THE ROLE OF THE SUPREME FEDERAL COURT IN PROTECTING THE ENVIRONMENT AND FUTURE GENERATIONS : AN ANALYSIS FROM THE AMAZON.
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202512111358
Maria Eduarda Castro de Siqueira1
Pedro de Medeiros Daltro2
Liandro Moreira da Cunha Faro3
RESUMO
O presente estudo analisa o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) na proteção do meio ambiente e na garantia da justiça intergeracional, com foco específico no bioma amazônico. Nesse viés, diante da inércia dos Poderes Executivo e Legislativo na implementação de políticas eficazes contra o desmatamento e a crise climática, investiga-se em que medida a atuação do Judiciário tem sido satisfatória para assegurar os princípios ambientais constitucionalmente previstos. A pesquisa adota o método dedutivo, com abordagem qualitativa, fundamentada na revisão bibliográfica e documental, com base na Carta Magna, em doutrinas consolidadas e na jurisprudências recentes da Corte, especificamente as decisões na ADPF 708, ADPF 760 e ADO 59. Os resultados demonstram que a Amazônia configura uma infraestrutura ecológica insubstituível e que a sua proteção está intrinsecamente ligada à garantia dos direitos fundamentais dos povos originários. Conclui-se que o STF, ao reconhecer a inviolabilidade do direito ambiental e aplicar o princípio da vedação ao retrocesso, consolidou o entendimento de que a proteção ambiental é um dever vinculante e não discricionário, atuando de forma legítima para recompor a ordem constitucional e preservar as bases ecológicas essenciais para as presentes e futuras gerações.
Palavras-chave: Amazônia; Supremo Tribunal Federal; Direito Constitucional Ambiental
ABSTRACT
This study analyzes the role of the Federal Supreme Court (STF) in protecting the environment and guaranteeing intergenerational justice, with a specific focus on the Amazon biome. In this regard, given the inertia of the Executive and Legislative branches in implementing effective policies against deforestation and the climate crisis, this work investigates the extent to which the Judiciary’s performance has been satisfactory in ensuring constitutionally foreseen environmental principles. The research adopts a deductive method with a qualitative approach, grounded in a bibliographic and documentary review based on the Constitution, consolidated legal doctrine, and recent Court jurisprudence—specifically the decisions in ADPF 708, ADPF 760, and ADO 59. The results demonstrate that the Amazon constitutes an irreplaceable ecological infrastructure and that its protection is intrinsically linked to guaranteeing the fundamental rights of indigenous peoples. It is concluded that the STF, by recognizing the inviolability of environmental rights and applying the principle of the prohibition of retrogression, has consolidated the understanding that environmental protection is a binding and non-discretionary duty. Thus, the Court acts legitimately to restore the constitutional order and preserve essential ecological foundations for present and future generations.
Keywords: Amazon; Federal Supreme Court; Constitutional Environmental Law.
1 INTRODUÇÃO
A promulgação do art. 225 na Constituição Federal de 1988 representou um marco civilizatório na história brasileira, instituindo o que a doutrina convencionou chamar de Estado de Direito Ambiental.
Ao elevar o meio ambiente ecologicamente equilibrado à categoria de direito fundamental e, consequentemente impor ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, o constituinte originário estabeleceu um pacto de solidariedade não apenas entre os cidadãos presentes, mas, sobretudo, com as gerações futuras. (Brasil, 1988)
Todavia, passadas mais de três décadas desde esses avanços normativos, a busca pela concretização desse imperativo constitucional enfrenta testes cada vez mais árduos, principalmente pensando na sobrevivência do bioma amazônico, diante de modelos de desenvolvimento econômicos ausentes de sustentabilidade.
A Amazônia, longe de ser apenas um vasto estoque de recursos naturais, configura-se como uma infraestrutura ecológica insubstituível. A ciência e doutrinas contemporâneas, em conjunto, são taxativas ao demonstrar que a integridade da floresta é condicionante para a estabilidade do regime de chuvas, a regulação climática global e a manutenção da sociobiodiversidade.
Entretanto, observa-se um descompasso alarmante entre a proteção normativa prometida pela Carta Magna e a realidade fática da região. Historicamente marcada por uma lógica de exploração predatória e, mais recentemente, por um desmonte deliberado das estruturas de fiscalização, a Amazônia aproxima-se perigosamente de seu “ponto de não retorno”, cenário em que a degradação se tornaria irreversível. (Barroso, Mello, 2022)
A motivação central desta pesquisa reside justamente nesse cenário de urgência climática. Como os Poderes Executivo e Legislativo têm se mostrado inertes na implementação de políticas eficazes contra o desmatamento, o Brasil acaba por descumprir compromissos internacionais vitais, a exemplo do Acordo de Paris. Essa falha institucional deslocou o conflito ambiental para a esfera jurídica, exigindo que o Supremo Tribunal Federal atue não para invadir competências políticas, mas para assegurar o mínimo existencial ecológico necessário à sobrevivência.
Surge, assim, o problema que orienta esta presente investigação: Em que medida a atuação do Supremo Tribunal Federal, face à omissão estatal estrutural, tem sido eficaz para garantir a proteção da Amazônia e assegurar os direitos das futuras gerações?
A hipótese que se levanta é a de que a Corte, por meio de uma jurisprudência marcantes, inovadora e fundamentada na vedação ao retrocesso, consolidou o entendimento de que a proteção ambiental é um dever vinculante, retirando do gestor público a discricionariedade de ser omisso perante a crise climática.
Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho é analisar o papel desempenhado pela Suprema Corte na concretização da proteção ambiental na Amazônia e da justiça intergeracional frente aos desafios impostos pelo avanço da degradação ambiental e a ineficiência das políticas públicas atuais. A relevância deste estudo transcende a esfera acadêmica, pois trata da sobrevivência do Estado Democrático de Direito, visto que a preservação do meio ambiente é condição indispensável para a garantia da dignidade da pessoa humana.
A justificativa deste estudo reside na necessidade de compreender como o Judiciário tem se posicionado diante dos desafios contemporâneos da proteção ambiental e das mudanças climáticas, sobretudo no bioma amazônico, cuja preservação é essencial para a sobrevivência das futuras gerações e para o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. O tema revela-se de grande relevância social, jurídica e institucional, pois envolve a efetividade dos direitos fundamentais e a consolidação do Estado Democrático de Direito em sua dimensão ecológica.
Para atingir os objetivos propostos, a pesquisa estrutura-se em 6 (seis) seções, incluindo esta introdução. A segunda seção discute a importância da Amazônia e a sua complexa relação com as pressões do desenvolvimento. Na sequência, a terceira seção analisa a proteção dos povos da floresta e a sua ligação com o bioma amazônico. A quarta seção aborda a importância e a atuação do STF em seu papel de guardião da Constituição. A quinta seção discute as tensões entre o ativismo judicial e a separação de poderes, bem como a necessidade de diálogo institucional. Em conclusão, a sexta seção apresenta as considerações finais.
