DESVIO DE FUNÇÃO NAS EMPRESAS: CAUSAS, EFEITOS E SOLUÇÕES

JOB MISMATCH IN COMPANIES: CAUSES, EFFECTS AND SOLUTIONS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506032041


Camily dos Santos Nazaré1
Nathácia de Abreu Brilhante2
Edilon Mendes Nunes3


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar o desvio de função nas organizações brasileiras, uma prática irregular que ocorre quando o empregado é designado para realizar tarefas além das suas atribuições originais, sem a devida reclassificação funcional ou reajuste salarial. O desvio de função se caracteriza pela sobrecarga de responsabilidades, onde o trabalhador desempenha atividades de maior complexidade e exigência técnica sem o reconhecimento formal ou compensação correspondente. Esse fenômeno é cada vez mais frequente nas organizações, principalmente no contexto de transformações organizacionais, reestruturações internas e crescente pressão por produtividade. A partir de uma análise teórico-bibliográfica e documental, o estudo busca compreender as causas e os impactos do desvio de função, além de explorar as consequências jurídicas e organizacionais dessa prática. Ao abordar a legislação trabalhista vigente e a jurisprudência dos tribunais, o trabalho visa discutir as implicações legais para as empresas e os direitos dos trabalhadores. Além disso, destaca-se a necessidade de políticas de compliance trabalhista mais eficazes e de uma gestão de pessoas que preze pela clareza nas descrições de cargos e pela definição de funções dentro das organizações. O estudo também busca refletir sobre as consequências do desvio de função para o ambiente de trabalho, como a precarização das relações laborais, a desmotivação dos empregados e o impacto na qualidade dos serviços prestados. O estudo conclui que o desvio de função é uma prática recorrente e prejudicial tanto aos trabalhadores quanto às organizações, gerando impactos jurídicos, emocionais e produtivos. Destaca-se a necessidade de ações preventivas, como descrição de cargos claros, políticas de compliance e liderança ética. 

Palavras-chave: Desvio de Função. Legislação trabalhista. Gestão de pessoas.

1 INTRODUÇÃO

O desvio de função configura-se como uma prática irregular nas relações laborais, caracterizando-se pela designação do trabalhador a atividades diversas daquelas originalmente pactuadas em seu contrato, sem a devida reclassificação funcional ou reajuste salarial correspondente. Trata-se, portanto, de uma violação contratual e legal que atinge diretamente princípios fundamentais do Direito do Trabalho, como o da primazia da realidade e da dignidade da pessoa humana (DELGADO, 2022). Conforme observa Carrion (2020), o desvio de função altera, de maneira unilateral e prejudicial, o objeto da prestação laboral, comprometendo a legalidade e a segurança jurídica da relação empregatícia.

No atual contexto organizacional, marcado por transformações constantes, reestruturações internas e intensificação das exigências por produtividade, essa prática tornou-se recorrente, muitas vezes naturalizada no ambiente corporativo. Antunes (2018) aponta que a lógica da empresa enxuta impõe ao trabalhador uma polivalência forçada, deslocando-o de suas funções originárias sem respaldo contratual, o que evidencia o processo de precarização das relações de trabalho. A ausência de descrições de cargos bem delimitadas e a fragilidade dos mecanismos de compliance trabalhista tornam o desvio funcional uma prática silenciosamente institucionalizada em muitas organizações (NETO, 2021).

Além de comprometer os direitos dos trabalhadores, o desvio de função acarreta impactos significativos na saúde organizacional, afetando a motivação, o engajamento e o desempenho dos colaboradores. Segundo Chiavenato (2014), a motivação no trabalho está intrinsecamente ligada ao reconhecimento e à percepção de justiça nas relações profissionais. A sobrecarga de responsabilidades, sem a devida compensação, contribui para o desgaste emocional, físico e psicológico dos empregados, e pode gerar passivos judiciais consideráveis às empresas, especialmente quando há reconhecimento judicial das diferenças salariais devidas (TST, AgAIRR-10034-34.2016.5.03.0058).

Diante dessa realidade, é essencial que o fenômeno do desvio de função seja compreendido em sua complexidade jurídica e organizacional, a fim de se propor alternativas preventivas e corretivas. Este artigo, com base em abordagem teórico-bibliográfica e documental, propõe-se a analisar as causas e os efeitos do desvio de função nas empresas brasileiras, à luz da legislação trabalhista e da jurisprudência atual. O objetivo central é fomentar o debate sobre práticas organizacionais mais justas e juridicamente seguras, contribuindo para a construção de ambientes laborais que respeitem os direitos dos trabalhadores e promovam relações éticas, transparentes e sustentáveis.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Desvio de Função no Direito do Trabalho

O desvio de função configura-se como uma prática irregular no âmbito das relações trabalhistas, caracterizando-se pela situação em que o empregado, embora contratado para desempenhar determinada atividade ou função, passa a exercer, de forma contínua, tarefas distintas daquelas originalmente pactuadas, normalmente de maior complexidade, responsabilidade ou exigência técnica, sem a correspondente reclassificação funcional ou reajuste salarial compatível com as novas atribuições. Tal prática viola diretamente princípios fundamentais do Direito do Trabalho, como o da primazia da realidade, da dignidade da pessoa humana, e da proteção ao trabalhador, estabelecendo o direito à diferença salarial correspondente às funções efetivamente exercidas.

