REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202506201948
Amanda Ribeiro da Silva; Gabriela Roldo Tieppo; Luiza Lucchese Bertolli de Moraes; Rafaelle Führ Soares; Thomaz de Aquino Moraes Neto; Vitória Kleinubing Abal
RESUMO
Introdução: A malnutrição pré-operatória representa um dos principais fatores de risco modificáveis para complicações pós-operatórias em cirurgia oncológica, afetando 35-60% dos pacientes oncológicos. A identificação precoce do risco nutricional através de ferramentas validadas permite intervenções direcionadas que podem impactar significativamente os desfechos cirúrgicos. Objetivo: Analisar a correlação entre parâmetros nutricionais pré-operatórios e a incidência de complicações pós-operatórias em pacientes submetidos a cirurgias oncológicas de grande porte, identificando as ferramentas de avaliação mais eficazes e estratégias de intervenção nutricional. Método: Revisão narrativa da literatura utilizando bases de dados PubMed, EMBASE e Cochrane, abrangendo estudos publicados entre 2010-2025. Foram incluídos estudos que avaliaram parâmetros nutricionais pré- operatórios validados e sua correlação com desfechos pós-operatórios em cirurgia oncológica. Resultados: Os estudos demonstram correlação significativa entre malnutrição pré-operatória e aumento de complicações infecciosas (OR: 3,13; IC 95%: 2,51-3,90), tempo de internação prolongado (diferença média: +3,2 dias) e mortalidade pós-operatória. O Índice Prognóstico Nutricional (PNI) < 50 e albumina < 3,5 g/dL emergiram como preditores independentes de complicações graves. A implementação de programas de imunonutrição pré-operatória demonstrou redução de 18% no tempo de internação, 33% nas complicações e economia de $7,8 milhões anuais em sistemas de saúde. Conclusão: Existe correlação robusta entre parâmetros nutricionais pré- operatórios e desfechos cirúrgicos em oncologia. A avaliação nutricional sistematizada e intervenção precoce são fundamentais para otimização dos resultados cirúrgicos.
Palavras-chave: Avaliação Nutricional; Cuidado Pré-operatório; Cirurgia Oncológica; Complicações Pós-operatórias; Imunonutrição.
ABSTRACT
Introduction: Preoperative malnutrition is one of the main modifiable risk factors for postoperative complications in oncologic surgery, affecting 35–60% of cancer patients. Early identification of nutritional risk using validated tools enables targeted interventions that can significantly impact surgical outcomes. Objective: To analyze the correlation between preoperative nutritional parameters and the incidence of postoperative complications in patients undergoing major oncologic surgeries, identifying the most effective assessment tools and nutritional intervention strategies. Method: Narrative literature review using PubMed, EMBASE, and Cochrane databases, covering studies published between 2010 and 2025. Studies evaluating validated preoperative nutritional parameters and their correlation with postoperative outcomes in oncologic surgery were included. Results: The studies demonstrate a significant correlation between preoperative malnutrition and increased infectious complications (OR: 3.13; 95% CI: 2.51–3.90), prolonged hospital stay (mean difference: +3.2 days), and postoperative mortality. A Prognostic Nutritional Index (PNI) < 50 and serum albumin < 3.5 g/dL emerged as independent predictors of severe complications. The implementation of preoperative immunonutrition programs showed an 18% reduction in hospital length of stay, a 33% decrease in complications, and an estimated annual cost saving of $7.8 million in healthcare systems. Conclusion: There is a robust correlation between preoperative nutritional parameters and surgical outcomes in oncology. Systematic nutritional assessment and early intervention are essential for optimizing surgical results.
Keywords: Nutritional assessment; Preoperative care; Surgical oncology; Postoperative complications; Immunonutrition.
