A DEONTOLOGIA JURÍDICA E O PAPEL DA ÉTICA NA PRÁTICA PROFISSIONAL DO DIREITO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506181838


Adilson Tomaz Junior
Orientador: Prof. Ricardo Ferreira Nunes


RESUMO

A presente monografia tem como objetivo analisar a importância da ética e da deontologia jurídica na atuação dos profissionais do Direito, destacando sua influência na efetivação da justiça, na proteção dos direitos individuais e coletivos, bem como na promoção de condutas profissionais responsáveis. A pesquisa parte da distinção conceitual entre ética, moral e deontologia, demonstrando como essas categorias interagem na normatização da prática jurídica, especialmente por meio de códigos de conduta como o Código de Ética e Disciplina da OAB. A metodologia adotada foi a pesquisa qualitativa, com abordagem bibliográfica e documental, valendo-se de doutrina, legislação e jurisprudência. Foram analisados os fundamentos da responsabilidade civil do advogado, incluindo situações de descumprimento de prazos, violação de deveres profissionais e quebra do juramento de confidencialidade. O trabalho evidencia que a responsabilidade civil, quando fundamentada em princípios éticos e deontológicos, não apenas protege o cliente, como também preserva a integridade do sistema de justiça. Conclui-se que a ética profissional e a deontologia jurídica são elementos essenciais à legitimação da advocacia e à confiança pública nas instituições jurídicas, sendo indispensáveis para que o Direito cumpra sua função social e democrática.

Palavras-chave: Ética Jurídica. Deontologia. Responsabilidade Civil. Advocacia. Código de Ética.

ABSTRACT

This monograph aims to analyze the importance of ethics and legal deontology in the professional performance of legal practitioners, highlighting their influence on the enforcement of justice, the protection of individual and collective rights, and the promotion of responsible conduct. The research begins by conceptually distinguishing ethics, morality, and deontology, demonstrating how these categories interact in the regulation of legal practice, especially through codes of conduct such as the Brazilian Bar Association’s Code of Ethics and Discipline. The methodology employed was qualitative, with a bibliographic and documentary approach, using legal doctrine, legislation, and case law. The study analyzes the foundations of civil liability for lawyers, including missed deadlines, violations of professional duties, and breaches of confidentiality. The results show that civil liability, when grounded in ethical and deontological principles, not only protects clients but also safeguards the integrity of the justice system. It concludes that professional ethics and legal deontology are essential elements in legitimizing legal practice and maintaining public trust in legal institutions, being indispensable for law to fulfill its social and democratic function.

Keywords: Legal Ethics. Deontology. Civil Liability. Law Practice. Code of Ethics.

1   INTRODUÇÃO 

A ética é compreendida como a racionalização da moral, que, por sua vez, é o conjunto de normas que orientam o agir específico e concreto. A moral se manifesta nos códigos, normas e leis, enquanto a ética é o exercício pleno dessas regras.

Segundo Valls (1993), a Ética pode ser definida como “daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta”.

No campo do Direito, a ética profissional é um pilar essencial para a efetivação da justiça e para assegurar os direitos individuais e coletivos. Os profissionais do Direito, como guardiões do ordenamento jurídico e da aplicação da lei, têm uma responsabilidade singular na sociedade, que vai além do simples cumprimento de normas e regulamentos. Nesse contexto, o posicionamento de Bittar (2004) é relevante ao definir a ética profissional como parte da ética aplicada abrangendo aspectos como ética ecológica, familiar e profissional que se debruça sobre atividades que são, ao mesmo tempo, humanamente engajadas e socialmente produtivas.

Para viver plenamente em sociedade é essencial estabelecer regras de conduta que orientem como agir e determinem punições proporcionais para aqueles que as desrespeitem. Isso garante a ordem social e promove comportamentos adequados. Da mesma forma, em grupos profissionais, a existência de normas de conduta é fundamental para assegurar a honestidade e probidade de seus integrantes. Essas regras têm como objetivo direcionar o comportamento desses profissionais, prevenindo práticas que possam desonrar a ética defendida por esses grupos.

Nesse contexto surge a deontologia, também conhecida como a “Teoria do Dever”. Ela destaca a importância, no âmbito das profissões, de se constituírem códigos de conduta baseados em princípios éticos e morais. Esses códigos servem como guias para o cumprimento das atribuições específicas de cada profissão, assegurando que os padrões de comportamento sejam mantidos de forma ética e responsável.

A deontologia está profundamente ligada à ética e à moral, as quais servem de base para o seu estudo, uma vez que são pilares fundamentais da filosofia. Sua função é regulamentar determinados grupos profissionais, incorporando princípios éticos e morais em sua prática. Portanto, seria incorreto afirmar que o Direito não está abrangido pela deontologia, uma vez que esta se manifesta de forma específica na chamada Deontologia Jurídica, responsável por orientar a conduta dos profissionais da área jurídica. O problema de pesquisa deste projeto reside na análise de como a ética e a deontologia influenciam a prática jurídica, questionando até que ponto os profissionais do Direito seguem efetivamente os códigos de conduta que regulamentam sua atuação e como essas normas impactam na efetivação da justiça e na proteção dos direitos individuais e coletivos.

A presente monografia tem como objetivo central analisar a importância da ética e da deontologia jurídica na atuação dos profissionais do Direito, destacando sua influência direta na efetivação da justiça, na proteção dos direitos individuais e coletivos, bem como na promoção de condutas profissionais adequadas e responsáveis. A ética, entendida como reflexão crítica sobre os fundamentos da moralidade, e a deontologia, como a normatização dos deveres inerentes a uma determinada profissão, assumem papel estratégico na legitimação social da atividade jurídica e na preservação da confiança pública no sistema de justiça. Nesse contexto, os profissionais do Direito – advogados, magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e demais operadores jurídicos – são constantemente confrontados com dilemas éticos que exigem não apenas conhecimento técnico, mas também compromisso com os valores fundamentais que sustentam o Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, entre os objetivos específicos deste estudo, destaca-se, primeiramente, o estudo aprofundado dos conceitos de ética e deontologia, com o propósito de ressaltar suas diferenças conceituais e suas zonas de interseção, e de compreender de que forma esses princípios se aplicam concretamente no campo jurídico. Em segundo lugar, busca-se identificar e analisar os principais códigos de conduta e normas que orientam a prática profissional no Direito, especialmente o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), destacando os fundamentos éticos e morais que sustentam suas disposições. Por fim, pretende-se avaliar a relevância da deontologia jurídica como instrumento normativo e pedagógico voltado à regulamentação da atividade profissional dos operadores do Direito, entendendo sua função na promoção da integridade, da responsabilidade e da confiança social na prática jurídica. A abordagem adotada parte da convicção de que a formação ética e a observância dos deveres deontológicos não são meras formalidades, mas condições essenciais para que o exercício do Direito seja legitimado perante a sociedade e cumpra sua função de garantidor da justiça e da cidadania.

A justificativa para este estudo reside na importância fundamental da ética e da deontologia na prática jurídica, que regulam as condutas profissionais e estabelecem padrões para o exercício ético e responsável do Direito. Dada a complexidade e as demandas específicas de cada área jurídica, é necessário compreender como esses princípios influenciam as posturas profissionais, garantindo a confiança dos clientes e a efetividade do sistema de justiça.

O constante aprimoramento da ética profissional do advogado é essencial, pois a falta de uma conduta adequada pode prejudicar tanto os pares da profissão quanto terceiros que necessitam de proteção jurídica efetiva. Dessa forma é importante revisitar, sempre que possível, as normas de conduta do advogado para assegurar práticas alinhadas aos princípios éticos e morais da profissão.

Este trabalho pretende analisar os conceitos, princípios e normas éticas presentes nos manuais de conduta jurídica, embasando-se não apenas na legislação, mas também em doutrinas e produções acadêmicas sobre o tema. Considerando a relevância da deontologia jurídica no Direito moderno e os desafios encontrados em sua plena aplicação, torna-se necessário refletir sobre as práticas atuais dos operadores do Direito, muitas vezes marcadas pela falta de ética e de boa-fé.

Por fim, é fundamental destacar que a deontologia jurídica deve servir como uma ferramenta para assegurar que a profissão jurídica seja exercida de forma plena, respeitando seus princípios e valores. Dessa forma, busca-se afastar a corrupção e a desonestidade por parte de juízes, advogados, promotores, defensores públicos e outros profissionais, promovendo, assim, a satisfação do interesse público e a efetividade da tutela jurídica.

2     DEONTOLOGIA E ÉTICA JURÍDICA 

A deontologia e a ética jurídica representam fundamentos indispensáveis para a atuação responsável dos profissionais do Direito. Enquanto a ética constitui um campo filosófico voltado à reflexão crítica sobre os valores que regem a conduta humana, a deontologia jurídica é a normatização específica dos deveres profissionais no âmbito jurídico, traduzindo os princípios éticos em regras operacionais aplicáveis ao exercício da advocacia, magistratura, promotoria e demais funções jurídicas. Ambas as categorias não se sobrepõem, mas se complementam no sentido de estruturar a conduta dos operadores do Direito em consonância com os valores democráticos e os direitos fundamentais assegurados pelo ordenamento jurídico.

A ética jurídica, como desdobramento da ética geral, impõe ao profissional do Direito o dever de agir com lealdade, probidade, diligência e respeito à dignidade humana. Tais exigências ultrapassam os limites formais das normas legais, exigindo do jurista não apenas o conhecimento da lei, mas também o discernimento para aplicar o Direito com justiça material. Esse aspecto é particularmente relevante em uma sociedade pluralista, onde a diversidade de valores exige, do profissional, sensibilidade ética para lidar com conflitos complexos. Como destaca Perelman (2005), o exercício do Direito requer uma racionalidade prática capaz de considerar não apenas a legalidade, mas também a legitimidade das decisões tomadas.

