LATE DIAGNOSIS OF AUTISM IN WOMEN: INVISIBILITY AND EMOTIONAL DISTRESS IN ADULTHOOD
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202512180524
Alessandra Moreira de Souza Soares1
RESUMO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) em mulheres permanece subdiagnosticado, sobretudo quando se manifesta de forma não estereotipada. O objetivo deste artigo é analisar os impactos emocionais e psicossociais do diagnóstico tardio do TEA em mulheres adultas, a partir de um relato autobiográfico reflexivo da autora, articulado com a literatura científica contemporânea. Trata-se de um estudo qualitativo, de natureza descritivo-reflexiva, fundamentado em revisão narrativa de estudos publicados entre 2016 e 2025 sobre autismo feminino, camuflagem social e saúde mental. Os resultados indicam que o diagnóstico tardio esteve associado à invisibilidade clínica, uso intenso de estratégias de camuflagem social, sofrimento emocional crônico e diagnósticos parciais prévios. Após a confirmação diagnóstica, observou-se alívio subjetivo, reorganização identitária e redução progressiva do sofrimento por meio de práticas neuroafirmativas. Conclui-se que o diagnóstico tardio do TEA em mulheres configura um importante fator de sofrimento emocional e que relatos autobiográficos constituem estratégia metodológica relevante para ampliar a compreensão do autismo feminino no campo da Psicologia.
Palavras-chave: autismo feminino; diagnóstico tardio; camuflagem social; saúde mental; relato de experiência.
ABSTRACT
The underdiagnosis of autism spectrum disorder (ASD) in women remains a significant clinical and social issue, particularly when presentations do not match traditional stereotypes. This article aims to analyze the emotional and psychosocial impacts of late ASD diagnosis in adult women through a reflective autobiographical account articulated with current scientific literature. This qualitative, descriptive-reflective study is based on a narrative review of publications from 2016 to 2025 addressing female autism, social camouflaging, and mental health. Findings indicate that late diagnosis was associated with clinical invisibility, intensive use of camouflaging strategies, chronic emotional distress, and previous partial diagnoses. After diagnosis, the author experienced subjective relief, identity reorganization, and gradual reduction of distress through neurodiversity-affirming practices. The study concludes that late ASD diagnosis in women is a significant factor of emotional suffering and that autobiographical reports are valuable methodological resources for advancing knowledge on female autism in Psychology.
Keywords: female autism; late diagnosis; social camouflaging; mental health; experience report.
Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por diferenças persistentes na comunicação social e por padrões restritos e repetitivos de comportamento, com manifestações heterogêneas ao longo do curso da vida (American Psychiatric Association [APA], 2022). Apesar do avanço das pesquisas, o autismo em mulheres ainda apresenta elevada taxa de subdiagnóstico, especialmente quando não há deficiência intelectual associada.
Estudos indicam que critérios diagnósticos historicamente baseados em amostras masculinas contribuem para a invisibilidade do TEA em mulheres, que frequentemente recebem diagnóstico apenas na vida adulta (Loomes et al., 2017). O chamado fenótipo feminino do autismo caracteriza-se por maior adaptação social aparente e interesses socialmente aceitos, dificultando o reconhecimento clínico precoce (Bargiela et al., 2016).
Nesse contexto, a camuflagem social (masking) surge como estratégia recorrente entre mulheres autistas, permitindo inclusão superficial, porém com elevado custo emocional (Hull et al., 2019). Evidências apontam associação entre camuflagem, sofrimento psíquico e maior risco de ansiedade e depressão (Cook et al., 2021).
Diante dessa realidade, relatos autobiográficos têm sido reconhecidos como recurso metodológico relevante para compreender experiências subjetivas pouco acessadas por instrumentos tradicionais. Assim, este artigo tem como objetivo analisar, a partir de um relato pessoal da autora, os impactos emocionais do diagnóstico tardio do TEA em mulheres adultas, articulando vivência e produção científica recente.