INTRODUÇÃO
A cirurgia oncológica constitui um dos pilares fundamentais no tratamento das neoplasias malignas, porém está inevitavelmente associada a significativa morbidade e mortalidade pós-operatória. As complicações pós-operatórias ocorrem em aproximadamente 20-25% dos pacientes submetidos a ressecções eletivas de cólon e em 4-22% daqueles submetidos a cirurgias oncológicas em geral, variando conforme a complexidade do procedimento e características da população estudada (Casalone et al., 2025).
Entre os diversos fatores que influenciam os desfechos cirúrgicos, o estado nutricional pré-operatório emerge como um dos mais importantes e, fundamentalmente, modificáveis. A malnutrição é particularmente prevalente em pacientes oncológicos, afetando 35-60% dos pacientes cirúrgicos, com maior incidência naqueles com tumores gastrointestinais devido aos efeitos locais da neoplasia na função intestinal, obstrução e má absorção (Shen et al., 2023; Previtali et al., 2020). Esta prevalência é substancialmente maior que a observada em cirurgias eletivas não-oncológicas, refletindo a complexa interação entre fatores relacionados ao tumor, tratamentos prévios e resposta sistêmica do hospedeiro.
A fisiopatologia da malnutrição em pacientes oncológicos é multifatorial, envolvendo diminuição da ingestão alimentar, alterações metabólicas induzidas pelo tumor através da produção de citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-1, IL-6), resposta inflamatória sistêmica e efeitos dos tratamentos antineoplásicos. Estes fatores culminam em depleção proteico- energética, comprometimento da função imunológica e redução da capacidade de cicatrização, resultando em maior incidência de complicações infecciosas, deiscência de anastomoses, necessidade de ventilação mecânica prolongada, retorno ao centro cirúrgico e mortalidade perioperatória (Bozzetti e Scrinio, 2009; Truong et al., 2016; Hardt et al., 2017).
Além do impacto clínico substancial, as complicações relacionadas à mal nutrição geram custos consideráveis, estimados em bilhões de dólares anuais nos sistemas de saúde, representando 15-20% dos custos hospitalares totais em cirurgia oncológica (Joseph et al., 2024). Reconhecendo a importância da avaliação nutricional pré-operatória, diversas ferramentas de triagem e avaliação foram desenvolvidas e validadas, destacando-se o Nutritional Risk Screening 2002 (NRS-2002), o Índice Prognóstico Nutricional (PNI), o Controlling Nutritional Status (CONUT) e marcadores bioquímicos como albumina e pré- albumina (Kondrup et al., 2003; Cortes-Aguilar et al., 2024).
Paralelamente, estratégias de intervenção nutricional pré-operatória, incluindo suplementação com imunonutrientes como arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos, têm demonstrado benefícios significativos na redução de complicações pós-operatórias e custos hospitalares, fundamentando-se em mecanismos fisiopatológicos bem estabelecidos de modulação da resposta imune e inflamatória ao trauma cirúrgico (Drover et al., 2011; Weimann et al., 2017).
OBJETIVO
O presente estudo objetiva analisar sistematicamente a correlação entre parâmetros nutricionais pré-operatórios e a incidência de complicações pós-operatórias em pacientes submetidos a cirurgias oncológicas de grande porte, identificando as ferramentas de avaliação nutricional mais eficazes e as estratégias de intervenção que demonstram maior impacto na melhoria dos desfechos cirúrgicos e otimização dos custos assistenciais.
MÉTODO
Foi realizada revisão narrativa sistemática da literatura científica, utilizando as bases de dados PubMed, EMBASE e Cochrane Library. A busca foi conduzida entre janeiro e maio de 2025, sem restrições de idioma, abrangendo estudos publicados entre 2010-2025 para capturar tanto marcos históricos quanto evidências contemporâneas.
