THE ROLE OF FORENSIC NURSING IN THE ASSISTANCE AND IDENTIFICATION OF SEXUAL VIOLENCE AGAINST CHILDREN
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506241308
Kamila Camelo de Andrade1
Alexandre Soares2
Iane Brito Leal3
Resumo: a Enfermagem Forense é uma especialidade da enfermagem em crescimento no Brasil, reconhecida por prestar assistência especializada a vítimas de maus-tratos, traumas e demais tipos de violência. Como um dos principais profissionais que atuam na linha de frente em acolhimento às vítimas de violência, o enfermeiro é fundamental nesse cenário. Compreendida como um problema de saúde pública alarmante, a violência sexual perpetua-se em níveis onde todos podem ser afetados, independente de gênero, orientação sexual, idade, etnia ou classe social, ainda que seja prevalente entre crianças e adolescentes. A Sociedade Brasileira de Enfermagem Forense, estabelece como um dos principais objetivos a elaboração de políticas, leis e outras estratégias de combate à violência. Este estudo propõe-se a analisar o papel do enfermeiro forense na identificação de casos de violência sexual infantil, bem como para a prestação de assistência qualificada às vítimas.
Palavras-chave: Enfermagem; Enfermagem Forense; Violência Infantil; Violência sexual;
Abstract: Forensic Nursing is a growing nursing specialty in Brazil, recognized for providing specialized assistance to victims of mistreatment, trauma, and other types of violence. As one of the main professionals currently on the front line in welcoming victims of violence, nurses are fundamental in this scenario. Understood as an alarming public health problem, sexual violence is perpetuated at levels where everyone can be affected, regardless of gender, sexual orientation, age, ethnicity, or social class, even though it is prevalent among children and +adolescents. The Brazilian Society of Forensic Nursing – SOBEF, establishes as one of its main objectives the development of policies, laws, and other strategies to combat violence. This study aims to analyze the role of the forensic nurse in identifying cases of child sexual abuse, as well as in providing qualified assistance to the victims.
Keywords: Nursing; Forensic Nursing; Child Violence; Sexual violence.
Introdução
Regulamentada pela Resolução COFEN Nº 556/2017, a Enfermagem Forense é uma especialidade da enfermagem em crescimento no Brasil, reconhecida por prestar assistência especializada a vítimas de maus-tratos, traumas e demais tipos de violência. Além disso, tem um importante papel na coleta e preservação de vestígios em função de investigações criminais e processos judiciais. Trata-se de uma área de atuação relativamente recente da Enfermagem, que teve início nos Estados Unidos, na década de 1990, e traz uma atenção qualificada, fazendo a ponte entre as ciências forenses e a área de Saúde (COFEN, 2017).
Como um dos principais profissionais que atuam na linha de frente em acolhimento às vítimas de violência, o enfermeiro é fundamental nesse cenário, onde aplica-se o processo de enfermagem, composto por avaliação, diagnóstico, planejamento, implementação e evolução, essencial para coletar informações que contribuem com o serviço forense inicialmente (CITOLIN et al., 2024).
Compreendida como um problema de saúde pública alarmante, a violência sexual perpetua-se em níveis onde todos podem ser afetados, independente de gênero, orientação sexual, idade, etnia ou classe social, ainda que seja prevalente entre crianças e adolescentes, podendo manifestar-se em diversas situações, como estupro, incesto, assédio e exploração sexual. Onde se inclui também pornografia, pedofilia, manipulação de órgãos genitais ou seios, imposição de intimidade forçada, exibicionismo, voyeurismo, jogos sexuais e práticas eróticas realizadas contra a vítima sem seu consentimento (MIRANDA et al., 2020).
A Organização Mundial da Saúde conceitua a violência sexual contra a criança como: “contato sexual não consensual, efetivado ou tentado; atos não consensuais de natureza sexual que não envolvem contato (tais como voyeurismo ou assédio sexual); atos de tráfico sexual cometidos contra alguém incapaz de recusar ou consentir; e exploração on-line.” (OMS, 2016).