Já a deontologia jurídica constitui o conjunto de normas que definem os deveres específicos do profissional do Direito. É positivada em códigos e regulamentos, como o Código de Ética e Disciplina da OAB, que orienta o comportamento dos advogados brasileiros. A deontologia atua como uma ponte entre os princípios abstratos da ética e a prática cotidiana da profissão, normatizando condutas esperadas, sanções disciplinares, deveres perante o cliente, o Judiciário, a sociedade e os próprios colegas de profissão. Seu caráter normativo, portanto, assegura parâmetros objetivos para avaliar o comportamento ético dos profissionais e coibir práticas incompatíveis com a dignidade da função.

A distinção entre ética e deontologia jurídica pode ser compreendida sob uma perspectiva filosófico-normativa: enquanto a ética atua no plano da consciência e da reflexão moral, a deontologia atua no plano jurídico-formal, estabelecendo obrigações e limites concretos à atuação profissional. No entanto, apesar dessa distinção teórica, ambas convergem na prática, pois a aplicação da deontologia jurídica pressupõe uma base ética sólida. Um código deontológico, por si só, não garante condutas íntegras se não houver uma formação ética contínua e interiorizada por parte do operador do Direito.

No contexto atual, marcado por escândalos envolvendo corrupção, abuso de poder e violações de direitos, a presença da ética e da deontologia no exercício do Direito torna-se ainda mais urgente. O compromisso com a ética não pode ser facultativo, mas, sim, estruturante da identidade profissional jurídica. Da mesma forma, a deontologia jurídica precisa ser aplicada com rigor e seriedade pelas entidades fiscalizadoras, a fim de garantir não apenas o cumprimento da legalidade, mas também a efetivação de uma justiça ética e comprometida com o bem comum.

Portanto, a ética e a deontologia jurídica não são acessórias na prática profissional do Direito, mas elementos estruturantes que qualificam e legitimam a atuação dos operadores jurídicos. Sem elas, o Direito perde seu sentido enquanto instrumento de justiça, converte-se em mera técnica desvinculada de valores e fracassa em sua missão de assegurar a dignidade humana e a ordem democrática.

2.1    CONCEITOS DE ÉTICA

A ética, em sua essência, é uma ciência prática que busca compreender e avaliar os fundamentos das ações humanas, investigando o que é considerado bom, justo e correto. Sua origem etimológica remonta ao termo grego ethos, que pode ser traduzido como “costume” ou “caráter”. Essa dualidade reflete a amplitude da ética, que tanto observa os hábitos e tradições de uma sociedade quanto os aspectos mais intrínsecos da personalidade humana (Bijos, 2011). 

Historicamente, a ética passou por diferentes fases de desenvolvimento conceitual. A “virada socrática” trouxe um foco renovado para a importância do questionamento racional e da busca de justificativas para as ações humanas, consolidando a ética como uma reflexão sobre o que é bom ou mau (Bijos, 2011). 

Aristóteles definiu a ética como um estudo prático, orientado para alcançar a excelência moral e a felicidade. Para ele, a virtude seria o ponto de equilíbrio entre extremos, alcançada por meio da razão e da prática constante (Medeiros; Silva, 2010).

Essa visão permanece como uma base para o pensamento ético, destacando o papel da reflexão na condução de uma vida virtuosa.

Embora frequentemente confundida com a moral, a ética tem uma distinção clara. A moral refere-se ao conjunto de normas e valores estabelecidos por uma sociedade, enquanto a ética é o campo de estudo que avalia criticamente esses valores, buscando compreender sua legitimidade e aplicabilidade universal (Zanon Júnior, 2014). 

Para Kant, por exemplo, as leis éticas são motivadas internamente pela razão, enquanto as leis morais orientam a convivência social, podendo ter caráter coercitivo. Essa distinção ressalta que a ética não é apenas um reflexo das normas sociais, mas um processo crítico e dinâmico (Weber, 2015).

No contexto contemporâneo, a ética enfrenta desafios significativos devido à prevalência de valores imediatistas e consumistas, muitas vezes promovidos por uma lógica mercadológica que valoriza o pragmatismo em detrimento da reflexão moral. Conforme Medeiros e Silva (2010), a sociedade atual, influenciada pela globalização e pelo capitalismo, tende a negligenciar conceitos abstratos como justiça, liberdade e democracia. Esse afastamento das questões fundamentais da ética resulta em um distanciamento de sua essência, comprometendo sua aplicação prática e valorativa.

A crise ética também se manifesta na instrumentalização do conceito em discursos retóricos, especialmente no ambiente político e corporativo. A trivialização da ética reduz seu potencial transformador, gerando descrédito e, em muitos casos, desconfiança (Nalini, 2008). Essa superficialidade reforça a necessidade de resgatar a ética como prática essencial para a convivência social e o fortalecimento dos valores humanos, promovendo uma sociedade mais justa e solidária.

Por outro lado, a ética também é um elemento estruturante na formação de profissionais e no fortalecimento das instituições. No campo jurídico, por exemplo, a ética é fundamental para a construção de normas e princípios que orientem a aplicação da justiça. Perelman (2005) destaca que a ética oferece uma base indispensável para decisões justas, mesmo em contextos normativos baseados no positivismo. Essa dimensão prática da ética sublinha sua relevância não apenas como um campo teórico, mas como uma ferramenta para orientar decisões complexas e promover a equidade.

Assim, a ética se posiciona como um campo essencial para a análise das interações humanas e da construção de uma sociedade que valorize o bem-estar coletivo. Ao estudar os fundamentos do comportamento humano, a ética promove um olhar crítico sobre as normas e valores que regem a convivência, incentivando ações baseadas na justiça, na equidade e no respeito mútuo (Dworkin, 2011). A reflexão ética, portanto, não é apenas uma necessidade teórica, mas uma prática indispensável para a consolidação de uma sociedade mais consciente e integrada.

2.2    A MORAL E SUA DISTINÇÃO DA ÉTICA

A moral é um conjunto de normas, valores e costumes que orientam o comportamento humano em sociedade, estabelecendo critérios sobre o que é considerado certo ou errado, justo ou injusto. Diferentemente da ética, que é um campo de estudo reflexivo e crítico, a moral tem uma natureza prática e cultural, sendo formada e transmitida socialmente ao longo do tempo (Bijos, 2011). Sua origem etimológica, do latim moralis, remete aos costumes, destacando seu papel como elemento estruturador da convivência social.

Enquanto a ética busca compreender e justificar os fundamentos das ações humanas de maneira universal, a moral opera em um âmbito mais restrito, refletindo os valores predominantes em um grupo social específico. Assim, a moral está intrinsecamente ligada ao contexto histórico, cultural e religioso de cada sociedade, podendo variar amplamente entre diferentes comunidades (Zanon Júnior, 2014). 

A distinção entre ética e moral é um dos pontos centrais das discussões filosóficas. A ética é o estudo crítico dos princípios morais, buscando compreender sua legitimidade e aplicabilidade. Em outras palavras, a ética reflete sobre a moral, questionando e avaliando suas bases, enquanto a moral é o conjunto de regras e valores que orientam as práticas humanas (Medeiros; Silva, 2010). Nesse sentido, Kant define a moral como o conjunto de normas que regula o comportamento externo dos indivíduos, enquanto a ética está relacionada à motivação interna e racional que fundamenta essas normas (Weber, 2015).

De acordo com Dworkin (2011), a moral se refere aos valores coletivos de uma sociedade, enquanto a ética é mais individualista, envolvendo decisões pessoais sobre como conduzir uma vida virtuosa. A moral, portanto, possui um caráter mais objetivo e normativo, sendo compartilhada por um grupo, enquanto a ética é subjetiva, exigindo reflexão e julgamento por parte do indivíduo.

Na contemporaneidade, a moral continua a desempenhar um papel central na regulação social, mas enfrenta desafios relacionados à sua flexibilidade e adaptabilidade. Como observa Zanon Júnior (2014), a moral é influenciada por fatores como educação, cultura e experiência pessoal, sendo uma construção cultural que evolui com o tempo. Em uma sociedade cada vez mais globalizada, a coexistência de diferentes sistemas morais pode gerar tensões e conflitos, exigindo uma reflexão ética para harmonizar esses valores divergentes.

Além disso, a moral está profundamente conectada à justiça social e à equidade, servindo como base para a criação de leis e normas jurídicas. Entretanto, sua aplicação prática pode ser limitada por preconceitos e desigualdades estruturais. Nesse contexto, a ética desempenha um papel fundamental ao avaliar criticamente as normas morais, promovendo sua atualização e alinhamento com princípios universais de justiça e respeito aos direitos humanos (Perelman, 2005).

Embora distintas, moral e ética são interdependentes. A moral fornece o objeto de estudo para a ética, enquanto a ética crítica, refina e legitima os valores morais. Essa relação dialética é essencial para o desenvolvimento de sociedades mais justas e equilibradas. Como apontado por Bijos (2011), a moral, sem a reflexão ética, pode tornar-se dogmática e arbitrária, enquanto a ética, sem a moral, carece de aplicação prática.

A moral, portanto, é a base cultural e normativa sobre a qual se constrói a convivência social, enquanto a ética é o instrumento crítico que garante sua relevância e eficácia em diferentes contextos. Essa distinção, ao mesmo tempo que reconhece as especificidades de cada conceito, destaca sua complementaridade na busca por uma sociedade mais justa e consciente.