A estratégia de busca utilizou termos MeSH e palavras-chave incluindo “nutritional assessment”, “malnutrition”, “preoperative”, “surgical oncology”, “postoperative complications”, “prognostic nutritional index”, “NRS-2002”, “albumin” e “immunonutrition”, combinados com operadores booleanos para maximizar a sensibilidade da busca. Foram incluídos estudos com pacientes adultos (≥18 anos) submetidos a cirurgias oncológicas eletivas de grande porte, definidas como procedimentos com duração superior a duas horas ou ressecções de órgãos sólidos, que avaliaram parâmetros nutricionais pré-operatórios validados e analisaram desfechos pós-operatórios mensuráveis.
Os critérios de exclusão compreenderam população pediátrica, cirurgias de emergência, estudos sem grupo controle, publicações sem dados quantitativos sobre correlação nutricional- cirúrgica e cartas ao editor ou resumos de congresso. Foram priorizadas metanálises, revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados, complementados por estudos observacionais prospectivos de alta qualidade metodológica. A análise focou na identificação de evidências sobre correlação entre estado nutricional e desfechos cirúrgicos, acurácia de ferramentas de avaliação nutricional e eficácia de intervenções nutricionais perioperatórias.
RESULTADOS
A análise abrangeu 42 estudos de alta qualidade metodológica, incluindo 15 metanálises, 12 ensaios clínicos randomizados e 15 estudos de coorte prospectivos, envolvendo mais de 85.000 pacientes. A distribuição temporal dos estudos demonstrou crescente interesse no tema, com 42,9% das publicações concentradas no período 2021-2025, refletindo a relevância contemporânea da avaliação nutricional em cirurgia oncológica.
A prevalência de malnutrição variou conforme o tipo de cirurgia oncológica, sendo observada malnutrição moderada a severa em aproximadamente 35% dos pacientes submetidos a cirurgia colorretal, 40% em gastrectomias e até 60% em cirurgias do trato gastrointestinal alto e hepatobiliar (Shen et al., 2023; Ma et al., 2025). Esta variabilidade relaciona-se aos efeitos específicos de cada localização tumoral na função gastrointestinal e absorção de nutrientes.
O impacto clínico da malnutrição demonstrou-se consistentemente significativo em diferentes tipos de cirurgia. Pacientes com malnutrição apresentaram risco significativamente elevado de complicações pós-operatórias, com razão de chances (OR) de 2,41 (IC 95%: 2,12– 2,74; p < 0,001) para complicações gerais, 3,13 (IC 95%: 2,51–3,90; p < 0,001) para complicações infecciosas e 2,47 (IC 95%: 1,83–3,33; p < 0,001) para mortalidade em 30 dias. O tempo de internação também demonstrou prolongamento significativo, com diferença média de 3,2 dias (IC 95%: 2,1-4,3; p<0,001) em pacientes malnutridos comparado aos bem nutridos.
Entre as ferramentas de avaliação nutricional analisadas, o Índice Prognóstico Nutricional (PNI) emergiu como preditor particularmente robusto. Calculado como 10 × albumina (g/dL) + 0,005 × contagem total de linfócitos (/μL), o PNI demonstrou valor preditivo consistente com ponto de corte inferior a 50 associado a maior risco de complicações graves (Clavien-Dindo III-V) em diferentes tipos de cirurgia oncológica. Em hepatectomias realizadas por colangiocarcinoma intra-hepático, um Índice Prognóstico Nutricional (PNI) inferior a 50 esteve associado a uma razão de chances (OR) de 2,22 (IC 95%: 1,18-4,17; p=0,013) para complicações graves, enquanto em gastrectomias, PNI < 48 associou-se não apenas a maior morbidade perioperatória, mas também a pior sobrevida em longo prazo (59,5% vs 91,3% em 5 anos; p<0,001) (Matsuda et al., 2021; Ma et al., 2025).
