DISFAGIA E SARCOPENIA: UM DESAFIO CONJUNTO PARA A SAÚDE DO IDOSO

DYSPHAGIA AND SARCOPENIA: A JOINT CHALLENGE FOR ELDERLY HEALTH

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202508312319


Pedro Augusto Zaiats Junior1
Helena Cristina Freitas Zaiats do Patrocinio2


RESUMO

A disfagia e a sarcopenia são condições prevalentes na população idosa que, quando associadas, configuram a disfagia sarcopênica, uma síndrome multifatorial com elevado risco de morbimortalidade. A perda progressiva de massa e força muscular afeta não apenas a mobilidade, mas também a musculatura envolvida na deglutição, elevando o risco de aspiração pulmonar, desnutrição e hospitalizações recorrentes. Este artigo revisa a relação entre sarcopenia e disfagia, seus mecanismos fisiopatológicos, métodos diagnósticos e estratégias terapêuticas atuais. Destaca-se a importância da intervenção multidisciplinar precoce, com foco em reabilitação muscular, suporte nutricional e cuidado integral do idoso.

Palavras-chave: Disfagia; Sarcopenia; Disfagia sarcopênica; Deglutição; Idosos

ABSTRACT

Dysphagia and sarcopenia are prevalent conditions in the elderly population which, when combined, characterize sarcopenic dysphagia—a multifactorial syndrome with a high risk of morbidity and mortality. The progressive loss of muscle mass and strength affects not only mobility but also the muscles involved in swallowing, increasing the risk of pulmonary aspiration, malnutrition, and recurrent hospitalizations. This article reviews the relationship between sarcopenia and dysphagia, their pathophysiological mechanisms, diagnostic methods, and current therapeutic strategies. It emphasizes the importance of early multidisciplinary intervention, focusing on muscle rehabilitation, nutritional support, and comprehensive elderly care.
Keywords: Dysphagia; Sarcopenia; Sarcopenic dysphagia; Swallowing; Elderly

1. INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional tem aumentado significativamente a incidência de condições como sarcopenia e disfagia, ambas associadas à perda funcional e à dependência [1]. Quando coexistem, essas condições podem agravar-se mutuamente, dando origem à disfagia sarcopênica — uma síndrome clínica que afeta a segurança e eficácia da deglutição em razão da perda muscular generalizada, incluindo os músculos orofaríngeos [2].

2. JUSTIFICATIVA

A crescente prevalência do envelhecimento populacional traz à tona condições clínicas complexas e multifatoriais, como a sarcopenia e a disfagia, que comprometem de forma significativa a funcionalidade, a nutrição e a qualidade de vida dos idosos. A coexistência dessas condições tem sido descrita como um fator de risco para desnutrição, pneumonia aspirativa, hospitalizações recorrentes e mortalidade precoce. No entanto, apesar da relevância clínica da inter-relação entre disfagia e sarcopenia, ainda há lacunas na literatura quanto à compreensão dos mecanismos compartilhados, à padronização dos métodos diagnósticos e às melhores estratégias de manejo integrado. Diante disso, torna-se imprescindível aprofundar a análise desta associação, a fim de subsidiar práticas clínicas mais eficazes e políticas públicas de saúde voltadas à população idosa.

3. OBJETIVO

Investigar a inter-relação entre disfagia e sarcopenia na população idosa e a importância do trabalho multidisciplinar, com ênfase nos mecanismos fisiopatológicos compartilhados, nas consequências funcionais e nutricionais dessa associação e nas abordagens terapêuticas interdisciplinares voltadas à prevenção de complicações e à promoção da qualidade de vida.

4. METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura, cuja finalidade é reunir, analisar e sintetizar evidências científicas disponíveis sobre a importância do trabalho multidisciplinar na disfagia e na sarcopenia em idosos, identificando suas implicações clínicas, funcionais e terapêuticas.

A revisão seguiu as etapas propostas por Whittemore e Knafl (2005), que compreendem

(1) identificação do tema e formulação da questão de pesquisa;

(2) estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão;

(3) definição das fontes de informação e estratégias de busca;

(4) avaliação crítica dos estudos incluídos;

(5) extração e análise dos dados;

(6) apresentação e interpretação dos resultados.

