REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202512121155
Carlos Eduardo Cesar Vieira1
Ana Carolina Brandão Silveira1
Beatriz Berenchtein Bento de Oliveira1
Danilo Armbrust1
Danilo Sergio Vinhoti1
Leonardo Luiz Barretti Secchi1
Nathália Cristine Dias de Macedo Yamauchi1
Umilson dos Santos Bien1
RESUMO
Contexto: A avaliação postural é fundamental na fisioterapia, mas métodos tradicionais baseados em observação visual apresentam baixa confiabilidade. Aplicativos móveis de fotogrametria emergem como alternativa acessível e objetiva. Objetivo: Revisar sistematicamente a literatura sobre validade, confiabilidade e aplicabilidade clínica de aplicativos móveis para avaliação postural por fotogrametria, identificando fatores que aumentam ou diminuem sua precisão. Métodos: Busca sistemática em PubMed/PMC, ScienceDirect, SciELO, LILACS e PEDro (2010-2025) com descritores relacionados a avaliação postural, fotogrametria e aplicativos móveis. Foram incluídos estudos de validação, confiabilidade e revisões sistemáticas com dados quantitativos. Resultados: Foram identificados 42 artigos relevantes avaliando aplicativos como Posture Screen Mobile, APECS, PhysioCode e SAPO. Os aplicativos atingem confiabilidade boa a excelente (ICC > 0,75) sob condições controladas: protocolo padronizado (distância 2,5-3m), uso de marcadores anatômicos, roupas adequadas e foco em medidas de translação. Limitações incluem baixa confiabilidade sem marcadores, inadequação para desvios rotacionais 3D e validade concorrente questionável versus sistemas tridimensionais. Conclusão: Aplicativos de fotogrametria são ferramentas válidas para triagem e documentação postural quando utilizados com protocolo rigoroso, mas não substituem avaliações tridimensionais para desvios complexos.
Palavras-chave: Avaliação Postural; Fotogrametria; Aplicativos Móveis; Smartphone; Fisioterapia; Confiabilidade; Validade.
1. INTRODUÇÃO
A postura corporal resulta de complexas interações neuromusculares e biomecânicas que mantêm o corpo em equilíbrio contra a gravidade (LEWIS; GREEN; WRIGHT, 2005). Desvios posturais, como anteriorização da cabeça, escoliose ou assimetrias pélvicas, estão frequentemente associados a dores crônicas, disfunções musculoesqueléticas e redução da qualidade de vida (SHIN; YOO, 2014; SINGLA; VEQAR, 2017). A prevalência de alterações posturais em escolares brasileiros varia de 20% a 80%, dependendo do segmento corporal avaliado (NICHELE DA ROSA et al., 2016). A avaliação precisa desses desvios é crucial para diagnóstico, planejamento terapêutico e monitoramento de resultados. Historicamente, a fisioterapia dependia da observação visual, um método rápido mas altamente subjetivo, com coeficientes de correlação intraclasse (ICC) frequentemente inferiores a 0,50 (IUNES et al., 2005).
Para superar as limitações da avaliação visual, a fotogrametria computadorizada foi introduzida como método quantitativo, não invasivo e de baixo custo (FURLANETTO et al., 2016). Estudos demonstraram que a fotogrametria apresenta confiabilidade superior à avaliação visual, com ICCs variando de 0,70 a 0,99 para diferentes segmentos corporais (IUNES et al., 2005; SACCO et al., 2007). Com a popularização dos smartphones e tablets, a fotogrametria tornou-se ainda mais acessível através de aplicativos móveis, prometendo democratizar a avaliação postural objetiva. Moreira et al. (2020) identificaram 15 aplicativos móveis para avaliação postural disponíveis comercialmente.
A proliferação de aplicativos levanta questões críticas: eles são realmente confiáveis e válidos? Quais são suas limitações? Que fatores influenciam sua precisão? Esta revisão busca responder a essas perguntas, sintetizando a evidência científica disponível sobre os principais aplicativos: PostureScreen Mobile (PSM), APECS, PhysioCode e SAPO.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizada busca sistemática nas bases de dados PubMed/PMC, ScienceDirect, SciELO, LILACS e PEDro em outubro de 2025. Os descritores utilizados foram: “posture assessment”, “photogrammetry”, “mobile applications”, “smartphone”, “validity”, “reliability”, “avaliação postural”, “fotogrametria” e “aplicativos móveis”, combinados com operadores booleanos AND e OR. Foram incluídos estudos de validação ou confiabilidade de aplicativos móveis, revisões sistemáticas sobre fotogrametria postural e estudos metodológicos com dados quantitativos (ICC, correlação, erro padrão), publicados entre 2010 e 2025, em inglês, português ou espanhol. Foram excluídos artigos que não avaliaram aplicativos móveis, estudos sem dados quantitativos de confiabilidade ou validade, resumos de congressos sem texto completo e artigos duplicados.
A busca inicial resultou em 127 artigos. Após remoção de duplicatas e análise de títulos e resumos, 42 artigos foram incluídos para análise completa. A distribuição destes estudos por aplicativo avaliado é detalhada na Figura 1. Os dados extraídos incluíram: aplicativo avaliado, amostra, protocolo, medidas de confiabilidade (ICC intra e inter-avaliador), validade concorrente e limitações reportadas.

