MIOCARDITE AGUDA NO BRASIL: PADRÃO DA MORTALIDADE E SUA PROGRESSÃO NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS (2014-2023)

ACUTE MYOCARDITIS IN BRAZIL: MORTALITY PATTERN AND ITS PROGRESSION IN THE LAST TEN YEARS (2014-2023)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202503161334


Maria Clara Machado Borges; Isadora Wanderley Araujo; Higor Fernandes Pereira; Ingrid Matos Bezerra; Murilo Rodrigues da Silva; Nadine de Morais Bezerra; Carolina Anunciação Patrício dos Santos; Patrícia Cristine Bezerra Tavares Mauriz; Bruna Ádria Carvalho Bringel; Lorenzo Tavares Nogueira; Bruna Caroline Venâncio Lima; Patrícia Cristine Bezerra Tavares Mauriz1


Resumo

Introdução: A miocardite aguda é uma condição inflamatória do miocárdio, comumente relacionada a infecções virais, bacterianas, doenças autoimunes, toxinas e, mais recentemente, à COVID-19. Apesar de sua rara ocorrência, pode resultar em consequências graves, como insuficiência cardíaca e morte súbita, especialmente em indivíduos jovens e saudáveis. No Brasil, a miocardite é uma causa relevante de insuficiência cardíaca e morte súbita, e a sua vigilância epidemiológica, principalmente nos últimos anos, tem sido ofuscada por desigualdades regionais e dificuldades de diagnóstico. Objetivo: Descrever o perfil e taxa de mortalidade por miocardite aguda no Brasil nos últimos dez anos (2014 a 2023). Método: Este estudo retrospectivo e descritivo, com abordagem quantitativa, analisou os óbitos por miocardite aguda no Brasil entre 2014 e 2023. Utilizou-se dados secundários extraídos do sistema DATASUS, e os pesquisadores realizaram a coleta e análise de informações sobre faixa etária, sexo, cor/raça, região geográfica e ano de ocorrência. Resultados: Foram registrados 1.323 óbitos, com maior concentração na Região Sudeste (50,64%). A maioria das vítimas era masculina (57,07%) e a faixa etária de 75 anos ou mais foi a mais impactada (19,27%). O número de óbitos aumentou nos últimos anos, especialmente em 2022 e 2023, refletindo a associação com a pandemia de COVID-19. Conclusão: A miocardite aguda, embora rara, representa uma séria questão de saúde pública no Brasil, especialmente entre homens e pessoas idosas. A incidência aumentou nos últimos anos, associada ao impacto da COVID-19. A concentração de óbitos nas regiões Sudeste e as desigualdades regionais e socioeconômicas exigem políticas públicas voltadas à melhoria do acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento.

Palavras-chave: Miocardite Aguda; Mortalidade Cardiovascular; Doenças Cardiovasculares; Vigilância Epidemiológica.

1. INTRODUÇÃO

A miocardite aguda é uma inflamação do miocárdio, o tecido muscular do coração, frequentemente resultante de uma resposta imunológica inadequada a infecções virais, bacterianas, fúngicas ou parasitárias, além de ser potencialmente induzida por toxinas, drogas ou doenças autoimunes (FERREIRA et al., 2024). Essa condição, apesar de relativamente rara, possui alta relevância clínica, dada seu potencial progressão para insuficiência cardíaca grave, arritmias e até morte súbita, especialmente em indivíduos jovens e previamente saudáveis. A sua apresentação clínica é altamente variável, indo desde sintomas leves e inespecíficos, como fadiga e dor torácica, até quadros de choque cardiogênico, evidenciando a complexidade e o desafio no diagnóstico e manejo (FRADE et al., 2022).

