBSTÁCULOS E PROPOSTAS PARA A EQUIDADE DE GÊNERO NO SETOR PORTUÁRIO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202508312143


Regina Cáceres Coutinho1
Sandra Beringuel da Silva2


RESUMO

Este estudo analisa a inserção do trabalho feminino no setor portuário, tradicionalmente dominado por homens devido à natureza física das tarefas. Com a mecanização e mudanças no ambiente de trabalho, a presença de mulheres tem aumentado, especialmente em cargos de liderança, onde as diferenças biológicas não são determinantes. Políticas afirmativas governamentais têm sido cruciais para essa transformação. No entanto, as mulheres ainda enfrentam muitos obstáculos ao ingressar e progredir nesse mercado, incluindo preconceitos enraizados e comportamentos masculinos que dificultam a igualdade de gênero. Esses obstáculos frequentemente se manifestam como assédio moral e sexual, projetados para desencorajar e desqualificar as mulheres, impedindo seu avanço em cargos de direção. Esses desafios têm consequências físicas e psicológicas duradouras, afetando o engajamento e o desenvolvimento das habilidades femininas no setor portuário. Abordar essas questões é essencial para promover mudanças significativas no ambiente marítimo, igualdade de oportunidades e equidade de gênero. Esta pesquisa visa contribuir para esse objetivo, fornecendo insights e análises que possam informar políticas e práticas que promovam um ambiente de trabalho mais inclusivo e justo para mulheres no setor portuário.

Palavras-chave: Setor Portuário. Equidade de gênero. Discriminação. Políticas inclusivas.

1  INTRODUÇÃO

Existem diversos motivos pelos quais a inserção da mulher no mercado de trabalho deve ser estudada e analisada. Em primeiro lugar, ela produz forte impacto nas relações sociais, pois implica em uma mudança de “paradigma” familiar e cultural. Outro motivo importante, está relacionado com a discriminação de gênero, tanto em relação aos diferenciais de salários quanto a postos de trabalho.

Este trabalho tem como objetivo geral tratar da inserção da mulher no mercado de trabalho portuário, sua evolução, obstáculos enfrentados mediante a desigualdade de gêneros, bem como abordar algumas posições políticas que estão fazendo diferença nos portos.

O setor portuário é imprescindível para a economia global, todavia enfrenta desafios significativos em relação à equidade de gênero. Apesar dos avanços significativos nas últimas décadas, as mulheres continuam sub-representadas e enfrentam obstáculos consideráveis em suas carreiras portuárias. Desse modo, este estudo se propõe a explanar os desafios e apresentar propostas para promover a igualdade de oportunidades no setor. A problemática envolvida aborda a análise crítica sobre as questões enfrentadas por mulheres no setor portuário referente as causas estruturais e culturais que perpetuam as desigualdades de gênero.

Os resultados da pesquisa e discussão focam na identificação das principais barreiras enfrentadas por mulheres no setor portuário. A investigação destaca o acesso limitado a oportunidades para o desenvolvimento profissional e as condições de trabalho desiguais em comparação ao gênero masculino. Estas desigualdades são evidenciadas por normas laborais que valorizam atributos tradicionalmente associados aos homens, perpetuando padrões discriminatórios enraizados em normas culturais históricas.

Quanto à metodologia empregada, foi utilizada como fonte de estudo a abordagem qualitativa de caráter descritivo e exploratório. O trabalho baseou-se por pesquisas em revisões bibliográficas de artigos publicados em revistas especializadas. Também se buscou investigar a literatura vigente sobre o assunto em questão, através de livros ou textos relacionados, explorando o problema e identificando fatores interligados a outras disciplinas das ciências humanas.

Nesse contexto, o capítulo seguinte se dedica à proposição de soluções que visam enfrentar as desigualdades identificadas, através da implementação de políticas de igualdade de gênero e de programas de capacitação direcionados para promover ambientes de trabalho inclusivos. A urgência de instrumentos e práticas que fomentem a equidade de gênero no setor portuário é enfatizada, sugerindo medidas como a adoção de políticas organizacionais inclusivas, iniciativas de capacitação específicas para mulheres e o estabelecimento de ambientes laborais que reconheçam e respeitem a diversidade de gênero.