2.3   ÉTICA PROFISSIONAL E SUA IMPORTÂNCIA

A ética profissional representa um conjunto de valores, princípios e diretrizes que norteiam o comportamento de indivíduos no exercício de suas atividades laborais. Diferentemente da ética em seu sentido mais amplo, que aborda questões universais de conduta humana, a ética profissional está relacionada às especificidades de cada profissão e às responsabilidades que emergem do exercício dessas práticas. Ela estabelece padrões que regulam tanto a relação entre profissionais quanto às interações com clientes, organizações e a sociedade em geral (Bijos, 2011).

Um elemento central da ética profissional são os códigos de ética, documentos que formalizam as normas e orientações para o exercício responsável de uma profissão. Esses códigos são elaborados por órgãos de classe ou entidades reguladoras e têm como objetivo assegurar a qualidade dos serviços prestados, promover a integridade e proteger os interesses da sociedade (Medeiros; Silva, 2010). 

Os códigos de ética também desempenham um papel educativo, ao informar profissionais sobre os valores fundamentais de sua prática e as possíveis sanções em caso de desvios. Além disso, eles promovem uma cultura de autorregulação, em que os próprios profissionais se tornam guardiões das boas práticas em sua área de atuação (Nalini, 2008).

Um dos aspectos mais importantes da ética profissional é seu papel na construção e manutenção da credibilidade. Profissionais éticos geram confiança não apenas em seus clientes, mas também entre colegas de trabalho, instituições e a sociedade. A credibilidade, por sua vez, é essencial para a sustentabilidade de qualquer profissão, pois garante que as pessoas confiem nos serviços oferecidos e reconheçam seu valor. Como observa Weber (2015), a falta de ética em contextos profissionais pode causar danos irreparáveis tanto para a reputação individual quanto para a imagem da profissão como um todo.

A credibilidade também está intimamente ligada à transparência, que é um princípio fundamental da ética profissional. Profissionais transparentes em suas ações e decisões promovem relações de confiança e respeito, fortalecendo as bases para colaborações duradouras. Esse compromisso com a clareza é particularmente relevante em setores como a saúde e o direito, onde decisões éticas podem ter impactos diretos e profundos na vida das pessoas (Perelman, 2005).

A ética profissional funciona como um mecanismo de regulação dentro das organizações e da sociedade. Ela estabelece padrões de conduta que previnem abusos, conflitos de interesse e práticas desleais. Ao mesmo tempo, oferece diretrizes para a resolução de dilemas éticos que surgem no cotidiano profissional. Dworkin (2011) argumenta que a ética profissional não apenas regula comportamentos, mas também promove um ambiente de trabalho mais justo e equitativo ao garantir que todos os envolvidos sejam tratados com respeito e dignidade.

Esse papel regulador é especialmente importante em contextos contemporâneos, onde a globalização e os avanços tecnológicos têm criado novos desafios éticos. Questões como o uso de dados pessoais, a automação de processos e a inteligência artificial demandam uma reflexão ética contínua, para garantir que os avanços sejam usados de forma responsável e justa (Zanon Júnior, 2014). Assim, a ética profissional se adapta às transformações sociais e tecnológicas, permanecendo relevante e eficaz.

O ambiente profissional é frequentemente marcado por dilemas éticos que exigem decisões complexas. Esses dilemas podem surgir de conflitos entre os interesses pessoais, organizacionais e sociais, colocando os profissionais em situações desafiadoras. Por exemplo, um médico pode enfrentar o dilema de respeitar a autonomia do paciente enquanto considera as implicações éticas e legais de suas decisões (Bijos, 2011). Da mesma forma, um advogado pode se ver dividido entre a obrigação de defender seu cliente e a necessidade de preservar a justiça.

A ética profissional oferece ferramentas para lidar com esses dilemas, fornecendo princípios que ajudam os profissionais a avaliar as consequências de suas ações e a tomar decisões que sejam ao mesmo tempo responsáveis e alinhadas aos valores de sua profissão. Segundo Medeiros; Silva (2010), esses princípios não apenas orientam as escolhas individuais, mas também ajudam a estabelecer padrões mais amplos de comportamento ético dentro de organizações e comunidades.

A prática da ética profissional transcende o ambiente de trabalho, gerando impactos positivos na sociedade como um todo. Profissionais éticos ajudam a fortalecer instituições, promovem a justiça social e contribuem para o desenvolvimento humano. Além disso, a ética profissional incentiva a cooperação e o respeito mútuo, valores essenciais para a construção de uma sociedade mais equilibrada e sustentável (Nalini, 2008).

Esses impactos são particularmente visíveis em setores que lidam diretamente com o bem-estar humano, como a saúde e a educação. Profissionais éticos nessas áreas garantem que os serviços sejam prestados com qualidade, respeito e responsabilidade, beneficiando não apenas os indivíduos diretamente atendidos, mas também a sociedade em geral. Perelman (2005) observa que a ética profissional é uma força transformadora, capaz de promover mudanças positivas em contextos organizacionais e sociais.

Na atualidade, a ética profissional enfrenta desafios adicionais decorrentes das rápidas mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. O aumento da competitividade, a pressão por resultados e a complexidade das relações globais têm ampliado a necessidade de uma reflexão ética mais profunda e constante. Como aponta Zanon Júnior (2014), a ética profissional deve evoluir para lidar com questões emergentes, como o impacto ambiental das atividades humanas e as implicações éticas da inteligência artificial.

Essa necessidade de adaptação ressalta o caráter dinâmico da ética profissional, que não pode ser vista como um conjunto fixo de normas, mas como um processo contínuo de aprendizado e transformação. Além disso, reforça a importância da formação ética como parte essencial do desenvolvimento profissional, garantindo que os indivíduos estejam preparados para enfrentar os desafios éticos de um mundo em constante mudança (Weber, 2015).

2.4   DEONTOLOGIA GERAL E JURÍDICA

A deontologia, em sua essência, é o estudo dos deveres e obrigações que regem as condutas humanas em diferentes esferas, especialmente no âmbito profissional. Derivada do termo grego deon, que significa “dever”, ela se estabelece como uma disciplina normativa, voltada para a definição de regras e princípios que orientam comportamentos de acordo com padrões éticos e morais previamente estabelecidos. Mais do que um conjunto de prescrições técnicas, a deontologia busca assegurar que as ações individuais e coletivas estejam alinhadas com valores fundamentais como a integridade, a justiça e o respeito ao outro (Frauches; Callegari, 2022).

No aspecto geral, a deontologia opera como um elo entre as expectativas éticas e a prática concreta, oferecendo diretrizes para que os indivíduos possam desempenhar suas funções de maneira responsável e alinhada às necessidades da sociedade. Diferentemente da ética, que se dedica a reflexões filosóficas sobre os fundamentos do agir humano, a deontologia se concentra em aspectos normativos e práticos, delimitando comportamentos aceitáveis e estabelecendo padrões objetivos de conduta. Ela reflete a necessidade de transformar princípios abstratos em normas aplicáveis a contextos específicos, garantindo que os deveres sejam cumpridos de forma coerente e organizada (Langaro, 2008).

A deontologia possui um caráter transversal, aplicável a diversas áreas do conhecimento e da prática social. Embora frequentemente associada a profissões que lidam diretamente com o público, como Direito, Medicina e Educação, seu escopo vai além, abrangendo qualquer atividade humana que requeira normas específicas para sua execução. Esse caráter normativo é essencial para assegurar a confiança, a previsibilidade e a moralidade nas interações interpessoais e institucionais, permitindo que as sociedades funcionem de maneira harmoniosa e justa (Hostert, 2021).

Uma das características fundamentais da deontologia é sua capacidade de incorporar valores morais e éticos às práticas cotidianas, promovendo um alinhamento entre o que se considera correto e o que se espera dos indivíduos em seus papéis sociais. Ela funciona como uma ponte entre as expectativas coletivas e as ações individuais, orientando comportamentos de acordo com princípios amplamente reconhecidos. Assim, ao estabelecer deveres e obrigações, a deontologia contribui para o fortalecimento de normas que transcendem os interesses particulares, promovendo o bem-estar coletivo e a coesão social (Fernandes, 2022).

A universalidade da deontologia está no fato de que, independentemente do contexto ou da cultura, busca criar um espaço de harmonia entre os valores éticos e as práticas cotidianas. É nesse sentido que sua relevância se manifesta como um instrumento indispensável para a convivência humana, estabelecendo padrões que regulam não apenas o comportamento técnico, mas também a postura moral e ética dos indivíduos. A deontologia, portanto, transcende sua função normativa ao se posicionar como um mecanismo de integração entre as esferas do dever e da responsabilidade humana.

No âmbito jurídico, a deontologia assume uma relevância particular, pois regulamenta a conduta de advogados, juízes, promotores e outros agentes do Direito. É vista como um conjunto de diretrizes que conecta os princípios éticos com as obrigações práticas, garantindo que as ações desses profissionais estejam alinhadas aos valores de justiça, igualdade e respeito à dignidade humana. Conforme descrito por Langaro (2008), a deontologia jurídica atua como um guia indispensável para assegurar que o exercício do Direito não se limite a uma aplicação técnica da norma, mas também considere os impactos sociais e morais de cada decisão.

Diferentemente de uma regulamentação técnica, a deontologia jurídica enfatiza o aspecto ético das decisões e das ações no âmbito jurídico, destacando a importância de princípios como integridade, responsabilidade e respeito aos direitos fundamentais (Frauches; Callegari, 2022).

Conceitualmente, a deontologia jurídica é definida como a disciplina que organiza as obrigações morais e normativas específicas dos operadores do Direito, assegurando que suas ações estejam orientadas por valores que transcendem o simples cumprimento da lei. Langaro (2008) observa que a deontologia jurídica estabelece uma interseção entre o Direito e a ética, criando diretrizes que garantem a prática responsável e o respeito à dignidade humana. Isso demonstra que a aplicação do Direito não pode ser desvinculada de uma perspectiva ética que assegure que suas finalidades sociais e humanas sejam atingidas.