Podemos dividir a fisiopatologia das miocardites em infecciosas e não infecciosas. As infecciosas são mais comuns e incluem vírus, bactérias, protozoários e fungos (principalmente vírus). Na maioria das miocardites virais, ocorre destruição do vírus, porém em uma minoria, o vírus não é eliminado e ocasiona uma lesão miocárdica persistente. Nas não infecciosas, tem a presença da autoimunidade, onde modelos animais de miocardites autoimune envolvem presença de linfócitos T CD4, além de respostas envolvendo macrófagos, como nas miocardites granulomatosas e eosinófilos nas situações de hipersensibilidade (FRADE et al., 2022).

Essa doença ganhou ainda mais destaque durante a pandemia de COVID-19, devido à associação da infecção pelo SARS-CoV-2 com casos documentados de inflamação miocárdica, assim como à possibilidade de a miocardite ser um efeito adverso raro das vacinas baseadas em mRNA contra a COVID-19. (SANTOS et al., 2024). Pesquisas como a de Mehta et al. (2021) demonstraram que, embora a incidência de miocardite pós-vacina seja baixa, os benefícios das vacinas em prevenir formas graves de COVID-19 superam largamente os riscos.

Adicionalmente, dados de registros clínicos globais destacaram que a miocardite é uma causa importante de miocardiopatias dilatadas em populações jovens, apontando sua relevância como um problema de saúde pública (CONCEIÇÃO et al., 2022).

Além disso, o impacto social da doença é significativo: jovens diagnosticados com miocardite muitas vezes enfrentam restrições físicas e psicológicas, devido às recomendações de interrupção temporária de atividades esportivas intensas. Isso levanta questões sobre a qualidade de vida e a reabilitação desses pacientes, aspectos que precisam ser mais explorados na literatura (SILVA et al., 2022).

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que a miocardite responde por 10% a 20% dos casos de morte súbita em pessoas com menos de 40 anos, destacando sua relevância como uma causa silenciosa, porém significativa, de desfechos fatais em indivíduos jovens e previamente saudáveis (GIANINI & SIQUEIRA, 2023). Embora a doença possa ocorrer em qualquer faixa etária, as populações mais afetadas tendem a ser adultos jovens e crianças, sobretudo em casos associados a infecções virais, como enterovírus, adenovírus e, mais recentemente, SARS-CoV-2 (ROSSA et al., 2024).

No Brasil, os dados sobre miocardite ainda são limitados e subnotificados, mas estudos regionais e análises hospitalares mostram uma tendência similar à observada globalmente, com a miocardite representando uma causa não desprezível de insuficiência cardíaca em jovens e crianças. Um estudo retrospectivo realizado em um hospital de referência no Sudeste brasileiro evidenciou que a miocardite foi responsável por cerca de 5% dos casos de insuficiência cardíaca aguda atendidos em uma década. No contexto pediátrico, a miocardite representa de 0,5% a 4% dos casos de hospitalização por doença cardíaca, uma prevalência que é amplificada em áreas onde doenças infecciosas, como dengue, Chagas e zika vírus, estão presentes (GIANINI & SIQUEIRA, 2023).

A letalidade varia amplamente com base na gravidade do quadro clínico, no acesso ao diagnóstico precoce e nos recursos terapêuticos disponíveis. Em sua forma mais grave, conhecida como miocardite fulminante, a taxa de mortalidade pode ultrapassar 40%, especialmente em contextos onde não há acesso a suporte avançado, como oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) e transplantes cardíacos emergenciais (FERREIRA et al., 2024). No entanto, em pacientes tratados de forma adequada e em tempo oportuno, a recuperação completa pode ser alcançada em até 80% dos casos, destacando a importância do manejo precoce (KOIKE et al., 2024).

Globalmente, a morbidade associada à essa doença é significativa, sobreviventes frequentemente enfrentam complicações a longo prazo, incluindo miocardiopatia dilatada, insuficiência cardíaca crônica e arritmias, que impactam negativamente sua qualidade de vida e demandam acompanhamento contínuo. Dados sugerem que cerca de 10% a 15% dos indivíduos com histórico de miocardite aguda desenvolvem miocardiopatia dilatada irreversível, tornando-se potenciais candidatos para terapias de suporte, como dispositivos de assistência ventricular ou transplante cardíaco (SILVA et al., 2022).

