A (I)NEFICÁCIA DA APLICAÇÃO DA PENA E DA MEDIDA DE SEGURANÇA NA PSICOPATIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

THE (I)NEFECTIVENESS OF APPLYING PENALTY AND SECURITY MEASURES IN PSYCHOPATHY: A CRITICAL ANALYSIS IN BRAZILIAN CRIMINAL LAW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202510311058


Iris Fernandes dos Reis¹
Orientador: Prof. Me. André de Paula Viana².


RESUMO

O presente estudo tem como objetivo compreender a psicopatia como fenômeno biológico, social e psicológico, buscando identificar o tratamento jurídico mais adequado. Na perspectiva tradicional do direito penal, o delito é caracterizado como fato típico, ilícito e culpável. Dentro desse contexto, destaca-se a capacidade de consciência da ilicitude por parte do infrator. Assim, surge um impasse jurídico no tratamento dos psicopatas, pois eles conseguem compreender o caráter ilícito de suas ações, não sendo considerados doentes mentais e, portanto, imputáveis. No entanto, considerando a função moderna da pena, que é a ressocialização, a prisão não apresenta efeitos pragmáticos significativos sobre o sujeito psicopata. Dessa forma, é importante compreender a psicopatia à luz do ordenamento jurídico, investigando qual seria a intervenção mais eficaz para lidar com esses indivíduos.

Palavras-chave:  Direito Penal; Psicopatia; Medida de Segurança. 

ABSTRACT

This study aims to understand psychopathy as a biological, social, and psychological phenomenon, seeking to identify the most appropriate legal treatment. From a traditional criminal law perspective, a crime is characterized as a typical, unlawful, and culpable act. Within this context, the offender’s ability to be aware of the unlawfulness of the offense stands out. Thus, a legal impasse arises in the treatment of psychopaths, as they are able to understand the unlawful nature of their actions and are not considered mentally ill and, therefore, accountable. However, considering the modern function of punishment, which is resocialization, imprisonment does not have significant pragmatic effects on psychopaths. Therefore, it is important to understand psychopathy in light of the legal system, investigating the most effective intervention for dealing with these individuals.

Keywords: Criminal Law; Psychopathy; Security Measure.

1 INTRODUÇÃO

O direito de punir do estado, manifestado por intermédio do direito penal, deve ser fragmentário e subsidiário, já que considerado a última ratio, isso é, o último instrumento de defesa do estado, quando se falhou todas as outras formas de controle informal.

Nessa perspectiva, considerando a pós modernidade, e o alicerce na Constituição Federal de 1988, como nos princípios alicerçados na dignidade humana, a pena não deve se limitar a um caráter retributivo, ou seja, mero instrumento de vingança privada. Ao contrário, deve fornecer ao acusado possibilidade de reinserção social, fazendo-o compreender o caráter e implicações de suas ações, podendo, ao final, voltar a viver em sociedade.

Nessa perspectiva, o tratamento dado aos psicopatas torna-se um impasse para concretização desse ideal, uma vez que esses indivíduos apresentam dificuldades significativas de empatia, remorso e controle de impulsos, o que dificulta a sua reabilitação e reintegração social. 

A ausência de emoções e a resistência ao tratamento tornam esses casos particularmente complexos, levantando debates éticos e jurídicos sobre a melhor forma de lidar com eles, sempre buscando respeitar a dignidade humana e os direitos fundamentais. Assim, o desafio está em equilibrar a necessidade de proteção da sociedade com a garantia de um tratamento justo e humanizado, que leve em conta as particularidades de cada indivíduo, especialmente aqueles com transtornos graves como a psicopatia.

Dessa forma, o presente estuda objetiva, em primeiro momento, compreender a psicopatia pelos seus aspectos materiais, através de conceitos médicos, biológicos e sociais que ajudam a construir uma definição para a psicopatia, diferenciando-as de outros transtornos existentes. Nessa medida, busca-se analisar as características específicas que distinguem os psicopatas de indivíduos com outros transtornos de personalidade ou comportamentais, destacando aspectos como a ausência de empatia, a manipulação, a frieza emocional e a falta de remorso. Além disso, pretende-se explorar as possíveis causas e fatores de risco associados à psicopatia, bem como as implicações dessas características no âmbito jurídico e na aplicação de medidas de responsabilização e tratamento, sempre considerando a complexidade e a singularidade de cada caso.

Por conseguinte, é necessário entender o tratamento jurídico aplicável ao psicopata. Dessa forma, questiona-se as penas a eles aplicadas e qual o meio mais adequado para tratalos, isso é, a legitimidade da pena, ou a submissão a uma medida de segurança. 

Nesse contexto, é importante analisar se o sistema penal atual oferece instrumentos eficazes para lidar com indivíduos que apresentam esse perfil, considerando suas particularidades e dificuldades de reabilitação. Além disso, discute-se a possibilidade de aplicar medidas de segurança, que visam à proteção da sociedade e ao tratamento do indivíduo, levando em conta a gravidade de seus transtornos e a necessidade de uma abordagem que combine punição e reabilitação.

Assim, o debate envolve não apenas aspectos jurídicos, mas também éticos e científicos, buscando um equilíbrio entre a responsabilização do indivíduo e a garantia de uma intervenção que seja justa, humanizada e eficaz.

Cumpre destacar que este estudo tem como objetivo principal compreender as implicações jurídicas e éticas relacionadas ao tratamento de indivíduos com psicopatia, buscando analisar as possibilidades de aplicação de penas e medidas de segurança de forma justa e humanizada. Para isso, adotaremos uma abordagem qualitativa, realizando uma revisão bibliográfica aprofundada de fontes acadêmicas, legislações, doutrinas e estudos científicos que abordam o tema. A metodologia inclui a análise comparativa de casos e a reflexão sobre os princípios constitucionais e jurídicos que norteiam o sistema penal brasileiro, especialmente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana e à reinserção social. 