Método
Trata-se de um relato de experiência autobiográfico, de natureza qualitativa e caráter reflexivo, em consonância com metodologias narrativas utilizadas em Psicologia. O relato pessoal foi articulado a uma revisão narrativa da literatura, realizada nas bases PubMed, SciELO, PePSIC e Google Scholar, contemplando estudos publicados entre 2016 e 2025.
Foram incluídos artigos sobre autismo feminino, diagnóstico tardio, camuflagem social e saúde mental. A análise foi conduzida de forma reflexiva, relacionando a experiência vivida da autora com os referenciais teóricos selecionados, respeitando princípios éticos e científicos da pesquisa qualitativa.
Relato autobiográfico e análise
Desde a infância, a autora vivenciou dificuldades persistentes de interação social, hipersensibilidade sensorial e necessidade acentuada de previsibilidade, frequentemente interpretadas por familiares e professores como traços de personalidade, tais como timidez excessiva, rigidez comportamental ou sensibilidade emocional. Ao longo da adolescência e da vida adulta, essas características passaram a ser gerenciadas por meio do desenvolvimento de estratégias intensas de camuflagem social, incluindo o ensaio prévio de interações, a imitação de comportamentos considerados socialmente adequados e a supressão consciente de desconfortos sensoriais, conforme descrito por Hull et al. (2019).
Durante anos, o sofrimento emocional manifestou-se por meio de quadros recorrentes de ansiedade, episódios depressivos e exaustão crônica associada às demandas sociais, sem que a hipótese de Transtorno do Espectro Autista fosse considerada nos processos avaliativos. Esse percurso é consistente com achados que indicam que mulheres autistas frequentemente recebem diagnósticos parciais ou equivocados antes do reconhecimento do TEA, o que contribui para a cronificação do sofrimento psíquico (Nikolova-Fontaine et al., 2023).
A manutenção prolongada da camuflagem social produziu um funcionamento aparentemente adaptado em contextos acadêmicos e profissionais, ao mesmo tempo em que intensificava sentimentos de inadequação, autocrítica e esgotamento emocional. Tal dissociação entre desempenho externo e vivência interna é amplamente documentada na literatura como característica recorrente do autismo feminino, estando associada a maior vulnerabilidade a transtornos internalizantes e ao fenômeno do burnout autístico (Cook et al., 2021; Mantzalas et al., 2022).
O diagnóstico tardio representou um marco significativo de reorganização identitária, permitindo à autora compreender sua trajetória sob uma nova perspectiva e ressignificar experiências anteriormente vividas como fracassos pessoais. Contudo, esse processo foi acompanhado por sentimentos ambivalentes, incluindo alívio, validação e luto pelo tempo vivido sem reconhecimento e suporte adequados, conforme descrito na literatura sobre mulheres diagnosticadas na vida adulta (Bargiela et al., 2016).
A partir do diagnóstico, tornou-se possível adotar práticas de autocuidado e estabelecer limites mais compatíveis com as próprias necessidades neurodivergentes, reduzindo gradativamente a exigência de camuflagem em contextos sociais e profissionais. Estudos indicam que essa mudança favorece melhora no bem-estar psicológico e maior estabilidade emocional, ao possibilitar relações mais autênticas e ambientes mais acessíveis para mulheres autistas adultas (Hull et al., 2020; Brede et al., 2020).
Discussão
O relato apresentado corrobora evidências de que o diagnóstico tardio do TEA em mulheres está associado ao uso prolongado de estratégias de camuflagem social e ao agravamento progressivo do sofrimento emocional (Cook et al., 2021). A experiência narrada reforça que a invisibilidade diagnóstica não decorre da ausência de sinais clínicos, mas da aplicação de critérios avaliativos historicamente pouco sensíveis às expressões femininas do autismo, especialmente quando há funcionamento social aparente e desempenho acadêmico ou profissional preservado.
Esse achado dialoga com estudos que apontam que mulheres autistas tendem a internalizar o sofrimento psíquico, manifestando-o por meio de quadros ansiosos e depressivos, o que frequentemente direciona a prática clínica para diagnósticos parciais e intervenções focadas apenas nos sintomas, sem consideração da condição neurodesenvolvimental subjacente (Nikolova-Fontaine et al., 2023). Tal processo contribui para a cronificação do sofrimento e para o aumento do risco de burnout autístico, fenômeno associado ao esgotamento decorrente da adaptação contínua a ambientes não inclusivos (Mantzalas et al., 2022).