Em termos de vigilância global, a OMS alerta que a miocardite continua sendo subdiagnosticada, especialmente em países de baixa e média renda, onde limitações no acesso a ferramentas diagnósticas, como ressonância magnética cardíaca e biópsia endomiocárdica, comprometem a identificação precisa da condição. Estudos populacionais realizados em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e nações europeias, relatam incidências de miocardite aguda entre 1 e 10 casos por 100.000 habitantes por ano, embora os números reais possam ser mais altos devido à ausência de padronização diagnóstica universal (RIBEIRO et al., 2024).

Evidências relacionadas à pandemia de COVID-19 reforçam a necessidade de vigilância epidemiológica global (GOMES et al., 2022). Trabalhos conduzidos na Itália e nos Estados Unidos sugeriram que a incidência de miocardite aumentou significativamente durante o período de pandemia, com quadros tanto relacionados à infecção direta pelo SARS-CoV-2 quanto à resposta imunológica pós-infecção (GIANINI & SIQUEIRA, 2023; GOMES et al., 2022). 

Portanto, é fundamental para compreender a epidemiologia dessa condição no contexto nacional, identificar tendências temporais, grupos populacionais mais vulneráveis e lacunas no acesso ao diagnóstico e tratamento. Esse tipo de estudo fornece subsídios para a formulação de políticas públicas direcionadas à melhoria da vigilância, do manejo clínico e da infraestrutura de saúde, especialmente considerando as desigualdades regionais e o impacto de fatores contextuais, como surtos infecciosos e mudanças no sistema de saúde. 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

Este trabalho tem como objetivo descrever o perfil e taxa de mortalidade por miocardite aguda no Brasil nos últimos dez anos (2014 a 2023). Devido a necessidade de haver mais estudos voltados para o tema por ser um tema de relevância na saúde pública, pois pode ser causa de mortes evitáveis.

3. METODOLOGIA 

3.1 Tipo de Estudo

Este é um estudo retrospectivo e descritivo, com abordagem quantitativa, que analisou o perfil e as taxas de mortalidade por miocardite aguda no Brasil entre os anos de 2014 e 2023. Estudos retrospectivos permitem a exploração de dados coletados anteriormente, viabilizando a identificação de padrões temporais, comportamentos e correlações sem interferência direta do pesquisador na coleta de informações (SOARES et al., 2018).

O caráter descritivo da pesquisa visa proporcionar uma compreensão detalhada do fenômeno estudado, sem manipulação de variáveis ou tentativa de estabelecer relações causais, com foco na caracterização de padrões demográficos e epidemiológicos relacionados aos óbitos por miocardite aguda ao longo do período analisado (KNECHTEL, 2014).

A reutilização de dados secundários é um aspecto central da metodologia, considerando que as informações analisadas foram originalmente compiladas para outras finalidades e acessadas para responder às questões de pesquisa propostas. Essa abordagem é particularmente eficiente, econômica e prática quando a obtenção de novos dados apresenta limitações éticas ou logísticas (SOARES et al., 2018).

Com a aplicação da abordagem quantitativa, os dados foram analisados numericamente por meio de estatísticas descritivas, possibilitando a quantificação de padrões, identificação de tendências e avaliação de relações estatísticas entre as variáveis relevantes para a compreensão do perfil de mortalidade por miocardite aguda no Brasil.

3.2 Local e População

Os dados analisados abrangeram todo o território brasileiro, com foco nos indivíduos que faleceram devido à miocardite aguda entre os anos de 2014 e 2023.

3. Variáveis

Foram analisadas as seguintes variáveis: Temporais: intervalo entre 2014 e 2023; Demográficas: idade, sexo e região geográfica (macrorregiões brasileiras); Epidemiológicas: diagnósticos de miocardite aguda (classificados de acordo com o CID-10) e óbitos registrados.