O método de pesquisa adotado é de natureza pura, caracterizada por objetivos descritivos e explicativos, uma vez que busca descrever o cenário normativo e explicar a atuação jurisdicional frente às omissões estatais. Quanto aos procedimentos empregados, o estudo se fundamenta em pesquisa bibliográfica e documental, utilizando-se de fontes doutrinárias e documentos oficiais.
Por fim, a coleta de dados será realizada por meio da análise da Constituição Federal, da Convenção nº 169 da OIT e, centralmente, do inteiro teor dos acórdãos do STF na ADPF 708, ADPF 760 e ADO 59. A compilação de informações será conduzida de maneira qualitativa, focada na interpretação jurídica, visando à conclusão da investigação por meio do método dedutivo, partindo das premissas constitucionais gerais para a análise dos casos concretos.”
2 A AMAZÔNIA COMO UM MACROSSISTEMA ECOLÓGICO: IMPORTÂNCIA E VULNERABILIDADES
A Amazônia não se apresenta apenas como mero espaço geográfico dotado de riquezas naturais, mas como verdadeira infraestrutura ecológica da qual depende a estabilidade climática nacional e global, o equilíbrio dos sistemas hidrológicos continentais, a integridade da biodiversidade e a manutenção da vida humana em diversas escalas temporais.
Trata-se da maior floresta tropical do mundo, que desempenha um papel crítico no equilíbrio ecológico do planeta, por múltiplas razões. Em primeiro lugar, por sua extraordinária biodiversidade, constituindo a maior concentração de plantas, animais, fungos, bactérias e algas da Terra. Desnecessário enfatizar que a derrubada da floresta produz a extinção de espécies, com imprevisíveis consequências sistêmicas para o meio ambiente. (Barroso, Mello, 2020, p. 1267)
A compreensão dessa importância, constitui premissa lógica e normativa para estabelecer diretrizes acerca do dever constitucional de proteção ambiental, que se faz necessário, pois a região atrai “olhares, radares, cobiças e preocupações de povos, países, organizações mundiais, empresas e cientistas”. (Heck, Loebens, Carvalho, 2005, p. 237)
Nesse sentido, antes de se proceder à investigação do papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal na proteção da Floresta Amazônica e na salvaguarda dos direitos das futuras gerações, torna-se indispensável delimitar, com rigor conceitual e fundamentação científica, a magnitude da relevância socioecológica, climática, jurídica e civilizatória do bioma.
A literatura científica converge no reconhecimento de que a Amazônia constitui o maior sistema socioecológico contínuo do planeta, cuja funcionalidade integra dimensões bióticas, abióticas, atmosféricas, hidrológicas e culturais em arranjo interdependente.
Contudo, historicamente, a região tem sido submetida a uma lógica de exploração que ignora essas funcionalidades sistêmicas. A socióloga Violeta Refkalefsky Loureiro (2002) oferece uma análise crítica sobre a trajetória desta região, marcada por uma visão utilitarista e predatória desde a chegada dos europeus, tornando a Amazônia vítima das suas próprias virtudes.
“A história da região tem sido, da chegada dos primeiros europeus à Amazônia até os dias atuais, uma trajetória de perdas e danos. E nela, a Amazônia tem sido, e isso paradoxalmente, vítima daquilo que ela tem de mais especial – sua magia, sua exuberância e sua riqueza. […] A Amazônia tem gerado sempre mais recursos para fora (Metrópole e Federação) do que tem recebido como retorno; tem sido, permanentemente, um lugar de exploração, abuso e extração de riquezas em favor de outras regiões e outros povos.” (Loureiro, 2002, p. 107-108)
Essa dinâmica histórica de “perdas e danos” fundamenta-se em equívocos de que a natureza amazônica “é superabundante, resistente, inesgotável e autor regenerável; por isso, empresários e aventureiros de toda ordem exploram exaustivamente” (Loureiro, 2012, p. 531)
Apesar dessa fragilidade intrínseca, o modelo de desenvolvimento imposto à região nas últimas décadas, consolidou a visão de que o bioma amazônico vem sendo convertido em um espaço de produção de bens voltados para o mercado internacional que ignora a origem dos produtos e as especificidades locais. (Loureiro, 2012)
Nesse cenário, a expansão econômica, caracterizada pelo avanço da pecuária, da monocultura que é o caso da soja e da mineração, operam dissociadas da necessidade de conservação ambiental.
Conforme apontam Luís Roberto Barroso e Patrícia Mello, a pecuária figura como um dos principais vetores de desmatamento, avançando sobre a floresta e ocupando terras públicas e de especulação fundiária, destacando ainda que o desmatamento segue uma dinâmica constante.
“O desmatamento costuma seguir uma dinâmica constante: extração ilegal de madeira, queimada, ocupação por fazendeiros e produtores (gado e soja) e tentativa de legalização da área pública grilada.” (Barroso, Mello, 2020, p. 1269)
Como observado, a mineração e o garimpo ilegal também representam essa outra face causadora da degradação ambiental, vez que mais de 90% do desflorestamento se deu em sítios de exploração mineral ilegais (Ionova, 2019), o que reforça o seu impacto devastador, especialmente por conta da contaminação dos rios e pela invasão de áreas protegidas e terras indígenas.
Diante desse prisma, a mineração e a agropecuária, quando desreguladas, atuam como fatores de destruição não apenas ecológica, mas social, pois consequentemente também afetam diretamente os povos tradicionais que se utilizam e sobrevivem nessas áreas desde os primórdios.
“As terras indígenas na Amazônia legal, como no restante do país, são extremamente vulneráveis, invadidas constantemente por madeireiros, garimpeiros, peixeiros, rizicultores, fazendeiros, posseiros, biopiratas e outros aventureiros em busca do lucro fácil” (Heck, Loebens, Carvalho, 2005, p. 246)
Tal afirmativa é reforçada pela existência de mineradoras fazendo pressão “para que seja regulamentada a exploração mineral em terras indígenas” e “pedidos de pesquisa e exploração mineral sobre terras indígenas de toda Amazônia” (Heck, Loebens, Carvalho, 2005, p. 238)
A crescente degradação ambiental, portanto, não é mero acidente, mas no mínimo uma falha estrutural de fiscalização e efetividade de políticas públicas que corrobora para que a realidade amazônica esteja submetida a tensões multiescalares e riscos de colapso ecológico.
Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, 2022, p. 88) assinala a importância da conservação desse bioma, indicando e ressaltando que territórios sob manejo de povos tradicionais apresentam índices de conservação superiores, mas que a pressão das atividades econômicas de caráter predatório ameaça esse equilíbrio.
Sob essa ótica, o bioma se aproxima de um ponto de inflexão capaz de desencadear processo de savanização, fenômeno descrito como produto cumulativo de desmatamento, queimadas e mudanças climáticas globais (Lovejoy; Nobre, 2018), que uma vez irreversíveis ocasionarão consequências catastróficas para um Mundo que não tem como prosperar sem a Amazônia.