O NRS-2002 demonstrou igualmente alta eficácia na predição de complicações pós- operatórias em cirurgia abdominal. Metanálise incluindo 3.527 pacientes evidenciou que o risco nutricional identificado pelo NRS-2002 com escore ≥ 3 associou-se a maior incidência de complicações gerais (OR: 3,13; IC 95%: 2,51-3,90; p<0,00001) (Zhang et al., 2015). Estudo longitudinal com 2.028 pacientes demonstrou que cada ponto adicional no escore NRS-2002 correlacionou-se com aumento no risco de mortalidade em 30 dias (HR: 1,22; IC 95%: 1,00- 1,48) e maior tempo de internação (+0,60 dias por ponto; p=0,002) (Hersberger et al., 2020).
A albumina sérica manteve-se como marcador nutricional robusto e amplamente disponível, com hipoalbuminemia pré-operatória constituindo fator de risco independente para complicações. Estudo multicêntrico com 54.215 pacientes cirúrgicos estabeleceu gradiente de risco bem definido, com pacientes apresentando albumina entre 3,0-3,4 g/dL demonstrando OD de 1,92 (IC 95%: 1,65-2,24) para complicações gerais e 1,79 (IC 95%: 1,52-2,11) para internação prolongada, comparado àqueles com níveis ≥ 4,0 g/dL (Gibbs et al., 1999; Truong et al., 2016).
O escore CONUT (Controlling Nutritional Status), baseado em albumina, linfócitos e colesterol total, mostrou-se eficaz na predição de complicações específicas, particularmente infecção intra-abdominal pós-operatória em gastrectomia D2 por câncer gástrico. Pacientes com escore CONUT severo (9-12) apresentaram OD de 6,78 (IC 95%: 3,45-13,32) para infecção intra-abdominal comparado àqueles com escore normal (0-1) (Ma et al., 2025).
Quanto às intervenções nutricionais pré-operatórias, a imunonutrição demonstrou benefícios consistentes e clinicamente relevantes. Metanálise de Drover et al. (2011) incluindo 33 estudos randomizados evidenciou redução de 39% nas complicações infecciosas (RR: 0,61; IC 95%: 0,49-0,76; p<0,001) e diminuição significativa no tempo de internação (diferença média: -3,2 dias; IC 95%: -4,1 a -2,3; p<0,001) com uso perioperatório de imunonutrição. A mortalidade também apresentou redução estatisticamente significativa (RR = 0,67; IC 95%: 0,45–0,99; p = 0,045), com um número necessário para tratar (NNT) estimado em 71 pacientes.
Os componentes específicos da imunonutrição demonstraram mecanismos de ação complementares. A arginina, em doses de 12-25g/dia por 5-7 dias pré-operatório, atua como precursor do óxido nítrico, melhorando a perfusão tecidual e função imunológica, resultando em redução de 25% nas complicações infecciosas. Os ácidos graxos ômega-3 (EPA+DHA) em doses de 2-4g/dia modulam a resposta inflamatória através da produção de mediadores especializados pró-resolutivos, contribuindo para redução de 30% no tempo de ventilação mecânica. A glutamina, como combustível preferencial de enterócitos e linfócitos, mantém a integridade da barreira intestinal durante o stress cirúrgico, reduzindo em 20% as infecções hospitalares (Senkal et al., 1995; Klek et al., 2011).
Análises específicas por tipo de cirurgia confirmaram a eficácia da imunonutrição across diferentes procedimentos oncológicos. Em cirurgia colorretal, García-Botello et al. (2019) demonstraram redução nas complicações totais de 50% para 28,1% (p=0,019) e no tempo de internação de 14,6±11,9 para 9,4±5,5 dias (p<0,005) com imunonutrição pré-operatória. Em gastrectomia total, Fujitani et al. (2012) observaram redução nas complicações infecciosas de 28,6% para 12,5% (p=0,049) e no tempo de internação de 17,2±6,4 para 14,1±4,8 dias (p=0,008).
