DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: ACESSO DE MULHERES A MÉTODOS CONTRACEPTIVOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

SOCIAL DETERMINANTS OF HEALTH: WOMEN’S ACESS TO CONTRACEPTIVE METHODS IN THE UNIFIED HEALTH SYSTEM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202505231054


Isabela da Silva Machado1
Julia Caroni Costa1
Pedro de Carvalho Braga1
Mauricio Cupello Peixoto2


RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar, por meio de uma revisão integrativa da literatura, a influência dos Determinantes Sociais da Saúde (DSS) sobre o acesso das mulheres aos métodos contraceptivos no Sistema Único de Saúde (SUS). Foram incluídos estudos publicados entre 2020 e 2025, disponíveis nas bases PubMed e LILACS, que abordam a relação entre fatores como escolaridade, renda, raça, cultura e acesso à informação com a escolha e continuidade do uso de contraceptivos. Os resultados evidenciam que, apesar da disponibilidade gratuita de métodos pelo SUS, diversas barreiras estruturais, institucionais e culturais limitam a autonomia reprodutiva das mulheres, especialmente entre adolescentes, mulheres negras e populações em situação de vulnerabilidade social. A baixa adesão aos métodos de longa duração (LARC), como o dispositivo intrauterino (DIU), está associada à escassez de insumos, ausência de profissionais capacitados e à falta de políticas públicas inclusivas. Conclui-se que é urgente o fortalecimento das estratégias de equidade, educação em saúde e justiça reprodutiva, visando garantir o acesso pleno e universal aos métodos contraceptivos.

ABSTRACT: This study aims to analyze, through a integrative review, how the Social Determinants of Health (SDH) influence women’s access to contraceptive methods in Brazil’s Unified Health System (SUS). Articles published between 2020 and 2025 were selected from PubMed and LILACS databases, focusing on the relationship between factors such as education, income, race, culture, and access to information with the use and continuity of contraceptive methods. The findings reveal that, although contraceptive methods are provided free of charge by SUS, structural, institutional, and cultural barriers significantly limit women’s reproductive autonomy, particularly among adolescents, black women, and socially vulnerable populations. The low adherence to long-acting reversible contraceptives (LARC), such as the intrauterine device (IUD), is related to a lack of supplies, insufficient professional training, and the lack of inclusive public policies. It is concluded that strengthening equity strategies, health education, and reproductive justice is essential to ensure universal and comprehensive access to contraception.

PALAVRAS-CHAVE: Determinantes sociais da saúde. Sistema único de saúde. Métodos contraceptivos. Acesso.

KEYWORDS: Social determinants of health. Unified health system. Contraceptive methods. Access. 

INTRODUÇÃO:

O SUS, sistema público de saúde no Brasil, foi instituído pela Constituição Federal de 1988, visando garantir o direito à saúde como um ‘direito de todos’ e ‘dever do Estado’, conforme estabelecido no artigo 196 da Constituição 1

O SUS é composto por uma ampla rede de serviços, incluindo unidade básica de saúde (UBS), hospitais, laboratórios, serviços de vigilância epidemiológica e sanitária, além de instituições de pesquisa como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Câncer (INCA) 2. A estrutura do sistema permite desde o atendimento em ações preventivas e de atenção primária até procedimentos de alta tecnologia, como transplantes de órgãos 3.

Os princípios fundamentais do SUS incluem a universalidade, que assegura o acesso de todos os cidadãos aos serviços de saúde; a integralidade, que prevê um conjunto de ações e serviços, tais como prevenção, tratamento e reabilitação, individuais e coletivos – em todos os níveis de complexidade – e a equidade, que visa reduzir desigualdades, garantindo que recursos e serviços sejam direcionados conforme as necessidades de cada cidadão 4.