Figura 1. Distribuição dos 42 estudos incluídos por aplicativo avaliado. PSM (PostureScreen Mobile) foi o aplicativo mais estudado (n=12), seguido por SAPO (n=8), APECS (n=5) e PhysioCode (n=1).
3. RESULTADOS
Tabela 1. Características dos principais aplicativos de avaliação postural
| Aplicativo | Desenvolvedor | País | Plataforma | Custo | Principais Recursos | Nº Estudos |
| PSM | PostureCo Inc. | EUA | iOS, Android | US$ 4,99-29,99 | 39 variáveis, 4 vistas | 12 |
| SAPO | USP | Brasil | Windows | Gratuito | Desktop, marcadores manuais | 8 |
| APECS | Diversos | Coreia | iOS, Android | Pago | IA, detecção automática | 5 |
| PhysioCode | PhysioCode | Brasil | Android | R$ 49,90/mês | Não requer marcadores | 1 |
O PostureScreen Mobile é o aplicativo mais estudado na literatura (SZUCS; BROWN, 2018; BOLAND et al., 2016; HOPKINS et al., 2019; KAN et al., 2016), conforme demonstrado na Tabela 1. Desenvolvido nos Estados Unidos, permite avaliação em múltiplos planos (anterior, posterior, lateral direito e esquerdo) e calcula 39 variáveis posturais, incluindo translações e angulações. A Figura 2 apresenta a síntese dos valores de confiabilidade dos principais aplicativos.

Figura 2. Confiabilidade dos principais aplicativos de avaliação postural. Valores médios de ICC (Coeficiente de Correlação Intraclasse) intra e inter-avaliador. Todos os aplicativos atingiram ICC > 0,75, indicando confiabilidade boa a excelente.
Szucs e Brown (2018) encontraram ICC intra-avaliador de 0,71 a 0,99 (média 0,92) e ICC interavaliador de 0,66 a 0,99 (média 0,91) para o PSM. Boland et al. (2016) reportaram ICC interavaliador mais variável, de 0,26 a 0,93. Os fatores críticos identificados incluem o uso de marcadores reflexivos, que aumenta dramaticamente a confiabilidade (SZUCS; BROWN, 2018), a necessidade de roupas mínimas (BOLAND et al., 2016) e a maior confiabilidade de translações comparadas a angulações (SZUCS; BROWN, 2018). Quanto à validade, Hopkins et al. (2019) compararam PSM com sistema 3D e encontraram diferenças significativas, concluindo que “sugerimos cautela no uso do PSM quando avaliações altamente precisas são necessárias”.
PhysioCode é um aplicativo brasileiro menos estudado, mas com evidência emergente. Sabino et al. (2021) avaliaram o PhysioCode Posture (PCP) para quantificação da postura do joelho no plano frontal, encontrando ICC intra-avaliador de 0,92 (IC95%: 0,90-0,93) e ICC inter-avaliador de 0,88 (IC95%: 0,85-0,90). O estudo demonstrou excelente concordância com Kinovea (r = 0,88) e erro padrão de medida inferior a 1,2°. Uma vantagem importante é que o estudo demonstrou que o uso de marcadores não influenciou as medidas (SABINO et al., 2021), sugerindo que o app funciona bem sem marcadores, ao contrário do PSM. A limitação crítica é que apenas um estudo foi publicado, focado em joelho, não havendo validação para avaliação postural completa (cabeça, ombros, pelve).
A análise dos 42 artigos identificou consenso sobre fatores que aumentam a confiabilidade, conforme sintetizado na Figura 3. A padronização é o fator mais crítico (SACCO et al., 2007; MOTA et al., 2011; HAZAR; KARABICAK; TIFTIKCI, 2015), incluindo distância da câmera de 2,5 a 3 metros (MOTA et al., 2011), altura da câmera centralizada na altura do tronco do paciente, iluminação uniforme sem sombras, fundo neutro preferencialmente com grade ou fio de prumo (RIBEIRO et al., 2017) e posicionamento do paciente em ortostatismo habitual com pés afastados na largura dos quadris.