4.1 FONTES DE DADOS E ESTRATÉGIA DE BUSCA

As buscas foram realizadas nas bases de dados PubMed, SciELO, LILACS e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), utilizando os descritores DeCS/MeSH “Disfagia” OR “Dysphagia”, “Sarcopenia”, “Idoso” OR “Aged” OR “Elderly”. A estratégia combinou os termos com operadores booleanos: (“Disfagia” OR “Dysphagia”) AND “Sarcopenia” AND (“Idoso” OR “Aged”). A busca ocorreu entre março e julho de 2025, sem restrição de tipo de estudo.

5. SARCOPENIA: DEFINIÇÃO E COMPLICAÇÕES

A sarcopenia é uma condição progressiva e generalizada caracterizada pela perda de massa muscular esquelética, força e/ou desempenho físico, com impacto direto na funcionalidade e na qualidade de vida do idoso. Reconhecida como doença pela Classificação Internacional de Doenças – CID-10 (M62.84) [1], sua etiologia é multifatorial, envolvendo alterações hormonais, inflamação crônica, sedentarismo, ingestão proteica inadequada e doenças crônicas [2].

A taxa de perda muscular pode chegar a 1–2% ao ano após os 50 anos, com diminuição ainda maior da força muscular [3]. A sarcopenia também afeta a musculatura envolvida na deglutição, contribuindo para a disfagia sarcopênica [4]. A fraqueza dos músculos orofaríngeos reduz a força propulsora do bolo alimentar e a elevação laríngea, aumentando o risco de aspiração [5].

O diagnóstico segue critérios internacionais como o European Working Group on Sarcopenia in Older People 2 (EWGSOP2), que recomenda avaliação sequencial da força muscular (preensão manual), massa muscular (DEXA ou bioimpedância) e desempenho físico (velocidade de marcha, teste de levantar da cadeira) [1].

6. DISFAGIA: CAUSAS E CONSEQUENCIAS

Disfagia é a dificuldade no transporte eficaz e seguro do alimento da boca ao estômago, comum em idosos, com prevalência entre 13% e 54% [10].

As causas principais são:

  • Neurológicas (AVC, Parkinson, Alzheimer, etc.) [10];
  • Estruturais/mecânicas (estenoses, tumores, cirurgias) [5];
  • Funcionais/presbifagia (alterações fisiológicas do envelhecimento) [6].

Complicações incluem aspiração pulmonar [5], desnutrição e desidratação [11], além de comprometimento psicossocial, isolamento e depressão [7]. A associação com sarcopenia agrava o quadro, configurando um ciclo vicioso de perda funcional e nutricional [2].

7. DISFAGIA SARCOPENICA

Trata-se da interação entre perda muscular generalizada e comprometimento específico dos músculos deglutitórios, reduzindo a eficiência da deglutição e aumentando o risco de aspiração e desnutrição [2,3].

Músculos afetados incluem língua, suprahioideos e constritores da faringe, cuja atrofia compromete o fechamento das vias aéreas e elevação laríngea [3]. A sarcopenia pode diminuir a força respiratória, prejudicando a coordenação de respiração e deglutição [4].

Diagnóstico multidimensional inclui:

  • Avaliação clínica multiprofissional (história clínica e exame físico) [6];
  • Exames complementares: videofluoroscopia (VFSS) e endoscopia (FEES) [7];
  • Medição da pressão máxima da língua (≤24 kPa indica fraqueza) [8];
  • Avaliação da massa muscular (bioimpedância ou DEXA) [9];
  • Critérios EWGSOP2 para sarcopenia [1].

8. IMPACTOS NUTRICIONAIS E FUNCIONAIS

A associação disfagia-sarcopenia gera um ciclo vicioso, pois a disfagia limita a ingestão e provoca desnutrição, que piora a sarcopenia e a musculatura deglutitória [1]. Resulta em perda de autonomia, maior risco de quedas, hospitalizações e mortalidade [2], além de isolamento social, depressão e dependência para atividades diárias [3].