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 PSICOPATIA: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

A psicopatia, frequentemente denominada Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), é classificada como um distúrbio mental tanto pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) quanto pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10), que a reconhecem como uma condição marcada por padrões persistentes de comportamento desrespeitoso às normas sociais e aos direitos alheios (APA, 2002). A ausência de empatia, remorso e comportamentos manipuladores, levanta profundas questões éticas e sociais no tocante à compreensão da natureza humana e à aplicação da justiça. 

Embora o termo “psicopata” derive das palavras gregas psyche (mente) e pathos (sofrimento ou doença), sugerindo à primeira vista uma condição patológica da mente, a ciência médica e psicológica contemporânea não o reconhece como uma doença mental propriamente dita, mas é classificada como um tipo específico de transtorno de personalidade, cujas manifestações se aproximam do Transtorno de Personalidade Antissocial (APA,2002). 

Os transtornos de personalidade (TP) não são propriamente doenças, mas anomalias do desenvolvimento psíquico, sendo considerados, em psiquiatria forense, como perturbação da saúde mental. Esses transtornos envolvem a desarmonia da afetividade e da excitabilidade com integração deficitária dos impulsos, das atitudes e das condutas, manifestando-se no relacionamento interpessoal (MORANA, 2019). 

Na mesma linha a Organização Mundial da Saúde – OMS, acolhida pela Classificação e Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à saúde – CID-10, define: 

Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas, o comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tolerância a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

Tratar a psicopatia como transtorno, e não como doença, é crucial para identificar seus efeitos sociais. Isso implica dizer que o psicopata, ao contrário de outros doentes mentais, não tem um descolamento da realidade, com alucinações e surtos. Pelo contrário, entendem perfeitamente o caráter ilícito de suas condutas. 

Ao longo do desenvolvimento, o ser humano internaliza padrões de comportamento moldados por normas éticas, morais e influências socioculturais, o que contribui para a constituição de uma personalidade singular. No entanto, em determinados casos, pode haver desvios significativos desses padrões, caracterizando os chamados Transtornos de Personalidade. Tais alterações comportamentais podem estar associadas a fatores diversos, como traumas, experiências de frustração, predisposições genéticas ou eventos neuropsicológicos. Silva (2018, pp. 159 – 160), discorre sobre o assunto: 

Os seres humanos possuem uma estrutura cerebral responsável pela emoção, chamado sistema límbico, e outra envolvida nos processos racionais, chamada de lobo pré-frontal (situada na região da testa). Com relação ao sistema límbico, este é formado por estruturas corticais e subcorticais, sendo que a principal delas constitui-se na amígdala, localizada no lobo temporal, a qual funciona como um “botão de disparo” de emoções como alegria, medo, raiva, tristeza, entre outras. Por sua vez, o lobo pré-frontal é a principal região envolvida nos processos racionais, sendo composta pelo córtex dorsolateral préfrontal (associado a ações cotidianas utilitárias como decorar um número de telefone, por exemplo) e o córtex ventromedial pré-frontal, o qual, recebendo maior influência do sistema límbico, define as ações tomadas nos campos pessoais e sociais.

Nessa perspectiva, percebe-se a dificuldade do indivíduo psicopata de se enquadrar nos padrões morais e éticos cunhados pelas sociedades pós-modernas, com essência democrática, e dirigida pelo respeito aos direitos humanos. O indivíduo, para viver em sociedade, necessita da ampliação do senso de coletividade, renunciando interesses particulares em prol de um bem comum. É o que Thomas Hobbes define como contrato social. 

Todavia, percebe-se que os psicopatas representam uma ruptura desse pacto implícito, uma vez que demonstram uma acentuada incapacidade de empatia, remorso e respeito às normas morais compartilhadas. Ao priorizarem seus próprios desejos, mesmo que à custa do sofrimento alheio, esses sujeitos desafiam os alicerces éticos que sustentam a vida em comunidade. Tal postura revela não apenas um desvio comportamental, mas também um risco concreto à estabilidade social, exigindo, portanto, atenção tanto do ponto de vista clínico quanto jurídico.

A mídia exerce papel significativo na formação do imaginário coletivo sobre a psicopatia, frequentemente associando essa condição exclusivamente a figuras de criminosos violentos, como os chamados serial killers. Essa representação reducionista contribui para a estigmatização do transtorno, ignorando a complexidade clínica do quadro e a existência de indivíduos com traços psicopáticos que não necessariamente apresentam comportamentos homicidas ou violentos.

Ao priorizar o sensacionalismo, os meios de comunicação acabam por reforçar estereótipos, dificultando uma compreensão mais ampla e científica do transtorno de personalidade psicopática, bem como sua identificação precoce e abordagem terapêutica adequada. Shecaira (apud ROSÁRIO; BAYER, 2014) denota que a mídia condiciona as pessoas pelo fato de mudar e fantasiar a realidade, fazendo com que seus espectadores sejam induzidos a ver o conteúdo da forma que ela quer, em seu artigo Rosário e Bayer (2014) chamam de “um processo permanente de indução criminalizante”.

Apesar da aparente visão de extrema violência, conviver com pessoas que apresentam traços deste transtorno pode ser uma realidade não tão distante. No convívio social cotidiano, é relativamente frequente a presença de indivíduos que demonstram comportamentos oportunistas, marcados por uma aparente simpatia e habilidade manipulativa. Esses sujeitos tendem a agir guiados por interesses pessoais, utilizando-se de artifícios como o engano e pequenas fraudes para obter vantagens às custas dos outros (Murray, Wood, & Lilienfeld, 2012).