Delgado (2022), uma das maiores autoridades da área, define o desvio de função como a situação em que o trabalhador é desviado para exercer funções diversas daquelas para as quais foi contratado, sem a correspondente reclassificação ou remuneração condizente com as novas atribuições. O autor ainda salienta que essa situação frequentemente ocorre sem qualquer formalização contratual, mas mediante exigência reiterada por parte do empregador, o que reforça a natureza lesiva dessa prática. Em consonância, Carrion (2020) observa que o desvio de função fere a essência do contrato de trabalho, pois altera, de maneira unilateral e prejudicial, o objeto da prestação laboral.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 460, estabelece que, não havendo cláusula contratual expressa quanto ao salário, o empregado perceberá o salário que for habitualmente pago para a função exercida, reconhecendo, portanto, o direito do trabalhador à remuneração compatível com as tarefas efetivamente desempenhadas. A jurisprudência trabalhista também tem reiterado tal entendimento. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) possui entendimento consolidado de que o desvio de função dá ensejo ao pagamento das diferenças salariais. Em diversas decisões, o TST tem afirmado que havendo o desvio de função, é devido ao trabalhador o pagamento das diferenças salariais correspondentes ao cargo que efetivamente exerce (BRASIL, TST, Ag-AIRR-10034-34.2016.5.03.0058, 2ª Turma, julgado em 13/03/2019).

É importante, todavia, distinguir o desvio de função do acúmulo de funções, dois conceitos que, embora relacionados, possuem implicações distintas. Enquanto no desvio ocorre a substituição da função original por outra de maior complexidade ou natureza distinta, o acúmulo de funções ocorre quando o trabalhador mantém suas atribuições originais, mas passa a exercer outras atividades adicionais, não previstas no contrato, também sem a devida contraprestação. Nas palavras Nascimento (2021), no acúmulo de funções, o trabalhador continua a exercer sua função originária, acumulando-a com outra, ou outras, sem a correspondente contraprestação pecuniária. Já Martins (2022) esclarece que o acúmulo de funções ocorre quando o empregado exerce mais de uma função, ao mesmo tempo, sem receber o valor adicional que lhe seria devido em razão do acréscimo de responsabilidades.

A título de exemplificação prática, pode-se citar como desvio de função a situação em que um auxiliar administrativo, contratado para executar tarefas burocráticas, é transferido informalmente para atuar como técnico de informática, realizando manutenções e suporte a sistemas, sem qualquer ajuste contratual ou acréscimo salarial. Neste caso, nota-se clara mudança qualitativa nas atividades, o que caracteriza o desvio de função. Já no acúmulo de funções, um exemplo seria o de uma recepcionista que, além de suas funções de atendimento, passa a realizar também atividades de reservas e gestão de redes sociais, acumulando responsabilidades distintas, mas sem deixar de cumprir as funções originais. A ausência de compensação financeira para as funções extras caracteriza o acúmulo.

Em ambas as situações, o ordenamento jurídico brasileiro exige o respeito à boa-fé contratual e à isonomia salarial, princípios fundamentais para a manutenção de relações de trabalho justas. Como ressalta Delgado (2022), o reconhecimento judicial dessas situações tem buscado coibir práticas lesivas aos direitos do trabalhador, sobretudo em face da precarização das relações laborais contemporâneas. Além disso, segundo Barros (2019), a proteção ao salário, como núcleo mínimo de direitos sociais, impõe que o trabalhador não seja lesado em sua contraprestação econômica quando exerce funções de maior valor.

O desvio e o acúmulo de funções são práticas que merecem atenção redobrada por parte dos operadores do Direito e dos empregadores, tendo em vista não apenas a preservação dos direitos fundamentais do trabalhador, mas também a manutenção de uma relação contratual equilibrada e eticamente sustentável no ambiente de trabalho.

2.2 Causas do Desvio de Função

O fenômeno do desvio de função no ambiente laboral configura-se como uma prática recorrente nas relações de trabalho contemporâneas, cujas causas estão enraizadas em aspectos estruturais, organizacionais, culturais e econômicos. Longe de ser um evento isolado ou meramente acidental, o desvio de função reflete dinâmicas organizacionais mais amplas, como a precarização das relações de trabalho, a desregulamentação contratual e a flexibilização das normas laborais. Entre os principais fatores que propiciam tal ocorrência, destacam-se: a falta de clareza nas descrições de cargos, a necessidade de adaptação às novas demandas produtivas, uma cultura organizacional que desvaloriza a especialização profissional e a pressão crescente por produtividade e redução de custos.