Diante desse cenário, resta claro o seu propósito deste estudo, qual seja, avaliar em que nível o trabalho portuário brasileiro encontra-se no tocante à equidade de gênero, apontando fatos, entraves e possíveis soluções.

2  REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A DESIGUALDADE DE GÊNERO NO SETOR PORTUÁRIO

A normatização das atividades portuárias, no que tange às competências e atribuições políticas relacionadas à estruturação e regulamentação da temática da igualdade de gênero, encontra-se disseminada entre diversas fontes normativas, incluindo legislações esparsas internas, diretrizes de órgãos reguladores, convenções internacionais e a Constituição Federal, a qual estabelece princípios fundamentais e diretrizes para a igualdade no ambiente de trabalho. Neste contexto, este trabalho visa analisar aspectos significativos de algumas dessas normativas e discutir a forma como elas abordam a questão da igualdade de gênero. O objetivo é elencar e examinar as políticas e regulamentações que promovem o tratamento isonômico entre homens e mulheres, bem como as iniciativas voltadas para a superação das desigualdades de gênero no setor portuário. A abordagem será feita por meio da identificação e análise das principais legislações sobre a temática, que sustentam práticas e políticas direcionadas à promoção da equidade de gênero e à construção de um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo no contexto portuário.

Em um contexto global, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os direitos e princípios fundamentais estabelece, entre suas cinco diretrizes primordiais, a garantia da erradicação da discriminação no âmbito do emprego e da ocupação. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 5 da Organização das Nações Unidas (ONU), que promove a igualdade de gênero, delineia várias metas específicas, incluindo: a eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres; a garantia da participação plena e efetiva das mulheres, bem como a igualdade de oportunidades para liderança em todos os níveis; o aumento do uso de tecnologias básicas, especialmente as tecnologias de informação e comunicação, para fomentar o empoderamento feminino; e a adoção e fortalecimento de políticas robustas e legislação aplicável para promover a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres (Richa; Silva, 2023).

A equidade de gênero também ocupa uma posição de destaque no ODS nº 1, 8 e 10. O ODS nº 10, que aborda a redução das desigualdades, estabelece que, até 2030, deve-se alcançar o empoderamento e a promoção da inclusão social, econômica e política de todos, independentemente de gênero. Este objetivo defende a busca pela igualdade de oportunidades e a redução das desigualdades de resultados, o que inclui a eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias, bem como a promoção de legislação, políticas e ações adequadas para esse fim (Richa; Silva, 2023).

No contexto do Direito Comparado, o regulamento da União Europeia (UE) nº 2017/352, de 15 de fevereiro de 2017, que trata do regime de prestação de serviços portuários, promove a participação feminina ao prever que a evolução tecnológica e do mercado deve ser buscada, com o objetivo de reforçar a acessibilidade e a atratividade do setor portuário para as mulheres trabalhadoras. Este regulamento enfatiza a importância de criar um ambiente mais inclusivo e equitativo, incentivando a presença feminina em um setor tradicionalmente dominado por homens, através da implementação de medidas que facilitem a entrada e a permanência das mulheres no mercado de trabalho portuário (Richa; Silva, 2023).

Em Portugal, o regime de contratação no trabalho portuário foi liberalizado após cerca de dez anos de vigência do sistema OGMOP (Organização de Gestão de Mão-de-Obra Portuária). Similarmente ao Brasil, onde existe o OGMO (Órgão Gestor de Mão-de-Obra), esse sistema foi concebido como uma solução transitória, uma ponte entre o modelo de closed shop e o livre mercado. Em Portugal, essa transição foi efetivamente concluída em aproximadamente uma década. No entanto, no Brasil, a transitoriedade do sistema OGMO tem se prolongado por décadas, perpetuando um modelo que inicialmente deveria ser temporário (Richa; Silva, 2023).