Esses comportamentos podem não indicar psicopatia ou TPAS completos, mas sim traços de personalidade com maior tendência a manipulação ou à falta de empatia, aliás, que podem ocorrer em graus variados sem configurar um transtorno clínico. Dessa forma, somente o diagnóstico pode compreender a real situação do sujeito, uma vez que não é rara a simbiose entre os termos existentes. 

Nessa medida, a psicopatia se diferencia do Transtorno de Personalidade Antissocial, uma vez que muitos psicopatas não apresentam indícios de comportamento antissocial, e que tal comportamento deve ser secundário num diagnóstico de psicopatia (Soeiro e Gonçalves 2010).  A distinção entre os dois conceitos torna-se importante para evitar rótulos sociais, e propiciar o tratamento personalizado e adequado. 

A psicopatia, por sua vez, é considerada uma manifestação extrema do TPA. O psicopata não apenas demonstra impulsividade ou irresponsabilidade, mas também apresenta uma incapacidade quase total de sentir empatia e de estabelecer vínculos emocionais genuínos. Sua frieza, manipulação e insensibilidade o diferenciam dos demais indivíduos com TPA, tornando suas ações mais calculistas e perigosas. Enquanto o TPA pode estar associado a fatores sociais e comportamentais, a psicopatia é vista como uma forma mais grave e complexa, em que a ausência de emoção e a manipulação racional são centrais (OLIVEIRA,2017).

Ambos são classificados pela CID-10 como transtornos de personalidade, e não como doenças mentais, sendo de origem multifatorial. Pontua-se:

CID 10 para se identificar comportamentos apresentados pela condenada, que estão presentes em pessoas com TPAS (Transtorno de Personalidade Antissocial). Para se identificar os comportamentos apresentados por Suzane Von Richthofen que são caractéristicos de pessoas com Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), foi realizada em busca no outube de entrevistas concedidas pela condenada além de uma busca no site de busca Google onde matérias de jornais e revistas virtuais que descrevem o caso, foram realizadas, bem como uma revisão da literatura nas bases de dados Scielo e Pepsi onde foram procurados artigos do ano de 2002 em diante, sendo que este foi o ano em que ocorreu o assassinato dos pais de Suzane. A dificuldade em identificar as pessoas com TPAS é um grande desafio para os psicólogos forense, porém a identificação do transtorno pode ajudar a Justiça a encaminhar os criminosos com este transtorno, para lugares apropriados dando-lhes o tratamento adequado. A busca pelos comportamentos apresentados por Suzane Von Richthofen, que se enquadram no que afirma o DSM-5 e o CID-10, como característicos de TPAS são um desafio, que mesmo 18 anos após o assassinato de seus pais continuam gerando especulações midiáticas pois alimentam a curiosidade da população brasileira (MATOS, 2020). 

Dessa forma, a conceituação e diferenciação de tornam cruciais, pois embora parecidos, cada transtorno possui uma particularidade própria, que necessita de um tratamento único e especializado. 

2.2 A PSICOPATIA A LUZ DO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Com o objetivo de proteger os interesses fundamentais da sociedade, também conhecidos como bens jurídicos, o direito penal emerge como a última ratio, ou seja, como o instrumento de intervenção máxima diante de condutas que ameaçam esses valores essenciais.

Nesse contexto, assume particular relevância a figura do indivíduo psicopata, cuja personalidade apresenta um perfil predisposto a desafiar as normas jurídicas estabelecidas. Tal perfil comportamental coloca em risco os direitos de terceiros e demonstra uma resistência significativa à modificação de suas atitudes, dificultando a aplicação de medidas preventivas e repressivas tradicionais. Assim, a compreensão das características do psicopata torna-se fundamental para o desenvolvimento de estratégias jurídicas e de políticas criminais mais eficazes na proteção dos bens jurídicos e na manutenção da ordem social.

Para uma análise aprofundada do tratamento jurídico-penal destinado aos indivíduos classificados como psicopatas, é imprescindível, inicialmente, compreender a forma como o direito penal, de modo geral, responde às condutas criminosas perpetradas por qualquer indivíduo. Prevalece, no Brasil que, consoante conceito analítico, crime é o fato típico, antijurídico e culpável (NUCCI, 2025, p. 180).

A doutrina ensina:

[…] culpabilidade é a reprovabilidade da configuração da vontade. A culpabilidade deve ser concebida como reprovação, mais precisamente, como juízo de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma contrária ao Direito, quando podia ter autuado em conformidade com a vontade da ordem jurídica (WELZER, 1976).

Na mesma toada, a Teoria Normativa, a culpabilidade é composta por três elementos essenciais que determinam sua configuração: a imputabilidade, a qual se refere à capacidade do indivíduo de compreender e agir de acordo com seus valores, sendo avaliada no Brasil pela maioridade de 18 anos; a potencial consciência da ilicitude, que envolve a aptidão do agente de perceber, no momento do ato, que sua conduta era proibida por lei, considerando sua saúde mental e a situação concreta, distinguindo-se do momento da ação propriamente dita; e a exigibilidade de conduta diversa, que avalia a expectativa social de que o indivíduo pudesse agir de forma diferente (WELZER, 1976).

Assim, menores de idade e pessoas com incapacidade mental que as impeçam de compreender a ilicitude são considerados incapazes de imputação penal. Além disso, a discussão sobre esses elementos evidencia a importância de critérios objetivos e subjetivos na avaliação da responsabilidade penal, buscando assegurar justiça e equidade no sistema jurídico. Destaca-se:

a censura recai não somente sobre o autor do fato típico e antijurídico, mas igualmente sobre o fato. A reprovação é inerente ao que foi feito e a quem fez. Este, por sua vez, deverá ser censurado somente se for imputável, tiver atuado com consciência potencial da ilicitude e com exigibilidade e possibilidade de atuação conforme as regras impostas pelo Direito. Em outras palavras, há roubos (fatos) mais reprováveis que outros, bem como autores (agentes) mais censuráveis que outros (NUCCI, 2025). 