4. Critérios de Inclusão e Exclusão

Critérios de Inclusão: Indivíduos que faleceram por miocardite aguda no Brasil durante o período de 2014 a 2023. Critérios de Exclusão: Registros de óbitos incompletos ou inconsistentes (ex.: sem especificação clara da causa de morte ou local de residência).

3.5 Coleta de Dados

Os dados foram extraídos de fontes secundárias disponíveis publicamente, utilizando o sistema de informações do DATASUS (https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saudetabnet/). As informações coletadas incluíram idade, sexo, causa específica de morte segundo o CID-10, local do óbito (Unidade Federativa e município) e ano de ocorrência.

Dois pesquisadores realizaram a extração de forma independente, organizando os dados em planilhas do Microsoft Excel. A qualidade dos dados foi verificada para corrigir possíveis inconsistências antes de sua análise.

3.6 Análise de Dados

Os dados foram analisados utilizando o software Microsoft Excel (versão 2013). A análise incluiu: Estatísticas descritivas para resumir a distribuição de óbitos por faixa etária, sexo, estado civil e região; Apresentação gráfica e tabular das taxas de mortalidade por ano, destacando variações temporais e padrões geográficos.

3.7 Aspectos Éticos

Por se tratar de um estudo baseado em dados secundários, de acesso público e anonimizados, não houve necessidade de aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), conforme a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Ressalta-se que os dados foram obtidos de fontes governamentais e analisados de forma a respeitar a privacidade e a dignidade dos indivíduos representados.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

É possível observar na tabela 01, em relação ao sexo, um predomínio masculino, representando 57,07% dos casos (755 óbitos), em contraste com o sexo feminino, que correspondeu a 42,93% (568 óbitos).

Quanto à distribuição por faixa etária, verificou-se uma maior concentração de óbitos entre indivíduos com 75 anos ou mais, totalizando 19,27% (255 casos). Outros grupos expressivos incluíram pessoas com 55 a 64 anos (11,79%), 35 a 44 anos (11,49%) e 45 a 54 anos (11,04%). Em contraste, as menores frequências foram observadas em crianças menores de 1 ano (8,62%) e na faixa etária de 1 a 4 anos (7,71%).

Na análise da variável cor/raça, a maioria dos óbitos ocorreu entre indivíduos brancos (55,25%; 731 casos), seguidos pelos pardos, que somaram 34,92% (462 casos). Indivíduos pretos corresponderam a 6,80% (90 casos), enquanto outras categorias tiveram frequência menor: amarelos (0,53%), indígenas (0,23%) e não declarados (2,27%).

Com relação ao estado civil, os solteiros foram o grupo mais representativo (33,03%; 437 casos), seguidos pelos casados (24,64%; 326 casos). Os viúvos (12,02%), os separados judicialmente (5,74%) e a categoria “outro” (24,57%) completam os dados da distribuição.

Tabela 01. Características sociodemográficos de óbitos por miocardite aguda no Brasil nos últimos dez anos (2014 a 2023).

Ao longo desse período apresentado no gráfico 01, foram registrados 1.323 óbitos, sendo a Região Sudeste a mais afetada, com 670 casos (50,64% do total), seguida pelas regiões Nordeste (254 óbitos; 19,20%) e Sul (206 óbitos; 15,57%). As regiões Centro-Oeste e Norte apresentaram menor incidência, com 108 (8,16%) e 85 óbitos (6,42%), respectivamente.

Analisando o comportamento temporal, o Sudeste se destacou em todos os anos como a região com maior número absoluto de óbitos, alcançando o pico em 2021 e 2023, com 78 casos em ambos os anos. No Nordeste, os maiores registros ocorreram em 2021 (34 óbitos) e 2023 (40 óbitos), indicando um aumento gradual nos últimos anos.