Diante desse quadro, a proteção da Amazônia não pode ser escancarada sob a ótica de um entrave ao desenvolvimento, mas sim como garantia da própria sobrevivência econômica e social do país.
A lógica de que o supostamente o sinônimo de desenvolvimento econômico seja o desmatamento ambiental, urgentemente precisa ser superada, visando um modelo de bioeconomia que prioriza a sustentabilidade e valorizando a floresta em pé e todo o arsenal que dela se advém. (Barroso, Mello, 2020)
A bioeconomia da floresta, modelo econômico que prioriza a sustentabilidade, vem sendo concebida como um novo paradigma para o desenvolvimento econômico e social da Amazônia, por seu baixo impacto ambiental.
É necessário um modelo alternativo consistente, capaz de trazer desenvolvimento sustentável, segurança humana e apoio da cidadania. A ignorância, a necessidade e a omissão estatal são os inimigos da Amazônia. A ciência, a inclusão social e a conscientização da sociedade serão a sua salvação.(Barroso, Mello, 2020, p. 1297)
Válido ressaltar que essa a citada dinâmica de subordinação do território a interesses econômicos, se materializa na imposição de grandes empreendimentos, muitas das vezes autorizados pelo Poder Público, que desconsideram a ocupação ancestral do território.
A referida ideia é reforçada pela ocupação de terras indígenas “promovida por projetos governamentais e privados, como a construção de hidrelétricas, hidrovias, criação de municípios para os quais os limites das terras indígenas não tem o menor significado” (Heck, Loebens, Carvalho, 2005, p. 247)
O custo humano e cultural dessa expansão da fronteira econômica é imensurável, ameaçando diretamente a existência de grupos que como alertam Heck et al. (2005, p. 239), continuam fugindo dos grandes projetos e das frentes colonizadoras, e que estão seriamente ameaçados de extinção”, evidenciando que a proteção efetiva do macrossistema amazônico é indissociável da garantia dos direitos fundamentais e da integridade física dessas populações.
Assim, a compreensão multidimensional da Amazônia impõe a adoção de perspectiva intertemporal, em que a proteção jurídica e administrativa do bioma deve considerar as especificidades e riquezas naturais da região, bem como a sua relevância para a garantia dos direitos fundamentais das gerações futuras. Esses elementos configuram parâmetros essenciais para a formulação e execução de políticas públicas ambientalmente responsáveis.
Por fim, essa dimensão prospectiva traduz-se na necessidade de internalização dos princípios do desenvolvimento sustentável, da precaução e da responsabilidade intergeracional nas decisões legislativas, administrativas e judiciais. A consolidação de medidas aptas a assegurar a resiliência ecológica da Amazônia demanda articulação entre proteção territorial, garantia dos direitos fundamentais das populações tradicionais e adoção de padrões normativos que considerem os efeitos transnacionais e intergeracionais das ações humanas sobre o bioma.
3 AMAZÔNIA E OS POVOS TRADICIONAIS
A tessitura sociodemográfica da Amazônia transcende a mera análise quantitativa, revelando-se como o locus de uma complexa teia de direitos fundamentais. Por exemplo, conforme dados do Censo Demográfico de 2022 (IBGE, 2022a), em território brasileiro, convivem 391 etnias e povos indígenas, mantendo vivas 295 línguas diferentes. Essa diversidade configura uma riqueza histórica sem precedentes que define a identidade profunda do país.
Conforme dados do referido Censo, foram identificadas 8.568 localidades indígenas no Brasil, distribuídas por todas as unidades da federação. A maioria dessas localidades situava-se em terras indígenas oficialmente delimitadas, ou seja, declaradas, homologadas, regularizadas ou encaminhadas como reservas até a data de referência da pesquisa, enquanto 2.438 (28,45%) encontravam-se fora dessas áreas. Regionalmente, o Norte do país concentrava a maior parcela, abrigando 60,20% das localidades indígenas (IBGE, 2022b).
Esse cenário fático subjaz ao conceito de “sociobiodiversidade”, lapidado por Juliana Santilli (2005) que postula sobre como a tutela da diversidade biológica é indissociável da proteção da diversidade cultural, exigindo uma atuação estatal integrada que preserve tanto o bioma quanto seus habitantes.
“O socioambientalismo nasceu, portanto, baseado no pressuposto de que as políticas públicas ambientais só teriam eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição socialmente justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais.” (Santilli, 2005)
No paradigma do Estado Democrático, essa simbiose eleva as comunidades tradicionais à condição de sujeitos coletivos de direitos. Sua proteção no território é assegurada pelos princípios constitucionais e notadamente reforçada através da Convenção nº 169 da OIT, que munida de status supralegal no ordenamento pátrio, exige que o Estado proteja a integridade dos valores, práticas e instituições desses povos.
Tal fato reforça que a proteção aos povos da floresta não se limita à tutela de grupos vulneráveis, mas configura a salvaguarda de um modo de criar, fazer e viver, conforme preconiza o artigo 216 da Constituição. (Brasil, 1988)
Sob a perspectiva da dogmática jurídica, a proteção desses territórios materializa o que J.J. Gomes Canotilho (2007) apresenta como “Estado de Direito Ecológico”, ou seja, o Poder Público possui o dever inafastável de garantir o equilíbrio ambiental, reconhecendo os serviços ecossistêmicos prestados por tais grupos.
Para além disso, a preservação dessas culturas impede o avanço da fronteira de degradação, garantindo a qualidade de vida para as gerações vindouras, bem como trata-se da aplicação concreta do princípio da solidariedade intergeracional, insculpido no Art. 225 da Constituição Federal. (Brasil, 1988)
Ademais, a Suprema Corte, alinhada à Opinião Consultiva OC-23/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, assentou um novo paradigma ao reconhecer que a omissão estatal na proteção das terras indígenas viola o núcleo essencial do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2017)
Nesse diapasão, não há dúvidas de que a integridade dos territórios tradicionais compõem na realidade, o “mínimo existencial ecológico”. Assim, a dignidade humana desses povos depende, inexoravelmente, da higidez de seu substrato ecológico básico para uma sobrevivência com ao menos o mínimo essencial para uma qualidade de vida e devida aplicabilidade dos direitos fundamentais. (Dantas, 2023)
Dessa forma, a tutela jurídica dos povos da floresta impõe-se como uma imperatividade de litigância climática e não apenas como um desfecho lógico. Ao atuarem como verdadeiros “guardiões da floresta” (Barroso, 2022), essas comunidades constituem a última barreira contra o colapso climático, demandando uma proteção estatal prioritária e contínua.
A Constituição de 1988 rompeu com o paradigma integracionista ao adotar a Teoria do Indigenato (Art. 231), reconhecendo o direito originário às terras àqueles que tradicionalmente ocupam. Todavia, conforme adverte Antonio Herman Benjamin (2012), a Amazônia corre o risco de converter-se em um “Estado Teatral”, vez que a norma promete proteção integral, mas a ineficiência administrativa gera um vácuo de efetividade, simulando uma tutela inexistente no plano fático.