Um dos princípios fundamentais que norteiam a responsabilização penal é a potencial consciência da ilicitude, a qual se refere à capacidade do agente de perceber que sua conduta é contrária ao ordenamento jurídico. Essa compreensão é essencial para determinar a imputabilidade e a culpabilidade do infrator, influenciando diretamente as medidas punitivas aplicáveis. Nesse contexto, destaca-se a importância de avaliar fatores como o grau de consciência do indivíduo acerca da ilicitude de seus atos, bem como sua capacidade de autodeterminação, especialmente em casos de indivíduos com transtornos de personalidade, como os psicopatas, cuja condição pode comprometer esses aspectos de forma significativa. Nesses termos, destaca-se:

Sob o manto paradigmático do finalismo, notou-se que o elo psicológico entre a conduta do agente e o resultado experimentado no campo fático afastou-se, de maneira gradual, da consciência da ilicitude, colocando-a, ao lado de outros aspectos puramente normativos, no estrato da culpabilidade (CASTILHO,2023). 

No mesmo sentido, Claus Roxin:

Conciencia de la antijuridicidad significa: el sujeto sabe lo que hace no esta jurídicamente permitido, sino prohibido. Segun eso, para la conciencia de la antijuridicidad no basta la conciencia de la dañosidad social e de la contrariedada la moral de la própria conducta; pero, por otro lado, tampoco es necesaria la op.dom. la conciencia de la punibilidad. Se exige demasiado poco cuando se considera suficiente para la consciencia de la antijuridicidad la consciencia de la dañosidade o de la inmoralidade (ROXIN, 2006). 

Dessa forma, cabe dizer que, se a pessoa não tem a capacidade de discernir a ilegalidade de sua conduta devido a limitações específicas, ela não pode ser responsabilizada como se tivesse feito uma escolha consciente entre o bem e o mal (JUNQUEIRA, 2025). 

Por outro lado, o direito penal dispõe de um tratamento específico para os indivíduos considerados doentes mentais, aplicando-lhes, em substituição à pena privativa de liberdade, a medida de internação compulsória, prevista no ordenamento jurídico como uma forma de proteção à sociedade e de cuidado ao próprio infrator. 

O procedimento adotado no país, com os doentes mentais delinquentes, é uma causa que exclui a culpabilidade, por tratar-se de doença mental conforme o código de 1940 e é por esta razão que os doentes mentais criminosos são absolvidos. E ocorrendo a absolvição, por faltar ao elemento da culpabilidade, não devem ser punidos, mas tratados. Dessa forma, nesses casos o que se utiliza são as medidas de segurança com internação em manicômio judiciário, a qual tem como fundamento a periculosidade presumida por lei (CUNHA, 2025).  

Contudo, no que tange aos psicopatas, essa abordagem apresenta particularidades que demandam uma análise mais aprofundada. Os psicopatas, caracterizados por traços de personalidade marcados por ausência de remorso, manipulação, insensibilidade emocional e resistência às intervenções tradicionais, frequentemente não apresentam déficits cognitivos que os enquadrem como incapazes de compreender a ilicitude de seus atos. Assim, embora possam não ser considerados doentes mentais no sentido clínico, suas condutas representam um desafio à responsabilização penal, uma vez que sua personalidade e comportamento dificultam a aplicação de medidas de tratamento convencionais. 

Por isso, são tratados na prática pelo direito penal como indivíduos que são responsáveis por seus atos, não tendo, em tese, nenhum tipo de diminuição da pena. Essa postura decorre do entendimento de que a psicopatia, embora envolva características de personalidade que podem dificultar a empatia e o remorso, não constitui, por si só, uma doença mental que exclua a imputabilidade penal. As regras gerais previstas no Código Penal Brasileiro permitem enquadrá-lo como imputável. (PIMENTEL apud ABREU, 2013, p.184).

O tratamento jurídico dado aos psicopatas, dessa forma, diferencia-se dos demais doentes mentais, como indivíduos com esquizofrenia em surto ou com transtornos graves que comprometem a realidade psíquica, a legislação brasileira reconhece a inimputabilidade. Assim, o contraste é evidente: o psicopata responde penalmente porque conserva a capacidade de discernimento, ainda que desprovido de empatia; já o doente mental é considerado inimputável, pois sua condição compromete de forma significativa sua percepção da realidade e seu poder de decisão. Essa diferença demonstra a opção legislativa brasileira por responsabilizar aqueles que, apesar de apresentarem distúrbios de personalidade, mantêm plena consciência do ilícito que praticam, preservando, assim, a lógica da culpabilidade no Direito Penal. Todavia, na prática, os juízes acabam aplicando penas indistintamente: 

Nestes casos, será facultado ao juiz optar pela redução da pena ou pela medida de internação ou tratamento ambulatorial, lembrando que, no caso de substituição da sanção penal pela medida de segurança, o sentenciado estará vinculado as mesmas regras que são impostas ao inimputável, devendo ser submetido a perícia médica para averiguar a cessação da periculosidade e cessação do tratamento (ALMEIDA, 2012, pg. 23).