A ausência de descrições de cargos bem delimitadas é uma das principais brechas para a ocorrência do desvio funcional. Em muitas organizações, especialmente as que possuem uma estrutura administrativa mais informal, as atribuições contratuais dos trabalhadores não estão claramente estipuladas, o que possibilita interpretações subjetivas e amplia o campo de atuação arbitrária dos empregadores. Neto (2021) observa que a omissão ou imprecisão contratual quanto às funções do empregado pode facilitar a ocorrência do desvio de função, especialmente em empresas com estrutura organizacional informal ou deficiente. Tal fragilidade compromete princípios fundamentais do Direito do Trabalho, como o da segurança jurídica e o da primazia da realidade, ao permitir que o trabalhador desempenhe atividades distintas daquelas para as quais foi originalmente contratado, sem a devida contraprestação.

Outro fator relevante é a crescente necessidade de adaptação das empresas a novas demandas produtivas, principalmente diante das transformações tecnológicas e da reestruturação dos modelos de negócios. A digitalização, a automação e a introdução de novas tecnologias têm exigido das organizações respostas rápidas e flexíveis, frequentemente à custa da sobrecarga de seus próprios empregados. Conforme Barros (2019), as mudanças tecnológicas e a reconfiguração das relações produtivas têm levado à polivalência funcional, que, se não for compensada adequadamente, pode configurar desvio de função. Essa exigência de polivalência, embora útil sob o ponto de vista organizacional, esbarra nos limites legais do contrato de trabalho e nos direitos fundamentais dos trabalhadores.

A cultura organizacional também desempenha papel determinante na ocorrência do desvio de função, sobretudo em contextos em que não se valoriza a especialização profissional, mas sim a capacidade de o trabalhador desempenhar múltiplas funções. Em nome da eficiência e da competitividade, muitas empresas incentivam uma lógica de multifuncionalidade que, embora inicialmente bem vista, pode resultar em sobrecarga, desgaste físico e emocional e, sobretudo, em violação contratual. Para Delgado (2022), o discurso da polivalência muitas vezes encobre práticas de sobrecarga e substituição funcional não reconhecidas, levando à banalização do desvio de função. Nesse cenário, a ausência de planos de carreira, políticas de valorização por competências ou instrumentos de reconhecimento profissional agrava a condição de invisibilidade do trabalhador polivalente.

Adicionalmente, a pressão por resultados e a lógica da produtividade a qualquer custo têm levado muitas empresas a adotarem estratégias de flexibilização interna, deslocando atribuições para trabalhadores já contratados, sem revisão contratual ou salarial. Tal prática visa, em grande medida, reduzir custos operacionais, evitando novas contratações ou investimentos em capacitação. Como aponta Antunes (2018), a lógica da empresa enxuta impõe ao trabalhador uma polivalência forçada, deslocando-o de suas funções originais sem respaldo contratual, o que configura, com frequência, o desvio de função. Essa imposição de novas responsabilidades, geralmente acompanhada da ausência de reajustes remuneratórios, desconsidera o princípio da dignidade da pessoa humana no trabalho e compromete o bem-estar do empregado.

Essa lógica de atuação, que combina insegurança jurídica, desvalorização da qualificação e sobrecarga funcional, está intrinsecamente associada ao fenômeno mais amplo da precarização do trabalho, como discute Harvey (2016), ao afirmar que a flexibilização das formas de trabalho é uma característica do modelo neoliberal de produção, que desloca os riscos econômicos para os trabalhadores e enfraquece os mecanismos de proteção social. Nesse sentido, o desvio de função não é apenas uma violação individual de contrato, mas um reflexo de tendências macroestruturais que fragilizam os direitos trabalhistas conquistados historicamente.

Assim, a identificação e o combate ao desvio de função demandam uma abordagem integrada, que envolva fiscalização ativa por parte das instituições competentes, conscientização dos trabalhadores sobre seus direitos, e compromisso ético das organizações com relações de trabalho justas e transparentes. A Constituição Federal de 1988, no artigo 7º, inciso XXX, assegura como direito dos trabalhadores a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, o que também deve ser interpretado como uma proteção contra modificações unilaterais e prejudiciais no conteúdo contratual.

2.3 Efeitos do Desvio de Função

O desvio de função, além de representar uma afronta direta aos direitos fundamentais do trabalhador, constitui uma prática que compromete seriamente a estrutura organizacional e os princípios que regem as relações de trabalho. Trata-se da situação em que o empregado passa a desempenhar funções distintas daquelas para as quais foi contratado, sem o correspondente enquadramento contratual e remuneratório. Esse fenômeno, infelizmente comum no contexto de precarização das relações de trabalho, acarreta múltiplos impactos negativos tanto para os trabalhadores quanto para as organizações. Seus efeitos se manifestam em diferentes esferas: na queda da produtividade, na desmotivação dos empregados, no aumento dos riscos legais e financeiros para as empresas, e, também, na degradação da qualidade do serviço ou produto entregue ao consumidor.