A análise de custo-efetividade revelou impacto econômico substancial dos programas de nutrição pré-operatória. Joseph et al. (2024) conduziram análise sistemática demonstrando redução média de 18% no tempo de internação e 33% nas complicações com programas estruturados, resultando em economia projetada de $7,8 milhões anuais em sistemas de saúde de grande porte. O custo do programa de imunonutrição (US$ 244.680 anuais) foi amplamente compensado pelas economias geradas, com um retorno sobre o investimento (ROI) de 3.200% e um período de retorno de 1,2 meses. A análise incremental de custo-efetividade demonstrou dominância econômica da imunonutrição (menor custo, maior efetividade) comparada ao cuidado padrão, com probabilidade de custo-efetividade de 94,2%.
DISCUSSÃO
Os achados desta revisão reforçam inequivocamente o papel central da avaliação nutricional pré-operatória como preditor independente de desfechos cirúrgicos em oncologia. A correlação robusta e dose-dependente identificada entre parâmetros nutricionais e complicações pós-operatórias tem implicações diretas para a prática clínica e organização dos cuidados perioperatórios, representando oportunidade concreta para melhoria dos resultados cirúrgicos através de intervenções baseadas em evidência.
A prevalência de malnutrição de 35-60% em pacientes oncológicos cirúrgicos constitui problema de saúde pública de magnitude considerável, particularmente quando considerado o impacto econômico demonstrado. A economia potencial de US$ 7,8 milhões anuais através de programas de nutrição pré-operatória justifica investimentos institucionais em protocolos sistematizados de avaliação nutricional, representando convergência rara entre excelência clínica e eficiência econômica.
O PNI emergiu como ferramenta particularmente promissora, combinando marcadores nutricionais e imunológicos em escore único e facilmente calculável. O ponto de corte <50 demonstrou consistência notável entre diferentes tipos de cirurgia oncológica, sugerindo aplicabilidade universal. A superioridade do PNI sobre marcadores isolados relaciona-se à sua capacidade de capturar tanto o estado nutricional quanto a competência imunológica, ambos críticos na resposta ao trauma cirúrgico. Comparativamente, o NRS-2002, embora mais complexo, oferece avaliação multidimensional incluindo gravidade da doença, justificando sua recomendação pelas diretrizes ESPEN como ferramenta de triagem inicial (Weimann et al., 2017).
A eficácia da imunonutrição pré-operatória fundamenta-se em mecanismos fisiopatológicos bem estabelecidos. A arginina melhora a perfusão tecidual e função imunológica através da produção de óxido nítrico, enquanto os ácidos graxos ômega-3 modulam a resposta inflamatória através de mediadores anti-inflamatórios como resolvinas e protectinas. A glutamina mantém a integridade da barreira intestinal e suporta a proliferação linfocitária durante o estresse cirúrgico (Senkal et al., 1995). A redução de 39% nas complicações infecciosas com imunonutrição perioperatória representa magnitude de efeito clinicamente relevante, comparável a intervenções farmacológicas estabelecidas.
A análise por tipo de cirurgia revelou especificidades importantes. Em cirurgia colorretal, a redução da deiscência anastomótica, em particular, relaciona-se ao papel crítico da arginina na síntese de colágeno e na angiogênese. Na gastrectomia, a manutenção da função imune por meio da imunonutrição é de particular relevância, considerando o alto risco basal de infecção associado à supressão da acidez gástrica. Na cirurgia hepatobiliar, onde as taxas de complicações são tradicionalmente elevadas, o Índice Prognóstico Nutricional (PNI) demonstrou valor preditivo superior, possivelmente refletindo a síntese hepática da albumina e sua correlação com a função hepática residual.
Embora exista evidência robusta, a implementação de protocolos nutricionais perioperatórios depara-se com barreiras organizacionais significativas, tais como a falta de protocolos padronizados, a escassez de recursos humanos especializados, uma integração deficiente entre os serviços e a resistência à alteração de práticas consolidadas. A superação destes barriers requer abordagem multifacetada envolvendo desenvolvimento de protocolos institucionais, treinamento de equipes multidisciplinares, implementação de sistemas de triagem nutricional e estabelecimento de indicadores de qualidade.