No entanto, é importante destacar que, na prática, a avaliação da responsabilidade de psicopatas pode ser complexa e requer uma perícia psiquiátrica detalhada. Caso seja constatado que o transtorno mental comprometeu significativamente a compreensão do caráter ilícito do fato ou a capacidade de agir de acordo com essa compreensão, o juiz pode, em determinadas circunstâncias, aplicar medidas de segurança, como internações em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, ao invés de penas tradicionais. Destaca-se:

um tratamento padronizado aos casos de infratores psicopatas. Na esfera penal, examina-se a capacidade de entendimento e de determinação de acordo com o entendimento de um indivíduo que tenha cometido um ilícito penal. A capacidade de entendimento depende essencialmente da capacidade cognitiva, que se encontra, via de regra, preservada no transtorno de personalidade antissocial, bem como no psicopata. Já em relação à capacidade de determinação, ela é avaliada no Brasil e depende da capacidade volitiva do indivíduo. Pode estar comprometida parcialmente no transtorno antissocial de personalidade ou na psicopatia, o que pode gerar uma condição jurídica de semiimputabilidade. Por outro lado, a capacidade de determinação pode estar preservada nos casos de transtorno de leve intensidade e que não guardam nexo causal com o ato cometido. Na legislação brasileira, a semiimputabilidade faculta ao juiz diminuir a pena ou enviar o réu a um hospital para tratamento, caso haja recomendação médica de especial tratamento curativo”. (MORANA, 2006).

Dessa forma, observa-se na própria doutrina uma dificuldade de enquadramento, no que tange a imputação de culpa ao agente psicopata. Nucci defende um estado de semiimputabilidade: 

Não deixa de ser também uma forma de doença mental, embora não retirando do agente, completamente, a sua inteligência ou a sua vontade. Perturba-o, mas não elimina a sua possibilidade de compreensão, motivo pelo qual o parágrafo único do art. 26 do Código Penal tornou a repetir o “desenvolvimento mental incompleto ou retardado”, bem como fez referência a não ser o agente inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou mesmo determinar-se de acordo com tal entendimento. Nesse caso não há eliminação completa da imputabilidade, logo pode o agente sofrer o juízo de reprovação social inerente à culpabilidade, embora o juiz seja levado a atenuar a censura feita (NUCCI, 2025, p.315). 

Em sentido oposto, Zaffarone defende sua total inimputabilidade, haja vista pouca definição dada por conceitos médicos e psiquiátricos acerca da temática, alicerçado em um critério seguro:

A psiquiatria não define claramente o que é um psicopata, pois há grandes dúvidas a seu respeito. Dada esta falha proveniente do campo psiquiátrico, não podemos dizer como trataremos o psicopata no direito penal. Se por psicopata consideramos uma pessoa que tem uma atrofia absoluta e irreversível de seu sentido ético, isto é, um sujeito incapaz de internalizar ou introjetar regras ou normas de conduta, então ele não terá capacidade para compreender a antijuridicidade de sua conduta, e, portanto, será um inimputável. Quem possui uma incapacidade total para entender valores, embora os conheça, não pode entender a ilicitude. (ZAFFARONI, 2023, p.600). 

A fala do autor amplia a discussão entre a semi-imputabilidade (Nucci) e a inimputabilidade (Zaffaroni). O primeiro, ao tratar dos psicopatas, afirma que sua capacidade de compreender o caráter ilícito de suas ações é reduzida, mas não inexistente. Nesse sentido, a resposta penal deve ser atenuada, permitindo tanto a aplicação de pena quanto de medidas de segurança, equilibrando punição e tratamento. Por outro lado, Zaffarone defende a inimputabilidade nos casos em que o transtorno da personalidade é tão profundo que anula a autodeterminação do sujeito. Para o autor, a psicopatia, por exemplo, compromete de forma radical a capacidade de empatia, moralidade e autorregulação, inviabilizando a responsabilização penal nos moldes tradicionais.

Tal dicotomia interfere sobremaneira no tratamento jurídico dado aos psicopatas no ordenamento jurídico brasileiro. A semi-imputabilidade acaba sendo a teoria mais usada pelos magistrados, mas não por sua uniformidade de pensamento e consenso, mas pela vagueza existente em uma definição que ponha termo a controvérsia (CARVALHO, 2020).

Devido à dificuldade de identificar esse transtorno de forma precisa, muitos psicopatas no Brasil permanecem sem diagnóstico, principalmente pela falta de exames específicos, como o PCL. Embora a aplicação desse teste exija profissionais qualificados e investimentos consideráveis, esses recursos seriam essenciais para garantir a segurança da sociedade (SILVA, 2014). Assim, a falta do referido recurso, dificulta, por si só, um tratamento penal diferenciado. 

Nessa toada, em que pese ao esforço da doutrina em buscar uma prevenção eficaz para os psicopatas, a organização judiciária brasileira não apresentou significativo progresso, ampliando o discurso atinente, e buscando medidas alternativas a prisão, que sejam de fato eficientes, não sendo apenas punitivas, com o único propósito de apaziguar a insegurança coletiva.

2.3 O SENTIDO DA PENA PARA O PSICOPATA E ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA

A pena, em um Estado Democrático de Direito, a qual o Brasil se insere, deve ser pautada na racionalidade de sua aplicação e com viés humanitário, não servindo apenas para justificação de um poder arbitrário, mas sim como ferramenta de proteção ao cidadão. Ana Elisa Bechara nos ensina:

Essa insensibilidade social é reflexo de uma situação de vitimização, no âmbito de um punitivismo que faz com que a sociedade apenas seja capaz de questionar a pena aplicada a um agente quando antevê excepcionalmente sua inocência. A verdadeira questão, porém, está em refletir criticamente sobre as penas impostas a agentes que de fato sejam responsáveis pela prática de delitos, e aí é preciso coragem para defender os direitos individuais desses delinquentes, que não deixam de ser cidadãos. E esse discurso de resistência é sempre difícil no âmbito de uma pós-modernidade em que se trava uma verdadeira guerra contra a ilustração17 e contra o Direito Penal liberal (BECHARA, 2017).