Os DSS são fatores socioeconômicos, culturais e ambientais que afetam o acesso aos serviços de saúde e consequentemente, a saúde da população. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os DSS incluem condições como renda, escolaridade, acesso aos serviços, contexto cultural e discriminação racial e de gênero. No âmbito da saúde reprodutiva, os DSS influenciam diretamente a disponibilidade e a escolha de métodos contraceptivos, que afetam a autonomia das mulheres sobre suas decisões reprodutivas e planejamento familiar5.

A contracepção é uma importante ferramenta de saúde pública que possibilita o planejamento familiar e o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Os métodos contraceptivos disponíveis variam quanto à forma de uso, mecanismo de ação e eficácia, sendo classificados em métodos de barreira, hormonais, comportamentais, dispositivos intrauterinos e esterilização cirúrgica. Métodos de barreira, como os preservativos masculinos e femininos, além de prevenirem a gravidez, também oferecem proteção contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) 5. O preservativo masculino apresenta eficácia de 98% com uso correto e 87% com uso típico, enquanto o feminino tem eficácia de 95% e 79%, respectivamente. Os métodos hormonais incluem pílulas anticoncepcionais combinadas ou de progestágeno, com eficácia de até 99,7% no uso ideal e 93% no uso típico; implantes subdérmicos e injetáveis, com taxas de falha que variam de 0,05 a 4 gestações por 100 mulheres ao ano, dependendo do método e da adesão. Dispositivos intrauterinos, como o DIU de cobre e o DIU com levonorgestrel, são altamente eficazes, com falhas inferiores a 1% ao ano. Já os métodos comportamentais, como a tabelinha, são menos confiáveis, com taxas de falha que podem chegar a 15%. Por fim, os métodos cirúrgicos, como a laqueadura tubária e a vasectomia, são considerados definitivos e apresentam altas taxas de eficácia, com falha inferior a 1% mesmo no uso típico 6.

Embora o direito ao planejamento reprodutivo seja garantido e o SUS forneça métodos contraceptivos gratuitamente, diversas barreiras comprometem esse acesso, pois fatores como nível socioeconômico, escolaridade e raça ainda determinam quem realmente consegue utilizá-los 7.

Muitas mulheres encontram obstáculos desde o início, seja por falta de orientação sexual adequada, dificuldades para marcar consultas ginecológicas ou ausência do método desejado na unidade de saúde que é usuária 8.

Estudos indicam que as gestações não planejadas são mais comuns entre mulheres com menor escolaridade e renda, muitas dessas gestantes são adolescentes, o que leva à evasão escolar e restrição de oportunidades futuras 9. Além disso, a desinformação sobre contracepção eleva as chances de falhas no uso dos métodos disponíveis 10.

O racismo estrutural também se reflete no acesso à saúde. Mulheres negras e pardas enfrentam maiores dificuldades para obter atendimento ginecológico e acesso a informações de qualidade sobre contracepção. Muitas vezes, os métodos mais eficazes não estão disponíveis para elas nos serviços públicos, reforçando desigualdades e limitando sua escolha aos métodos 11

O nível socioeconômico impacta diretamente a escolha e a continuidade do uso de métodos contraceptivos. Mulheres com maior renda e acesso a planos de saúde optam por métodos mais eficazes e de longa duração, como o DIU e os implantes hormonais. Já aquelas que dependem exclusivamente do SUS frequentemente ficam restritas a métodos de curta duração, como a pílula e o preservativo, que exigem maior disciplina e apresentam maior taxa de falha 12

A justificativa para a realização deste estudo é fundamentada pela necessidade de uma análise crítica sobre a influência dos DSS no acesso das mulheres aos métodos contraceptivos, especialmente no contexto do SUS. Embora o direito ao planejamento reprodutivo seja legalmente assegurado e o SUS ofereça acesso gratuito a métodos contraceptivos, diversas barreiras persistem, comprometendo efetivamente esse acesso. Tais barreiras englobam fatores socioeconômicos, culturais e estruturais que interagem de maneira complexa, impactando de forma desigual a disponibilidade, a escolha e a continuidade do uso de contraceptivos entre diferentes grupos populacionais 13.

