CIRURGIA DE DUPLO SWITCH NA CIRURGIA CARDÍACA CONGÊNITA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506181858


Dr. Alcinor Hubirajara Adorian Tonon1


RESUMO

Objetivo: Demonstrar a possibilidade de desfecho favorável, com prévia abordagem cirúrgica de bandagem da artéria pulmonar mais fechamento do canal arterial e posterior utilização de duas técnicas cirúrgicas concomitantes (Mustard-Glenn e Jatene), em cardiopatia congênita cianótica complexa.

Comentários: Cardiopatia de prevalência importante, com diversos tratamentos clínico e cirúrgicos propostos. Ainda necessitando de estudos que definam condutas. Apresentaremos um caso com desfecho favorável, correlacionando suas principais indicações e abordagens. 

Palavras-Chave: cardiopatia congênita; transposição de grandes vasos; Jatene; double-switch.

INTRODUÇÃO

A transposição dos grandes vasos (TGV) corresponde à 7% de todas as cardiopatias congênitas, sendo a mais frequente do período neonatal. Sua incidência é estimada em 1:3500-5000 nascidos vivos, sendo mais comum no sexo masculino, com uma proporção de 3.2:1. ¹

Estima-se que 10% dos casos estão associados a mal-formações extracardíacas. A concomitância com mal formações cardíacas como defeito do septo ventricular e obstrução de saída do ventrículo esquerdo é frequente e determina o tempo de aparecimento e manifestações clínicas como cianose, associada ou não à insuficiência cardíaca congestiva. ² 

O início e a gravidade depende das alterações anatômicas e da intensidade do shunt. Na presença de uma comunicação interventricular grande, e caso não haja lesões obstrutivas, não haverá cianose, está apenas se manifestará na presença de agitação, esforço ou choro da criança. Nestes casos, predominam os sinais de insuficiência cardíaca.³ A etiologia permanece desconhecida, porém há indícios que fatores de riscos como diabetes gestacional, exposição materna à agrotóxicos e uso de drogas antiepilépticas estejam implicados em maior incidência. (3)

O diagnóstico é confirmado por ecocardiografia, que também fornece dados importantes sobre a morfologia e planejamento cirúrgico.(4) A ecografia fetal, quando possível, deve ser implementada, pois fornece diagnóstico precoce, otimiza o manejo neonatal, reduzindo a morbimortalidade. Os diagnósticos diferenciais incluem outras cardiopatias cianóticas. O tratamento paliativo com abordagens clínicas, e principalmente cirúrgicas geralmente são necessários logo após o nascimento.(1) 

DESCRIÇÃO DO CASO

No dia 23/08/11, paciente é internado no Hospital Pequeno Príncipe por queixas de dispneia e cansaço às mamadas. Paciente sem uso de medicações contínuas e alergias medicamentosas. Ao exame físico, paciente com 2920 gramas, bom estado geral, fácies ictéricas (Zona I), sem alterações quanto a região da cabeça, pulsos carotídeos normais.  Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular positivo, bilateral, sem ruídos adventícios. Ausculta cardíaca: bulhas cardíacas regulares, rítmicas, em dois tempos, com sopro sistólico +++/4+ ejetivo. Abdômen e membros inferiores sem alterações. Ecocardiograma fetal demostrando transposição de grandes vasos e comunicação interventricular. 

No dia 24/08/11, paciente submeteu-se a procedimento cirúrgico – bandagem de artéria pulmonar e ligadura da persistência de canal arterial. Paciente internado na UTI da cardiologia pediátrica para observação, apresentando pressão pulmonar 1/3 da pressão sistêmica. 

No dia 16/07/18, paciente interna para CATE já em uso de digoxina (0,7 ml a cada 12 horas) e captopril 1,25 ml (1 ml a cada 12 horas), assintomático. Procedimento sem intercorrências, não apresentando anomalias de coronárias, com pressão igual nos ventrículos.

No dia 09/10/12, paciente com 1 ano e 2 meses, pesando 9350 g, assintomático, em uso de digoxina (0,7 ml a cada 12 horas) e captopril 1,25 ml 1 ml a cada 12 horas), reinternado para cirurgia de Jatene. Ao exame físico, paciente em bom estado geral, acianótico, corado, com bom desenvolvimento neuropsicomotor. Ausculta cardíaca: bulhas cardíacas regulares normofonéticas, M2<T2<P2, rítmicas, em dois tempos, com sopro sistólico +++/4+. 

No dia 10/10/12, realizado Duplo switch: Jatene/Hemi-Mustard (túnel da Veia Cava Inferior (VCI) para o tronco de veia pulmonar) Glenn (com a VCS),  debandagem de AP.  Na saída do CEC, paciente apresenta bloqueio AV transitório e no término do procedimento período breve de TSV, revertido espontaneamente, necessitando uso de marca-passo epicárdico provisório. 

Paciente durante seu internamento de 72 dias na UTI coronária apresentou em seu período pós operatório isquemia de miocárdio, BAVT, disfunção anterior do ventrículo esquerdo. Quanto à parte renal, o paciente evoluiu com IRA, porém sem sequelas crônicas. Na evolução, também apresentou infecção fúngica (HMC e ponta CVC) e infecção por Klebsiela oxytoca (HMC e ponta CVC).