O impacto funcional também se expressa na redução da qualidade de vida, isolamento social, depressão e maior dependência para atividades básicas diárias [3]. Dessa forma, o manejo dessas condições deve ser integrado e individualizado, visando restaurar a capacidade funcional e evitar complicações clínicas graves.

9. ESTRATÉGIAS DE MANEJO MULTIDISCIPLINAR

O manejo da disfagia sarcopênica exige uma abordagem interdisciplinar integrada, uma vez que essa condição é resultado da interação entre fatores musculares, neurológicos, nutricionais e funcionais. O tratamento deve envolver profissionais como geriatras, nutricionistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, com foco na recuperação funcional e prevenção de complicações [1,2].

8.1 Intervenção Nutricional

A reabilitação nutricional é um dos pilares do tratamento, visando restaurar a massa e a força muscular e, assim, melhorar a função deglutitória. As estratégias incluem:

  • Dietas com consistência modificada, adaptadas às limitações do paciente para reduzir o risco de aspiração [2];
  • Suplementação oral de proteína e energia, incluindo leucina e vitamina D, quando necessário [1];
  • Monitoramento do estado nutricional e da ingestão hídrica, com uso de escalas como o Mini Nutritional Assessment (MNA) [3].

8.2 Reabilitação Fonoaudiológica

A atuação da fonoaudiologia é essencial na avaliação e reabilitação dos músculos envolvidos na deglutição. As intervenções incluem:

  • Exercícios específicos de fortalecimento da musculatura orofaríngea (como Masako, Mendelsohn, e esforço deglutório) [4];
  • Treinamento de pressão de língua com dispositivos de biofeedback [5];
  • Técnicas compensatórias para a deglutição segura, como a deglutição supraglótica ou estratégias posturais [4];
  • Treinamento respiratório para melhorar a coordenação entre respiração e deglutição [6].
  • Avaliaç/ao contínua do risco de aspiração.

8.3 Atividade Física e Reabilitação Funcional

Programas de exercício físico individualizados ajudam a melhorar o desempenho muscular global e prevenir a progressão da sarcopenia. Devem incluir:

  • Treinamento resistido de intensidade progressiva para ganho de força muscular [1,7];
  • Exercícios funcionais e de equilíbrio para prevenir quedas e melhorar a mobilidade;
  • Atividades que estimulam a musculatura respiratória, contribuindo para a deglutição eficaz [6].

8.4 Monitoramento Médico e Gerenciamento de Comorbidades

O acompanhamento médico contínuo é fundamental para tratar causas associadas, ajustar medicações e prevenir complicações:

  • Identificação precoce de aspiração silenciosa e monitoramento de sinais clínicos (tosse, febre, perda de peso) [4];
  • Tratamento de doenças associadas (como DPOC, AVC, demência), que podem agravar a disfagia [8];
  • Orientação familiar e treinamento de cuidadores para manutenção da alimentação segura e manejo domiciliar adequado [9].

Em resumo, o sucesso no manejo da disfagia sarcopênica está diretamente relacionado à atuação colaborativa entre especialidades, à reabilitação intensiva e ao suporte nutricional adequado. Essa abordagem multidimensional contribui para melhorar a qualidade de vida, reduzir complicações e manter a independência funcional do idoso [1,2,4].

10. DISCUSSÃO

A disfagia sarcopênica representa desafio clínico significativo devido ao impacto na morbimortalidade e qualidade de vida. A sarcopenia compromete a musculatura orofaríngea, reforçando a necessidade de avaliação da deglutição em pacientes sarcopênicos [2]. O diagnóstico multidimensional, embora eficaz, apresenta heterogeneidade metodológica na literatura, dificultando padronização [1].

O manejo multidisciplinar e individualizado é essencial para restabelecer a função muscular, melhorar o estado nutricional e prevenir complicações [1].

Quanto ao manejo, a revisão destaca que as intervenções devem ser multidisciplinares e individualizadas, envolvendo reabilitação fonoaudiológica, suporte nutricional adequado, exercícios físicos resistidos e monitoramento médico contínuo. Essas estratégias se alinham com as recomendações atuais para o cuidado integral do idoso, ressaltando a necessidade de um trabalho colaborativo entre profissionais de diferentes áreas.