A análise dessas barreiras é essencial para evidenciar desigualdades e subsidiar políticas públicas mais eficazes e equitativas. Portanto, esse estudo tem como objetivo compreender como os DSS influenciam o acesso das mulheres aos métodos contraceptivos disponíveis no SUS, investigando as dimensões do acesso, considerando insumos, profissionais de saúde e a qualidade das informações fornecidas às usuárias da rede pública. A relevância do tema se dá devido ao impacto direto que o acesso a contraceptivos e a informação qualificada têm na redução das gestações não planejadas, no empoderamento feminino e na equidade em saúde 14.

METODOLOGIA:

Este trabalho consiste em uma revisão integrativa de literatura realizada nas principais bases de dados científicas, incluindo Pubmed e LILACS. Foram utilizados os descritores, padronizados pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), ‘Anticoncepção’ e ‘Sistema Único de Saúde’, combinados por meio do operador booleano AND, como observado na Figura 1. 

Os critérios de inclusão estabelecidos para a seleção dos artigos compreendem publicações entre os anos de 2020 a 2025, disponíveis na íntegra e redigidas em português ou inglês. Foram priorizados estudos que abordaram diretamente a relação entre os DSS e o acesso a métodos contraceptivos no SUS. Foram excluídos artigos duplicados, sem relação com a temática e que não se adequaram aos critérios de inclusão.

RESULTADOS:

FIGURA 1Sistematização dos resultados obtidos na revisão de referências bibliográficas nas bases do PubMed e do LILACS. Autoria própria.
TABELA 1 – Artigos encontrados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Autoria própria. 

O estudo de Medeiros e colaboradores 15 identificou barreiras sociais que limitam a aceitação e o uso do DIU como método contraceptivo no Brasil, apresentando um déficit na sua disponibilidade em diversos municípios. Os resultados destacam a importância de se políticas públicas mais inclusivas e eficazes, considerando que apenas 1,9% das mulheres brasileiras em idade fértil optam pelo DIU de cobre. Esses dados refletem desafios estruturais, como a falta de recursos adequados, protocolos específicos e formação de profissionais de saúde, fatores que prejudicam o planejamento reprodutivo e a autonomia feminina. Este estudo reforça o papel do DIU como uma alternativa eficaz de contracepção a longo prazo.

A pesquisa conduzida por Mendonça et al. 16 avaliou o impacto de mudanças no processo de trabalho, após a Política Nacional de Direitos Sexuais e reprodutivos estabelecer o planejamento familiar como “livre decisão do casal”, fazendo com que equipes de saúde da família ampliassem o acesso ao DIU, reformulando barreiras como a exigência de exames prévios, capacitação de profissionais da saúde, aliada à possibilidade de inserção por demanda espontânea, resultou em um aumento significativo na utilização do método e no percentual de gestações planejadas. Esses achados reforçam o papel do DIU na promoção da autonomia feminina e na construção de políticas reprodutivas mais inclusivas, uma vez que fica evidente que gestações não planejadas estão associadas a evasão escolar e dificuldade de acesso ao mercado de trabalho. Nesse mesmo cenário, o artigo de Reis et al. 17 investigou as práticas contraceptivas de jovens entre 16 e 24 anos em áreas urbanas brasileiras, identificando um padrão recorrente de transição do uso de preservativos para métodos hormonais e, em alguns casos, coito interrompido. Embora o DIU de cobre tenha despertado interesse por ser um método não hormonal, o estudo apontou obstáculos de acesso dentro do SUS, como inseguranças em procurar informações na unidade de saúde, falta de profissionais adequados para fazer o aconselhamento e abandono do uso de métodos contraceptivos por falta de renda. Os autores concluíram que a contracepção é altamente valorizada por essa faixa etária, destacando a urgência de atualizar as políticas públicas voltadas à juventude e ao planejamento reprodutivo, que seja acessível e forneça informações confiantes sobre saúde reprodutiva e sexual.