Quando se trata de psicopatas, esse conceito ganha uma complexidade maior, pois esses indivíduos apresentam traços de personalidade que dificultam a aplicação de medidas tradicionais de punição. Assim, compreender o sentido da pena para o psicopata exige uma análise cuidadosa do seu comportamento, das suas características e do entendimento jurídico sobre responsabilidade penal.

A reinserção de psicopatas na sociedade envolve o desafio de reabilitar indivíduos que possuem transtornos de personalidade, os quais prejudicam sua capacidade de conviver socialmente devido à ausência de emoções como empatia, compaixão e respeito. No Brasil, a ressocialização de pessoas com transtorno de personalidade antissocial, especialmente aquelas altamente perigosas e cruéis, levanta questões importantes., uma vez que, desprovidos de sentimento não entendem o sentido da pena. 

Assim, não se trata de sujeitos incapazes de compreender o certo ou errado, ou que não possam controlar suas ações, mas sim, indiferentes emocionais. A figuração do chamado “daltonismo moral” também é trazida na obra de Robert D. Hare ao afirmar que assim como as pessoas que não enxergam as cores, falta ao psicopata um elemento importante da experiência, qual seja, o 13 aspecto emocional. Dessa forma, a título de comparação, do mesmo modo que o indivíduo que sofre de daltonismo aprende a respeitar a sinalização de trânsito dos semáforos, sem enxergar de fato as cores, o psicopata aprende a usar palavras, reproduzir gestos, expressões faciais e movimentos dos sentimentos, sem, contudo, experimentar o sentimento real (MELIÁ, 2013, p. 533).

Além de acreditar que não a problemas, eles não demonstram desejo de mudanças para se ajustarem a um padrão aceito pela sociedade. Assim, não seria possível ajudar aqueles que não querem ajuda.  

Somado a isso, indica-se uma maior tendência a reincidência em indivíduos psicopatas. A reincidência ocorre quando uma pessoa que cometeu um crime volta a cometer outro após ser punida ou passar por algum tipo de intervenção. No caso dos psicopatas, essa tendência é especialmente elevada devido às suas características de manipulação e resistência às mudanças. Como eles muitas vezes não sentem remorso ou culpa, podem não se sentir motivados a modificar seus comportamentos, o que aumenta o risco de cometer novos delitos. Como nos estudos norte-americanos anteriores (Salekin et al., 1996), a psicopatia medida com a PCL-R foi estimada como um forte fator de risco para a reincidência violenta, com o dobro do risco em relação ao dos não-psicopatas.

Devido ao fracasso da pena privativa de liberdade no que tange ao tratamento de psicopatas, insurge a medida de segurança, que  “trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado (NUCCI, 2025).

Dessa forma, na medida em que a pena privativa de liberdade se baseia na culpabilidade do agente, a medida de segurança se alicerça na periculosidade deste. Na prática, ocorre a internação, em que se insere o sentenciado no hospital de custódia e tratamento, ou estabelecimento adequado (art. 96, I, CP); e tratamento ambulatorial, que obriga o sentenciado a comparecer, periodicamente, ao médico para acompanhamento (art. 96, II, CP). A jurisprudência relata:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL.RECURSO ESPECIAL. INTERDIÇÃO. CURATELA. PSICOPATA. POSSIBILIDADE. 1. Ação de interdição ajuizada pelo recorrente em outubro de 2009. Agravo em recurso especial distribuído em 07/10/2011. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial publicada em 14/02/2012. Despacho determinando a realização de nova perícia psiquiátrica no recorrido publicado em 18/12/2012. 2. Recurso especial no qual se discute se pessoa que praticou atos infracionais equivalentes aos crimes tipificados no art. 121, § 2º, II, III e IV (homicídios triplamente qualificados), dos quais foram vítimas o padrasto, a mãe de criação e seu irmão de 03 (três) anos de idade, e que ostenta condição psiquiátrica descrita como transtorno não especificado da personalidade (CID 10 – F 60.9), esta sujeito à curatela, em processo de interdição promovido pelo Ministério Público Estadual. 3. A reincidência criminal, prevista pela psiquiatria forense para as hipóteses de sociopatia, é o cerne do presente debate, que não reflete apenas a situação do interditando, mas de todos aqueles que, diagnosticados como sociopatas, já cometeram crimes violentos. 4. A psicopatia está na zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura, onde os instrumentos legais disponíveis mostram-se ineficientes, tanto para a proteção social como a própria garantia de vida digna aos sociopatas, razão pela qual deve ser buscar alternativas, dentro do arcabouço legal para, de um lado, não vulnerar as liberdades e direitos constitucionalmente assegurados a todos e, de outro turno, não deixar a sociedade refém de pessoas, hoje, incontroláveis nas suas ações, que tendem à recorrência criminosa. 5. Tanto na hipótese do apenamento quanto na medida socioeducativa – ontologicamente distintas, mas intrinsecamente iguais – a repressão do Estado traduzida no encarceramento ou na internação dos sociopatas criminosos, apenas postergam a questão quanto à exposição da sociedade e do próprio sociopata à violência produzida por ele mesmo, que provavelmente, em algum outro momento, será replicada, pois na atual evolução das ciências médicas não há controle medicamentoso ou terapêutico para essas pessoas. (…) o indivíduo tem sua capacidade civil crispada, de maneira súbita e incontrolável, com riscos para si, que extrapolam o universo da patrimonialidade, e que podem atingir até a sua própria integridade física sendo também ratio não expressa, desse excerto legal, a segurança do grupo social (…).

(…) a sociopatia, quando há prévia manifestação de violência por parte do sociopata, demonstra, inelutavelmente, percepção desvirtuada das regras sociais, dos limites individuais e da dor e sofrimento alheio (…).2. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1306687 MT 2011/0244776-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 18/03/2014, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/04/2014). 