De acordo com a pesquisa realizada pela OMS (2016) em 96 países, aproximadamente um bilhão de crianças no mundo sofreram violência psicológica, física ou sexual em 2015. A tolerância da população por culpabilizar a vítima, e não o perpetrador pelo ocorrido, é uma das causas fundamentais que coopera com a vulnerabilidade da criança a se tornar vítima de violência sexual.
A violência sexual infantil, além de prejudicar o desenvolvimento da criança, impacta diretamente em sua educação, saúde e bem-estar a longo prazo, ocasionando o consumo excessivo de drogas e bebidas alcoólicas, depressão, infecção sexualmente transmissível, sedentarismo, obesidade, gravidez indesejada, dificuldades de se relacionar, evasão escolar e demais acontecimentos de risco (GOMES, 2022).
A presente pesquisa procurou responder a seguinte questão norteadora: de que forma a assistência da enfermagem forense contribui na identificação e assistência aos casos de violência sexual infantil? A Enfermagem tem um papel fundamental neste aspecto, sendo que a Sociedade Brasileira de Enfermagem Forense (SOBEF) estabelece como um dos seus principais objetivos a elaboração de políticas, leis e outras estratégias de combate à violência contra as mulheres e as crianças. Através disso, é de suma importância a abordagem do tema forense na formação em enfermagem, capacitando os profissionais, com o intuito de melhorar os atendimentos às vítimas de violência. Dessa forma, este estudo propõe-se a analisar o papel do enfermeiro forense na identificação de casos de violência sexual infantil, bem como para a prestação de assistência qualificada às vítimas.
Métodos
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, com abordagem descritiva com o intuito de localizar conteúdo relacionado ao tema em materiais elaborados por artigos científicos, resoluções COFEn e publicações da OMS, mencionadas anteriormente.
A busca pelos artigos foi realizada através das bases de dados eletrônicos, como a Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (PubMed) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LiLACS), com a pesquisa auxiliar na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).
Foram utilizados os descritores inseridos no Descritores em Ciências da Saúde/Medical Subject Headings (DeCS/MeSH): “Enfermagem Forense” AND “Brasil” onde obteve-se 17 artigos na base de dados BVS, 17 na LiLACS, 5 na SciELO. “Forensic Nursing” AND “Child Abuse” onde obteve-se 94 resultados na base de dados PubMed, 2 na SciELO. “Enfermagem Forense” AND “Violência” AND “Criança” OR “Infantil” onde obteve-se 16 artigos na base de dados SciELO, 38 na LiLACS. “Violência Sexual” AND “Criança” onde obteve-se 59 artigos na base de dados SciELO, 709 na LiLACS. “Violência Sexual” AND “Criança” AND “Enfermagem” onde obteve-se 16 artigos na base de dados SciELO, 29 na LiLACS. Aplicando o filtro de inclusão, foram excluídos artigos por tema não relacionado, publicações superiores a 10 anos e artigos publicados em outras línguas.
Resultados e Discussão
Após avaliação detalhada dos artigos achados, procedeu-se à elaboração estruturada do Quadro 1, com o objetivo de sistematizar os elementos mais relevantes de cada projeto.
Quadro 1. Distribuição dos artigos conforme título, autor(es), objetivo, conclusão e ano de publicação.