Essa disciplina possui forte caráter normativo e é formalizada por meio de códigos de conduta específicos, como o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que regula o comportamento dos advogados e estabelece parâmetros para questões como sigilo profissional, independência e lealdade (Frauches; Callegari, 2022). Esses códigos não apenas delimitam os comportamentos esperados, mas também servem como referência para a resolução de conflitos éticos, permitindo que os profissionais do Direito atuem de maneira equilibrada e em conformidade com os princípios da justiça.

Além de sua dimensão normativa, a deontologia jurídica possui um caráter pedagógico, ao fornecer aos profissionais do Direito orientações para lidar com dilemas éticos e normativos que surgem em sua prática. Para Hostert (2021), o cumprimento das normas deontológicas não se limita à técnica jurídica, mas envolve uma compreensão profunda das responsabilidades sociais do Direito. Isso inclui a valorização de questões como equidade, acessibilidade à justiça e respeito às diferenças culturais e sociais das partes envolvidas nos processos.

Outro aspecto importante da deontologia jurídica é sua capacidade de estabelecer um equilíbrio entre a aplicação técnica das normas e os princípios éticos que orientam a prática do Direito. Fernandes (2022) ressalta que a deontologia jurídica exige que os operadores do Direito transcendam o formalismo das leis para considerar o impacto humano e social de suas decisões. Assim, a deontologia jurídica não apenas regulamenta comportamentos, como também contribui para a construção de um sistema jurídico mais justo e inclusivo.

Assim, a deontologia jurídica reflete a necessidade de harmonizar as práticas jurídicas com valores éticos universais. Ao estabelecer diretrizes claras e objetivas, ela promove a confiança pública no sistema de justiça e reforça o compromisso dos profissionais do Direito com a preservação da democracia e a proteção dos direitos humanos. Como destaca Langaro (2008), a deontologia jurídica não apenas regula a prática profissional, mas também assegura que o Direito seja um instrumento efetivo para a promoção da justiça e do bem-estar social.

2.5   RELAÇÃO ENTRE ÉTICA, MORAL E DEONTOLOGIA NO CAMPO JURÍDICO

A relação entre ética, moral e deontologia no campo jurídico é complexa e profundamente interligada, pois esses três conceitos, embora distintos, complementam-se e formam a base da conduta dos profissionais que operam no sistema de justiça. Cada um desses elementos desempenha um papel específico na orientação das ações humanas, especialmente no contexto jurídico, em que decisões e comportamentos impactam diretamente na vida de indivíduos e na estrutura social.

A ética, em sua essência, é a disciplina filosófica que investiga os princípios gerais que orientam o comportamento humano. No campo jurídico, ela opera como uma reflexão sobre os valores universais que sustentam a justiça, a equidade e o respeito à dignidade humana. Conforme Fernandes (2022), a ética fornece o substrato teórico para o desenvolvimento de normas e condutas, permitindo que os operadores do Direito questionem e analisem criticamente as implicações de suas ações, indo além do mero cumprimento técnico das leis.

A moral, por outro lado, refere-se ao conjunto de valores e normas aceitos por uma determinada sociedade em um contexto específico. No campo jurídico, a moral funciona como um reflexo das expectativas sociais, influenciando tanto a criação quanto a interpretação das normas legais. Langaro (2008) observa que, enquanto a ética investiga o fundamento dos valores, a moral os incorpora na prática cotidiana, orientando comportamentos em conformidade com o que é socialmente aceito como certo ou errado. 

Já a deontologia, no contexto jurídico, representa a aplicação prática e normativa desses princípios éticos e morais. Trata-se do conjunto de deveres e obrigações que regulam a conduta dos profissionais do Direito, estabelecendo padrões claros para suas ações em situações específicas. 

Hostert (2021) enfatiza que a deontologia jurídica é indispensável para garantir que os operadores do Direito atuem de forma ética, respeitando tanto as normas legais quanto os valores fundamentais de justiça e integridade. Por meio de códigos de ética e disciplina, a deontologia orienta decisões e comportamentos, assegurando que as práticas jurídicas sejam tecnicamente corretas e moralmente aceitáveis.

A interação entre ética, moral e deontologia no campo jurídico é essencial para harmonizar a teoria com a prática. A ética fornece o alicerce teórico para questionar e aperfeiçoar os sistemas legais, enquanto a moral traduz as expectativas sociais que legitimam o Direito perante a sociedade. 

A deontologia, por sua vez, operacionaliza esses valores, oferecendo diretrizes concretas que regulam a atuação dos profissionais. Frauches; Callegari (2022) destacam que, sem essa interação, o Direito correria o risco de se tornar um exercício puramente técnico, desconectado das necessidades e valores sociais.

No campo jurídico, a relação entre esses elementos é particularmente evidente na resolução de dilemas éticos. Por exemplo, um advogado pode enfrentar o conflito entre defender os interesses de seu cliente e respeitar os princípios de justiça e transparência. Nesse contexto, a ética fornece os critérios para avaliar o dilema, a moral influencia a percepção do que é socialmente aceitável, e a deontologia estabelece as regras que orientam a conduta profissional. Fernandes (2022) ressalta que essa integração permite que os operadores do Direito tomem decisões informadas, equilibrando a técnica jurídica com valores éticos e morais.

Langaro (2008) afirma que os profissionais do Direito não operam apenas como técnicos, mas como agentes de transformação social, cujo comportamento reflete diretamente na legitimidade das instituições jurídicas. Ao agir de forma ética e conforme os preceitos deontológicos, esses profissionais não apenas cumprem suas obrigações legais, como também fortalecem a credibilidade do sistema de justiça e promovem o bem-estar coletivo.

Portanto, a relação entre ética, moral e deontologia no campo jurídico é uma construção indispensável para a prática do Direito como ferramenta de justiça e equidade. Enquanto a ética fundamenta os valores universais que orientam o comportamento humano, a moral traduz essas expectativas em normas sociais, e a deontologia operacionaliza esses princípios, estabelecendo diretrizes práticas para a atuação profissional. Juntas, essas dimensões garantem que o Direito seja mais do que uma mera aplicação de normas, tornando-se um instrumento essencial para a promoção de uma sociedade mais justa e igualitária. 

3   ÉTICA PROFISSIONAL E RESPONSABILIDADE CIVIL NA PRÁTICA JURÍDICA

A Constituição Brasileira de 1988, já em seu primeiro artigo, traz a preocupação com cada indivíduo, em proteger sua dignidade com zelo, por se tratar de um dos pilares fundamentais para construção do Estado Democrático de Direito de maneira saudável, pois bem diz que o poder emana do povo, ou seja, da união dos indivíduos como um todo por um objetivo em comum; é um axioma de estruturação do Estado, um requisito básico fundamental como se pode ver em seu inteiro teor:

[…] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – A soberania;
II – A cidadania;
III  – A dignidade da pessoa humana;
IV – Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019). 
V   – O pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 2015). 

Sendo assim, além de direito, trata-se de um princípio muito mais profundo: um agende formador e norteador para a criação do direito fundamental. Não se pode deixar de mencionar a obra de Sarlet (2007), onde a autora deixa bem claro que a dignidade do indivíduo perante a sociedade e o Estado é distintiva e que o indivíduo deve fazer-se merecedor de respeito e consideração, ou seja, merecê-la.

A Sociedade tem como uma de suas principais características, do ponto de vista jurídico, um caráter dinâmico. Ela está sempre em constante mudança. Isso decorre da conduta pessoal e individual de cada ser humano no meio social. 

[…] Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (SARLET, 2007, p.62).

Para reforçar esta ideia, de que a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental de escolha do próprio indivíduo, de se fazer ou não merecedor de respeito e consideração pela sociedade e o Estado, Fernando Capez diz que qualquer construção contra a dignidade da pessoa humana é um ato atentatório contra o Estado e será materialmente inconstitucional.

No mundo contemporâneo, o homem é um ser que vive cada vez menos isoladamente. Ele é, essencialmente, um ser gregário; ou seja, é de sua natureza viver e conviver com outros indivíduos. Consequentemente, entre eles se criam determinados grupos, que por sua vez são formados por características próprias e comuns entre todos os membros. Pode-se citar, por exemplo, um grupo religioso que segue determinada doutrina, um clube esportivo ou determinado grupo social que apoia algum partido político. Acerca desse tema dispõe o jurista André Franco Montoro: 

[…]o homem está cada vez menos isolado. Desde o nascimento, pertence a alguns grupos como a família, a comunidade local, a classe, a nação, a igreja. Em seguida entra para a escola, o clube esportivo, a empresa, o sindicato, o partido e outras modalidades de associações (MONTORO, 2016, p.615). 

Diante de uma sociedade repleta de grupos sociais surgem várias características específicas como crenças, costumes e valores culturais diferentes que acabam refletindo em tudo ou em quase tudo no dia a dia do homem na sociedade, e, em diversas áreas, inclusive, na área do Direito; isto serve de instrumento de controle social, com o propósito de trazer ordem, equilíbrio e harmonia, que são elementos indispensáveis ao convívio social.