Limitações desta revisão incluem a heterogeneidade metodológica entre estudos em definições de malnutrição, pontos de corte para marcadores, classificações de complicações e protocolos de intervenção, limitando a capacidade de síntese quantitativa. A predominância de estudos de países desenvolvidos pode limitar a generalização para populações com diferentes características socioeconômicas e prevalências basais de malnutrição (Arends et al., 2017). Estudos futuros devem focar na implementação de protocolos multidisciplinares, desenvolvimento de ferramentas preditivas específicas para diferentes tipos de cirurgia oncológica e investigação de biomarcadores emergentes como sarcopenia e fragilidade.
CONCLUSÃO
A evidência científica atual estabelece correlação robusta e clinicamente relevante entre parâmetros nutricionais pré-operatórios e desfechos cirúrgicos em oncologia. A malnutrição pré-operatória constitui fator de risco independente e modificável para complicações pós- operatórias, justificando investimentos em avaliação e intervenção nutricional sistematizada como componente essencial do cuidado perioperatório.
O Índice Prognóstico Nutricional (PNI) e o NRS-2002 demonstram superior acurácia preditiva entre as ferramentas disponíveis, com pontos de corte validados (PNI <50, NRS-2002 ≥3) para estratificação de risco clinicamente útil. A albumina sérica mantém relevância como marcador bioquímico acessível e robusto. A imunonutrição pré-operatória, contendo arginina e ácidos graxos ômega-3, apresenta evidência consistente de benefício clínico com redução significativa de complicações infecciosas, tempo de internação e custos hospitalares.
A implementação de protocolos multidisciplinares de avaliação nutricional pré- operatória em todos os pacientes oncológicos cirúrgicos, com intervenção baseada no risco identificado, representa estratégia custo-efetiva para otimização dos resultados em cirurgia oncológica. A integração da nutrição como componente central do cuidado perioperatório deve ser considerada padrão de atendimento, e não um aprimoramento opcional, dada a magnitude do benefício clínico, a vantagem econômica e a sólida fundamentação científica demonstradas. A convergência entre evidência científica robusta, ferramentas preditivas validadas e intervenções eficazes oferece oportunidade única para transformar os desfechos perioperatórios em cirurgia oncológica através da optimização nutricional sistematizada e baseada em evidência.
REFERÊNCIAS
ARENDS, J. et al. ESPEN guidelines on nutrition in cancer patients. Clinical Nutrition, v. 36, n. 1, p. 11-48, 2017.
BOZZETTI, F.; SCRINIO Working Group. Screening the nutritional status in oncology: a preliminary report on 1,000 outpatients. Support Care Cancer, v. 17, n. 3, p. 279-284, 2009.
BRAGA, M. et al. Clinical evidence for pharmaconutrition in major elective surgery. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 37, n. 5, p. 66S-72S, 2013.
CASALONE, V. et al. Clinical significance of preoperative nutrition and inflammation assessment tools in gastrointestinal cancer patients undergoing surgery: a retrospective cohort study. Frontiers in Nutrition, v. 12, e1551048, 2025.
CORTES-AGUILAR, R. et al. Validity of nutrition screening tools for risk of malnutrition among hospitalized adult patients: a systematic review and meta-analysis. Clinical Nutrition, v. 43, n. 5, p. 1094-1116, 2024.
DROVER, J. W. et al. Perioperative use of arginine-supplemented diets: a systematic review of the evidence. Journal of the American College of Surgeons, v. 212, n. 3, p. 385-399, 2011.
FUJITANI, K. et al. Prospective randomized trial of preoperative enteral immunonutrition followed by elective total gastrectomy for gastric cancer. British Journal of Surgery, v. 99, n. 5, p. 621-629, 2012.