Além disso, a análise do relato evidencia que a camuflagem social, embora funcione como estratégia de sobrevivência em contextos sociais normativos, apresenta elevado custo emocional, impactando negativamente a autoestima, a identidade e a saúde mental ao longo do curso da vida. A literatura sugere que a redução da exigência de camuflagem, aliada a práticas clínicas neuroafirmativas, favorece maior estabilidade emocional e melhora na qualidade de vida de mulheres autistas adultas (Hull et al., 2020; Brede et al., 2020).
Por fim, o estudo reafirma a relevância de narrativas autobiográficas como fonte legítima de produção de conhecimento científico, especialmente em campos marcados por invisibilidade histórica, como o autismo feminino. Ao articular experiência vivida e referencial teórico, o artigo amplia o debate no campo da Psicologia, contribuindo para o desenvolvimento de práticas diagnósticas e assistenciais mais sensíveis ao gênero, à subjetividade e às especificidades do desenvolvimento humano.
Considerações finais
O diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em mulheres configura-se como um fenômeno clínico, social e institucional que produz sofrimento emocional significativo ao longo do curso da vida. A invisibilidade diagnóstica observada nesse grupo não está associada à ausência de manifestações autísticas, mas à inadequação histórica dos critérios avaliativos para captar expressões femininas do espectro, frequentemente mediadas por estratégias de camuflagem social e adaptação comportamental.
Ao integrar relato autobiográfico reflexivo e literatura científica contemporânea, este artigo contribui para a ampliação da compreensão do autismo feminino, evidenciando a importância de considerar dimensões subjetivas, identitárias e contextuais no processo diagnóstico. Essa articulação possibilita reconhecer o impacto cumulativo da ausência de diagnóstico precoce, que se expressa por meio de sofrimento psíquico crônico, esgotamento emocional e dificuldades na construção da identidade ao longo da vida adulta.
Os achados reforçam a necessidade de práticas diagnósticas e assistenciais mais sensíveis ao gênero e ao curso do desenvolvimento, bem como de abordagens clínicas neuroafirmativas que promovam reconhecimento, validação e respeito às singularidades das mulheres autistas. Nesse sentido, destaca-se a relevância da formação continuada de profissionais da Psicologia e áreas afins, de modo a reduzir vieses diagnósticos e ampliar o acesso a cuidados adequados.
Por fim, espera-se que este estudo contribua para o fortalecimento do debate científico sobre neurodiversidade, gênero e saúde mental, incentivando novas pesquisas qualitativas e interdisciplinares que aprofundem a compreensão do autismo na vida adulta. Ao legitimar a experiência vivida como fonte de conhecimento científico, o artigo reafirma o compromisso da Psicologia com práticas inclusivas, éticas e alinhadas à diversidade humana.
Referências
American Psychiatric Association. (2022). DSM-5-TR: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed.
Bargiela, S., Steward, R., & Mandy, W. (2016). The experiences of late-diagnosed women with autism spectrum conditions. Autism, 20(4), 421-434. https://doi.org/10.1177/1362361315571298
Cook, J., Hull, L., Crane, L., & Mandy, W. (2021). Camouflaging in autism: A systematic review. Clinical Psychology Review, 89, 102080. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2021.102080
Hull, L., Petrides, K. V., Allison, C., et al. (2019). Development and validation of the CAT-Q. Journal of Autism and Developmental Disorders, 49, 819-833.
Loomes, R., Hull, L., & Mandy, W. (2017). What is the male-to-female ratio in autism spectrum disorder? Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, 56(6), 466-474.
Nikolova-Fontaine, K., & Egilson, S. (2023). Meaning of autism before and after diagnosis. Scandinavian Journal of Disability Research, 25(1), 1-13.
1Mestre em Administração com ênfase em Educação para o Empreendedorismo – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