É das relações e dos fatos sociais que nasce o Direito. Ele resulta de “um complexo de fatores sociais” (MONTORO, 2016, p. 618), que influencia no surgimento, por exemplo, do Direito de Família, do Direito Penal e do Direito Civil, pois o Direito se apoia em cada conduta do indivíduo em seu meio social. Assim dispõe André Franco Montoro: 

[…]o Direito emana da sociedade sob múltiplos aspectos: 1. Como resultante do poder social; 2. Como reflexo dos objetivos, valores e necessidades sociais; 3. Como manifestação ou efeito de fatores sociais: históricos, geográficos, técnicos, econômicos, culturais, psicológicos, morais, religiosos etc. O Sistema de direito de cada povo se apoia permanentemente em um fenômeno de poder social, isto é, numa realidade social complexa, em que a resultante das suas forças faz nascer efetivamente o direito vigente (MONTORO, 2016, p.619). 

Em virtude das diversidades culturais e sociais, muitos traços se perdem e outros se ganham em uma grande velocidade com o passar dos tempos. A sociedade está sempre em constante mudança, ou seja, possui como característica um caráter dinâmico. O Direito, como seu reflexo, acaba por ser dinâmico da mesma forma, para que possa se adaptar ao desenvolvimento do homem na sociedade, levando à criação, revogação e alteração de normas com a finalidade de garantir uma convivência harmônica entre os indivíduos, aperfeiçoando as normas para adequá-las às exigências da sociedade. 

3.1   A SEGURANÇA JURÍDICA 

Como corolário subjetivo da segurança jurídica em seu aspecto temporalmente dialético, o princípio da proteção da confiança, o princípio da proteção da confiança legítima, o princípio da segurança jurídica, tendo em conta a situação particular da pessoa privada; física ou moral, se mostra preocupada com os efeitos injustos das mudanças no curso da ação adotada pelo poder público.  

Em outras palavras, a segurança jurídica implica em certas qualidades da ordem jurídica em vigor, a confiança legítima dessa pessoa de que o conteúdo dessa ordem não sofrerá mudanças que possam afetar suas decisões importantes de forma imprevisível, a menos que tais mudanças sejam injustificadas pelas disposições imperiais. A ideia de proteção da confiança legítima, que tende à previsibilidade e estabilidade das situações, ao mesmo tempo em que está sujeita aos imperativos da mutabilidade e flexibilidade do direito, interessando à vassividade das normas legais ao longo do tempo, e, portanto, está intimamente ligada ao fator temporal.

Nesse   sentido, o artigo 2º da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, relativo ao processo administrativo na administração federal, estipula que “a administração pública deve obedecer, entre outras coisas, princípios de legalidade, finalidade, motivação, desproportulidade, desmoralidade, sustentando dureza da defesa, contradição, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.  Esse sistema jurídico também garante a promoção, nos procedimentos administrativos, de eficiência em relação aos padrões morais de probidade e boa-fé.  O artigo 54 da Lei acrescenta que “o direito da administração de anular atos administrativos cujos efeitos são favoráveis ao beneficiário é prescrito após cinco anos a partir do dia de sua adoção, exceto em casos de má fé” (CASSETARI, 2020).

Na mesma linha, duas outras leis também adotadas no mesmo ano de 1999 referem-se ao princípio da segurança jurídica como padrão constitucional: por um lado, Artigo 27 da Lei n.º 9.868, de 11 de novembro de 1999, relativo à ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade e, por outro lado, o artigo 11 da Lei n.º 9.882, de 3 de dezembro de 1999, relativo à ação contra violação de preceitos fundamentais.

 Ressalta-se que, tradicionalmente, o direito constitucional reconhece, em princípio, os efeitos de uma decisão judicial declarando uma lei inconstitucional. A explicação para esta solução, inspirada na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, reside no princípio da supremacia da Constituição sobre a lei. A lei é aprovada de acordo com a Constituição ou não, e, quando essa segunda hipótese é   verdadeira, o ato legislativo é então nulo de sua origem, não mais capaz de produzir efeitos legais; caso contrário, haveria uma inversão da hierarquia das normas na medida em que a Constituição ocuparia um lugar abaixo de uma lei ordinária (CASSETARI, 2020).

No entanto, a prática é de que um direito constitucional, antes de ser declarado tal, produz efeitos legais, ou pelo menos de fato (é um fato operacional), criando expectativas legítimas para os cidadãos de boa-fé. Na origem dessa  concepção estão  a separação radical entre a  sociedade e o Estado, o trabalho efetivamente estreito da  ação administrativa e a relativa estabilidade da produção normativa do Estado, bem como a hipótese de que as relações entre o Estado e os indivíduos são fundamentalmente relações de poder, subjugação e subordinação. 

 Assim, o Estado é economicamente e filosoficamente liberal, agindo de forma repressiva. A jurisprudência foi pautada por considerações pragmáticas, sem se preocupar em definir os fundamentos teóricos  ou identificar os princípios jurídicos que justificam suas decisões.

No entanto, apenas uma grandeza constitucional, o princípio da supremacia da Constituição, incluindo a nulidade de uma lei inconstitucional e os efeitos  ex-tunc de um acórdão declarando a inconstitucionalidade de uma lei. A diferença entre as antigas decisões do STF e as mais recentes, portanto, reside nas justificativas  hermenêuticas. Embora alguns, como o citado acima mencionado de 27 de maio de 2003, emitido de acordo com o Ministro Gilmar Mendes, uma referência constitucional  ao princípio da  segurança jurídica, os primeiros se contentam em notar que o ato  administrativo “já criou uma situação de fato e direito, que o tempo  se consolidou”,  observou, há trinta  anos, Bilac Pinto, um grande magistrado brasileiro.

3.2    RESPONSABILIDADE CIVIL 

No sentido jurídico da expressão, a responsabilidade civil é o dever de reparar o dano nos casos em que houver violação ao dever jurídico de outrem (HIRONAKA, 2005). Segundo o artigo 927 do Código Civil de 2002, a responsabilidade civil tem origem no descumprimento de uma obrigação, de uma regra contratual ou pela inobservância de uma norma que regula a conduta social. Portanto, cabe à pessoa que pratica comportamentos previstos nesse dispositivo o dever de reparar o dano originado do ato, fruto de dolo ou culpa, bastando que haja nexo de causalidade entre a lesão e a ação do agente.

 Quanto à forma, o Código Civil divide a responsabilidade civil em responsabilidade subjetiva e objetiva. A primeira está fundamentada em seus artigos 186 e 187, em que a obrigação de indenizar surgiria somente pela comprovação de dolo ou a culpa do agente causador do dano; caso contrário, a pessoa lesada não receberá nenhum tipo de indenização. A segunda, objetiva, está fundamentada no parágrafo único do art. 927, o qual estabelece que haja obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, implicar risco para os direitos de outrem (GANDINI; SALOMÃO, 2003).

 A responsabilidade civil, quanto à sua origem, é dividida em duas espécies: a contratual e a extracontratual. Esse modelo dualista surgiu no início do Direito com a responsabilidade contratual e a negocial, e abriu margem para que outros direitos fossem desenvolvidos nesta senda – caso do direito francês, cujo código civil (138611 art. 4º) traz as responsabilidades delitual a extracontratual.

O Brasil também refletiu, por meio do Código Civil de 1916, duas responsabilidades, contratual e extracontratual; apresentando-se também no Código Civil de 2002, sob o ”Título IX do Livro das Obrigações”, que trata da responsabilidade extracontratual, e a responsabilidade contratual e tratada no título IV do Inadimplemento das obrigações (CATALAN, 2015). 

Apesar dessa divisão dual consolidada nos direitos, segundo Noronha (2014), a divisão da responsabilidade em extracontratual e contratual reflete “um tempo passado”, uma vez que os princípios e regramentos básicos que regem as duas supostas modalidades de responsabilidade são idênticos; porém, na prática, a divisão persiste no campo do direito civil, que rege as relações entre particulares. Todavia, na esfera consumerista, essa dicotomia da responsabilidade civil é indiferente. 

3.3    RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO 

Um advogado, se cumpre suas responsabilidades sem antes chegar a um acordo por escrito com o cliente, será responsável por quaisquer ações intencionais ou negligentes que ocorram durante a prestação do serviço, independentemente de terem sido feitas ou não intencionalmente. O artigo 32 da Lei n.º 8.906/ 1994 sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aborda especificamente este tópico. A assinatura de uma procuração torna o advogado legalmente obrigado a representar o cliente em questões legais. Assim que a procuração é assinada, suas responsabilidades se tornam abundantemente evidentes.

‘A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. Infere-se daí que sua prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão-somente numa atividade prudente e diligente deste em benefício do credor. Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final’’ (DINIZ, 2002, p. 184).

O privilégio que existe entre os advogados e seus clientes entra em jogo quando uma parte dá a outra pessoa autoridade para agir em nome de um cliente ou administrar seus interesses. Isso demonstra uma obrigação por parte do advogado de proteger o cliente de qualquer dano que possa ser o resultado da relação advogado cliente ou dos serviços jurídicos prestados pelo advogado.

Quando um cliente não pode pagar por serviços jurídicos, a lei permite que a relação advogado-cliente continue mesmo enquanto o cliente estiver em dificuldades financeiras. Pessoas que, sob outras circunstâncias, não teriam condições de pagar por representação legal, poderiam fazer uso da assistência que é fornecida quando certas condições são atendidas.

Em certos casos, particularmente aqueles que envolvem a prestação de ajuda jurídica a partes pobres, a norma que regula a conexão entre um advogado e um cliente é suscetível à exceção. Em determinadas circunstâncias, a conexão das partes não é considerada de natureza contratual, compreendendo os custos processuais e o próprio advogado, como a Defensoria Pública, que é fornecida pelo Estado e tem apenas um vínculo moral – não há relação monetária.

A presunção de culpa ou inversão do ônus da prova não se aplica à responsabilidade civil de um advogado; no caso de dano, o ônus da prova muitas vezes recai sobre a vítima.