Essa deficiência de efetividade é letal para os povos que ainda não foram reconhecidos ou estão isolados. Fato é que o reconhecimento estatal desses grupos possui natureza meramente declaratória, e não constitutiva. A inércia burocrática da Funai e, consequentemente do Estado não suprime direitos originários preexistentes, servindo apenas para perpetuar um estado de vulnerabilidade inconstitucional e violar o dever de proteção suficiente.
Assim, decorridos quase trinta anos da promulgação da Constituição os invasores de terras indígenas procuram impedir ou retardar ao máximo as demarcações, para que possam alegar que não se sabe onde começa e termina uma área indígena, tentando justificar as invasões com os argumentos de que estavam de boa fé e não cometeram ilegalidade, pois não podiam saber que estavam entrando numa terra indígena. (Dallari, 2017)
Conforme os dados do Relatório de Violência Contra os povos indígenas (Cimi, 2023), constata-se uma falha estrutural de monitoramento dada a incapacidade do órgão tutelar em georreferenciar em tempo hábil os vestígios de ocupação, transformando a dúvida científica em permissão tácita para a exploração predatória, em clara afronta ao princípio da precaução.
Nesse sentido, o desconhecimento sobre a localização exata de vivência de cada Comunidade Tradicional, caracteriza uma incerteza científica que justifica a incidência do Princípio da Precaução (Antunes, 2025). Portanto, a dúvida deverá militar in dubio pro natura, impondo a interdição preventiva da área.
Ressalta-se que o princípio supracitado, em definição breve, estabelece que em caso de dúvida, a natureza sempre deve ser priorizada. Nesse prisma, é indubitável que considerando a indissociabilidade dos direitos desses povos originários e a proteção do meio ambiente, o referido princípio é mais do que aplicável.
Desse modo, manter grupos como mera “referência em estudo” sem blindagem territorial viola a autodeterminação. Conforme Manuela Carneiro da Cunha (2018), o isolamento é uma estratégia política de sobrevivência a agressões históricas. O Estado possui o dever de garantir o “direito ao não contato”, o que exige a imediata edição de Portarias de Restrição de Uso para evitar o extermínio étnico.
Visando sanar essa inconstitucionalidade por omissão, o STF interveio através da ADPF 991 (STF, Rel. Min. Edson Fachin, 2020), cujo objeto trata-se da proteção integral dos territórios ocupados por povos isolados, impondo uma obrigação Estatal em blindar os habitantes. Tal determinação, possibilitaria, por exemplo, a manutenção da proteção desses povos diante dos avanços da degradação ambiental nesses territórios.
Desse modo, proteger o território de todos os povos originários é, comprovadamente, a forma mais eficaz de conservar a biodiversidade e assegurar o equilíbrio climático para toda a coletividade, assegurando o que estabelece o art. 225 da Constituição Federal.
Todavia, a permanência das indefinições fundiárias da Amazônia ainda geram um estado de insegurança jurídica, exigindo do Estado a superação do formalismo burocrático para garantir a pacificação social e a proteção territorial imediata.
Fato é que o reconhecimento formal não é condição para a existência do direito. O mestre José Afonso da Silva (2014) ensina que os direitos indígenas sobre as terras são originários e congênitos. Sendo assim, o ato de demarcação é meramente declaratório e a ausência de papel timbrado não autoriza o Estado a deixar essas comunidades desprotegidas.
Nesse sentido, o Estado não pode atuar abaixo de um “padrão mínimo de proteção”. Havendo indícios de presença indígena ou isolada, o Poder Público deve agir preventivamente, sob pena de ser coautor, por omissão, de danos irreversíveis.
Por conseguinte, é válido ressaltar que o manejo tradicional e os direitos territoriais desses povos constituem, portanto, um elemento estruturante da proteção ambiental, promovendo garantias fundiárias e meios efetivos de proteção dos modos de vida tradicionais.
Ademais, a excelente abordagem da Professora Violeta Loureiro em seu artigo científico destaca de forma elucidativa a percepção dos colonizadores sobre os povos originários, constatando o caráter de dominação que atravessa os longos anos amazônicos:
Os primeiros conquistadores e colonizadores não se conformaram em ver aquela terra, que lhes parecia ser o paraíso terrestre, ocupada por povos que julgavam bárbaros, primitivos, rudes, preguiçosos e, possivelmente, desprovidos de alma!” (Loureiro, 2002, p. 109)
A citada visão desumanizadora mesmo que antepassada, contribuiu para justificar séculos de expropriação territorial e violência cultural não só estrangeira como nacional, que ainda se reflete nos conflitos fundiários e ambientais da região, criando assim demandas relacionadas à essa necessidade de proteção desses povos.
Não obstante os inegáveis progressos legislativos em relação à essa proteção e ao acesso ao território, a legislação nacional ainda carece de efetividade diante de uma regularização fundiária que segue lenta e insatisfatória, com o agravante dos impactos da pecuária e mineração.
4 A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE.
Diante da indiscutível relevância ambiental, social e climática apresentada anteriormente, entendeu-se, com o passar do tempo, que a preservação do Bioma Amazônico, não pode ser tratada apenas como uma medida de ação eventual, mas que deve ser reconhecida como um bem jurídico autônomo, figurando-se como um dever constitucional, orientado pela proteção das presentes e futuras gerações.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu por meio do artigo 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um dos pilares da ordem constitucional, impondo ao Poder Público em todas as suas vertentes, bem como à coletividade, a obrigação e responsabilidade de proteger, preservar e restaurar esses recursos naturais essenciais à vida. (BRASIL, 2025)
Esse marco, representou um avanço memorável no que tange à Legislação Ambiental Brasileira, que, apesar de ainda apresentar inúmeras lacunas e dificuldades estruturais, se consolidou, inclusive em nível internacional, como uma das legislações mais completas relacionadas à proteção do meio ambiente.
Nesse contexto, é pertinente destacar a definição Professor Paulo Affonso Leme Machado, segundo o qual o Direito Ambiental deve ser compreendido como um direito sistematizador, que realiza a articulação da legislação, doutrina e jurisprudência relativas aos elementos que integram o meio ambiente. (Machado, 2023).
Ou seja, conforme defende o Autor, esse grande arcabouço normativo é orientado por princípios constitucionais específicos que regem a chamada “ordem constitucional ambiental”, a qual tem por objetivo orientar a atuação estatal eficaz na proteção desses ecossistemas essenciais.
Todavia, a mera previsão normativa não garante, por si só, a efetividade da proteção ambiental. Indubitável que sem compromisso concreto por parte do Poder Público, a simples existência dos princípios e normas, tornam-se insuficientes para assegurar a tutela ambiental.
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antonio Herman Benjamin, sintetiza esse dilema de forma precisa ao afirmar que “Ninguém deseja uma Constituição reconhecida pelo que diz e desprezada pelo que faz ou deixa de fazer” (Benjamin, 2008, p. 38).
Tal citação reforça a distância que pode existir entre o que se verifica no texto constitucional e a concretização na prática, sobretudo em matéria ambiental, onde a omissão estatal pode ter efeitos irreversíveis.