Por fim, a discussão reforça a importância de políticas públicas e programas de saúde voltados para a capacitação de profissionais, sensibilização de cuidadores e fortalecimento das redes de atenção ao idoso. O enfrentamento da disfagia sarcopênica exige um olhar ampliado que considere não apenas o tratamento das condições isoladamente, mas também sua interação e os fatores sociais, psicológicos e ambientais que influenciam o envelhecimento saudável.

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disfagia sarcopênica representa um desafio complexo e crescente no contexto do envelhecimento populacional, impactando significativamente a saúde, a funcionalidade e a qualidade de vida dos idosos. Sua natureza multifatorial demanda uma abordagem clínica integrada, que envolva avaliação precisa, diagnóstico precoce e intervenções multidisciplinares personalizadas. O reconhecimento da interação entre perda muscular generalizada e comprometimento da deglutição é fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e tratamento. Investir em programas de reabilitação muscular, suporte nutricional adequado e educação dos pacientes e cuidadores contribui para a redução das complicações associadas, como aspirações, desnutrição e hospitalizações frequentes. Assim, fortalecer a capacitação dos profissionais de saúde e promover políticas públicas voltadas ao cuidado do idoso são passos essenciais para enfrentar essa condição com maior eficiência e promover envelhecimento saudável e funcional

REFERENCIAS

1. Cruz-Jentoft A J, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(1):16–31.

2. Maeda K, Akagi J. Sarcopenic dysphagia: A narrative review. Clin Nutr. 2016;35(5):865–71.

3. Shiozu H, Higashijima M, Tohara H, Yoshimi K, Shimada H. Characteristics of sarcopenic dysphagia in hospitalized older patients. Geriatr GerontolInt. 2021;21(6):522–7.

4. Chen L K, Liu L K, Woo J, Assantachai P, Auyeung T W, Bahyah K S, et al. Sarcopenia in Asia: consensus report of the Asian Working Group for Sarcopenia. J Am Med Dir Assoc. 2014;15(2):95–101.

5. Dziewas R, Glahn J, Helfer C, Ickenstein G W, Keller J, Kröger M, et al. Diagnosis and treatment of neurogenic dysphagia: S2k guideline of the German Society of Neurology. Neurol Res Pract. 2021;3(1):23.

6. Namasivayam A M, Steele CM. Malnutrition and dysphagia in long-term care: a systematic review. J Nutr Gerontol Geriatr. 2015;34(1):1–21.

7. Park Y H, Han H R, Oh BM, Lee J, Park JA, Yu S J, et al. Prevalence and associated factors of dysphagia in nursing home residents. Geriatr Nurs. 2013;34(3):212–

8. Utanohara Y, Hayashi R, Yoshikawa M, Yoshida M, Tsuga K, Akagawa Y. Standard values of maximum tongue pressure in healthy adults. Dysphagia. 2008;23(3):286–90.

9. Kilgour A H, Todd OM, Starr J M. A systematic review of the evidence that brain structure is related to muscle structure and function in healthy older people. Age Ageing. 2014;43(6):761–7.

10. Baijens L W, Clave P, Cras P, Ekberg O, Forster A, Kolb G F, et al. European Society for Swallowing Disorders – European Union Geriatric Medicine Society white paper: oropharyngeal dysphagia as a geriatric syndrome. Clin Interv Aging. 2016;11:1403–28.

11. Kalf J G, de Swart B J M, Bloem B R, Munneke M. Prevalence of oropharyngeal dysphagia in Parkinson’s disease: a meta-analysis. Parkinsonism Relat Disord. 2012;18(4):311–5.

12. Whittemore R, Knafl K. The integrative review: updated methodology. J Adv Nurs. 2005;52(5):546-53


1 Médico pela Universidade do Palnalto Catarinense – Lages SC – Título de especialista em Medicina Interna pela Associação Médica Brasileira – SBCM – Pós Grasduado em Geriatria pelo Instituto Brasileiro de Ciências Médicas
2 Fonoaudióloga pela Universidade da Vale do Itajaí – Itajaí SC- Pós Graduada em Disfagia pela Unyleya – Enfermeira pela Faculdade Jangada – Jaraguá do Sul com prática clínica em emergência infantil e adulto.