Considerando que já se discutiu sobre a importância de utilizar medidas adequadas, é fundamental lembrar que o trabalho do advogado é seguir os processos adequados e não ganhar o caso. Esta organização deve mostrar que todos os esforços razoáveis foram feitos para defender a parte em questão, da maneira mais convincente possível, prestando atenção cuidadosa aos detalhes minuciosos e exercendo o maior cuidado e atenção a fim de atingir o objetivo da parte.

Como resultado, se o advogado perde o caso e pode estabelecer que ele agiu dentro das restrições permitidas, seguiu as regras e seguiu o procedimento, não há necessidade de considerar danos. Neste caso, o advogado não é responsável por nenhuma recompensa monetária.

No papel de advogado extrajudicial, o advogado atua como um consultor contratado para atingir um objetivo específico (como obter acesso a registros públicos de certos documentos ou fazer pesquisa legal), resultando em um contrato exigindo que o advogado dê uma conclusão específica. Se a parte não atinge este objetivo, o advogado deve compensar o cliente pela perda de reputação.

Tendo em mente que a abordagem para avaliar a culpabilidade é a mesma, independentemente do cenário: se o trabalho do advogado causar uma perda, ele ou ela será considerado responsável e poderá ser forçado a compensar a perda processando o advogado.

Há aqui dois tipos de erros: factuais e jurídicos. Os erros factuais durante a preparação do processo incluem o uso incorreto de eventos fornecidos pelo cliente e informações que são inadequadas e mal interpretadas. O erro adequado está associado ao conhecimento e diligência do advogado na execução e aplicação da ordem jurídica, bem como à sua correta aplicação, atos que refletem a falta de preparação e competência do advogado no caso, demonstrando a incapacidade do advogado de se manter atualizado em seu campo de atuação.

3.4   DESOBEDIÊNCIA E DESCUMPRIMENTO DE PRAZOS 

Pode-se determinar que um advogado inscrito na Ordem não tem autoridade para exercer poderes extras sem um mandado específico, caso em que deverá obter uma procuração especial. Um advogado pode potencialmente enfrentar responsabilidade legal se ele ou ela se comportar de forma descuidada, ignorando o conselho do cliente.

[…] mesmo que tenha a faculdade de renunciar a um mandado, o advogado não deve violar a vontade da parte, mesmo que contrarie seus princípios ou qualquer outra convicção específica, ou responderá por qualquer dano causado à parte. Isso se deve à possibilidade de culpabilidade legal caso o advogado indefira os pedidos da parte (CPC, art.45, Código de Ética e Disciplina, art.12).

Incorre em responsabilidade civil o advogado que, após renunciar ao seu cargo de advogado, deixar de representar o cliente nos dez dias imediatamente seguintes à comunicação da sua demissão e, consequentemente, causar prejuízo financeiro ao cliente se não for substituído antes do decurso desse prazo, conforme art. 45 do Código de Processo Civil. 

Prestar atenção é uma das coisas mais importantes que um advogado pode fazer, já que ele tem a tarefa principal de acompanhar o andamento dos processos relacionados e os prazos possíveis. O advogado será responsabilizado pelo dano que causou como resultado de sua falha em seguir a prática padrão e sua obrigação pelo tempo gasto como resultado de seu erro. Se um erro for descoberto, a parte contestada terá o pagamento negado.

Os prazos processuais, no ordenamento jurídico brasileiro, são períodos de tempos contados em dias fixados por leis ou por autoridades judiciárias. 

Como ensina Humberto Theodoro, “Prazo é o espaço de tempo em que o ato processual da parte pode ser validamente praticado” (THEODORO JÚNIOR, 2015).  E vale ressaltar que de acordo com o novo Código de Processo Civil, especificamente em seu artigo 218, os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei.

O prazo é delimitado por dois termos: termo inicial, que é o primeiro dia do prazo para a manifestação da parte a contar do ato praticado; e termo final, o último dia para manifestação, sob pena de preclusão. No processo civil, os prazos serão contados excluindo-se o dia do começo e incluindo o dia do vencimento, podendo ser dilatados para o primeiro dia útil seguinte se coincidir com dia em que não houver expediente forense ou com feriados, conforme se verifica no artigo 224 § 1º do NCPC. 

 Na esfera processual, há prazos para todos os atos a serem praticados nos autos e para todos aqueles que participam direta ou indiretamente do processo, sejam partes, juízes, Ministério Público, Defensoria Pública, Fazenda Pública e serventuários. Inclusive, há prazos diferenciados para a atuação do Ministério Público, Fazenda Pública, Defensoria Pública e para os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores de escritórios distintos (prazo em dobro), qualquer que seja o teor manifestação, conforme pode ser verificado respectivamente nos artigos 180,183, 186 e 229 do NCPC.

 A Doutrina costuma estabelecer uma extensa classificação dos prazos processuais; todavia, nesta pesquisa será levada em consideração apenas a principal.

Em geral, os prazos processuais são classificados em: 

I.               Legais: prazos fixados por lei. Ex.: o prazo para a interposição de contestação e recursos. Judiciais: fixados a critério do juiz. Ex.: prazo para a designação de audiências; 

II.             Convencionais: são os prazos ajustados de comum acordo entre as partes; 

III.           Processuais: são aqueles praticados no curso de um processo; 

IV.          Materiais: são todos aqueles atos que, de modo geral, ocorrem antes da formação de um processo, como prazos decadenciais e prescricionais.

Os prazos ainda podem ser classificados quanto à sua natureza, que poderão ser peremptórios e dilatórios. Os prazos peremptórios são os considerados fatais ou improrrogáveis. Esses não podem ser objeto de convenção entre as partes. Porém, poderão haver exceções, como nas comarcas onde o transporte for difícil, ocasião em que juiz poderá prorrogar qualquer prazo por até 2 (dois) meses (art. 222 do NCPC). 

Por outro lado, os prazos dilatórios são aqueles que, apesar de fixados pela lei, admitem redução ou prorrogação. Isto é, são os que permitem ao juiz ou às partes dispor do prazo para a prática de determinado ato, trazendo-se como exemplo a aplicação da chamada calendarização dos atos processuais (art.191 do NCPC). Os prazos processuais estão sujeitos à preclusão ou ao princípio da eventualidade, que é o fenômeno processual que ocorre quando não há a prática de um ato em determinado prazo. Dispõe Humberto Theodoro:

[…] pelo princípio da eventualidade ou da preclusão, cada faculdade processual deve ser exercitada dentro da fase adequada, sob pena de se perder a oportunidade de praticar o ato respectivo. Assim, a preclusão consiste na perda da faculdade de praticar um ato processual, quer porque já foi exercitada a faculdade processual, no momento adequado, quer porque a parte deixou escoar a fase processual própria, sem fazer uso de seu direito (THEODORO JÚNIOR, 2015, p.95). 

É a perda da faculdade de se praticar um ato processual, seja porque ele já foi praticado em momento oportuno ou porque a parte deixou de praticar o respectivo ato processual em determinado prazo, extinguindo-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual independentemente de declaração judicial, conforme pode ser verificado no artigo 223, caput do NCPC (parte inicial).

Não obstante, podem haver exceções à preclusão, devendo a parte provar que o ato não foi praticado em tempo hábil em razão de justa causa – como positivado no artigo 223, caput (parte final). Neste caso, poderá o juiz, ao verificar a alegação da parte, permitir a prática do ato no prazo que lhe assinar (art. 223 do NCPC, § 2º), salientando que justa causa significa evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário (art. 223, § 1º do NCPC).

Alguns prazos processuais no processo civil passaram por algumas mudanças recentemente, com o surgimento do novo ordenamento processual, que veio para substituir o antigo código: a Lei n.º 5.869 de 1973, que vigorou por 43 anos em nosso ordenamento jurídico. Não obstante, alguns prazos não estão condizentes com a razoável duração do processo e da celeridade processual, que inicialmente era um dos principais objetivos da nova norma processual. 

Fazendo uma comparação entre o código antigo e o código novo, especificamente e exclusivamente em relação a prazos, pode-se verificar que o antigo está mais adequado com a celeridade do andamento processual do que o NCPC.

Vamos às diferenças:

O código de 1973 trazia prazos contínuos, não se interrompendo nos feriados, incluindo na contagem os sábados e domingos (art. 178 do CPC 1973). Levando-se em consideração um prazo de 15 dias para a interposição de um recurso de apelação, como modelo, e que a publicação da sentença tenha se dado no dia 13 de julho de 2017, quinta-feira, esse prazo seria contado continuamente até o 15° dia, que no caso seria 28 de julho de 2017, em uma sexta-feira. Pelo NCPC, os prazos processuais passaram a ser contados em apenas dias úteis (art. 219), ou seja, excluindo-se os sábados, domingos e feriados (art. 216). Sobre esse artigo, Elpídio Donizetti conceitua:

[…] o art. 216, por sua vez, considera feriado e, portanto, dia não útil, o sábado, o domingo e os dias em que não há expediente forense. Da análise dos dois dispositivos é fácil concluir que o novo CPC elasteceu os prazos, possibilitando uma “folga” maior para a prática de determinados atos processuais (DONIZETTI, 2017, p. 316).