Título | Autor(es) | Objetivo | Conclusão | Ano |
Atendimento à saúde de crianças e adolescentes em situação de violência sexual, em quatro capitais brasileiras | Deslandes S.F. et al. | Analisar a assistência prestada à crianças e adolescentes em situação de violência sexual no sistema de saúde pública. | Notou-se a necessidade de estratégias de capacitação e supervisão aos profissionais e gestores de saúde, sobretudo, de ajustar fluxos e protocolos, visando fortalecer a atenção, otimizar tempo e sofrimento das vítimas e familiares. | 2016 |
Assistencia de enfermagem em crianças que sofreram abuso sexual | Costa C.S.C. et. al. | Descrever as dificuldades encontradas pelo enfermeiro no atendimento as crianças vítimas de abuso sexual. | Percebeu-se a complexidade na prestação de cuidados de Enfermagem diante da ausência ou superficialidade do ensino da área forense na graduação, o que compromete a compreensão e o reconhecimento de sinais de abuso sexual infantil. | 2019 |
Assistance to victims of violence in Emergency services from the Forensic Nursing perspective. | Citolin M.O. et. al. | Analisar a perspectiva do enfermeiro quanto a atuação do profissional às vítimas de violência sexual, especialmente ao recolhimento, identificação e preservação de vestígios. | Observou-se a necessidade de investir na capacitação do profissional, com o objetivo de melhorar o atendimento nas etapas de recolhimento, identificação e prevenção. | 2024 |
Planejamento e implementação do curso Sexual Assault Nurse Examiner para o atendimento às vítimas de violência sexual: relato de experiência. | Silva J.O.M et. al. | Apresentar a experiência dos enfermeiros autores no desenvolvimento e implementação de um curso de capacitação baseado no modelo Sexual Assault Nurse Examiner (SANE). | O curso proporcionou conhecimentos importantes para o atendimento pelo enfermeiro às vítimas de violência sexual, coleta e preservação de vestígios e participação na cadeia de custódia. | 2021 |
Enfermagem Forense no Serviço de Urgência | Gomes A. | Descrever os procedimentos do serviço de enfermagem forense no atendimento à vítimas de violência sexual. | Existem procedimentos específicos em relação à cadeia de custódia e preservação de provas que devem ser realizados pelo enfermeiro forense. | 2022 |
Representações Sociais do enfermeiro sobre a abordagem às crianças e adolescentes vítimas de violência | Marcolino E.C. | Investigar as representações sociais, segundo a vertente estrutural, relativas à abordagem do enfermeiro a crianças e adolescentes vítimas de violência, estabelecendo uma comparação entre os serviços de saúde de atenção primária, secundária e terciária. | O baixo índice de notificações, transferência de responsabilidades, carência de capacitação e dificuldade na identificação de casos de violência configuram-se como pontos comuns nas representações sociais da abordagem dos enfermeiros nos serviços de saúde de atenção primária, secundária e terciária. | 2021 |
Vítimas de abuso sexual: caracterização da população atendida em um centro de referência especializado de assistência social (CREAS) | Gorges J. C. et. al. | A pesquisa atua como uma estratégia de proteção e prevenção contra a violência sexual infantil, além de contribuir com o aprimoramento do conhecimento dos profissionais da área. | Ressalta-se a relevância de estudos e investigações neste campo, com o objetivo de sensibilizar a mídia e a população em geral, quanto a necessidade de programas de prevenção a violência e estímulo à realização de denúncias. | 2016 |
Assistência da equipe de enfermagem às crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais: um relato de experiência | Silva E. S. et. al. | Relatar a atuação do enfermeiro no atendimento à crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. | Percebe-se a importância da assistência da equipe de enfermagem na identificação, acolhimento e tratamento às crianças e adolescentes vítimas de violência. | 2024 |
Relato de abuso sexual infantil no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle | Rocha M. L. L. et. al. | Relatar um caso de violência sexual infantil e promover a discussão sobre o tema. | É fundamental a investigação de suspeitas de abuso sexual, todavia, exige um olhar atento e intervenções realizadas de maneira multidisciplinar. | 2024 |
Assistência de enfermagem á vítima de violência sexual. | Olímpio A. et. al. | Descrever a assistência de enfermagem às vítimas de violência sexual. | O enfermeiro deve conhecer as principais lesões e os procedimentos para acolher as vítimas de violência sexual | 2021 |
Fonte: autores, 2025.
A violência sexual infantil é considerada um dos piores crimes a serem cometidos contra a criança, um ser tão vulnerável e indefeso, que tem a sua sexualidade e intimidade violadas extemporaneamente. Entende-se que a violência é um evento traumático, no qual a criança pode ser intimidada e influenciada a ocultar os fatos, dificultando a coleta de informações sobre o ocorrido. Diante desse cenário, é necessário um atendimento especializado, com profissionais da saúde capacitados para realizar essa abordagem (Costa et. al., 2019).
Sendo um profissional de grande atuação na linha de frente da assistência, o enfermeiro é fundamental no primeiro contato com as vítimas de violência, onde aplica seus cuidados humanizados e capacitados, com respeito e sensibilidade diante de situações tão frágeis como esta. A literatura destaca a importância do acolhimento e acompanhamento da vítima, a fim de atenuar o impacto negativo de seu desenvolvimento físico e mental causado pelo abuso sofrido (Costa et. al., 2019).