Em jurisprudência posterior, percebe-se a tendência pela manutenção desse entendimento, sendo certo que não unicidade de entendimento acerca do tema, conforme demonstrado: 

E M E N T A – AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO – INDEFERIMENTO COM BASE EM EXAME CRIMINOLÓGICO – REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. O exame criminológico, após o advento da Lei n. 10.792/2003, que alterou o artigo 112 da LEP, tornou-se recurso facultativo, mas, se realizado e desfavorável tal exame, deve ser considerado como fator para a apreciação do pedido e eventual denegação do benefício e, nada obsta, seja realizado por profissional da psicologia . Precedentes das Cortes Superiores. No caso, a perícia concluiu que o reeducando se enquadra no diagnóstico de Psicopata Histérico, caracterizado pela insensibilidade emocional, ausência de empatia, ânsia pelo prestigio e completo desprezo pelas regras de conduta social, concluindo ser inconveniente seu contato social no presente momento. Assim, tenho como não satisfeito o requisito subjetivo, determinado pelo art. 112 da LEP para a concessão do benefício pleiteado . Com o parecer, recurso improvido.

(TJ-MS – Agravo de Execução Penal: 0009175-12.2017.8 .12.0002 Dourados, Relator.: Desª. Maria Isabel de Matos Rocha, Data de Julgamento: 23/10/2017, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 31/10/2017)

Observa-se que, até mesmo nas instâncias superiores do judiciário, não há um entendimento unificado acerca da classificação do psicopata como imputável ou semiimputável. Além disso, ainda há divergências sobre a sanção adequada, considerando as diversas características e particularidades desses indivíduos, bem como os perigos que representam tanto para si quanto para a sociedade. 

Ao optar pela medida de segurança, o sistema de justiça busca equilibrar a proteção da sociedade com os direitos do indivíduo, reconhecendo que nem todos os comportamentos criminosos decorrem de uma vontade plena ou consciente. Ademais, entende-se que para que a ressocialização seja bem-sucedida, é fundamental que o condenado tenha um desejo genuíno de reintegrar-se à sociedade sem cometer novos delitos. Sem essa vontade, mesmo os sistemas mais eficazes não conseguirão promover uma verdadeira reintegração (MOREIRA, 2010).

Ocorre que, ao considerar os psicopatas como imputáveis, visto que eles conseguem compreender o caráter ilícito de suas condutas e controlar seus impulsos, a eles não se pode falar em aplicação de medida de segurança, já que ela será cabível apenas como medida de prevenção para aqueles portadores de doença mental que sejam considerados inimputáveis ou semi-imputáveis. (FARIA, 2021).

O sistema criminal tende a ter dificuldade de tratar os psicopatas, não entendendo qual seria o melhor tratamento a eles direcionado. Nessa toada, destaca-se a jurisprudência, em que foi negada a progressão de regime a um indivíduo encarado como psicopata, pois não cessada sua periculosidade:

E M E N T A – AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO DE REGIME – REQUISITO SUBJETIVO NÃO COMPROVADO – DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – RECURSO DESPROVIDO.

Conforme a guia de execução referida, o recorrente encontra-se recolhido em presídio cumprindo um total de 15 anos e 01 mês de reclusão, em regime inicial fechado, decorrente da condenação definitiva pela prática dos crimes previstos no art. art. 121 § 2º, I, II, IV do CP, art. 306 do Lei 9.503/1997 e art. 330 do CP. Atingiu o requisito objetivo para progredir para o regime semiaberto no dia 30.12.2016, ou seja, há mais de um ano.1 – Para a concessão do benefício da progressão de regime, deve o reeducando preencher os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário), nos termos do art. 112 da Lei de Execuções Penais. 2 – In casu, diante da ausência de comprovação do requisito subjetivo e considerando o exame criminológico, a manutenção da decisão que indeferiu a progressão de regime é medida que se impõe. “Inicialmente, consigno não haver motivos para nulidade do laudo, como requerido pela defesa (f. 631/635), uma vez que todos quesitos da Defensoria Pública, do Ministério Público e do Juízo foram amplamente respondidos e, apenas pela leitura de todo o corpo do laudo pericial, está facilmente demonstrada a incapacidade do reeducando de cumprir pena em regime mais brando. Nesse contexto, de acordo com o laudo do exame criminológico realizado, o interno ‘tem diagnóstico de acordo com a classificação internacional de doenças (CID-10): F60.2 – transtorno da personalidade dissocial (grau grave, ou seja, psicopata) subtipo com perversidade de caráter e F19 – transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas”, tendo o perito judicial concluído que “Não foi constatada a cessação de periculosidade”. Assim, em que pese a conduta carcerária do sentenciado estar classificada como “ÓTIMA” (f. 560), considerando, as circunstâncias do crime bem como as conclusões do laudo criminológico, reputo não preenchido o requisito subjetivo para progressão de regime. Deve ser registrado que, a exemplo do entendimento jurisprudencial: citado, o cumprimento dos requisitos objetivos para a progressão de regime não garante, por si só, o direito do custodiado à concessão do benefício, vejamos: (…) Importante deixar consignado que o interno foi agraciado em ocasiões anteriores com a progressão de regime prisional, não a valorizando, vale dizer, regredindo em todas as oportunidades em que esteve no regime semiaberto. De outra sorte, além de ter permanecido evadido por longo período, envolveu-se com bebida alcoólica e drogas, o que agrava sua condição pessoal, o colocando como fator de risco exatamente nos termos da perícia realizada. Assim, diante de todo o exposto, ausente o requisito subjetivo, com fundamento no artigo 112 da Lei de Execução Penal, indefiro o pedido de progressão do regimeprisional.” (TJMS, Recurso de Agravo n. 0029578-59.2004.8.12.0001 de Campo Grande, rel Des. Ruy Celso Barbosa Florence, j. 05-02-2018.)