Especificamente tratando-se da atividade portuária, a Constituição Federal da República do Brasil de 1988 indica que é de competência da União a exploração de portos, sendo também de responsabilidade exclusiva da esfera federal a regulamentação sobre a forma de organização do regime destes. Quanto as hipóteses de transporte aquaviário internacional, serão atendidos os acordos assinados pela União, desde que observado o princípio da reciprocidade (Brasil, 1988).

Muitas normas regulamentadoras do trabalho da mulher foram introduzidas na legislação brasileira. A Constituição Federal também teve essencial participação na luta de paridade entre homem e mulher, conforme expressamente exposto em seu artigo 5º, inciso I. Desse modo, a Carta Magna trouxe a garantia de igualdade entre o homem e da mulher, ocasionando o início de uma estrutura de direitos exclusivos às mulheres (Brasil, 1988).

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é uma das normas regulamentadoras mais significativas no contexto do direito trabalhista brasileiro, tendo sido promulgada em 1943. A CLT introduziu princípios fundamentais de paridade de gênero, buscando mitigar a desproporcionalidade existente entre os trabalhos femininos e masculinos. Desde sua criação, a CLT tem sido um marco na promoção da igualdade de direitos e oportunidades no ambiente de trabalho, estabelecendo diretrizes que visam garantir condições equitativas para todos os trabalhadores, independentemente de gênero. Essa legislação tem evoluído ao longo dos anos para se adaptar às novas demandas sociais e econômicas, reforçando continuamente o compromisso com a igualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro (Brasil, 1943).

Ademais, a CLT trouxe um capítulo exclusivo direcionado a proteção do trabalho da mulher, o qual trata sobre a duração, condições de trabalho, discriminação, trabalho noturno, períodos de descanso, métodos e locais de trabalho, proteção à maternidade e também as penalidades em caso de descumprimento (Brasil, 1943).

Já a Lei dos Portos, Lei nº. 8.630/93, foi criada no bojo da implantação de ações de contrarreforma do Estado e no contexto de reestruturação produtiva a fim de atender, entre outras questões, as pressões das transnacionais pela agilização dos serviços portuários, tendo ocorrido significativas alterações nas relações de trabalho nesse setor, entre elas, a ampliação da inserção da força de trabalho feminina (Brasil, 1993). Posteriormente, tal legislação foi revogada pela Lei nº 12.815/2013 (Brasil, 2013).

Por sua vez, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) entregou o Guia de Enfrentamento ao Assédio no Setor Aquaviário. De acordo com dados da ANTAQ, pouco mais de 17% das vagas no setor aquaviário brasileiro são ocupadas por mulheres. Essa estatística reflete a tendência global de participação feminina em cargos desse setor. No Brasil, especificamente no setor portuário, as mulheres ocupam 17,3% do total de vagas. As empresas de cabotagem destacam-se por liderar o ranking de participação feminina, com 34% dos cargos ocupados por mulheres, sendo que mais de 30% dessas mulheres estão em posições de liderança (ABEPH, 2024).

Essa distribuição evidencia um avanço significativo na inclusão de mulheres em um setor tradicionalmente dominado por homens, especialmente nas empresas de cabotagem, onde a presença feminina é mais expressiva. A liderança feminina em mais de 30% dos cargos nessas empresas demonstra um progresso importante na promoção da igualdade de gênero e na valorização das competências das mulheres no mercado de trabalho aquaviário.

As autoridades portuárias apresentam uma participação feminina superior à média geral dos setores, com 22% das vagas ocupadas por mulheres. No entanto, essa representatividade diminui drasticamente quando se trata de cargos de direção. Nesse segmento, apenas 5,9% das mulheres ocupam posições de alto escalão, o que representa a menor média entre os setores pesquisados (ABEPH, 2024).

2.2 A EVOLUÇÃO DO TRABALHO DA MULHER NO SETOR PORTUÁRIO

Conforme observado em tópico anterior, no que se refere à divisão do trabalho entre os gêneros antes das revoluções liberais, é importante destacar que, sob a perspectiva predominante da época, homens e mulheres não eram considerados sujeitos de direitos e deveres em condições de igualdade.