Conforme um estudo de Citolin et al (2024) cujo participantes foram enfermeiros atuantes na assistência a pacientes em situação de violência, os profissionais demonstraram desconhecer os recursos disponíveis para o atendimento, além de revelarem ter consciência sobre a falta de preparo técnico direcionado ao cuidado dessas vítimas. Dessa forma, na ausência de diretrizes específicas, o atendimento acaba sendo conduzido por condutas médicas.
O enfermeiro atende as vítimas de violência nos três níveis de atenção: primária, secundária e terciária. Nesse sentido, foram observadas semelhanças e diferenças nas condutas adotadas pelos profissionais dos três níveis de atenção, onde destaca-se: o déficit nas notificações de casos de violência contra crianças, a necessidade de capacitação específica, a transferência recorrente dos atendimentos para outros profissionais, a dificuldade em identificar e confirmar situações de abuso, o foco restrito no cuidado à criança, e as barreiras na condução do relacionamento com os familiares das vítimas (Marcolino E.C., 2021).
A Atenção Primária em Saúde (APS) possui especificidades em sua abordagem, considerando que a maioria dessas situações de violência ocorre em âmbito doméstico. O vínculo com a família, articulado pela equipe multidisciplinar — precipuamente pelos Agentes Comunitários de Saúde, por meio das visitas domiciliares — contribui para a detecção precoce e o fortalecimento do elo com as Unidades Básicas de Saúde, que atuam como referência e apoio às comunidades, além de promoverem ações de saúde no contexto educacional e comunitário (Marcolino E.C., 2021).
No entanto, apesar da alta competência da APS, estudos indicam que os serviços de saúde da atenção secundária e terciária não realizam uma escuta qualificada de forma efetiva. Nesses níveis de atenção, observa-se irregularidades no acolhimento inicial, sendo necessário aprimorar os conhecimentos relacionados à identificação dos sinais de violência, ao registro de notificações, aos cuidados de feridas e à adoção de estratégias condizentes com um atendimento humanizado. Além disso, muitos profissionais da emergência não estão atentos a estes eventos, o que contribui para a negligência e a subnotificação dos casos (Marcolino E.C., 2021).
A dificuldade de identificação e afirmação do abuso está intrinsecamente relacionada à ausência de formação específica do enfermeiro. Este fato corrobora com a recorrente transferência dos casos de violência contra a criança a outros profissionais capacitados. Dessa forma, a descontinuidade no cuidado aumenta o risco de revitimização, ao submeter a vítima a múltiplas abordagens e relatos do evento traumático. Com isso, o acompanhamento da criança acaba sendo conduzido, predominantemente, pelo Conselho Tutelar, sem a devida articulação com as condutas da área da saúde (Marcolino E.C., 2021).
Em uma pesquisa, Gorges et al (2016) evidenciou o envolvimento do Conselho Tutelar na maioria dos prontuários analisados. No entanto, observou-se a ausência de informações consideradas fundamentais para o adequado acompanhamento dos casos. A elaboração criteriosa e completa do prontuário configura-se como uma ferramenta essencial para a qualificação da assistência, pois permite a identificação de fatores de risco relacionados à violência e subsidia a implementação de estratégias de prevenção.
Capacitar o enfermeiro forense é essencial para assegurar a qualidade da assistência prestada no âmbito da medicina legal, descentralizando a responsabilidade que, por vezes, recai exclusivamente sobre os médicos, além de fortalecer o reconhecimento de sua atuação. Considerando a complexidade das situações de violência sexual infantil, a avaliação deve ser conduzida apenas por profissionais devidamente aptos. Diante dos relatos de insegurança por parte de muitos enfermeiros quanto à execução de determinados procedimentos, torna-se necessária a qualificação, a fim de prevenir falhas técnicas ou a invalidação de evidências no processo investigativo (Citolin M.O. et. al., 2024).