Do ponto de vista organizacional, o desvio de função interfere diretamente na produtividade, ao comprometer a alocação eficiente de recursos humanos. Embora, sob uma ótica superficial, possa parecer uma solução viável para suprir carências momentâneas, a adoção dessa prática revela-se contraproducente em médio e longo prazo. Como salienta Marras (2011), a produtividade está diretamente relacionada à coerência entre o perfil profissional do empregado e as tarefas que ele desempenha. Desalinhamentos, como ocorre no desvio de função, comprometem o desempenho individual e coletivo. A ausência de domínio técnico sobre as novas tarefas atribuídas, associada à falta de preparo e capacitação, gera desorganização interna, retrabalho e aumento dos erros operacionais, reduzindo a eficiência do processo produtivo como um todo.

Além disso, os efeitos do desvio de função extrapolam os aspectos operacionais, atingindo a moral, o engajamento e a satisfação dos trabalhadores. Quando um colaborador é deslocado para atividades diferentes daquelas contratadas, especialmente sem qualquer reajuste salarial ou reconhecimento formal, instala-se um sentimento de desvalorização e injustiça. Conforme Chiavenato (2014), a motivação no trabalho está fortemente associada ao reconhecimento e à justiça percebida nas relações de trabalho. Esse desalinhamento entre o esforço despendido e a recompensa recebida compromete o bem-estar psicológico do trabalhador, reduz sua motivação e pode levar a quadros de adoecimento ocupacional, como estresse, ansiedade e síndrome de burnout. Como aponta Antunes (2018), a lógica da multifuncionalidade imposta sem critério e sem negociação coletiva é um dos elementos centrais da precarização e da intensificação do trabalho nas últimas décadas.

Sob a ótica jurídica, o desvio de função representa uma violação aos princípios fundamentais da legalidade, da boa-fé e da proteção do trabalhador, previstos na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O artigo 460 da CLT determina que, na ausência de estipulação contratual expressa, o empregado deve receber salário compatível com o serviço prestado (BRASIL, 1943). A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reconhecido, de forma reiterada, o direito à percepção das diferenças salariais quando há comprovação de desvio funcional, conforme exemplificado no julgamento do processo Ag-AIRRXXXXX-XX.2017.5.03.0106. Nesse sentido, Delgado (2022) argumenta que o desvio de função, quando não acompanhado da devida compensação remuneratória, enseja o dever jurídico de pagamento da diferença salarial correspondente às novas atribuições exercidas. Além disso, a omissão do empregador pode ensejar a responsabilização por danos morais, em decorrência da violação à dignidade do trabalhador.

Outro impacto relevante é percebido na qualidade dos serviços e produtos oferecidos pela organização. A ausência de preparo técnico do trabalhador para exercer uma função diversa da originalmente pactuada compromete a qualidade e a confiabilidade do que é produzido ou prestado. Essa inadequação pode resultar em falhas técnicas, insatisfação do cliente e riscos operacionais, especialmente em setores que exigem especialização. Segundo Gil (2019), a qualidade é diretamente afetada quando há incompatibilidade entre as habilidades do trabalhador e as exigências do cargo. Do ponto de vista da competitividade empresarial, isso pode representar perda de mercado, danos à imagem institucional e aumento dos custos decorrentes da má execução de tarefas.

Diante do exposto, é possível afirmar que os efeitos do desvio de função transcendem o plano individual do trabalhador, atingindo a saúde organizacional, os resultados operacionais e a segurança jurídica da empresa. Ao negligenciar o respeito às atribuições contratuais, o empregador incorre não apenas em práticas lesivas aos direitos dos empregados, mas compromete o próprio desempenho institucional e sua responsabilidade social. Conforme assevera Oliveira (2020), o respeito à função contratada deve ser visto não apenas como uma exigência legal, mas como um pilar ético das relações laborais. Assim, o combate ao desvio de função deve ser incorporado às políticas estratégicas de gestão de pessoas, com vistas à valorização profissional, à conformidade jurídica e à construção de um ambiente de trabalho justo, produtivo e saudável.

2.4 Como Evitar o Desvio de Função

O enfrentamento do desvio de função nas organizações exige mais do que ações corretivas pontuais: requer uma abordagem sistêmica, preventiva e pautada em princípios de justiça, legalidade e valorização do trabalho humano. A adoção de uma cultura organizacional comprometida com o cumprimento das normas legais e com a gestão eficiente de pessoas é fundamental para a mitigação dessa prática, que pode causar danos significativos tanto aos trabalhadores quanto à própria organização. Entre as medidas essenciais para prevenir o desvio de função, destacam-se a definição precisa de cargos, o investimento contínuo em capacitação, a avaliação sistemática das funções desempenhadas e a construção de um ambiente de comunicação aberta e transparente.