Os direitos e deveres eram atribuídos com base no grupo social ao qual cada indivíduo pertencia, e não na sua natureza intrinsecamente humana. A partir do século XVIII, com a emergência dos princípios das revoluções liberais e a consequente reconfiguração das concepções jurídicas de igualdade, houve uma transformação fundamental na estrutura do Direito, refletindo-se de maneira significativa no contexto laboral. O princípio da igualdade, consagrado pelas novas doutrinas jurídicas e filosóficas, iniciou um processo de revisão das normas e práticas laborais, promovendo a ideia de que a igualdade de direitos e deveres é um atributo inerente a todos os seres humanos, independentemente de seu gênero. Esse processo de mudança permitiu a reavaliação e a reestruturação das relações de trabalho sob uma ótica de equidade (Novelino, 2023).

Desse modo, criar oportunidades e desenvolver carreiras focadas na inclusão feminina tem um impacto duradouro na sociedade, especialmente quando o empoderamento feminino é promovido por meio do trabalho. Esse empoderamento resulta em uma melhoria significativa no nível socioeconômico, provocando mudanças econômicas, sociais e culturais no país, que só pode se desenvolver plenamente com a igualdade social. A participação feminina no mercado de trabalho beneficia não apenas as empresas do setor aquaviário, mas também outros setores derivados. As mulheres trazem competências essenciais que tornam o setor mais inclusivo e produtivo. Isso se traduz em uma logística mais inteligente e eficiente, com redução de custos e aumento do fluxo global (Therezo, 2022).

Ademais, muitos outros fatores contribuíram para a evolução do trabalho da mulher no setor portuário, como as conquistas advindas da luta do movimento feminista, a maior participação sócio-política da mulher, dentre outros. Outrossim, as mulheres ocupam cada vez mais postos de trabalho no setor portuário, que até pouco tempo, era considerado segmentado apenas ao público masculino, todavia, na análise da estrutura organizacional observa-se que a maior parte dos gestores ainda são homens.

Destarte, observa-se que o mundo tem apostado em valores femininos, como a capacidade de trabalho em equipe, deixando para traz o individualismo, a persuasão em oposição ao autoritarismo, abandonando a competição e incentivando a cooperação. Assim, analisando a questão do capital humano nas organizações, destaca-se a importância e valorização da igualdade de gênero. Tal abordagem, favorece o fortalecimento da empresa e desenvolve a cultura organizacional pautada em igualdade, equilíbrio social e em demonstrar o alinhamento com os colaboradores, que estarão inspirados e satisfeitos em fazer parte da organização.

Outrossim, as mulheres desempenham um papel crucial nas práticas ESG (Ambientais, Sociais e de Governança) das empresas. A presença feminina não só melhora a avaliação geral de ESG, mas também agrega mais sustentabilidade às práticas corporativas. À medida que mais mulheres ocupam cargos de liderança, a diversidade de competências se amplia, resultando em mudanças significativas em cenários tradicionalmente obsoletos. A adoção de lideranças democráticas, a resiliência e a valorização das relações humanas são elementos fundamentais para superar os obstáculos de gênero (Therezo, 2022).

As atividades laborais braçais, antes predominantes nos portos, agora coexistem com uma maior exigência de qualificação e escolaridade devido à multifuncionalidade dos trabalhadores portuários na nova gestão de trabalho. Historicamente, os portos eram espaços de trabalho físico intenso, com acesso aos empregos sendo repassado geracionalmente, o que dificultava a inserção das mulheres. No entanto, o avanço tecnológico no setor e a Lei nº 8.630/93, que estabeleceu o ingresso por concurso público, facilitaram a entrada das mulheres no mercado de trabalho portuário (Pereira; Nogueira, 2018).