De acordo com uma pesquisa que selecionou quatro capitais brasileiras com base em critérios o alto número de denúncias de exploração e violência sexual, além da representatividade regional, observou-se o aumento na quantidade de atendimentos quando protocolos voltados à atenção a vítimas de violência estão presentes na assistência. Tal evidência demonstra que o desenvolvimento e oferta de procedimentos operacionais influenciam na busca pelo atendimento, além de contribuírem para a capacitação dos profissionais, a fim de evitar acolhimentos superficiais somente para encaminhar os cuidados a outras instituições de referência (Deslandes S.F. et al., 2016). Outro estudo demonstra a eficácia da qualificação dos enfermeiros, por meio de cursos direcionados à sistematização do atendimento às vítimas, que também contribuem na preparação para a atuação na coleta e preservação de vestígios (Silva J.O.M et. al.,2021).
Dada sua relevância, os cuidados qualificados relacionados ao abuso sexual exigem do enfermeiro conhecimento técnico e científico especializado. Identificar a violência infantil é um processo complexo, que vai além dos sinais físicos evidentes, envolvendo também a interpretação de indicadores psicológicos associados à linguagem não verbal e ao estado emocional da criança. Esses sinais podem ser percebidos durante a anamnese, etapa em que o enfermeiro deve estabelecer um diálogo confiável e uma escuta atenta e contínua ao longo do atendimento. A atuação do enfermeiro na identificação da violência ocorre desde a atenção primária, onde o profissional reconhece situações de risco em ambiente doméstico, até a assistência hospitalar, considerado um dos principais cenários de acolhimento às vítimas de abuso infantil (Marcolino E.C., 2021).
No serviço de urgência, a atuação do enfermeiro forense tem sido cada vez mais relevante nos serviços iniciais às vítimas de violência e/ou trauma. Sua capacidade de identificar os indícios de abuso, a avaliação de lesões, a coleta e preservação de vestígios, além do registro de informações que podem subsidiar depoimentos judiciais na condição de perito. No caso da violência sexual infantil, é obrigatória a notificação e a coleta adequada de vestígios (Gomes A. 2022). Nessa abordagem inicial, o enfermeiro deve aplicar seu método clínico sistematizado que viabiliza promover o cuidado de enfermagem, o processo de enfermagem, composto por: avaliação de enfermagem, diagnóstico de enfermagem, planejamento de enfermagem, implementação de enfermagem e evolução de enfermagem (Olímpio A. et. al., 2021).
No decurso desse processo, cada etapa deve ser conduzida com ética, sensibilidade profissional e cautela, diante da vulnerabilidade da situação. A equipe de saúde, especialmente o enfermeiro, deve oferecer suporte emocional qualificado e adotar uma escuta ativa e respeitosa, de modo a estabelecer um ambiente acolhedor e seguro, necessário para que a vítima se sinta amparada e encorajada a relatar o ocorrido. A relação entre o profissional e o paciente é essencial na promoção da saúde, favorecendo um tratamento eficaz (Silva E. S. et. al., 2024).
Um relato de caso de violência sexual infantil evidencia a importância do acolhimento humanizado por meio de uma abordagem multidisciplinar, com o objetivo de transformar a perspectiva diante das situações de violência (Rocha M. L. L. et. al., 2024). Ainda que a assistência médica seja sempre prioridade, ao reconhecer sinais de abuso, o enfermeiro forense deve imediatamente adotar os protocolos necessários para identificação, coleta e preservação do material probatório, garantindo a integridade da cadeia de custódia (Gomes A. 2022).
A cadeia de custódia é o processo que assegura a autenticidade e integridade dos vestígios coletados, iniciando-se com o enfermeiro que realiza a identificação e coleta, e encerrando-se com a autoridade policial responsável pela sua recepção. Para garantir sua juridicidade, os vestígios devem estar devidamente identificados, protegidos contra contaminações ou quaisquer alterações, e jamais deve ser deixado em local inseguro ou sem vigilância. Toda transferência deve ser registrada com data, hora e nome do receptor, constando também nas anotações de enfermagem quando houver envio à autoridade competente (Gomes A. 2022).