Essa elasticidade dos prazos leva, automaticamente, a uma demora maior na tramitação dos processos no Poder Judiciário, e, dessa forma, levando-se em consideração o mesmo prazo de 15 dias para o recurso de apelação e contar da mesma data, 13 de julho de 2017, o 15° dia terminará somente em 03 de agosto. Há, portanto, uma clara diferença de 6 (seis) dias corridos entre um exemplo e outro, em regra. Por conseguinte, vale destacar o exemplo dado pelo juiz federal Francisco Glauber Pessoa Alves:

[…] considerando identidade de parâmetros, tanto quanto possível — já que houve mudança procedimental —, bem como uma situação idealmente perfeita de observância exata dos prazos processuais por todos os atores do processo (partes, servidores, juízes etc.), traçamos um processo iniciado em 21 de março de 2016. Portanto, já sob a vigência do novo CPC. Dessa data em diante, comparamos o processamento a partir das normas do CPC e daquelas que vigerão no novo CPC, em duas colunas paralelas. (…) O resultado, detalhado ao fim deste artigo (sob forma de tabela), é catastrófico em termos de duração razoável do processo. Adaptando-se o possível no procedimento, temos no CPC um trâmite de 8 meses e 15 dias. No novo CPC, o trâmite passa para 18 meses e 27 dias, mais que o dobro do tempo normal de processamento. Aumentaram-se precisos 10 meses e 12 dias no tempo total de processamento (ALVES, 2015, p. 154). 

Sobre o aludido acima é perceptível que os trâmites processuais aumentaram absurdamente depois da entrada em vigor do NCPC, deixando de observar os dispositivos da celeridade processual e da razoável duração do processo.

O jurista Elpídio Donizetti também critica o aparato legal, afirmando: 

[…] não se pode deixar de reconhecer que a contagem dos prazos somente em dias úteis acarretará mais problemas do que benefícios. Na contagem de prazos contínuos, de antemão se sabe que dia vence o prazo de quinze dias. Ao revés, na contagem em dias úteis, há que se verificar quais os dias são “inúteis” (sábados, domingos e feriados) e, a partir de então, ir somando os dias úteis. Não é por outra razão que de regra os comerciantes não vendem para pagar em trinta, sessenta ou noventa dias úteis. Na prática comercial, pelo menos quando favoráveis ao vendedor ou ao prestador do serviço, os prazos são contínuos. É lamentável que o legislador, em vez de facilitar, tenha complicado. Quando dos trabalhos da Comissão de Juristas, tive a oportunidade de alertar para a complicação, mas a regra da contagem dos prazos somente em dias úteis acabou prevalecendo. Diziam os advogados da Comissão que a contagem em dias úteis permitia que os advogados pudessem descansar no final de semana. Ledo engano. Se o prazo vence na segunda-feira e o advogado não elaborou a peça processual na sexta, terá que trabalhar no domingo. Deus ajuda quem cedo madruga. Os que dormem e também os que deixam tudo para a última hora, continuarão a trabalhar de madrugada. Quisesse ampliar os prazos não precisaria o legislador desse subterfúgio. Bastaria estabelecer, por exemplo, que o prazo para recorrer é de vinte dias. Caindo no feriado, prorroga-se para o dia útil imediato (DONIZETTI, 2017, p. 316).

A contagem dos prazos somente em dias úteis trará mais malefícios do que benefícios para o Judiciário. Essa inovação na contagem dos prazos veio, em tese, para beneficiar a classe de advogados, possibilitando a eles um descanso nos finais de semana, conforme tanto reivindicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Contudo, cabe salientar que as partes é que deveriam ser as mais beneficiadas pela nova legislação, já que são elas que se encontram numa situação vulnerável por ter tido um direito violado e estar à procura do Poder Judiciário para resolver seus conflitos. Elas são as maiores interessadas em uma demanda justa e em tempo razoável (THEODORO JÚNIOR, 2015). 

Portanto, quanto mais rápido se puder começar a contar um prazo para a prática de um ato processual, melhor para aqueles que estão envolvidos na lide e, de modo geral, também para as serventias, uma vez que, quanto mais rápidos forem os processos, mais rápidos serão arquivados, desentupindo-se, assim, o Poder Judiciário.

É notório que essa contagem de prazos em dias úteis provoca delonga na tramitação processual, bem como confusão na contagem desses prazos, o que dificultaria a certificação por parte dos órgãos judiciários, corroborando, inquestionavelmente, para a morosidade nos órgãos do Poder Judiciário. É considerada um desafio (CORDEIRO JUNIOR, 2019) à celeridade processual, pois não se pode entender como evolução uma norma que, ao invés de trazer agilidade, traz prazos contados apenas em dias úteis.  

Dentre várias alterações trazidas pelo NCPC, incluindo essa alteração de dias corridos para dias úteis, vieram muitas outras que acabam por conflitar mais uma vez com o princípio da celeridade. 

3.5   VIOLAÇÃO DO JURAMENTO DE CONFIDENCIALIDADE PROFISSIONAL

Como operador jurídico, o advogado é responsável por assegurar que o seu dever seja cumprido de forma adequada e que tome todas as medidas necessárias para proteger e defender os direitos legais das partes. Os exemplos a seguir mostram como as omissões podem ocorrer:

I.                 Quando a situação é muito difícil de ser superada, o acordo proposto pelo lado oposto para encerrar a disputa deve ser recusado;

II.               No caso de ser interposto recurso contra uma sentença de mérito, agindo contra o advogado do cliente;

III.             Se um especialista comete um erro, a pessoa que defende o caso não pode opinar;

IV.            Falta de direção adequada;

V.              Dados adicionais não incluídos no pacote;

VI.            Uma chance perdida,

VII.          Nos casos de omissão, o profissional só será responsabilizado se puder ser demonstrado que o constituinte foi prejudicado em decorrência da omissão.

Quando um advogado defende um cliente em uma situação em que as chances de ele ganhar são pequenas ou quando todas as evidências apontam para a perda do outro lado, o advogado é responsável pelo valor que o outro lado teria recebido se não tivesse se oposto. O profissional é responsável pelo valor que teria sido alcançado se não tivesse sido contratado (GUERRERO, 2022).

Se a sentença for considerada desfavorável, os tribunais superiores deverão ser alertados antes de determinarem se devem ou não utilizar o recurso. Também deve ser determinado se o recurso tem uma chance de sucesso. Um advogado nem sempre é obrigado a interpor recursos, pois os recursos só estão disponíveis se o problema puder ser transferido para um recurso. Somente se o assunto for passível de recurso é que os recursos serão disponibilizados. Por exemplo, se os entendimentos de nível superior dificultarem a análise da linguagem, ou se os precedentes ligados à demanda tiverem previamente mostrado uma leitura negativa da solicitação, a solução proposta será rejeitada. Outro exemplo se dá quando os pensadores de nível superior rejeitam a avaliação de uma proposta. Questionado, o advogado liberal é responsável por indenizar se recusar-se a falar sobre a questão da laudação pericial ao invés de apontar erro grave por parte do perito (GUERRERO, 2022).

Quando um advogado deixa de oferecer orientação sobre um resultado esperado, possíveis riscos ou outras consequências potenciais, ele pode ser responsabilizado, tendo em mente que os danos foram causados em parte pela falta de informação.

Lembre-se de que o advogado será autuado judicialmente se prestar consultoria indevida a cliente em violação à lei, doutrina ou conhecimento superior. O advogado também será responsabilizado por quaisquer danos causados à parte como consequência da não divulgação de informações sobre a probabilidade de resultados negativos e positivos da causa sugerida ou proposta a ser apresentada.

A ideia de “perda de uma chance” gerou acirrada disputa entre os juristas, com alguns aceitando e outros se opondo. É um conceito que responsabiliza o advogado se ele deixar de aproveitar uma oportunidade oferecida. Isso é demonstrado pela falha do advogado em fornecer uma prova importante para o tribunal avaliar (DINIZ, 2018).

Para justificar a exclusão de uma possibilidade que pode modificar o termo a seu favor é necessário construir uma hipótese, que é algo que ainda não existe, mas é uma possibilidade. É por isso que essa ideia está sendo debatida. Rui Stoco (2007) afirma que um advogado não pode ser responsabilizado por um dano hipotético, que não existe. Pressupunha a ocorrência de um dano que antes não havia sido demonstrado, sendo incerto se esse dano ocorreria ou não. Por se tratar de um caso de dever de meio, o meio não pode ser responsabilizado pelo resultado.

O patrocínio infiel é simplesmente dever de um profissional, como advogado ou procurador, de proteger e praticar os princípios da probidade e da boa-fé, que são o pivô do art.422 CPC, combinado com o art. 355 CP, causando prejuízo ao interesse confiado a ele, omissiva ou comissivamente, obrigando-o a resguardar e praticar os princípios da probidade e da boa-fé, que são o pivô do art.422 CPC, conjugado com o art. 355. 

A culpabilidade legal será imposta se o profissional agir de forma que coloque em risco os interesses do constituinte. O advogado também será obrigado a responder a terceiro pelos danos causados pela retenção abusiva ou extravio dos dados sob seu controle ou confiança, conforme o Código de Ética da OAB, que foi adotado pela Lei n.º 8.904/94 artigo 32, XXII. Isso será necessário porque o dano foi irracional (CASSETARI, 2020).

Não é difícil localizar casos em que o advogado de uma parte insultou as outras partes da disputa ou o tribunal. Além disso, é comum que o advogado envie petições para os demais litigantes ou para o Judiciário, incluindo muitos delitos.

Ao advogado é garantida imunidade “por seus atos e declarações no exercício de sua profissão, dentro dos limites da lei”, conforme Art. 133 da FC/88. Além disso, o artigo 2º, inciso 3º, do Código de Ética da OAB, Lei n.º 8.906/94, dispõe: “No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei”, que é reiteração da Carta Magna.

O advogado, se seguir esses princípios, não será responsabilizado por qualquer dano à reputação do cliente causado pelas acusações apresentadas ao tribunal, desde que as ofensas sejam legais. A intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de uma pessoa são invioláveis, nos termos do artigo 5º, inciso X do mesmo texto, com direito à indenização pelo dano pecuniário ou moral decorrente de sua violação.