Apesar da predominância masculina, as mulheres têm se destacado com suas atuações diferenciadas no setor portuário. O protagonismo feminino está presente nas mais altas esferas, liderando pastas importantes na ANTAQ e presidindo Autoridades Portuárias em todo o Brasil. As mulheres já ocupam posições de destaque em grandes players do setor, promovendo operações essenciais, incluindo a mobilidade de cargas vitais nos portos brasileiros. O porto de Santos é um exemplo de compromisso com essas mudanças significativas no engajamento feminino (Therezo, 2022).

Tem-se, portanto, que as políticas de equidade foram fundamentais para o surgimento de posições históricas no setor portuário, que não seriam possíveis sem a devida capacitação e credibilidade. Exemplos notáveis incluem a primeira operadora de portêiner e a primeira operadora de acostado no porto de Santos. Atualmente, mulheres realizam operações com guindastes, amarram embarcações que chegam ao cais e envolvem contêineres aos cabos de aço, entre outras atribuições. Mais do que apenas novas atividades, essas conquistas representam a realização de sonhos e a materialização do potencial feminino no campo portuário (Therezo, 2022).

2.3 PRINCIPAIS OBSTÁCULOS ENFRENTADOS À EQUIDADE DE GÊNERO NO SETOR PORTUÁRIO

Diversos fatores têm desempenhado um papel significativo na perpetuação do atraso social no Brasil, com ênfase especial nas dinâmicas históricas que têm sido determinantes para a continuidade das desigualdades de gênero no trabalho portuário. Entre esses fatores históricos, destaca-se a prevalência de uma cultura de masculinidade que é profundamente enraizada no ambiente portuário. A persistência de estruturas patriarcais tem sustentado e ampliado as desigualdades de gênero.

A cultura da masculinidade predominante no setor portuário, ao ser sustentada por normas e práticas patriarcais, tem não apenas dificultado a inclusão das mulheres, mas também obstruído o acesso a oportunidades equitativas nesse campo específico da economia. Essas normas culturais e estruturas institucionais criam um ambiente laboral que perpetua a exclusão e a marginalização das mulheres, refletindo um histórico de desigualdades que se materializa em barreiras concretas à promoção da equidade de gênero no trabalho portuário.

Couto e Machin (2015) destacam que a hereditariedade masculinizada é um traço distintivo na experiência dos trabalhadores portuários em diversos portos ao redor do mundo. Estudos históricos evidenciam a relevância do aspecto geracional na entrada e permanência nesse mercado de trabalho, frequentemente caracterizado pela transmissão do ofício de pai para filho. A masculinidade emerge como uma característica essencial na cultura ocupacional dos estivadores, reforçando a predominância masculina e a continuidade dessa tradição ao longo das gerações.

Outro fator histórico significativo a ser considerado é a incessante questionabilidade das capacidades e habilidades das mulheres, frequentemente subordinada a estereótipos de gênero. Esse fenômeno histórico evidencia que as competências e qualificações femininas são sistematicamente desconsideradas ou questionadas com base em premissas de gênero, refletindo uma visão preconceituosa que desvaloriza as mulheres no ambiente de trabalho portuário. As estruturas de poder dentro das indústrias portuárias, frequentemente, eram dominadas por homens, o que perpetuava a exclusão das mulheres e dificultava sua entrada e progressão na carreira portuária.

Adicionalmente, outro aspecto histórico de relevância é a exclusão das mulheres de técnicas operacionais específicas, principalmente aquelas que demandam um esforço físico excessivo para a movimentação de cargas. A categorização dessas atividades como predominantemente masculinas perpetua a ideia de que as mulheres são inerentemente ‘inadequadas’ para desempenhar funções que exigem força física intensa. Essa exclusão não apenas limita as oportunidades de participação feminina no setor, mas também reforça uma estrutura de trabalho que que dá continuidade à segregação de gênero, evidenciando a persistência de normas históricas que definem e restringem o papel das mulheres nas operações portuárias.

Neste sentido, a consolidação histórica do domínio masculino no trabalho portuário deve-se, em grande medida, ao modus operandi que vigorou por séculos nos portos em geral. Desta maneira, destaca-se que o trabalho portuário era visto como uma atividade pesada e perigosa, associada à força física e resistência, características atribuídas aos homens, especialmente em áreas como carga e descarga de navios (Nogueira; Costa, 2019).