Lacerações, lesões físicas e contusões são alguns dos sinais que, quando identificados, podem atestar a ocorrência de agressão. Marcas de mordidas, por sua vez, também são indicativas de abuso e configuram vestígios válidos. Geralmente, quando há contato físico entre a criança e o agressor, ocorre a transferência de vestígios, como sêmen, pelos e fibras. Embora o sêmen seja considerado um vestígio biológico relevante, sua ausência não descarta a violência, assim como sua presença, por si só, não confirma o abuso. A interpretação deve ser contextualizada com o evento relatado e demais achados (Gomes A. 2022).
O papel do enfermeiro forense nos casos de violência sexual contra a criança envolve a preservação de vestígios, registro de lesões e na coleta de informações relevantes para a investigação criminal. Os vestígios devem ser recolhidos com cautela, manuseados o mínimo possível, acondicionados em recipientes de papel isentos de contaminação, devidamente identificados, rotulados e armazenados de forma a garantir a integridade da cadeia de custódia (Gomes A. 2022).
Na avaliação realizada pelo enfermeiro, inicia-se a anamnese, entrevista destinada à obtenção da descrição do evento. É recomendável que a criança seja entrevistada sem acompanhante, a fim de assegurar a veracidade dos dados. Em seguida, procede-se ao exame físico céfalo caudal, com a registros fotográficos, mediante o consentimento da vítima, antes e depois da intervenção, com e sem roupa, as quais também devem ser recolhidas e preservadas separadamente. As fotografias documentadas constituem um recurso essencial para a preservação dos vestígios, que podem ser destruídos ao decorrer da abordagem (Gomes A. 2022). O profissional forense precisará detalhar todas as informações observadas, como também sobre as lesões quanto ao tipo, localização, cor e tamanho (Olímpio A. et. al., 2021).
O enfermeiro forense é responsável por certificar que todas as anotações de enfermagem estejam completas, legíveis e devidamente evidentes. Os registros representam vestígios essenciais para reconstituição dos fatos, por tanto, sendo fundamental relatar detalhadamente cada observação feita durante a avaliação. A aparência e comportamento da vítima no momento da chegada devem ser descritos com precisão. O enfermeiro deve utilizar o mapa topográfico para localizar e registrar as lesões, detalhando suas características, além de observar e anotar a presença de cicatrizes, se houver. Também é necessário documentar as orientações fornecidas e o tipo de tratamento realizado. Em relação ao depoimento da vítima, as anotações devem ser fiéis às palavras proferidas, utilizando expressões como “segundo a vítima”, registrando apenas o que foi relatado, sem interpretações (Gomes A. 2022).
Considerações finais
O presente estudo evidenciou que a violência sexual contra a criança é um acontecimento traumático e angustiante, que demanda atenção, empatia e comprometimento no atendimento, considerando tratar-se de um ser especialmente vulnerável, que deve ser protegido de situações de risco e da suscetibilidade ao abuso. A criança vítima de violência necessita ser acolhida, compreendida e cuidada durante todo o processo assistencial, bem como ao longo de sua trajetória de vida.
Os resultados revelam que o enfermeiro, a partir de sua formação em enfermagem forense, possui competência para identificar sinais de abuso sexual e oferecer um atendimento humanizado, pautado no cuidado, conforto e inclusão. Sua atuação contribui não apenas para a qualidade do tratamento prestado à vítima, mas também para a produção de elementos que auxiliam os processos judiciais, promovendo justiça às crianças vítimas de violência sexual.
Portanto, a enfermagem forense precisa estar inserida na formação acadêmica do curso de Enfermagem, a fim de ampliar os conhecimentos sobre o tema e proporcionar preparo adequado para a assistência, independentemente do campo de atuação do profissional, visto que as vítimas de violência podem estar presentes em todos os âmbitos de atenção à saúde. Cuidar de uma criança vítima de violência é mais do que um ato profissional, é uma oportunidade de transformar a dor em esperança, promovendo uma infância digna.
Referências
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1Discente do Curso Superior de Enfermagem do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB, Campus Ceilândia. e-mail: kamila.cameloo@gmail.com
2Biólogo, mestre em ensino de biologia, especialista em anatomia e Necrópsia. e-mail: alexsobio@gmail.com
3Docente da graduação de Enfermagem. Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). e-mail: ianebl@hotmail.com