Um dos pilares centrais na prevenção do desvio de função é a elaboração de descrições de cargos claras e bem estruturadas, alinhadas à estratégia da organização e às competências requeridas. A descrição de cargos funciona como referência formal para a alocação de pessoas, delimitação de responsabilidades e fundamentação das decisões administrativas. De acordo com Chiavenato (2010), a descrição de cargos é essencial para alinhar expectativas, organizar processos e estabelecer parâmetros de avaliação, servindo de base para decisões administrativas e jurídicas. Complementando essa visão, Bohlander e Snell (2013) ressaltam que uma descrição bem elaborada ajuda a garantir que os empregados compreendam claramente suas funções, reduzindo a ambiguidade e os conflitos sobre as responsabilidades no ambiente de trabalho. A ausência ou imprecisão nesse instrumento gera espaço para deslocamentos indevidos de função, dificultando a responsabilização por desvios e fragilizando os direitos dos trabalhadores.

Outro aspecto indispensável na prevenção do desvio funcional é o investimento em capacitação e desenvolvimento profissional. Organizações que mantêm políticas consistentes de formação contínua conseguem alinhar melhor as competências dos trabalhadores às exigências de suas funções, evitando improvisações prejudiciais. Para Marras (2011), os programas de treinamento não apenas desenvolvem competências, mas também previnem distorções funcionais, na medida em que alinham os trabalhadores às demandas reais de seus cargos. Nesse sentido, Milkovich e Boudreau (2011) defendem que a capacitação contínua deve ser compreendida como parte da estratégia organizacional, uma vez que ela contribui para o aprimoramento das capacidades individuais e para o alcance dos objetivos institucionais. Investir em formação não é apenas uma prática de valorização do trabalhador, mas uma ação preventiva que garante a conformidade entre cargo e função.

A avaliação periódica das funções exercidas na prática representa outro instrumento relevante na identificação de desvios e inconsistências. A auditoria funcional permite monitorar se as atribuições exercidas por determinado empregado permanecem compatíveis com sua descrição de cargo e contrato de trabalho. Segundo Gil (2019), a gestão de cargos e salários deve estar atrelada a um sistema de avaliação que permita verificar a coerência entre o que foi contratado e o que está sendo efetivamente executado. Quando bem conduzido, esse processo permite ajustes preventivos e reduz a incidência de litígios trabalhistas decorrentes do desvio de função. Além disso, como destacam Dutra (2016) e Chiavenato (2014), as avaliações periódicas também colaboram com o planejamento estratégico de recursos humanos, assegurando a adequada alocação de talentos e a sustentabilidade das operações.

A criação e o fortalecimento de um ambiente organizacional pautado na comunicação clara e na escuta ativa também se mostram fundamentais. Muitos casos de desvio de função perduram porque os trabalhadores não se sentem à vontade para expressar seus desconfortos, seja por medo de retaliações, seja por ausência de canais institucionais eficazes. Robbins (2012) afirma que a comunicação organizacional eficaz reduz conflitos, aumenta a confiança e melhora a percepção de justiça interna, favorecendo a identificação precoce de inconformidades. Em um ambiente de confiança mútua, os empregados sentem-se mais seguros para relatar situações de sobrecarga, desvio funcional ou incompatibilidade de atribuições. Nesse contexto, a atuação da liderança é determinante, pois líderes acessíveis e comprometidos com a ética institucional tendem a promover maior coesão e transparência nas relações de trabalho.

Ademais, é necessário reconhecer que a prevenção ao desvio de função deve ser parte de uma política de governança e conformidade (compliance) no campo das relações laborais. Como destaca Delgado (2022), a conformidade funcional não é um detalhe técnico, mas um imperativo ético e jurídico das relações de trabalho. O descumprimento dos parâmetros legais relacionados às atribuições contratuais do trabalhador pode gerar não apenas responsabilidade trabalhista, como também danos à imagem institucional da organização. Assim, adotar práticas de compliance trabalhista significa estabelecer mecanismos internos de controle, monitoramento e responsabilização, com o objetivo de assegurar que as normas legais e internas sejam rigorosamente cumpridas.

Portanto, evitar o desvio de função é um desafio que exige comprometimento institucional, planejamento estratégico e práticas de gestão centradas no respeito aos direitos trabalhistas. Quando as empresas estruturam adequadamente seus processos, promovem a formação de seus colaboradores, mantêm avaliações regulares e estimulam a comunicação transparente, não apenas reduzem os riscos legais, como também fortalecem a produtividade, a motivação dos trabalhadores e a qualidade dos serviços prestados.

2.5 O Papel da Liderança

A liderança exerce um papel fundamental na prevenção do desvio de função dentro das organizações, pois é por meio dela que se assegura a conformidade entre as atribuições contratuais dos colaboradores e as atividades efetivamente desempenhadas. Mais do que coordenar tarefas, liderar implica orientar comportamentos, alinhar expectativas e garantir que os processos organizacionais estejam em conformidade com os princípios legais e éticos que regem as relações de trabalho. Uma liderança eficaz atua como guardiã da legalidade e da justiça organizacional, contribuindo diretamente para a construção de um ambiente laboral saudável e produtivo.