Em sua contribuição, Monçalves e colaboradores 18 analisaram as escolhas de métodos contraceptivos hormonais por mulheres assistidas na Atenção Primária à Saúde (APS) e evidenciou que, frequentemente, as decisões sobre os métodos contraceptivos são influenciadas pelos profissionais de saúde, sem plena autonomia por parte das usuárias, sendo a pílula oral e a ligadura tubária as mais utilizadas. Além disso, identificaram-se fatores limitantes, como dúvidas sobre o uso correto dos anticoncepcionais, medo de efeitos adversos e de falhas contraceptivas que poderiam levar a gestações não planejadas, reforçando a importância de promover políticas públicas que garantam a autonomia da mulher na escolha de métodos contraceptivos.

O trabalho conduzido por Paixão 19 investigou a vivência de gestantes em relação ao planejamento reprodutivo no contexto da APS. Os resultados revelaram que, embora os serviços de planejamento reprodutivo sejam ofertados, ainda apresentam fragilidades, especialmente nas ações de concepção e contracepção. Foi constatado que a maioria das gestantes não utilizava rotineiramente esse serviço e demonstrava conhecimento limitado sobre métodos contraceptivos e o conceito de planejamento reprodutivo. O estudo reforça a necessidade de capacitação contínua dos profissionais de saúde, ações educativas e ampliação de estratégias informativas em mídias sociais para promover escolhas reprodutivas livres e informadas.

Melo et al. 20 enfatizou a vulnerabilidade de mulheres usuárias do SUS a vivenciar uma gravidez não intencional, analisando aspectos como intenção reprodutiva, uso de métodos contraceptivos e planejamento da última gravidez. Os resultados apontaram que aproximadamente metade das mulheres estava vulnerável a uma gravidez não intencional, evidenciando fatores como idade avançada, residentes em regiões mais empobrecidas, ausência de união estável e o planejamento prévio inadequado de gestações anteriores. A pesquisa destaca a necessidade de estratégias para ampliar o acesso a métodos contraceptivos eficazes, melhorar a qualidade do atendimento em saúde reprodutiva e desenvolver intervenções para mulheres em maior situação de vulnerabilidade.

O artigo de Brandão e Cabral 21 discute as iniquidades no planejamento reprodutivo no SUS, com base na perspectiva da justiça reprodutiva e no conceito de interseccionalidade, evidenciando como a oferta de LARCs tem sido direcionada seletivamente a grupos específicos, como adolescentes, mulheres negras e em situação de vulnerabilidade social. Essa prática, embora muitas vezes justificada como cuidado e proteção, acaba por perpetuar desigualdades de gênero, raça e classe, ao mesmo tempo em que falha em promover a autonomia reprodutiva dessas mulheres. Diante disso, os autores defendem a universalização do acesso aos LARC como estratégia para enfrentar as desigualdades no sistema de saúde. Complementando essa discussão, o estudo de Marmett et al. 22 analisou a efetividade e o impacto econômico dos métodos LARC na prevenção de gestações não planejadas entre adolescentes, demonstrando que esses métodos, como os DIUs, são mais eficazes e econômicos do que os contraceptivos de curta duração. Apesar do custo inicial mais elevado, os LARC geram economia a longo prazo ao reduzirem complicações e despesas associadas às gestações indesejadas, reforçando, assim, a necessidade de políticas públicas que garantam o acesso universal a esses métodos como parte fundamental do planejamento reprodutivo.

O estudo realizado por Ruivo et al. 23 investigou a disponibilidade de insumos para o planejamento reprodutivo em UBSs do Brasil, ao longo dos três ciclos do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Os resultados demonstraram um aumento significativo na oferta de insumos contraceptivos e de diagnóstico de gravidez, especialmente em municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e nas UBS que aderiram a todos os ciclos do programa, conforme o Gráfico 1. No entanto, ainda foram observadas desigualdades regionais, com as regiões Norte e Centro-Oeste apresentando menor disponibilidade. A pesquisa reforça a importância de políticas públicas que ampliem a equidade na oferta de insumos essenciais, destacando o papel fundamental da Atenção Primária à Saúde (APS) na promoção do planejamento familiar e reprodutivo, respeitando a individualidade de cada usuária do SUS.