Nas regiões Sul e Centro-Oeste, foram observadas flutuações, mas a Região Sul teve um aumento acentuado em 2022 (32 óbitos). Já a Região Norte, com menor número absoluto de óbitos no período, atingiu o valor mais elevado em 2022 (16 óbitos).

Gráfico 01. Total de óbitos distribuído em dez anos (2014 a 2023) por miocardite aguda no Brasil.

Fonte: DATASUS

A distribuição anual total de óbitos, demonstra flutuações ao longo da década. O total registrado foi de 1.223 óbitos. Os menores valores ocorreram em 2019, com 100 óbitos (8,18% do total), seguido por 2018, que registrou 118 óbitos (9,65%). Em contraste, os maiores totais foram observados em 2022, com 163 óbitos (13,33%), e em 2023, com 161 óbitos (13,16%), evidenciando um aumento nos últimos anos.

Entre 2014 e 2017, os números permaneceram relativamente estáveis, variando entre 119 e 130 óbitos anuais. Após 2018, observa-se uma redução inicial em 2019 e, posteriormente, um crescimento consistente entre 2020 e 2022, com o pico em 2022.

Gráfico 02. Distribuição total a nível Brasil dos óbitos por miocardite aguda no Brasil nos últimos dez anos (2014 a 2023).

Fonte: DATASUS

A miocardite aguda tem sido uma das causas importantes relacionadas a morbimortalidade cardiovascular ao redor do mundo, especialmente devido à sua associação com insuficiência cardíaca, arritmias fatais e, em casos extremos, morte súbita (GIANINI & SIQUEIRA, 2023). Os dados apresentados por este estudo, revelam um cenário alarmante e sugerem a necessidade de maior vigilância epidemiológica, além de políticas públicas voltadas à prevenção e manejo adequado da doença.

A distribuição por gênero e faixa etária identificada no estudo indica que homens são mais frequentemente afetados pela miocardite aguda, com uma frequência relativa de 57,07% dos óbitos. Este padrão é consistente com a literatura, como observado em estudos de Kindermann (2012), que destacaram uma maior prevalência em homens jovens devido a diferenças imunológicas e hormonais. Outro aspecto relevante é a distribuição etária, que aponta um maior número de óbitos em indivíduos com mais de 75 anos, seguidos por grupos entre 35 e 64 anos. Esses dados refletem possivelmente uma maior suscetibilidade a eventos cardiovasculares em idosos e adultos de meia-idade com comorbidades preexistentes (SANTOS et al., 2024).

A análise regional é particularmente interessante ao evidenciar disparidades importantes. A região Sudeste concentrou metade dos óbitos (50,64%), um padrão que provavelmente reflete o maior acesso ao diagnóstico e registro de casos, além da densidade populacional elevada. O contraste com regiões como Norte e Centro-Oeste, onde a proporção de óbitos foi de 6,42% e 8,16%, respectivamente, sugere subnotificação e desigualdades no acesso a serviços de saúde. Esta diferença entre as macrorregiões é amplificada quando se leva em conta as dificuldades de acesso a ferramentas diagnósticas, como a ressonância magnética cardíaca, em áreas mais remotas do país (SANTOS et al., 2024).

Outro achado importante é o aumento no número de óbitos observados nos últimos anos do período estudado, particularmente em 2022 e 2023. Esse crescimento coincide com a pandemia de COVID-19, conforme descrito em estudos como o de Boehmer (2021), que destacaram o impacto da infecção pelo SARS-CoV-2 e suas manifestações cardiovasculares, incluindo a miocardite. Embora a miocardite associada à COVID-19 não represente uma proporção significativa dos casos totais, a literatura reforça seu impacto tanto durante a fase aguda da infecção quanto após a resolução do quadro viral, em razão de mecanismos imunológicos disfuncionais (CONCEIÇÃO et al., 2022; ROSSI NETO et al., 2022).