Além disso, as organizações portuárias e os sindicatos, ao longo da história, desempenharam um papel ativo na exclusão das mulheres do ambiente de trabalho portuário, estabelecendo barreiras tanto formais quanto informais que restringiam sua participação. Esses obstáculos foram instituídos através de políticas explícitas e práticas tácitas que favoreciam a manutenção de um domínio masculino nas estruturas de poder dentro das indústrias portuárias. O poder e a influência concentrados nas mãos de homens, tanto em cargos administrativos quanto operacionais, perpetuaram a exclusão das mulheres e criaram obstáculos significativos para sua entrada e progressão dentro das carreiras portuárias. Essas dinâmicas de poder consolidaram um ambiente laboral em que a presença feminina foi não apenas desencorajada, mas sistematicamente dificultada, refletindo e reforçando a segregação de gênero no setor por séculos.

Nogueira e Costa (2019) analisam as barreiras culturais persistentes que as mulheres enfrentam no ambiente de trabalho, destacando a existência de desafios significativos relacionados às condições físicas e de higiene que atendem às necessidades específicas de gênero. As dificuldades enfrentadas pelas mulheres no contexto portuário incluem a falta de instalações adequadas, a inexistência de adaptações para mulheres grávidas ou lactantes e um ambiente de trabalho permeado por preconceitos e atitudes machistas.

Essas barreiras também incluem, por exemplo, a ausência de sanitários apropriados para cada gênero, o que reflete em uma desconsideração às necessidades básicas de higiene das mulheres trabalhadoras. Adicionalmente, a falta de políticas que contemplem horários e locais adaptados para mulheres grávidas e lactantes evidencia uma carência de infraestrutura que respeitem e atendam às especificidades das condições femininas de trabalho. Essas omissões representam inércias que esbarram no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana amparado pelo art. 1º, lll, da Carta Magna, sendo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

No passado recente, o ambiente portuário foi marcado por uma combinação desses fatores excludentes acima brevemente narrados. Esse preconceito sistemático e o machismo institucionalizado, bem como Esses aspectos históricos e culturais contribuíram para um contexto de trabalho que não apenas desconsiderava as necessidades das mulheres, mas também perpetuava um ambiente hostil e excludente, desafiando a promoção da igualdade de gênero no setor portuário.

2.4 POLÍTICAS INCLUSIVAS

Bem recentemente, o Governo Federal deu um passo importante, com o lançamento do Guia de Enfrentamento ao Assédio no Setor Aquaviário. Uma iniciativa conjunta do Ministério dos Portos e Aeroportos (MPor) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), em parceria com a Women’s International Shipping and Trading Association (Wista Brazil) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Corresponde a um manual de boas práticas para combater o assédio contra mulheres que trabalham nos portos e na navegação brasileira. O documento busca, de maneira empática, instigar reflexões e oferecer orientações sobre de que forma, tanto como instituição quanto como indivíduos comprometidos, é possível efetivamente contribuir para a construção de ambientes de trabalho verdadeiramente inclusivos e acolhedores.

Além disso, este é um marco importante para alcançar avanços no ODS 5 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – Igualdade de Gênero, estabelecido pelas Nações Unidas).

Ademais, o guia foi inspirado pelo Manual Lilás, da Controladoria-Geral da União (CGU), que instituiu, em março de 2023, o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.

Dentre muitos objetivos, tem-se em combater a violência contra mulheres no setor e, também traz como pautas importantes, a discriminação em razão da religião, idade, deficiência física que vem fortalecer a diversidade/pluralidade no setor aquaviário.

Logo, esse guia marca um passo significativo na construção de um ambiente de trabalho mais inclusivo e seguro.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O avanço à igualdade no setor portuário apresenta inúmeras barreiras, e, é sem dúvida um setor que se encontra aberto para a prosperidade no sentido da equidade de gêneros. É um seguimento que apresenta ânsia em progredir, não havendo outro caminho, se não a introdução das mulheres neste mercado de trabalho, com valorização, empoderamento e credibilidade.