A análise proposta por Melo et al. 24 revelou o uso de métodos contraceptivos e a intencionalidade de engravidar entre mulheres atendidas pelo SUS na cidade de São Paulo. Os resultados demonstraram que, embora 56,5% das mulheres utilizassem algum método contraceptivo, o uso predominante era de métodos de média e baixa eficácia, independentemente do forte desejo de evitar a gravidez. Esses achados destacam as fragilidades no suporte oferecido às mulheres para que elas possam alcançar suas preferências reprodutivas.

Lago et al. 25 analisou a prática contraceptiva de mulheres residentes no Município de São Paulo, Brasil, por meio do inquérito populacional “Ouvindo Mulheres”. Os resultados indicaram uma alta prevalência de anticoncepção, atingindo 84,8% entre as mulheres sexualmente ativas, todavia, muitas dessas mulheres relatam dificuldade na obtenção do método contraceptivo. Observou-se uma concentração na utilização de métodos como a pílula (27%) e o preservativo masculino (19%), enquanto métodos de longa duração, como o DIU, representaram apenas 2,5%, como observado na Tabela 3. Além disso, barreiras como a baixa oferta de profissionais capacitados para inserção do DIU e a ausência de sua ampla disponibilização no SUS foram identificadas como obstáculos significativos, foi observado também, a influência das religiões que possuem posições restritivas quanto ao direito reprodutivo. Este estudo reforça a necessidade de políticas públicas voltadas à inclusão de métodos contraceptivos mais eficazes e acessíveis.

A análise de Função 26 abordou como a pandemia de COVID-19 impactou o planejamento reprodutivo de mulheres assistidas por um hospital público na cidade de São Paulo. A pesquisa revelou que 64,2% das gestações foram classificadas como ambivalentes, enquanto 9,5% não foram planejadas. Houve significativas diferenças de acesso aos métodos anticoncepcionais durante os diferentes anos da pandemia, com maior dificuldade em 2020 em comparação a 2021, muitas declararam ser por falta ou redução de renda durante a pandemia. Esses achados reforçam a necessidade de políticas públicas mais eficazes para garantir o acesso equitativo à saúde sexual e reprodutiva em contextos de crise. 

O levantamento de Pinheiro et al. 27  explorou a disponibilidade e as barreiras ao acesso à contracepção de emergência (CE) em municípios brasileiros com mais de 500 mil habitantes. A pesquisa revelou que, embora as UBS sejam os principais pontos de distribuição gratuita da CE pelo SUS, há barreiras significativas no acesso, como a necessidade de prescrição médica em cerca de 80% das cidades analisadas, e a falta de locais de distribuição 24 horas em 33% dos municípios. Esses obstáculos limitam a equidade de acesso, especialmente entre mulheres de menor poder aquisitivo, que enfrentam maiores dificuldades em prevenir gestações indesejadas, assim como mulheres que sofreram violência sexual, que muitas vezes não procuram um médico por vergonha. O artigo reforça a urgência de revisar práticas e políticas de distribuição, promovendo maior acessibilidade e padronização.

A produção científica de Rodrigues e Carneiro 28 destacou que, apesar da disponibilidade gratuita de métodos contraceptivos pelo SUS, ainda existem desafios substanciais na redução de taxas de gravidez não planejada no Brasil. Entre os fatores identificados estão a dificuldade de agendamento de consultas, falta de informação sobre os métodos disponíveis e oferta limitada em algumas regiões. A pesquisa reforça a importância de ações governamentais voltadas para a melhoria da distribuição de métodos contraceptivos, educação em saúde e treinamento de profissionais, elementos cruciais para promover autonomia reprodutiva e ampliar o planejamento familiar no país.  