A relação entre miocardite e vacinas contra COVID-19, particularmente as baseadas em mRNA, também merece discussão. Estudos internacionais (MEHTA et al., 2021) sugerem uma taxa de incidência de miocardite pós-vacinal de aproximadamente 12 casos por milhão de doses administradas, predominantemente em homens jovens. Este dado reforça a necessidade de monitoramento pós-vacinação, mas também de comunicação clara quanto aos benefícios das vacinas em termos de prevenção de formas graves da COVID-19 (GOMES et al., 2022).

A alta mortalidade associada a casos de miocardite fulminante é preocupante, como indicado no estudo, especialmente em regiões com recursos limitados para suporte cardiopulmonar avancado, como oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) (GIANINI & SIQUEIRA, 2023). Este dado ecoa as preocupações levantadas por Caforio et al. (2013), que destacam a importância do acesso precoce a terapias avancadas como determinante chave para a sobrevida.

A análise por cor/raça também revela desigualdades relevantes. Indivíduos pardos e pretos somaram cerca de 41,72% dos casos, indicando uma maior vulnerabilidade potencialmente ligada a determinantes sociais de saúde e acesso limitado a diagnóstico e tratamento adequado. Essas desigualdades estão alinhadas com estudos que documentam disparidades raciais em cuidados de saúde no Brasil e em outros contextos globais (WILLIAMS & MOHAMMED, 2009).

Embora os resultados forneçam uma base importante para a compreensão da miocardite no Brasil, lacunas permanecem. A ausência de dados mais detalhados sobre comorbidades e fatores desencadeantes, além de limitações associadas ao uso de dados secundários, reduz a possibilidade de análises causais mais robustas. Além disso, há uma necessidade urgente de melhorar os sistemas de vigilância epidemiológica e a uniformização de diagnósticos em regiões menos desenvolvidas, a fim de obter estimativas mais acuradas.

5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo aponta que, embora a condição seja relativamente rara, a miocardite representa um problema de saúde pública significativo devido à sua alta morbimortalidade e impacto desproporcional em populações vulneráveis. Foi identificado um predomínio de óbitos em homens e indivíduos acima de 75 anos, além de uma concentração expressiva na Região Sudeste, o que evidencia disparidades regionais no impacto da doença e possivelmente no acesso a diagnóstico precoce e manejo adequado. 

O aumento de casos nos últimos anos, especialmente a partir de 2020, pode refletir o impacto da pandemia de COVID-19, corroborando achados globais sobre a associação entre infecção por SARS-CoV-2 e miocardite.

Com base nesses achados, é essencial que esforços sejam direcionados ao desenvolvimento de políticas integradas que contemplem a vigilância epidemiológica, o fortalecimento do sistema de saúde nas regiões mais carentes e a promoção de estudos colaborativos entre pesquisadores nacionais e internacionais. 

REFERÊNCIAS

BOEHMER, M. M.; MCGINTY, D. C.; ROZENBLIT, R.; ET AL. Incidence and outcomes of myocarditis in hospitalized patients with COVID-19: A multicenter cohort study. Journal of Clinical Medicine, v. 10, n. 8, p. 1765, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.3390/ jcm10081765. Acesso em: 03 jan. 2025.

CAFORIO, A. L. P.; PINTO, Y. M.; BAIERL, A.; ET AL. Current state of knowledge on aetiology, diagnosis, management, and therapy of myocarditis: A position statement of the European Society of Cardiology Working Group on Myocardial and Pericardial Diseases. European Heart Journal, v. 34, n. 33, p. 2636–2648, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1093/eurheartj/eht210. Acesso em: 03 jan. 2025.

CONCEIÇÃO, A. M. et al. Miocardite por COVID-19 Mimetizando Infarto Miocárdico com Supradesnivelamento de Segmento ST. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 119, n. 3, p. 480–484, 18 jul. 2022. 

DIRETRIZES DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (CNS). Resolução nº 510 de 2016. Normas para pesquisas com dados públicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br. Acesso em: 3 jan. 2025.