Como resultado, fica claro que os crimes cometidos pela defesa agindo de forma abusiva e excessiva, desnecessariamente e fora dos limites legais especificados, caracterizariam o pedido de indenização da vítima. Locupletamento, que se traduz como “enriquecimento à custa de outrem”, é definido como “tornar-se rico de qualquer maneira às custas do cliente ou da parte contrária, diretamente ou por meio de um intermediário”. Para evitar as penalidades de aproveitar a oportunidade para enriquecer de má-fé e usar os fatos para enriquecer de má-fé, o advogado não deve usar os fatos para enriquecer-se às custas de outrem, o que seria ilegal e sujeito à pena de restituir tudo o que foi tomado injustamente (CASSETARI, 2020).

O advogado que deixar de “prestar contas ao cliente recebidas dele ou de terceiros em nome do cliente” infringe a lei e pode ser responsabilizado financeiramente, nos termos da Lei n.º 8.906/94, artigo 34, inciso XXI. Como resultado, um advogado, se receber dinheiro e não prestar contas e enviá-lo ao cliente, poderá enfrentar responsabilidade legal. Isso ocorre porque o advogado é obrigado a fornecer ao cliente tudo o que ele ou ela obtém.

 Os incisos XX e XXI do mesmo artigo tratam das transgressões do advogado no caso de valores totais ou medidas judiciais injustificadas, ainda que o pagamento já tenha sido efetuado. Os incisos XX e XXI do mesmo artigo tratam de ofensas advocatícias, incluindo honorários inflacionados ou irregularidades processuais.

A jurisprudência tem levado à responsabilização legal do advogado e, em decorrência, ao ressarcimento dos danos morais e pecuniários mediante a demonstração de sua responsabilidade. A posição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é compatível com o fato de que deixar de transmitir valor ao consumidor é uma infração penal, e não um “erro civil”.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO. RETENÇÃO INDEVIDA DE VALORES DO CLIENTE PELO ADVOGADO. DANO MORAL CONFIGURADO. LILTIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA. Gera dano moral o ato ilícito praticado pelo advogado que recebe pagamento de requisição de pequeno valor de verba alimentar do cliente e deixa de repassar em tempo e modo o valor devido, nem lhe prestar qualquer informação ou contas de seus atos. A conduta praticada pelo advogado repercute na psique do cliente, superando a esfera dos meros aborrecimentos. A situação é evidenciada pelo desrespeito e frustração da relação singular de confiança recíproca que deve existir entre cliente e advogado, que difere de outras relações negociais. O advogado, sendo indispensável à administração da justiça, deve pautar sua conduta com maior rigor ético do que outros profissionais. O valor da indenização pelo dano moral arbitrado na sentença (R$15.782,18) atende aos critérios gerais da equidade, proporcionalidade e razoabilidade, bem como atende aos critérios específicos, como o grau de culpa do agente, o potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado. Caracteriza litigância de má-fé (art. 17, II e V, CPC) tentar induzir em erro o Juízo ao alegar que já teria sido restituído o dinheiro indevidamente retido do cliente mediante transferência bancária, dirigida à pessoa diversa, no intento claro de ver revogada a tutela cautelar que suspendeu o levantamento de valores do advogado em processo judicial no qual é credor. O litigante de má-fé será condenado a pagar multa de 1% sobre o valor da causa, e indenização à parte prejudicada, não sendo superior a 20% sobre o valor da causa, desde que, no último caso, seja comprovado o efetivo prejuízo (art. 18 do CPC). Apelo conhecido e parcialmente provido.
(TJ-DF. APC: 20140110905942. Relator: Hector Valverde Santanna. Data de Julgamento: 05/08/2015. 6ª Turma Cível. Data de Publicação: Publicado no DJE: 13/08/2015).

Claramente, é trabalho do advogado cumprir suas responsabilidades e satisfazer a causa para a qual foi contratado. Além disso, ele será obrigado a prestar contas ao cliente pela retenção de fundos adquiridos via coisa julgada e pagamentos antecipados. Este requisito deve ser preenchido pelo advogado, correndo o risco de ser sancionado pelo cliente nas esferas administrativa e judicial por danos morais e pecuniários.

4   CONCLUSÃO

A presente monografia teve como finalidade a análise aprofundada da deontologia jurídica e da ética na prática profissional do Direito, com especial atenção à responsabilidade civil do advogado no exercício de suas atribuições. O objetivo principal foi compreender de que maneira os princípios éticos e deontológicos influenciam e condicionam a atuação dos operadores jurídicos, contribuindo para a efetivação da justiça, a proteção dos direitos fundamentais e a promoção de práticas profissionais pautadas pela integridade.

O estudo partiu da compreensão teórica da ética enquanto campo filosófico que busca refletir criticamente sobre os valores morais que orientam a ação humana. Em contraste e complementaridade, a deontologia jurídica foi abordada como um conjunto normativo que concretiza tais valores no âmbito profissional, especialmente por meio de códigos de conduta como o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi possível, ao longo da pesquisa, demonstrar que ética e deontologia são conceitos interdependentes, cuja aplicação integrada assegura padrões elevados de conduta no exercício da advocacia.

A pergunta de pesquisa proposta – em que medida a ética e a deontologia orientam efetivamente a prática jurídica no Brasil contemporâneo – foi respondida por meio da identificação de situações em que esses princípios foram aplicados ou negligenciados, revelando a importância de seu fortalecimento. Observou-se que, apesar da existência de um arcabouço normativo robusto, incluindo a previsão constitucional da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, ainda são recorrentes os casos de condutas antiéticas e violações ao dever profissional no âmbito jurídico.

A hipótese inicial, de que a deontologia jurídica e a ética profissional são determinantes para garantir uma atuação jurídica responsável, justa e eficiente, foi confirmada ao longo da análise. Diversos exemplos, tanto doutrinários quanto jurisprudenciais, ilustraram como a ausência de observância desses princípios pode ocasionar prejuízos não apenas aos clientes, mas à credibilidade das instituições jurídicas e ao próprio sistema de justiça.

Um dos pontos de destaque foi o exame detalhado da responsabilidade civil do advogado. Verificou-se que, embora o exercício da advocacia envolva, predominantemente, uma obrigação de meio, isso não exime o profissional da responsabilidade por danos causados por negligência, imprudência ou imperícia. A jurisprudência analisada reforça que o dever de diligência do advogado é indissociável do compromisso ético com seu constituinte e com o sistema de justiça como um todo. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal evidenciou casos de retenção indevida de valores, má-fé e ausência de prestação de contas como condutas graves, ensejadoras de reparação por danos morais e materiais.

Outro aspecto relevante abordado foi o impacto da violação dos prazos processuais e do juramento de confidencialidade profissional. O descumprimento de prazos legais, conforme disposto no Código de Processo Civil, configura inadimplemento grave do dever funcional, sendo passível de responsabilização civil. A perda de prazos prejudica o direito de defesa dos clientes e compromete a celeridade processual, ferindo princípios constitucionais como o devido processo legal e a duração razoável do processo.

Da mesma forma, a quebra de confidencialidade compromete a confiança inerente à relação advogado-cliente, essencial para o pleno exercício do direito à ampla defesa. A omissão de informações relevantes, a não comunicação de riscos e a negligência quanto à condução de estratégias processuais figuram entre as falhas que justificam a responsabilização do profissional do Direito. A aplicação da teoria da “perda de uma chance” foi apontada como uma possibilidade doutrinária e jurisprudencial em casos onde a atuação falha do advogado impediu o cliente de obter um resultado processual potencialmente favorável.

Foi possível constatar, ainda, que os operadores jurídicos, especialmente os advogados, devem agir com diligência redobrada não apenas em nome de seus clientes, mas também em respeito à sua função pública de colaborar com a justiça. A advocacia, nos termos da Constituição Federal, é função essencial à administração da justiça, sendo o advogado inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, desde que dentro dos limites legais. Contudo, essa inviolabilidade não pode ser confundida com impunidade. Quando o advogado extrapola os limites legais e éticos, como nos casos de enriquecimento ilícito, litigância de má-fé ou má conduta reiterada, deve ser exemplarmente responsabilizado.

Em termos metodológicos, a pesquisa utilizou abordagem qualitativa, baseada na análise bibliográfica, normativa e jurisprudencial. Essa metodologia permitiu uma compreensão ampla do papel normativo da deontologia, sua aplicabilidade prática e suas limitações no cotidiano forense. A análise de casos reais contribuiu para ilustrar os pontos discutidos, demonstrando a relevância prática da temática abordada.

A monografia contribuiu para o fortalecimento da ideia de que a ética e a deontologia não são acessórias ou meras formalidades, mas instrumentos centrais para a construção de um sistema jurídico mais justo, eficiente e digno. O comportamento ético dos profissionais do Direito é condição essencial para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, sendo um vetor indispensável para a realização dos direitos fundamentais e a legitimação da atuação jurisdicional perante a sociedade.

Como recomendação, propõe-se a ampliação do ensino de ética e deontologia nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito, com enfoque prático, interdisciplinar e contínuo. Sugere-se também o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e punição ética por parte das instituições reguladoras, como a OAB, com vistas a coibir práticas que desrespeitam os padrões profissionais.

Por fim, conclui-se que a responsabilidade civil do advogado é expressão concreta da ética aplicada. Ela reforça o vínculo de confiança que deve existir entre o profissional e seu cliente e materializa o compromisso do Direito com a justiça. Uma advocacia ética e deontologicamente orientada é essencial não apenas para a proteção de interesses individuais, mas para a preservação da ordem jurídica, da justiça social e da dignidade da própria profissão jurídica.

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