Robbins e Judge (2013) destacam que os líderes moldam a cultura organizacional, influenciam o comportamento dos membros da equipe e determinam a eficácia das práticas gerenciais. Essa influência se manifesta tanto nos aspectos operacionais quanto simbólicos da organização: líderes que promovem o respeito às funções contratuais, à equidade nas relações de trabalho e ao cumprimento das normas tendem a consolidar uma cultura organizacional baseada na integridade e na valorização do capital humano. Por outro lado, a omissão ou a tolerância diante de desvios funcionais enfraquece a confiança interna e pode gerar passivos trabalhistas relevantes.

Além disso, é essencial que os líderes estejam atentos às necessidades e limites de suas equipes. A identificação precoce de sobrecargas, acúmulo indevido de funções ou desalinhamento entre perfil e tarefas é fundamental para a prevenção de deslocamentos informais. Para Chiavenato (2014), a liderança eficiente reconhece o potencial humano como o recurso mais valioso da organização e, por isso, deve ser sensível às distorções que afetam a moral e o desempenho da equipe. Essa sensibilidade deve se materializar em práticas de escuta ativa, delegação clara, orientação contínua e incentivo à participação dos colaboradores nos processos decisórios.

Líderes que adotam um estilo participativo e comunicativo estão mais preparados para prevenir distorções funcionais. Yukl (2013) enfatiza que líderes eficazes são aqueles que estabelecem metas claras, monitoram resultados e ajustam processos com base em dados objetivos e no diálogo com suas equipes. A atuação proativa, por meio de feedbacks frequentes e de um sistema de monitoramento coerente, permite identificar rapidamente situações em que um trabalhador passa a exercer funções alheias às previstas em seu contrato, promovendo a correção sem prejuízos à organização nem ao colaborador.

Um dos elementos mais poderosos da liderança é o exemplo. Como afirmam Kouzes e Posner (2012), os líderes lideram pelo exemplo; suas ações cotidianas transmitem mais do que seus discursos. A coerência entre o discurso da valorização do trabalhador e a prática efetiva do respeito aos seus direitos influencia diretamente a conduta das equipes. A liderança ética, baseada na responsabilidade, no compromisso com a transparência e no reconhecimento das atribuições individuais, é essencial para consolidar uma cultura organizacional livre de práticas abusivas ou ilegais, como o desvio de função.

Nesse contexto, a liderança transformacional se destaca como um modelo eficaz, pois, segundo Bass e Riggio (2006), ela inspira, motiva e estimula os colaboradores a se desenvolverem, ao mesmo tempo em que promove valores organizacionais sólidos. A promoção do desenvolvimento profissional individual, sem sobrecarga nem atribuições indevidas, é uma das estratégias dessa abordagem, que reconhece o papel ativo da liderança na mediação de conflitos e na construção de um ambiente ético e motivador. Bergamini e Coda (1997) complementam ao afirmar que a liderança transformacional atua como fator estratégico na manutenção da motivação e da coesão interna, promovendo ambientes mais saudáveis e éticos.

A literatura contemporânea também destaca o papel das lideranças em processos de governança corporativa e conformidade normativa. Segundo Mintzberg (2006), a liderança eficaz vai além da supervisão operacional e envolve a compreensão sistêmica da organização, atuando para alinhar interesses institucionais, humanos e legais. Isso inclui garantir que a alocação de tarefas respeite os parâmetros contratuais, promovendo justiça interna e evitando práticas que comprometam a legitimidade da gestão.

Portanto, o papel da liderança na prevenção do desvio de função é multidimensional. Exige não apenas habilidades técnicas e conhecimento da legislação trabalhista, mas também competência emocional, visão estratégica e compromisso ético. Líderes que promovem o diálogo, reconhecem os limites das funções e garantem a justa alocação de tarefas contribuem não apenas para a conformidade legal, mas também para a construção de ambientes organizacionais mais justos, transparentes e sustentáveis, onde o trabalho é valorizado e respeitado em sua integralidade.

3 METODOLOGIA 

O presente estudo classifica-se como uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória, com abordagem teórico-bibliográfica e documental. Conforme Gil (2019), a pesquisa bibliográfica é aquela desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente por livros, artigos científicos e documentos oficiais, sendo adequada para o aprofundamento teórico de determinado tema. O objetivo da pesquisa foi analisar, à luz do Direito do Trabalho, os aspectos jurídicos e organizacionais do desvio de função, considerando seus impactos sobre os trabalhadores, as organizações e a jurisprudência brasileira.

A investigação fundamentou-se em autores consagrados do Direito do Trabalho, como Delgado (2022), Nascimento (2021), Carrion (2020) e Barros (2019), cujas obras abordam, com profundidade, os conceitos jurídicos que envolvem a função contratual, a reclassificação funcional e os direitos dos trabalhadores em casos de desvio. Além disso, foram consultadas obras da área de administração e comportamento organizacional, como Chiavenato (2014), Robbins e Judge (2013) e Marras (2011), a fim de oferecer uma perspectiva interdisciplinar sobre a gestão de pessoas e suas implicações nas relações laborais.