TABELA 2: Assuntos abordados em cada artigo. Autoria própria. A tabela demonstra discriminadamente quais assuntos foram abordados por cada artigo.
GRÁFICO 1: Disponibilidade de insumos para o planejamento familiar nas unidades básicas de saúde, PMAQ-AB.Os dados do gráfico foram colhidos a partir da análise de 28.931 UBS cadastradas no PMAQ-AB nos anos de 2017 e 2018. Ficou evidente que há mais disponibilidades de Não-LARCs do que de LARCs no SUS, uma vez que o DII só estava disponível em 30% das unidades de saúde, enquanto outros métodos, como o preservativo masculino, chegaram a 97%. Adaptado de Ruivo et al., 23.
TABELA 3: Prevalência da prática contraceptiva de mulheres com 15 a 44 anos de idade sexualmente ativas e não grávidas. Município de São Paulo, Brasil, 2015. Essa pesquisa evidencia a baixa adesão ao DIU. Entre 2.885 mulheres, apenas 0,6% utilizavam o DIU, enquanto a maioria fazia uso de métodos menos eficazes. Adaptado de Lago et al 25

DISCUSSÃO  

Os achados da presente revisão reforçam que o acesso das mulheres aos métodos contraceptivos oferecidos pelo SUS é profundamente condicionado pelos DSS. A despeito da gratuidade e da previsão legal do planejamento reprodutivo como direito assegurado pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, persistem barreiras estruturais, culturais e institucionais que comprometem a equidade e a autonomia reprodutiva das mulheres brasileiras. Tais obstáculos operam de forma interseccional, afetando de maneira mais intensa aquelas em situação de vulnerabilidade social, como mulheres negras, jovens, com baixa escolaridade e residentes em regiões periféricas.

O baixo uso de métodos de longa duração, como o DIU, identificado por Medeiros e Marcon 29, revela a insuficiência do sistema em garantir acesso pleno aos LARC. Esse cenário se sustenta em múltiplas fragilidades do SUS: falta de insumos, escassez de profissionais capacitados, exigências burocráticas desnecessárias, ausência de fluxos claros de atendimento e invisibilidade do tema nas agendas locais de saúde. Além disso, a baixa incorporação desses métodos nos serviços de atenção primária à saúde indica uma lacuna entre as diretrizes normativas e a realidade prática dos territórios. Mendonça et al. 16 evidenciaram que a simples flexibilização de exigências para a inserção do DIU já promove aumento significativo na adesão, o que aponta para a urgência de revisões nos protocolos assistenciais e na capacitação permanente das equipes de saúde.

Além disso, os DSS como escolaridade, renda, raça/cor e território foram amplamente destacados como limitadores do acesso e da continuidade no uso de métodos contraceptivos. Estudos como o de Brandão e Cabral 21 denunciam a seletividade na oferta de LARC para grupos considerados “de risco” — como adolescentes, mulheres negras e em situação de pobreza — o que, sob a lógica da justiça reprodutiva, pode significar mais controle do que cuidado. Essa prática seletiva, ainda presente no cotidiano dos serviços, remonta a uma história de medicalização e tutela do corpo feminino, que muitas vezes coloca o interesse estatal acima da autonomia individual. Em vez de garantir liberdade de escolha, tais estratégias podem reforçar estigmas e perpetuar desigualdades estruturais no campo da saúde sexual e reprodutiva.

É especialmente preocupante o estudo de Melo et al. 20 de que quase metade das mulheres analisadas estava vulnerável a uma gravidez não intencional, mesmo com o desejo explícito de evitá-la. Isso reforça a constatação de que a mera disponibilidade de métodos não assegura sua efetividade. A ausência de aconselhamento qualificado, o desconhecimento sobre as opções disponíveis, o medo de efeitos adversos e a naturalização da gravidez como destino inevitável são fatores que dificultam o uso adequado e sustentado dos contraceptivos. Como aponta Monçalves et al. 18, o aconselhamento é uma etapa fundamental do cuidado em saúde sexual, pois é ele que favorece o vínculo, esclarece dúvidas, combate mitos e promove o uso consciente, especialmente entre adolescentes que enfrentam múltiplas barreiras simbólicas e institucionais.