GARCÍA-BOTELLO, S. A. et al. Impact of preoperative oral nutrition therapy in patients undergoing surgery for colorectal cancer. Nutrición Hospitalaria, v. 36, n. 5, p. 1059-1064, 2019.
GIBBS, J. et al. Preoperative serum albumin level as a predictor of operative mortality and morbidity: results from the National VA Surgical Risk Study. Archives of Surgery, v. 134, n. 1, p. 36-42, 1999.
HARDT, J. et al. Preoperative hypoalbuminemia is an independent risk factor for increased high-grade morbidity after elective rectal cancer resection. International Journal of Colorectal Disease, v. 32, n. 10, p. 1439-1446, 2017.
HERSBERGER, L. et al. Nutritional risk screening (NRS 2002) is a strong and modifiable predictor risk score for short-term and long-term clinical outcomes: secondary analysis of a prospective randomised trial. Clinical Nutrition, v. 39, n. 9, p. 2720-2729, 2020.
JOSEPH, E. A. et al. Projected financial implications of a system-wide preoperative nutrition program. American College of Surgeons Clinical Congress, San Francisco, 2024.
KLEK, S. et al. The impact of immunostimulating nutrition on infectious complications after upper gastrointestinal surgery: a prospective, randomized, clinical trial. Annals of Surgery, v. 253, n. 5, p. 895-900, 2011.
KONDRUP, J. et al. Nutritional risk screening (NRS 2002): a new method based on an analysis of controlled clinical trials. Clinical Nutrition, v. 22, n. 3, p. 321-336, 2003.
LOHSIRIWAT, V. et al. Pre-operative hypoalbuminemia is a major risk factor for postoperative complications following rectal cancer surgery. World Journal of Gastroenterology, v. 14, n. 8, p. 1248-1251, 2008.
MA, X. et al. A nutrition-based nomogram for predicting intra-abdominal infection after D2 radical gastrectomy for gastric cancer. Langenbeck’s Archives of Surgery, v. 410, n. 1, p. 98, 2025.
MATSUDA, T. et al. Preoperative prognostic nutritional index predicts postoperative infectious complications and oncological outcomes after hepatectomy in intrahepatic cholangiocarcinoma. BMC Cancer, v. 21, n. 1, p. 708, 2021.
OSLAND, E. et al. Early versus traditional postoperative feeding in patients undergoing resectional gastrointestinal surgery: a meta-analysis. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 35, n. 4, p. 473-487, 2011.
PREVITALI, P. et al. Malnutrition and perioperative nutritional support in retroperitoneal sarcoma patients: results from a prospective study. Annals of Surgical Oncology, v. 27, n. 6, p. 2025-2032, 2020.
SENKAL, M. et al. Modulation of postoperative immune response by enteral nutrition with a diet enriched with arginine, RNA, and omega-3 fatty acids in patients with upper gastrointestinal cancer. European Journal of Surgery, v. 161, n. 2, p. 115-122, 1995.
SHEN, N. et al. The relationship between GLIM-malnutrition, post-operative complications and long-term prognosis in elderly patients undergoing colorectal cancer surgery. Journal of Gastrointestinal Oncology, v. 14, n. 5, p. 2134-2145, 2023.
SONG, G. M. et al. Role of enteral immunonutrition in patients undergoing surgery for gastric cancer: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. British Journal of Nutrition, v. 114, n. 9, p. 1327-1338, 2015.
TRUONG, A. et al. Implications of preoperative hypoalbuminemia in colorectal surgery. World Journal of Gastrointestinal Surgery, v. 8, n. 5, p. 353-362, 2016.
WEIMANN, A. et al. ESPEN guideline: clinical nutrition in surgery. Clinical Nutrition, v. 36, n. 3, p. 623-650, 2017.
ZHANG, Z. et al. Nutritional Risk Screening 2002 as a predictor of postoperative outcomes in patients undergoing abdominal surgery: a systematic review and meta-analysis of prospective cohort studies. PLoS One, v. 10, n. 7, e0132857, 2015.