A diversidade deve ser parte integrante da história, cultura e identidade da empresa. A inclusão é a maneira como é tratada e percebida todas as diferenças. É necessário, sim, criar uma cultura inclusiva em que todas as formas de diversidade sejam vistas como um valor real para as pessoas. Por conseguinte, uma empresa precisa ter a ambição de oferecer oportunidades iguais a todos, em todos os lugares, e garantir que todos os funcionários sintam-se valorizados de forma única. E isso vale em qualquer setor.

Portanto, os resultados introdutórios da pesquisa constituem um recorte que contribui para uma maior compreensão das mudanças na figura do papel feminino e sua inserção no setor portuário. Dessa forma, o objetivo do presente estudo não é esgotar o assunto, mas espera-se que esse trabalho ofereça reflexões sobre o tema, para que sejam feitas novas pesquisas e amplie-se os estudos sobre a inclusão da mulher nos portos brasileiros.

Desta feita, conclui-se que, apesar dos desafios significativos enfrentados, o setor portuário apresenta oportunidades promissoras para promover mudanças positivas por meio de políticas afirmativas. A implementação de estratégias eficazes de equidade de gênero não apenas beneficiará as mulheres que trabalham nos portos, mas também contribuirá para a criação de um ambiente de trabalho mais justo e produtivo. Esta abordagem enfatiza a necessidade de tratamentos integrados e colaborativos a fim de alcançar um futuro mais inclusivo e equitativo no contexto global no setor portuário.

REFERÊNCIAS

ABEPH, Associação Brasileira das Entidades Portuárias e Hidroviárias. ABEPH participa do lançamento do Guia de Enfrentamento ao Assédio no Setor Aquaviário. 27 mar. 2024. Disponível em: https://abeph.org.br/abeph-participa-do-lancamento-do-guia-de- enfrentamento-ao-assedio-no-setor-aquaviario/. Acesso em: 20 jul. 2024.

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BRASIL. Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias e dá outras providências. (LEI DOS PORTOS). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8630.htm. Acesso em: 17 jul. 2024.

BRASIL. Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários; altera as Leis nºs 5.025, de 10 de junho de 1966, 10.233, de 5 de junho de 2001, 10.683, de 28 de maio de 2003, 9.719, de 27 de novembro de 1998, e 8.213, de 24 de julho de 1991; revoga as Leis nºs 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e 11.610, de 12 de dezembro de 2007, e dispositivos das Leis nºs 11.314, de 3 de julho de 2006, e 11.518, de 5 de setembro de 2007; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm#art76. Acesso em: 17 jul. 2024.

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ANTAQ, Agência Nacional de Transportes Aquaviários; MPoR, o Ministério de Portos e Aeroportos. Guia de enfrentamento ao assédio no setor aquaviário. 1 ed. 2024. Disponível em:  https://www.gov.br/portos-e-aeroportos/pt-br/assuntos/noticias/2024/03/guia-de- enfrentamento_final-digital-1.pdf. Acesso em: 30 jul. 2024.

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NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 18. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

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THEREZO, Alcino. Artigo – Atração e desenvolvimento das mulheres para mover os portos brasileiros. Portos e Navios. 03 nov. 2022. Disponível em: https://www.portosenavios.com.br/artigos/artigos-de-opiniao/artigo-atracao-e- desenvolvimento-das-mulheres-para-mover-os-portos-brasileiros. Acesso em: 22 jul. 2024.


1 Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, exercendo o cargo de Oficiala de Justiça. Mestranda em Direito pela Faculdade Damas, com área na Historicidade dos Direitos Fundamentais. Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2000), Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Mauricio de Nassau (2008). E-mail: reginacacerescoutinho@hotmail.com.
2 Servidora Pública do Estado de Pernambuco, exercendo o cargo de Oficiala de Justiça do Estado De Pernambuco. Mestranda em Direito pela Faculdade Damas, com área na Historicidade dos Direitos Fundamentais. Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2000), Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (2022). E- mail: sandraberinguelsilva@gmail.com.