As desigualdades regionais também foram evidenciadas, como no estudo de Ruivo et al. 23, que observou menor disponibilidade de insumos contraceptivos nas regiões Norte e Centro-Oeste. Tais disparidades são reflexo direto da ineficiência na alocação de recursos, da fragilidade dos sistemas locais de abastecimento e da ausência de estratégias estruturadas de vigilância e garantia do direito ao planejamento familiar em todo o território nacional. A fragmentação da atenção e a dependência de iniciativas pontuais ou projetos locais comprometem a universalização do acesso e deixam lacunas importantes na atenção à saúde reprodutiva.

Outro ponto crucial é a influência das mídias e da desinformação, principalmente entre os jovens. Como mostrado por Reis et al. 17 e Lago et al. 25, a internet e redes sociais têm sido fontes importantes de informação — nem sempre confiável — quando os serviços de saúde falham em fornecer orientações qualificadas. Essa lacuna informacional intensifica riscos, propaga concepções errôneas sobre os métodos contraceptivos e contribui para falhas no uso, alimentando ciclos de desinformação e vulnerabilidade. A falta de espaços de escuta e acolhimento dentro dos serviços também favorece a busca por fontes alternativas, o que revela uma desconexão entre as políticas públicas e as demandas concretas das usuárias.

Em última análise, os dados analisados sugerem a necessidade urgente de ações intersetoriais e estruturantes que promovam educação sexual desde a adolescência, formação continuada de profissionais de saúde, ampliação da oferta de LARC em todas as regiões e campanhas educativas que fortaleçam a autonomia das mulheres na tomada de decisões reprodutivas. É essencial que o SUS assuma o protagonismo na garantia do direito ao planejamento reprodutivo com base na equidade, no respeito à diversidade e na valorização da escolha informada. O fortalecimento da Atenção Primária à Saúde como porta de entrada para esse cuidado, aliado à responsabilização dos gestores públicos e à escuta ativa das mulheres nos territórios, é condição imprescindível para a construção de uma política de saúde reprodutiva verdadeiramente democrática.

CONCLUSÃO  

Este estudo demonstrou que os DSS exercem influência sobre o acesso das mulheres aos métodos contraceptivos no âmbito do SUS. A análise dos artigos evidenciou múltiplas barreiras — institucionais, sociais e culturais — que comprometem a efetividade das políticas de planejamento reprodutivo e reproduzem desigualdades históricas de gênero, raça e classe.

Mesmo com muitas mudanças importantes nas políticas públicas voltadas à saúde da mulher, ainda existe um cenário onde nem todas têm a mesma oportunidade, embora o SUS também preveja essa igualdade, através da oferta  gratuita de contraceptivos, a fragilidade da rede na garantia do acesso pleno e da autonomia das usuárias permanece evidente. Em muitos casos, mulheres em situações de vulnerabilidade seguem enfrentando barreiras, como a falta de orientação adequada, preconceito nos serviços de saúde e até indisponibilidade dos métodos contraceptivos no SUS. 

Em suma, é fundamental investir, no mínimo, na qualificação da atenção primária, na oferta equitativa de métodos contraceptivos e em ações educativas voltadas à promoção dos direitos sexuais e reprodutivos. Intervenções desse tipo são essenciais para a superação de barreiras que dificultam a garantia plena dos direitos reprodutivos das mulheres, uma vez que geram o fortalecimento das políticas públicas voltadas ao planejamento familiar pautado pela justiça reprodutiva, pelo respeito às diversidades e pela efetiva garantia do direito à saúde, conforme preconizado pelos princípios do SUS.

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1Acadêmico(a). Unigranrio Afya – Duque de Caxias, RJ, Brasil.

2Docente.Unigranrio Afya – Duque de Caxias, RJ, Brasil.
Instituição. Unigranrio Afya – Duque de Caxias, RJ, Brasil.