Dessa forma, entende-se que negar os direitos penais fundamentais é ir na contramão da carga axiológica de um Estado Democrático de Direito, utilizando a pena como meio único de neutralizar o agente da sociedade. observa-se que a fundamentação adotada pelo tribunal acaba por destacar outro aspecto: a periculosidade. Embora o réu tenha sido considerado imputável, o reconhecimento de seu transtorno de personalidade influenciou na análise da pena e, principalmente, na aplicação de medidas que visam proteger a sociedade. Ou seja, a ênfase desloca-se da culpabilidade para a periculosidade, critério típico das medidas de segurança aplicáveis aos inimputáveis. 

Esse fenômeno demonstra um ponto de tensão entre teoria e prática: enquanto a dogmática penal defende que o sistema punitivo se baseia na culpabilidade e não na periculosidade, a jurisprudência, em casos envolvendo psicopatas, acaba por aproximar o tratamento do imputável perigoso ao do inimputável submetido a medida de segurança.

Todavia, o tema geral maior complexidade quando se verifica a pouca eficiência das penas alternativas. Conforme afirma Ana Beatriz Barbosa Silva, caso se aplicasse essa sanção aos psicopatas, de maneira a determinar sua internação em hospitais de custódia, esse recurso não seria capaz de entregar um resultado significativo, uma vez que, as terapias biológicas e as psicoterapias se mostram ineficazes para a psicopatia (SILVA, 2018).  

Dessa forma, superar os desafios de reinserção dos psicopatas na sociedade, é um dos temas mais controvertidos do direito penal contemporâneo. Trindade sugere:

Pode-se afirmar que os melhores são aqueles bem planejados, com boa estrutura e que deixem pouca margem para a manipulação, onde não deve haver tratamentos flexíveis e tolerantes demais para não obterem resultados negativos. Necessitando assim, de uma supervisão rigorosa e intensiva. Qualquer falha no sistema de acompanhamento pode trazer resultados imprevisíveis, sendo exigindo assim, programas bem delineados, fortemente estruturados, com etapas claras, que, se descumpridas, devem fazer o sujeito retroceder a um regime de maior vigilância (TRINDADE, 2025, p. 173). 

Dessa forma, compreende-se que os melhores sistemas são aqueles cuidadosamente planejados, com uma estrutura sólida que reduz as possibilidades de manipulação ou desvios. Essa abordagem reforça a ideia de que a previsibilidade e a clareza nas etapas do processo são fundamentais para assegurar a integridade do programa. Quando há uma estrutura bem definida, fica mais fácil monitorar o cumprimento das regras e identificar rapidamente qualquer falha ou desvio, evitando assim resultados imprevisíveis ou negativos.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante disso, percebe-se que a psicopatia se figura como um dos temas mais controvertidos do Direito Penal moderno, gerando debates ideológicos distintos e políticas criminais por vezes discrepantes e inconciliáveis.

O papel da mídia é crucial para a ampliação de insegurança coletiva, que, ao veicular matérias de extrema crueldade faz com que a opinião pública cobre um papel mais rígido do direito penal. Essa mentalidade contribui para um esvaziamento da razão axiológica que condiz com um Estado Democrático de Direito. Dessa forma, o perigo existente é o direito penal moderno converter-se em um direito penal do inimigo, onde as regras democráticas são flexibilizadas, e a humanidade é deixada de lado. Dessa forma, ao reconhecer as particularidades do psicopata torna-se fundamental refletir sobre a necessidade de uma abordagem jurídica que vá além do simples punitivismo. 

É importante considerar que a compreensão aprofundada da psicopatia pode contribuir para a elaboração de intervenções mais eficazes, que respeitem os direitos humanos e promovam a verdadeira ressocialização. Dessa forma, evita-se que o direito penal se transforme em um instrumento de exclusão e violência, preservando os princípios democráticos e a dignidade da pessoa humana. Assim, uma abordagem equilibrada e informada é essencial para garantir que o sistema de justiça seja justo, eficiente e alinhado com os valores de uma sociedade democrática.

É necessário, nessa vertente, um novo paradigma ou um aprimoramento dos instrumentos existentes para lidar com essa questão, indo além da simples discussão entre imputabilidade e inimputabilidade, que já não responde adequadamente, e principalmente, pragmaticamente, os desafios penais de se lidar com o psicopata. Nessa medida, a mera reprodução dos conceitos gera uma punição subjetiva, baseada em valores éticos e morais, ou conduzido pelo temor da insegurança coletiva, presentes nas concepções do próprio aplicador da norma. Assim, desconsidera-se os efeitos práticos da condenação, tornando o direito penal instrumento de arbitrariedade, o que não se compactua com a carga axiológica presente em um Estado Democrático de Direito, ao qual o Brasil se insere. 

Para o psicopata o mero punitivismo não faz efeito, ainda mais se considerar que a pena acaba. Assim, é fundamental repensar as estratégias de intervenção, buscando abordagens que vão além da punição tradicional. Investir em tratamentos especializados, que possam atuar nas raízes da psicopatia, e em programas de reabilitação, pode ser uma alternativa mais eficaz para lidar com esses indivíduos. Dessa forma, o objetivo não é apenas punir, mas também promover uma verdadeira mudança comportamental, contribuindo para a segurança coletiva e o respeito aos direitos humanos.

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¹Acadêmica do Curso de Direito, do Centro Universitário de Jales (UNIJALES), Jales – SP. E-mail: iris.reis12@gmail.com;
²Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/4428702481856069.