DISCUSSÃO 

Os pacientes candidatos à realização do Double Switch (DS), são aqueles portadores de TGV que cursam sem estenose pulmonar. A bandagem do tronco pulmonar, realizada em primeira etapa, é uma proposta profilática em pacientes com disfunção de VD e/ou insuficiência atrioventricular esquerda. (8)

No DS é realizado o switch arterial juntamente com o switch atrial e, para que o ventrículo esquerdo fique conectado à circulação sistêmica, é realizado o reparo dos defeitos associados existentes, como CIV, persistência do canal arterial e defeitos de septo. (9)

O maior desafio é encontrar o paciente candidato ao double switch, definir o momento correto para a cirurgia, e optar frente à escolha do tratamento clássico ou fisiológico, aparentemente mais simples.

Nosso paciente apresentou diagnóstico precoce, o que implicou em menor desenvolvimento de hipertensão pulmonar (10), consequentemente possibilitando correção definitiva associada a técnicas de cirurgia paliativa. 

A técnica proposta por Senning, de criação de túneis intracardíacos, realizados apenas com retalhos autógenos de tecido atrial, para a correção da transposição das grandes vasos (TGV) no plano atrial (2), possibilita o crescimento durante o desenvolvimento da criança e, com o aparecimento da correção anatômica pela Operação de Jatene, a operação no plano arterial passou a ser a técnica de escolha para a correção da TGV, apresentando os melhores resultados a longo prazo, quando realizada no período neonatal. (5)

A utilização de retalhos feitos de material protético para a correção intra-atrial foi proposta e realizada primeiramente por Mustard, em 1964. (6) Não obstante, a morbimortalidade tardia permaneceu elevada, em grande parte devido à disfunção ventricular sistêmica e arritmias, que foram fatores determinantes para que tal técnica fosse colocada em desuso e substituída pela operação de Jatene, técnica pronunciadamente mais fisiológica. (6)

As inovações das técnicas cirúrgicas, o avanço dos cuidados intraoperatórios e a otimização do cuidado intensivo, fornecem sobrevida de aproximadamente 90% até os 15 anos de idade. Contudo, a capacidade física, função cognitiva e qualidade de vida podem diminuir ao longo dos anos. (7)

Utilizando-se das atuais indicações para tratamento cirúrgico da TGV, nosso paciente preenchia critérios da fase profilática – bandagem do tronco pulmonar – e da realização de Double Switch.

CONCLUSÃO 

No Brasil, ainda há poucos casos descritos da realização, com desfecho favorável, de Double Switch. Devido ao acesso restrito aos recursos diagnósticos, a identificação, não raramente, é tardia, o que aumenta a morbimortalidade. 

No presente caso, o diagnóstico precoce e a indicação precisa dos atos cirúrgicos, foram fatores determinantes para uma menor incidência de complicações, recuperação da qualidade de vida e desenvolvimento social. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

1. Samánek M: Boy girl ratio in children born with different forms of cardiac malformation: a population-based study. Pediatr Cardiol. 1994, 15: 53-7.

2. Samánek M, Slavík Z, Zborilová B, Hrobonová V, Vorísková M, Skovránek J: Prevalence, treatment, and outcome of heart disease in live-born children: a prospective analysis of 91,823 live-born children. Pediatr Cardiol. 1989, 10: 205-11. 10.1007

3. Houyel L, Van Praagh R, Lacour-Gayet F, Serraf A, Petit J, Bruniaux J, Planché C: Transposition of the great arteries [S, D, L]. Pathologic anatomy, diagnosis, and surgical management of a newly recognized complex. J Thorac Cardiovasc Surg. 1995, 110: 613-24. 10.1016/S0022-5223(95)70092-7.

4. Houyel L, Van Praagh R, Lacour-Gayet F, Serraf A, Petit J, Bruniaux J, Planché C: Transposition of the great arteries [S, D, L]. Pathologic anatomy, diagnosis, and surgical management of a newly recognized complex. J Thorac Cardiovasc Surg. 1995, 110: 613-24. 10.1016/S0022-5223(95)70092-7.

5. Warnes CA. Transposition of the great arteries. Circulation. 2006;114(24):2699-709. 

6. Lindesmith GG, Stiles QR, Turcker BL, Gallaher ME, Stanton RE, Meyer BW. The Mustard operation as a palliative procedure. J Thorac Cardiovasc Surg. 1972;63(1):75-8.

7. de Koning WB, van Osch-Gevers M, Harkel AD, van Domburg RT, Spijkerboer AW, Utens EM, Bogers AJ, Helbing WA: Follow-up outcomes 10 years after arterial switch operation for transposition of the great arteries: comparison of cardiological health status and health-related quality of life to those of the a normal reference population. Eur J Pediatr. 2008, 167: 995-1004. 10.1007/s00431-007-0626-5

8. Wilkinson JL, Anderson RH. Anatomy of Discordant Atrioventricu Anatomy of Discordant Atrioventricular Connections. World Journal for Pediatric and Congenital Heart Surgery. 2011;2(1):43-53

9. Losay J, Touchot A, Serraf A, Litvinova A, Lambert V, Piot JD, Lacour-Gayet F, Capderou A, Planche C: Late Outcome After Arterial Switch Operation for Transposition of the Great Arteries. Circulation. 2001, 104: 121-6. 10.1161/hc37t1.094716.

10.Bonnet D, Coltri A, Butera G, Fermont L, Le Bidois J, Kachaner J, Sidi D: Detection of Transposition of the Great Arteries in Fetuses Reduces Neonatal Morbidity and Mortality. Circulation. 1999, 99: 916-8.


1E- mail: Alcenortonon@gmail.com
Médico, especializado em cirurgia cardiovascular.