Diante desse cenário é que se insere o papel do Supremo Tribunal Federal, vez que lhe foi atribuída a função de “Guardião” da Constituição, ou seja, o dever de zelar pela efetividade dos deveres ambientais estabelecidos no texto constitucional.
Quanto ao Poder Público, a despeito dos papéis de destaque dos Poderes Legislativo e Executivo, quanto à formulação e à concretização de políticas ambientais, há também importante papel atribuído ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do Poder Judiciário, visto que compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF/88). (Magalhães, 2025. p. 589)
Assim, embora a execução de políticas públicas ambientais seja tarefa típica dos Poderes Executivo e Legislativo, é de competência do Judiciário assegurar o cumprimento dos comandos constitucionais quando há omissão, insuficiência ou desconformidade com às normas ambientais.
Nesse viés, nos últimos anos a Suprema Corte passou por um salto qualitativo na proteção constitucional do meio ambiente, vez que vem sendo provocada a ter uma atuação mais estruturante, reconhecendo a importância jurídica e constitucional do meio ambiente como um direito fundamental (Magalhães, 2025).
Esse reconhecimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, impõe ao Poder Judiciário uma atuação que visa não só a segurança constitucional mas também a proteção contra eventuais retrocessos normativos que possam afetar as conquistas socioambientais alcançadas.
Dito de outro modo, a Constituição não tem somente a tarefa de apontar para o futuro. Tem, igualmente, a relevante função de proteger os direitos já conquistados. Desse modo, mediante a utilização da principiologia constitucional (explícita ou implícita), é possível combater alterações feitas por maiorias políticas eventuais, que legislando na contramão da programaticidade constitucional, retiram (ou tentam retirar) conquistas da sociedade. (Streck, 2003, p. 53).
A função protetiva está intimamente ligada ao princípio da vedação ao retrocesso ambiental, que em suma destaca a necessidade acerca da impossibilidade legal de mudanças legislativas que enfraqueçam a proteção ambiental estabelecida ou a torna deficiente, violando a proteção mínima prevista constitucionalmente. (Antunes, 2025).
Destaca-se que a partir do ano de 2020, o STF iniciou, por meio do Plano Estratégico 2021-2025, a institucionalização das diretrizes ligadas ao desenvolvimento sustentável, visando fortalecer práticas administrativas e decisões alinhadas ao Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030 da ONU (BRASIL, 2021).
A decisão de incorporação da Agenda 2030 da ONU, demonstra simbolicamente que a Suprema Corte entende como necessário que suas atuações estejam interligadas com os valores da sustentabilidade, tendo-os como princípio orientador das atividades administrativas e jurisdicionais voltadas para uma gestão eficiente, inclusiva e participativa.
A integração da Agenda ONU 2030 às suas práticas institucionais é um salto de qualidade institucional, pois diretamente concretiza o ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes), mas indireta e transversalmente habilita a concre tização de todos os outros ODS – inclusive daqueles ligados ao fomento da política constitucional ambiental, tais como: ODS 3, 4, 6, 7, 11, 12, 13, 14, 15 e 174. A trajetória institucional é aperfeiçoada e incrementada com base em compromissos de sustentabilidade. (Magalhães, 2025, p. 598)
Tal postura evidencia que a proteção ambiental passou a integrar a identidade institucional da Corte, assumindo um plano de fundo de orientação normativa, no sentido que “todas as políticas e práticas do tribunal buscarão ser ambientalmente corretas, socialmente justas e economicamente viáveis” (Brasil, 2021, p. 14)
No que diz respeito à jurisprudência, o Supremo Tribunal adotou o percurso interpretativo, reconhecendo que para o enfrentamento da degradação ambiental é essencial uma base sólida fornecida pela junção de saberes jurídicos e conhecimento técnico-científico. Tal visão, reforça o entendimento de que a discussão e resolução de problemas ambientais também necessita de um suporte de observação científica, diante da complexidade e multidimensionalidade da questão ambiental. (Vilani, 2022)
Paralelo a isso, nos últimos anos, especialmente em relação ao contexto amazônico, foi pacificado jurisprudencialmente o reconhecimento da dimensão intergeracional do direito ambiental, diante da importância do bioma amazônico como um elemento essencial para a estabilidade climática global, a garantia da dignidade humana e a sobrevivência das futuras gerações.
Tal entendimento está completamente ligado ao supracitado princípio da proibição do retrocesso socioambiental, que impede a possibilidade de atuações institucionais que enfraqueçam ou paralisem as políticas públicas garantidas, visando sempre o avanço legislativo e nunca o seu retrocesso. (Antunes, 2025)
Cabe às gerações presentes garantir às gerações futuras “condições ambientais idênticas ou melhores do que aquelas recebidas das gerações passadas”, ficam as gerações presentes vedadas “a alterar em termos negativos as condições ecológicas, até por força do princípio da proibição do retrocesso socioambiental e do dever (do Estado e dos particulares) de melhoria progressiva da qualidade ambiental (Sarlet; Fensterseifer, 2012, p. 159)
Sendo o direito ao meio ambiente, indissociável da própria dignidade humana e até mesmo da própria sobrevivência dos indivíduos, não se pode cogitar normalizar que a flexibilização dos padrões ambientais, bem como a não adoção e desconsideração dos riscos como parâmetros para interpretação e formulação de normas, contribuam para a ineficácia do direito ambiental. (Vilani, 2022)
Posto isto, uma vez fragilizada o cumprimento da garantia do mínimo existencial e do que consta nas determinações normativas, o Supremo Tribunal Federal tem sido provocado a assumir uma postura relevante e intervir judicialmente, objetivando restaurar a normalidade constitucional e blindar a tutela ambiental, especialmente diante da inércia ou da atuação contrária dos demais Poderes.
Destaca-se que o Estado tem deveres de proteção em relação aos direitos fundamentais, portanto, quando o Executivo falha em executar políticas públicas de fiscalização ou quando o Legislativo se omite em atualizar normas protetivas, viola-se o artigo 225 da Carta Magna.
Nesse cenário, a intervenção do STF atua como mecanismo de freios e contrapesos, garantindo “a eficácia mínima dos direitos ambientais” e impedindo o “retrocesso ecológico”. (Vilani, 2022, p. 7)
Em razão dessas lacunas deixadas pela morosidade estatal, “é natural, portanto, que o Judiciário seja chamado a atuar no tema. Isso ocorre em virtude da indivisibilidade entre direitos humanos e meio ambiente. É a própria sobrevivência humana que está em risco e, portanto, todos os recursos devem ser empregados na construção de alternativas.” (Mello, 2023, p. 280)
Nesse viés, por meio de decisões marcantes em casos emblemáticos para a Amazônia e o Clima, o STF vem estruturando jurisprudência que ressaltam a obrigação dos órgãos institucionais em cumprir o dever constitucional ambiental, assegurando a inviolabilidade dos princípios constitucionais e a necessidade de impedir danos irreparáveis, atuando de forma incisiva na busca por soluções que importam à humanidade inteira.