Figura 3. Evolução temporal das publicações sobre avaliação postural por aplicativos móveis (2010-2025). Observa-se crescimento exponencial a partir de 2018, com pico em 2025.
Marcadores reflexivos ou adesivos sobre pontos anatômicos (C7, EIAS, EIPS, acrômio, trocânter maior) melhoram drasticamente a precisão (SZUCS; BROWN, 2018; BOLAND et al., 2016), reduzindo variabilidade inter-avaliador e facilitando digitalização para avaliadores inexperientes, sendo essenciais para pontos de difícil palpação. A exceção é o PhysioCode, que demonstrou não necessitar marcadores para joelho (SABINO et al., 2021). A Figura 4 ilustra o impacto do uso de marcadores na confiabilidade das medidas.

Figura 4. Impacto do uso de marcadores anatômicos na confiabilidade das medidas (PostureScreen Mobile). O uso de marcadores aumenta significativamente o ICC, especialmente para medidas angulares.
4. DISCUSSÃO
A evidência é clara: aplicativos de avaliação postural podem ser confiáveis e úteis, mas apenas quando inseridos em um processo metodológico rigoroso (MOREIRA et al., 2020; SZUCS; BROWN, 2018; CHAMPOUX et al., 2025). O aplicativo é a ferramenta de medição; a qualidade do resultado depende inteiramente da qualidade do protocolo de coleta de dados. O principal risco identificado é a falsa sensação de precisão (HOPKINS et al., 2019). Um profissional pode basear decisões clínicas em uma medida angular que, embora pareça precisa (por exemplo, “1,8° de inclinação pélvica”), pode ter margem de erro considerável.
O achado sobre o PhysioCode (SABINO et al., 2021) sugere que algoritmos de detecção automática podem eliminar a necessidade de marcadores, tornando a avaliação mais prática clinicamente. No entanto, a evidência permanece limitada a um único estudo focado em joelho, sendo necessários estudos adicionais para validação em outros segmentos corporais.
Nenhum aplicativo 2D, por melhor que seja, pode avaliar adequadamente desvios com componente rotacional significativo (FURLANETTO et al., 2016; STOLINSKI et al., 2017). Para escoliose, torção pélvica ou rotações escapulares, métodos 3D (sistemas de captura de movimento, radiografia) permanecem necessários. A Figura 5 apresenta uma comparação abrangente entre os diferentes métodos de avaliação postural disponíveis.

Figura 5. Comparação entre diferentes métodos de avaliação postural quanto a confiabilidade, custo e tempo de avaliação. Aplicativos móveis com protocolo adequado apresentam ICC médio de 0,88, calculado com base nos quatro aplicativos principais (PSM, SAPO, APECS, PhysioCode) detalhados na Figura 2.
5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PRÁTICAS
Aplicativos de fotogrametria podem atingir confiabilidade boa a excelente (ICC > 0,75), mas apenas sob condições rigorosamente controladas. Protocolo padronizado e uso de marcadores são essenciais para a maioria dos aplicativos (PSM, APECS, SAPO). Medidas de translação são mais confiáveis que angulações. Fotogrametria 2D é inadequada para desvios com componente rotacional (escoliose). Validade concorrente versus sistemas 3D é questionável; apps são ferramentas de triagem, não substitutos de avaliações tridimensionais.
PhysioCode demonstra promessa como exceção que não requer marcadores, mas a evidência é limitada a um estudo sobre joelho. Aplicativos de avaliação postural não são uma solução mágica, mas sim ferramentas poderosas nas mãos de um profissional que compreende seus pontos fortes e, principalmente, suas limitações. Quando usados com protocolo adequado, superam a avaliação visual subjetiva e fornecem documentação objetiva valiosa. Quando usados sem rigor metodológico, geram dados de qualidade questionável que podem induzir decisões clínicas inadequadas. A chave não está no aplicativo escolhido, mas no processo no qual ele está inserido.
REFERÊNCIAS
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1Faculdade Anhanguera de Sorocaba, Sorocaba, São Paulo, Brasil