FERREIRA, L. J. F.; CAMELI, R. O.; TAMARANA, E. F. Miocardite como complicação cardiovascular associada a infecção pela COVID-19. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 24, n. 10, p. e16750–e16750, 17 out. 2024. 

FRADE, G. L. F. et al. Miocardite: uma revisão da literatura: Myocarditis: a review of the literature. Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 10, p. 65386–65397, 4 out. 2022. 

GIANINI, M. W.; SIQUEIRA, E. C. DE. Uma abordagem geral da miocardite aguda. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 23, n. 3, p. e12569–e12569, 1 abr. 2023. 

GOMES, D. A. et al. Miocardite Aguda após a Vacina de mRNA contra a COVID-19. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 118, n. 4, p. 783–786, 29 abr. 2022. 

IRAD (INTERNATIONAL REGISTRY ON ACUTE AORTIC DISSECTIONS). Global perspectives on myocarditis-induced cardiomyopathies. IRAD Report 2021. Disponível em: https://irad.org/research. Acesso em: 3 jan. 2025.

KINDERMANN, I.; BARTH, C.; MAUCKER-BUSCH, W.; ET AL. Update on Myocarditis. Journal of the American College of Cardiology, v. 59, n. 9, p. 779–792, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jacc.2011.09.074. Acesso em: 03 jan. 2025.

KNECHTEL, M. A importância da análise descritiva em pesquisas científicas. Revista Brasileira de Pesquisa Científica, v. 5, n. 2, p. 45-57, 2014.

KOIKE, H. et al. Miocardite Aguda como Apresentação Inicial da Mutação da Desmoplaquina – Ampliando o Diagnóstico Diferencial. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 121, n. 4, p. e20230541, 3 maio 2024. 

MEHTA, P.; TURENNE, M.; DESHPANDE, R.; MEHA, D. S. Incidence of myocarditis after mRNA COVID-19 vaccine: Data from vaccine safety Datalink. Journal of the American Medical Association (JAMA), v. 326, p. 1214-1223, 2021.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Global burden of myocarditis: A comparative risk assessment. World Health Report, Genebra: OMS, 2023. Disponível em: https:// www.who.int. Acesso em: 3 jan. 2025.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Miocardite aguda: Causas e mortalidade associadas na América Latina. Boletim Epidemiológico, v. 20, p. 12-18, 2023.

RIBEIRO, A. F. et al. Miocardite aguda – perspectivas atuais e desafios futuros. Brazilian Journal of Health Review, v. 7, n. 2, p. e67984–e67984, 11 mar. 2024. 

ROSSA, I. C. M.; MARQUES, G. L.; TWARDOWSCHY, C. A. Miocardite aguda associada a edema cerebral difuso em paciente com Covid-19: relato de caso. Revista de Medicina, v. 103, n. 1, p. 189377, 18 mar. 2024. 

ROSSI NETO, J. M. et al. Diarreia como evento inicial de miocardite aguda pós-COVID em paciente de transplante cardíaco vacinado. Arq. bras. cardiol, p. 35–35, 2022.  

SANTOS, D. M. et al. Análise da miocardite como desfecho da vacinação para COVID-19. Revista Eletrônica Acervo Médico, v. 24, p. e14543–e14543, 25 jan. 2024. 

SILVA, B. B. L. DA et al. Diagnostic approach to acute myocarditis case follow-up: an experience report. Research, Society and Development, v. 11, n. 1, p. e30311125010– e30311125010, 7 jan. 2022. 

SOARES, A. L.; SILVA, R. M.; OLIVEIRA, A. S. Metodologias quantitativas e o uso de dados secundários em pesquisas médicas. Revista de Métodos e Avaliação em Saúde, v. 10, n. 3, p. 25-37, 2018.

STARK, S.; VILKNER, E. A.; PALMER, J. L. Acute myocarditis in pediatric populations: Incidence and long-term outcomes. European Heart Journal, v. 42, n. 7, p. 345-357, 2021.


1Especialista em Clínica Médica. e-mail: paty_mauriz@yahoo.com.br