Essa crescente de ações ajuizadas no STF não só demonstram o tratamento de questões ambientais e climáticas como um tema central, como também colocam em foco a discussão acerca da estrutura administrativa pública que afetam essas referidas questões.
Decisões de destaque, como a ADPF 708 (que foi um marco para o direito ambiental), a qual a Suprema Corte reconheceu a omissão inconstitucional do Governo Federal em relação às atividades regulares e destinação adequada do Fundo Clima; e a ADO 59 que de forma semelhante reconheceu a omissão inconstitucional em relação ao Fundo Amazônia, são grandes exemplos de das discussões sobre degradação ambiental e mudanças climáticas no contexto constitucional brasileiro.
Posteriormente, tais decisões serviram para estabelecer precedentes relevantes para posteriores ações de controle concentrado de constitucionalidade em matéria ambiental (ADPF 735, ADO 54, entre outras) e especialmente no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 760, “na qual se debate a implementação de política pública de combate ao desmatamento na Amazônia”. (Mello, 2023, p. 279)
Esse cenário – composto de um conjunto numeroso e variado de mudanças significativas nas distintas perspectivas de atuação da Suprema Corte, em prol da sustentabilidade ambiental e climática – permite evidenciar um salto qualitativo institucional, simbólico e jurisprudencial do papel do STF. Em outras palavras, um salto qualitativo dos diferentes possíveis papéis – institucional, simbólico e jurisdicional – que o STF pode exercer no contexto da proteção constitucional do meio ambiente. (Magalhães, 2025, p. 619)
Assim, não restam dúvidas acerca de um cenário brasileiro de insuficiência e deficiência diante desse bioma que é considerado patrimônio nacional. Todavia, os últimos anos de atuação do Poder Judiciário, reforçam a busca por um aprimoramento institucional na proteção constitucional do meio ambiente, legitimando o papel do STF como Guardião da Constituição e uma sintonia de atuação efetiva entre os Poderes.
5 AS DECISÕES DE GRANDE RELEVÂNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ÂMBITO AMAZÔNICO
Conforme supracitado, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel central na garantia da integridade da ordem constitucional ambiental. A relevância que a Corte assumiu na resolução de questões fundamentais e complexas em relação à proteção do meio ambiente e no enfrentamento da crise climática, evidencia sua posição de protagonista na aplicação da jurisdição constitucional diante de omissões estatais que comprometem direitos fundamentais.
A intervenção do judiciário, e mais especificamente do STF, se legitima justamente na necessidade de suprir lacunas institucionais e combater a insuficiência administrativa.
Nesse prisma, o papel da Suprema Corte não é o de formular políticas públicas, até porque não é um órgão vocacionado para isso (Mello, 2023), mas assegurar que as políticas existentes não sejam desconstituídas e nem retroagidas, bem como garantir que os deveres expressos no art. 225 (Brasil, 1988) sejam efetivamente cumpridos.
Assim, em suma e de modo bem superficial, a atuação do STF busca corrigir falhas sistêmicas nas políticas públicas que venham a gerar graves violações de direitos. No contexto Amazônico, essa atuação torna-se ainda mais urgente, diante dos perigos de danos irreversíveis e da necessidade de se garantir uma proteção efetiva à região, extinguindo retrocessos normativos e a inércia do Executivo em atuar de forma competente.
À luz desse cenário, destacam-se decisões paradigmáticas que corroboram para o avanço e evolução da jurisprudência ambiental brasileira, impondo ao Estado o cumprimento do dever de agir para evitar o colapso ambiental.
Desse modo, analisa-se a seguir, a Arguição de Descumprimento de Preceito FUndamental 708 (ADPF 708), a ADPF 760 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 59 (ADO 59), decisões que em conjunto são marcos para o direito ambiental brasileiro, por estabeleceram precedentes e formarem a jurisprudência que servem de apoio em avanços sobre a matéria.
5.1 A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADPF 708 (FUNDO CLIMA).
A ADPF n° 708, sob relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, se apresenta como uma decisão de grande destaque no judiciário brasileiro, pois estabeleceu precedentes relevantes ao tratar acerca do dever da União de enfrentar as mudanças climáticas.
A ação foi ajuizada em face da paralisação do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), durante os anos de 2019 e 2020, época em que o Governo Federal deixou de alocar recursos estimados em valores bilionários, apesar de estarem disponíveis em caixa.
Destaca-se que o Fundo Clima foi criado em 2009, por meio da Lei n° 12.114/09, com a finalidade de assegurar recursos para projetos e financiamentos voltados à mitigação e adaptação às mudanças climáticas. (Brasil, 2009)
Assim, o ponto central da ação se fundamentava em torno da omissão da União em operacionalizar o Fundo, o que, de acordo com os requerentes, violava o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
A União alegou que a alocação de recursos integrava o mérito administrativo do Poder Executivo, e que, portanto, não cabia ao Judiciário intervir, sob pena de violação à separação de poderes.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a tese apresentada, vez que entendeu que a proteção ambiental não é uma opção política, mas um dever constitucional. Assim, ao julgar a ação procedente, o STF reconheceu a omissão inconstitucional e determinou a reativação do Fundo, vedando qualquer tipo de paralisação de receitas.
A referida decisão utilizou como fundamentação a premissa de que a omissão em aplicar recursos disponíveis para a proteção ambiental, em um cenário de agravamento do desmatamento e das mudanças climáticas, configura uma violação direta à Constituição.
O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, § 2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º, c/c o art. 9º, § 2º, LRF) (STF, ADPF 708, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, 2022, p. 3)
Ou seja, “não havia que se falar em decisão política ou discricionária do Executivo. Normas constitucionais e legais previam o dever de proteção do Poder Público, assim como as políticas públicas que deveriam concretizá-lo, determinando – e não facultando – a atuação das autoridades.” (Mello, 2023, p. 272)
Importante salientar que um dos pontos de maior relevância foi o fato da Suprema Corte, estabelecer que os tratados ambientais, versando sobre direitos humanos fundamentais, como é o caso do direito ao meio ambiente, possuem natureza supralegal. Ou seja, os tratados estão hierarquicamente acima das leis ordinárias, servindo de parâmetro para controle da legislação infraconstitucional.
Nas palavras do Ministro Relator: “Tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supralegal” (Rel. Min. Luís Roberto Barroso, 2022)
Tal tese fortalece a busca pela proteção ambiental ao impedir que leis ou atos administrativos internos contrariem compromissos internacionais de proteção climática. Enfático foi o STF ao declarar que a questão ambiental não se trata de livre escolha política mas de uma obrigação jurídica vinculante.