No que se refere à pesquisa documental, foram analisadas jurisprudências disponíveis em fontes oficiais, tais como o site do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e os sites dos Tribunais Regionais do Trabalho da 11ª, 16ª e 18ª Regiões. As decisões analisadas foram selecionadas entre os anos de 2016 a 2024, com ênfase em casos que envolveram a caracterização do desvio de função, seus efeitos práticos e o reconhecimento judicial de indenizações por danos morais e diferenças salariais.

As buscas foram realizadas entre os meses de fevereiro e abril de 2025, utilizando-se os portais institucionais do TST (<www.tst.jus.br>) e das respectivas regiões, além de plataformas acadêmicas como o Google Acadêmico e o Scielo. Os descritores utilizados incluíram: “desvio de função”, “jurisprudência trabalhista”, “acúmulo de funções”, “função contratual” e “direito do trabalho”.

A abordagem foi qualitativa e interpretativa, considerando que, segundo Minayo (2010), a pesquisa qualitativa permite apreender o significado dos fenômenos sociais, analisando-os em profundidade a partir do contexto em que estão inseridos. A análise foi realizada por meio de confronto entre a teoria jurídica e a realidade expressa nas decisões judiciais, à luz da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Constituição Federal de 1988.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

A análise das jurisprudências trabalhistas revela que o desvio de função configura uma prática ainda recorrente em diversos setores da economia brasileira, com efeitos significativos sobre a dignidade, a valorização profissional e os direitos trabalhistas dos empregados. Esse fenômeno, que ocorre quando o trabalhador exerce atividades distintas ou de maior complexidade do que aquelas para as quais foi formalmente contratado, tem sido cada vez mais debatido e julgado na esfera da Justiça do Trabalho, demonstrando a necessidade urgente de prevenção e de medidas institucionais eficazes.

Diversas decisões transitadas em julgado comprovam que o Judiciário reconhece, de maneira consistente, o direito dos trabalhadores à percepção das diferenças salariais correspondentes às funções efetivamente exercidas. Em muitos casos, as condenações envolvem também reparações por danos morais, especialmente quando há exposição a riscos, descumprimento de normas de segurança ou flagrante abuso hierárquico.

Um exemplo emblemático é o julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (Maranhão), que condenou um banco a pagar diferenças salariais e indenização por danos morais a um trabalhador que, contratado como “Chefe de Serviço B”, exerceu durante anos funções típicas de “Gerente Administrativo”. O agravante neste caso foi a exigência de transporte de valores em condições precárias e sem segurança adequada, o que, segundo a sentença, violava a integridade física e psicológica do empregado. Tal situação, além de configurar desvio de função, caracterizou negligência patronal e ensejou a responsabilização da instituição empregadora.

Outro caso relevante foi julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (Amazonas e Roraima), no qual um auxiliar de produção exerceu, por mais de quatro anos, funções de trocador de moldes, sem o devido enquadramento funcional ou remuneração condizente. A decisão reconheceu o desvio funcional, determinando o pagamento das diferenças salariais acumuladas e a indenização por danos morais, cujo valor foi majorado em segunda instância em virtude da prolongada omissão do empregador e da comprovação de abalo psicológico sofrido pelo trabalhador.

Esses casos refletem um padrão recorrente no tratamento do desvio de função pela Justiça do Trabalho. A seguir, apresenta-se um gráfico que ilustra a distribuição das decisões analisadas quanto à concessão de diferenças salariais e indenizações por danos morais.

Gráfico 1:  Casos Julgados

Fonte: Autores, 2025.

Contudo, também se observa que o entendimento dos tribunais pode variar conforme a gravidade e os efeitos do desvio. O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (Goiás), por exemplo, decidiu que o desvio de função, isoladamente, não configura automaticamente dano moral. Para que haja indenização, é necessário que o trabalhador prove prejuízo concreto à sua honra, saúde mental ou dignidade. Tal posicionamento reforça a jurisprudência predominante de que o dano moral requer mais do que a irregularidade administrativa é preciso que esta repercuta de forma lesiva na esfera subjetiva do empregado.

Esses julgados permitem concluir que o desvio de função é uma violação frequente dos direitos trabalhistas e que sua persistência está diretamente relacionada à ausência de mecanismos internos eficazes de controle organizacional, comunicação clara de funções e atuação preventiva da liderança. Conforme destaca Oliveira (2020), a omissão gerencial diante das inconformidades operacionais contribui para o agravamento de práticas ilegais e afeta o clima organizacional e a confiança institucional.

Além disso, os tribunais reforçam o princípio da primazia da realidade – segundo o qual o que importa, na Justiça do Trabalho, é o que efetivamente ocorre na prática, independentemente de registros contratuais formais. Assim, se o trabalhador exerce atividades que extrapolam suas atribuições contratuais e a empresa se beneficia dessa prestação, esta deve ser responsabilizada financeiramente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Nesse contexto, a atuação da liderança ganha centralidade. Líderes bem preparados são capazes de identificar distorções operacionais, escutar suas equipes, promover o remanejamento adequado de pessoal e manter uma cultura organizacional pautada na transparência e na justiça. O papel da liderança, portanto, não é apenas gerencial, mas ético e institucional, sendo um dos principais elementos de prevenção ao desvio de função.