Dever constitucional, supralegal e legal da União e dos representantes eleitos, de proteger o meio ambiente e de combater as mudanças climáticas. A questão, portanto, tem natureza jurídica vinculante, não se tratando de livre escolha política. Determinação de que se abstenham de omissões na operacionalização do Fundo Clima e na destinação dos seus recursos. Inteligência dos arts. 225 e 5º, § 2º, da Constituição Federal (CF). (STF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, 2022, p.2)
Além disso, a ADPF 708 consolidou de vez o entendimento de que o Poder Judiciário tem o papel de assegurar o cumprimento de deveres constitucionais quando as instâncias políticas falham.
Portanto, a decisão na ADPF 708 transcende a questão financeira do Fundo Clima, estabelecendo um precedente de que a proteção do meio ambiente e o combate à crise climática são elementos indissociáveis da proteção dos direitos humanos, impondo ao Estado brasileiro um dever de agir que não pode ser afastado por qualquer tipo de conveniências políticas momentâneas.
Desse modo, o STF atuou para desbloquear instâncias políticas e garantir a efetividade material da Constituição, assegurando que os recursos destinados à sobrevivência das futuras gerações não fossem retidos por ineficiência ou vontade política contrária ao interesse público, criando uma jurisprudência que serviu de base para outras decisões posteriores.
5.2 ADPF 760
A arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 760, constitui ao lado da ADPF 708, um dos pilares da litigância climática e ambiental no Brasil. A relação entre os dois julgados advém da fundamentação jurídica, vez que a decisão da ADPF 708 do STF serviu de alicerce para o aprofundamento do debate sobre a proteção da Amazônia.
Conforme se observa, “a decisão proferida na ADPF 708 estabeleceu um precedente relevante para o julgamento da ADPF 760 (Rel. Min. Cármen Lúcia), na qual se debate a implementação de política pública de combate ao desmatamento na Amazônia” (Mello, 2023, p. 279)
A citada conexão entre as duas decisões evidencia o avanço e a construção de uma jurisprudência coerente e estável, voltada a enfrentar o desmonte das estruturas de proteção ambiental.
Nesse viés, a ADPF 760, teve por objeto central a omissão estrutural do Governo Federal em executar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
Destaca-se que o PPCDAm, é voltado para a fiscalização das atividades econômicas desenvolvidas na região, o monitoramento do desmatamento por imagens de satélite, a demarcação de terras indígenas e a criação de Unidades de Conservação, tudo com foco para o bioma amazônico.
Assim, os requerentes argumentaram que a União, ao deixar de fiscalizar, cortar orçamentos e desmobilizar órgãos federais como o IBAMA e o ICMBio, claramente violou preceitos fundamentais da Constituição, permitindo a aceleração do desmatamento e colocando em risco o equilíbrio climático e os direitos do povos indígenas.
Em decisão, a Suprema Corte reconheceu a gravidade do cenário, identificando um quadro de falhas estruturais na atuação governamental. Ao adentrar o mérito da questão, o Tribunal não se limitou a constatar a omissão, mas descreveu detalhadamente como o desmonte institucional configurou um retrocesso ambiental inadmissível.
Diante do volumoso número de páginas, seria impossível abordar, de forma completa toda a argumentação, motivo pelo qual se extrai do acórdão a fundamentação central que determinou a violação constitucional, destacando-se a junção dos fatores:
O cenário formado pela conjugação (i) da diminuição dos níveis de performance dos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental; (ii) da inexecução orçamentária e da redução de recursos em projetos ambientais; (iii) do abandono do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm, desacompanhado de medida substitutiva dotada de igual ou superior grau de eficácia, eficiência e efetividade; (iv) da desregulamentação em matéria ambiental; (v) da incompletude no fornecimento de informações relativas a metas, objetivos e resultados da ‘nova’ política ambiental; inserido na situação de crescente desmatamento na região da Amazônia caracterizam retrocesso ambiental inadmissível na implementação das políticas ambientais. (STF, ADPF 760, Redator do Acórdão Min. André Mendonça, Inteiro Teor do Acórdão, p. 5)
Por conseguinte, um ponto crucial desse julgamento foi a citação, mas não a caracterização sobre o chamado Estado de Coisas Inconstitucional em matéria ambiental, vez que a maioria do Plenário optou por recorrer à uma solução intermediária e dialogada, utilizando como base o compromisso significativo.
Essa técnica de decisão tem por objetivo engajar os poderes políticos na solução do problema, sem que o STF acabe por substituir o administrador na escolha das medidas técnicas, sendo imposto, na realidade, o atendimento de metas de resultado e transparência.
Nesse sentido, a Corte determinou a retomada efetiva do PPCDAm e o fortalecimento das instituições de fiscalização.
Acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por maioria, em não declarar o estado de coisas inconstitucional, vencidos, nesse ponto, os Ministros Cármen Lúcia (Relatora), Edson Fachin e Luiz Fux. Alternativamente, reconhecendo a existência de falhas estruturais na política de proteção à Amazônia Legal, o Tribunal determinou ao Governo Federal que assuma um “compromisso significativo” (meaningful engagement) referente ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica. Na sequência, por unanimidade, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ADPF 760 e na ADO 54, para determinar que: a) a União e os órgãos e entidades federais competentes (Ibama, ICMBio, Funai e outras indicadas pelo Poder Executivo federal), dentro de suas respectivas competências legais, formulem e apresentem um plano de execução efetiva e satisfatória do PPCDAm ou de outros que estejam vigentes, especificando as medidas adotadas para a retomada de efetivas providências de fiscalização, controle das atividades para a proteção ambiental da Floresta Amazônica, do resguardo dos direitos dos indígenas e de outros povos habitantes das áreas protegidas (UCs e TIs), para o combate de crimes praticados no ecossistema e outras providências comprovada e objetivamente previstas no Plano, em níveis suficientes para a coibição do desmatamento na Amazônia Legal e de práticas de crimes ambientais ou a eles conexos. (STF, ADPF 760, Redator do Acórdão Min. André Mendonça, Inteiro Teor do Acórdão, p. 7).
Isto posto, a decisão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 760, reafirmou a jurisdição constitucional como última barreira contra o desmonte das políticas de proteção à vida e ao meio ambiente.
Sendo assim, ao determinar a reestruturação da governança ambiental e a retomada do combate ao desmatamento, o Supremo Tribunal Federal atuou para garantir que a Constituição Federal não gravemente violada, assegurando e reafirmando o entendimento, por meio de medidas concretas, acerca da importância de se manter a integridade da Amazônia para as presentes e futuras gerações.
5.3 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (ADO 59)
Igualmente às outras duas decisões apresentadas, a ADO 59 representa um momento emblemático acerca da atuação do Poder Judiciário em questões de políticas ambientais. A ação ajuizada teve como argumento central o combate à omissão inconstitucional do Poder Executivo Federal, no que tange à gestão e operação do Fundo Amazônia, devido à paralisação injustificada do Fundo e a desativação de órgãos e políticas públicas federais essenciais para a conservação ambiental.
Tais ações resultaram no congelamento de bilhões de reais arrecadados que deveriam ser destinados a projetos de conservação, fiscalização e fomento da bioeconomia.