Dessa forma, os casos analisados indicam que, embora a Justiça do Trabalho ofereça mecanismos reparatórios, o ideal é a adoção de estratégias preventivas no interior das organizações. Tais estratégias incluem a manutenção de descrições de cargos atualizadas, a formação de gestores para a escuta ativa, a implementação de sistemas internos de denúncia e a valorização do papel individual de cada colaborador dentro da estrutura organizacional. A jurisprudência trabalhista, por sua vez, cumpre importante função pedagógica, ao estabelecer parâmetros que orientam empregadores e gestores na construção de ambientes de trabalho mais justos e legais.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa permitiu compreender o desvio de função como uma prática recorrente e preocupante nas relações laborais brasileiras, caracterizada pela transferência indevida de atribuições ao trabalhador sem a devida contraprestação contratual e salarial. Tal prática representa uma afronta direta aos princípios fundamentais do Direito do Trabalho, especialmente no que tange à primazia da realidade, à dignidade da pessoa humana e à valorização do trabalho, pilares estruturantes das relações laborais em um Estado Democrático de Direito. A partir de uma revisão bibliográfica aprofundada e da análise de jurisprudências oriundas de diversos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, foi possível identificar as causas mais frequentes que favorecem a ocorrência do desvio de função. Entre elas, destacam-se a ausência de descrição formal e precisa dos cargos, a precarização das condições de trabalho, a pressão por produtividade, a falta de reconhecimento institucional e a fragilidade de práticas de gestão.

Constatou-se que os efeitos dessa prática são múltiplos e atingem tanto os trabalhadores quanto as próprias organizações. No plano individual, o desvio de função gera sobrecarga, frustração, desmotivação, adoecimento físico e emocional, e, não raro, sentimentos de injustiça e invisibilidade. No plano institucional, o fenômeno compromete a produtividade, aumenta os índices de rotatividade, acarreta prejuízos financeiros decorrentes de passivos trabalhistas e enfraquece o clima organizacional. Além disso, a baixa especialização resultante da alocação indevida de tarefas tende a prejudicar a qualidade dos serviços e produtos oferecidos, afetando diretamente a competitividade e a reputação da organização no mercado.

Verificou-se, ainda, que a atuação preventiva da liderança e a implementação de práticas de gestão baseadas em ética, conformidade e valorização humana são elementos essenciais para mitigar o desvio de função nas organizações. A jurisprudência analisada evidencia que, embora existam mecanismos legais de reparação, como o pagamento de diferenças salariais e indenizações por danos morais, a via judicial não deve ser compreendida como solução única ou definitiva. Pelo contrário, ela deve funcionar como instrumento de correção em casos extremos, sendo imprescindível que as organizações adotem uma postura proativa e preventiva, por meio de políticas internas claras, atualização constante de descrições de cargos, formação de lideranças conscientes e criação de canais institucionais de escuta e denúncia.

Abordar o desvio de função de maneira proativa é, portanto, uma necessidade urgente, não apenas por uma exigência legal, mas como um compromisso institucional com os direitos humanos, a justiça social e a construção de relações de trabalho equilibradas. Enfrentar esse problema significa reconhecer a centralidade do trabalho na vida das pessoas, promover o respeito aos contratos firmados, combater práticas arbitrárias e valorizar o potencial humano de forma justa e transparente. Um ambiente organizacional saudável, produtivo e juridicamente seguro só se constrói mediante a consolidação de práticas que respeitem os limites legais e éticos do exercício profissional.

Diante disso, sugere-se que futuras pesquisas avancem na investigação empírica sobre a percepção dos trabalhadores em relação ao desvio de função, com ênfase nas experiências vividas em setores como o comércio, a saúde, a indústria e a administração pública. Também seria pertinente o desenvolvimento de estudos de caso em empresas que adotaram programas de compliance trabalhista, com o objetivo de avaliar a efetividade dessas estratégias na prevenção de distorções contratuais. Ademais, pesquisas interdisciplinares que articulem o campo jurídico, a psicologia do trabalho e a gestão organizacional poderão contribuir significativamente para o aprofundamento da temática, oferecendo subsídios teóricos e práticos para uma atuação transformadora nas relações de trabalho contemporâneas.

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1Discente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Amapá, Campus Laranjal do Jari. E-mail: nathaciaabreu04@gmail.com.

2Discente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Amapá, Campus Laranjal do Jari. E-mail: Camilysantos2611@gmail.com.

3Docente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Amapá, Campus Laranjal do Jari. Doutor em Gerenciamento Ambiental (PRODEMA/UFPE). E-mail: edilon.nunes@ifap.edu.com.br.