Assim, tal qual ocorreu na ADPF 708, a tese central desta presente ação foi baseada na violação do dever constitucional de proteger o meio ambiente (Brasil, 1988), além do descumprimento dos compromissos internacionais e do princípio do não retrocesso, vez que a omissão da União colocava em risco o patrimônio ecológico que é a Amazônia.
A omissão inconstitucional configurada reside no comportamento comissivo do administrador, que instaurou marco normativo desestruturante do antecedente, sem as salvaguardas jurídicas necessárias para a manutenção de um quadro mínimo de adimplemento dos deveres de proteção ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, mais especificamente de proteção dos patrimônios nacionais, tal como categorizados pelo art. §4º do art. 225 da Constituição Federal, e de cumprimento das obrigações climáticas firmadas” (STF, Rel. Min. Carmen Lúcia, 2022, p. 4)
Sendo assim, o STF reconheceu a inconstitucionalidade por omissão da União, destacando que a desmobilização do Fundo Amazônia não foi um ato discricionário lícito, mas a violação de um dever constitucional vinculado à proteção.
Desse modo, a Corte determinou o restabelecimento do quadro normativo e de governança ambiental que já eram estabelecidos, bem como estabeleceu que deveriam ser tomadas providências para a reativação do Fundo Amazônia e a execução dos projetos financiados com os recursos já disponíveis e no formato estabelecido no Decreto n° 6.527/2008. (STF, Rel. Min. Rosa Weber, 2022)
Por fim, a ADO 59 representa a compreensão da Corte em relação à relevância da proteção da Amazônia como um bem constitucional ambiental, climático e intergeracional. Ao julgar ações como a ADO 59, a Corte não está apenas declarando uma omissão, mas sim recompondo a ordem constitucional ambiental que fora deliberadamente desestruturada. (Magalhães, 2025)
A determinação da retomada do Fundo Amazônia reforça a ideia de que o Estado Brasileiro possui a obrigação permanente e indeclinável de estruturar políticas ambientais eficazes, especialmente no bioma amazônico e que não só a ADO 59, mas a ADPF 708 e a ADPF 760 reforçam o aperfeiçoamento institucional e jurisprudencial e a legitimidade da Suprema Corte como guardiã da Constituição.
Assim, dado o devido destaque às supracitadas ações de controle de constitucionalidade, é imperioso destacar que as decisões proferidas na ADO 59 e na ADPF 760 possuem impacto direto e vital sobre os povos tradicionais da Amazônia.
As determinações do STF não apenas protegem a flora e fauna, mas também garantiram o direito à vida e a dignidade humana dessas Comunidade Tradicionais, reconhecendo que a devastação ambiental na Amazônia também é uma violação massiva dos direitos humanos das populações que dependem da floresta para sua sobrevivência física e cultural.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa, ao analisar o papel do Supremo Tribunal Federal na proteção ao meio ambiente e das futuras gerações, com a Amazônia como foco principal, permitiu constatar que a proteção ambiental no Brasil, não se limitou apenas à esfera meramente legislativa, mas se tornou uma questão de relevância institucional e humanitária.
O percurso percorrido no decorrer deste trabalho evidenciou que, embora a Constituição Federal de 1988 tenha sido pioneira ao inaugurar uma ordem jurídica voltada para a matéria ambiental, a efetividade dessas normas enfrenta grandes desafios diante de omissões estatais.
Em relação à Amazônia, restou demonstrado que a degradação do referido bioma não se resume tão “somente” a uma perda de recursos naturais, mas à perda de biodiversidades e costumes tradicionais, fomentando o fato de que se trata de uma violação direta dos direitos fundamentais. Evidente que não existe como desconectar a proteção da floresta da proteção e garantia das vidas humanas que nela habitam e que por conta dela existem.
Nesse sentido, a abordagem sobre os povos e comunidades tradicionais habitantes da floresta, é um ponto importante da discussão. Conclui-se que estes grupos não são apenas beneficiários da preservação, mas na realidade são seus guardiões primários; e que a vulnerabilidade que esses povos originários foram expostos no decorrer do últimos anos e até mesmo décadas, exigiu uma resposta do ordenamento jurídico.
O trabalho reforça a ideia de que a garantia territorial e a segurança dessas populações são e devem continuar sendo premissas inegociáveis para a manutenção da proteção e preservação do meio ambiente, confirmando o fato de que a justiça ambiental está intrinsecamente ligada à justiça social e aos direitos humanos.
Diante desse cenário de ameaças constantes e de frequente inércia dos Poderes da União na implementação de políticas públicas eficazes, a atuação do Poder Judiciário e especificamente do STF emergiu como um “vigilante” para a defesa e a manutenção da ordem constitucional ambiental, confirmando que a atuação da Corte é indispensável e urgente.
Desse modo, verificou-se uma mudança de paradigma na jurisprudência da Suprema Corte, vez que frente ao agravamento da crise climática e o avanço da degradação ambiental, fez-se necessário o papel de protagonista por parte do STF.
Trata-se principalmente do estrito cumprimento da função de guarda da Constituição em face da ineficiência dos demais poderes em cumprir o dever de proteger direitos transindividuais e intergeracionais, o que torna a omissão inconstitucional e torna legítima a intervenção corretiva da Suprema Corte.
A análise das decisões emblemáticas, ADPF 708, ADPF 760 e ADO 59 solidificaram o entendimento de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado possui eficácia imediata e vinculante. Em avanços jurisdicionais históricos, a Corte estabeleceu precedentes que reconhecem os tratados internacionais de direitos humanos e proteção ambiental com status supralegal, blindando-a contra retrocessos legislativos que visem fragilizar a proteção ambiental.
Portanto, conclui-se que atuação do STF foi decisiva para a reativação de mecanismo de financiamento, como o Fundo Amazônia e o Fundo Clima, bem como impor ao Estado a obrigação de executar planos concretos de combate ao desmatamento.
Fato é que as jurisprudências firmadas não apenas protegem a Amazônia atualmente, mas principalmente constrói um respaldo jurídico para as futuras gerações, materializando o princípio da solidariedade intergeracional previsto no artigo 225 da Constituição Federal.
Por fim, este presente trabalho permite inferir que a litigância ambiental no Brasil atingiu um novo patamar de avanços e estabilidade. O papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal consolidou a tese de que a discricionariedade do poder público não lhe confere o direito de ser omisso quanto à preservação da vida e do clima.
Assim, o STF ao colocar a proteção ambiental no centro da agenda jurídica do país, reafirmou que soberania nacional sobre a Amazônia deve ser exercida com responsabilidade e deixou clarividente que não existe Estado Democrático de Direito, sem a preservação das bases ecológicas que sustentam a vida, cabendo ao Judiciário garantir que o futuro ambiental não seja inviabilizado por ações predatórias do presente.
REFERÊNCIAS
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1Concluinte do Curso de Direito do Centro Universitário do Estado do Pará. Email: dudaacs1203@gmail.com
2Concluinte do Curso de Direito do Centro Universitário do Estado do Pará. Email: pedroadvsardinha@gmail.com
3Doutor e Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Pará – UFPA
