REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202510131824
Warlen Xavier Cintra
Orientadora: Profa. Dra. Denise Reis
Resumo
Este artigo analisa, por meio de um estudo de caso, a violação dos direitos do consumidor com Transtorno do Espectro Autista (TEA), classificado como hipervulnerável. Partindo de um evento real de falha na prestação de serviço de telefonia, investiga-se como a negligência corporativa, mesmo após a expressa comunicação da condição de deficiência pelo consumidor, transcende o mero inadimplemento contratual. A problematização central questiona se tal conduta configura uma quebra qualificada do princípio da boa-fé objetiva e uma forma de discriminação sistêmica. A hipótese é que a falha não é um erro isolado, mas um sintoma de estruturas corporativas excludentes. O objetivo é demonstrar que a proteção legal a esses consumidores exige uma interpretação ampliada, com reparações de caráter pedagógico e antidiscriminatório, abrindo caminho para futuras pesquisas em nível de doutorado.
Palavras-chave: Direito do Consumidor; Hipervulnerabilidade; Pessoa com Deficiência; Transtorno do Espectro Autista; Boa-Fé Objetiva; Discriminação.
Abstract
This article analyzes, through a case study, the violation of the rights of consumers with Autism Spectrum Disorder (ASD), classified as hyper-vulnerable. Based on a real event of a telecommunications service failure, it investigates how corporate negligence, even after the consumer’s explicit communication of their disability, transcends a mere contractual breach. The central problem questions whether such conduct constitutes a qualified breach of the principle of objective good faith and a form of systemic discrimination. The hypothesis is that the failure is not an isolated error but a symptom of exclusionary corporate structures. The objective is to demonstrate that the legal protection for these consumers requires a broader interpretation, with remedies of a pedagogical and anti-discriminatory nature, paving the way for future doctoral-level research.
Keywords: Consumer Law; Hyper-vulnerability; Person with Disability; Autism Spectrum Disorder; Objective Good Faith; Discrimination.
1. Problematização
As relações de consumo contemporâneas são marcadas por uma assimetria informacional e técnica. Quando o consumidor é uma pessoa com deficiência (PCD), como no caso de um indivíduo com Transtorno do Espectro Autista (TEA), essa assimetria se aprofunda, criando um estado de hipervulnerabilidade. A legislação, como o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, oferece uma rede de proteção. Contudo, o que ocorre quando essa rede é ignorada na prática? A questão que move esta pesquisa é: De que forma a falha sistêmica de grandes corporações em adaptar o atendimento ao consumidor com deficiência, mesmo após ser notificada da condição, transcende o inadimplemento contratual para configurar uma quebra qualificada do dever de boa-fé e uma forma de discriminação estrutural?
2. Hipótese
A hipótese central é que a negligência das empresas de consumo em relação às necessidades específicas de consumidores com TEA não é um ato falho isolado, mas um sintoma de uma falha estrutural que viola o princípio da boa-fé objetiva em sua máxima potência. Tal conduta, ao ignorar a hipervulnerabilidade declarada do consumidor, materializa uma prática discriminatória que esvazia a proteção legal e exige uma reparação que vá além da simples compensação por danos, assumindo um caráter punitivo-pedagógico.
3. Objetivo Geral e Específicos
Objetivo Geral: Analisar, a partir de um estudo de caso, como a conduta corporativa negligente perante o consumidor com TEA configura uma violação agravada dos deveres de cuidado e boa-fé, fundamentando a necessidade de uma tutela jurídica diferenciada.
Objetivos Específicos:
- Descrever o estudo de caso, detalhando a solicitação do consumidor, a comunicação de sua deficiência e a resposta inadequada da empresa.
- Fundamentar teoricamente o conceito de hipervulnerabilidade do consumidor com deficiência, com base em autores como Denise Corollo.
- Confrontar as posições: a tese corporativa de “erro operacional” (visão contra) versus a tese jurídica de “discriminação sistêmica” (visão a favor).
- Propor um modelo visual (Gráfico da Boa-Fé e Vulnerabilidade) para ilustrar a intensificação dos deveres do fornecedor.
4. O Confronto de Teses: Erro Pontual vs. Discriminação Estrutural
Posição Contra (A Tese do Erro Operacional): Sob uma ótica restritiva, a empresa poderia argumentar que o cancelamento indevido de serviços e a cobrança de multa foram um erro humano de uma única atendente. Nesta visão, tratar-se-ia de um “mero aborrecimento” ou um simples descumprimento contratual, resolvido com o cancelamento da multa e a reativação dos serviços, sem caracterizar dano moral ou discriminação.
Posição a Favor (A Tese da Discriminação Estrutural): Em contrapartida, esta pesquisa defende que a falha é estrutural. A empresa, mesmo alertada da vulnerabilidade, não demonstrou possuir qualquer protocolo de atendimento diferenciado. O erro da atendente é, portanto, consequência da omissão da empresa em treinar suas equipes e adaptar seus sistemas. Ignorar um pedido de acessibilidade não é um ato neutro; é uma escolha que perpetua a exclusão e configura discriminação, nos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
5. Proposta de Modelo Teórico: Gráfico da Boa-Fé e Vulnerabilidade
Para ilustrar a tese, propõe-se um gráfico conceitual, fundamentado nos princípios de proteção ensinados por escolas de Direito de referência (USP, PUC). Eixo X (Horizontal): Nível de Vulnerabilidade do Consumidor (Padrão -> Técnica -> Informacional -> Hipervulnerabilidade PCD/TEA). Eixo Y (Vertical): Intensidade do Dever de Cuidado e Boa-Fé Objetiva do Fornecedor. O gráfico demonstraria que a linha de dever de cuidado não é linear, mas exponencial. Ao atingir o nível de “Hipervulnerabilidade PCD/TEA”, a exigência de boa-fé, cuidado e adaptação por parte do fornecedor atinge seu ponto máximo, e qualquer falha a partir deste ponto deve ser considerada de natureza grave.
6. Conclusão e Abertura para Pesquisa de Doutorado
Este artigo buscou demonstrar, através de um caso concreto, que a proteção ao consumidor com deficiência no Brasil precisa avançar da letra da lei para a prática corporativa efetiva. A negligência no atendimento não é um mero deslize, mas uma barreira que impõe ao hipervulnerável um ônus desproporcional, configurando uma forma de exclusão social e econômica. A análise deste estudo de caso, contudo, abre portas para uma investigação de maior fôlego, em nível de Doutorado, que poderia aprofundar as seguintes questões:
- Análise Quantitativa: Qual o volume e a natureza das reclamações de consumidores PCD nos sistemas de defesa do consumidor (Procon, Consumidor.gov)?
- Estudo Comparado: Como legislações de outros países tratam a questão da hipervulnerabilidade e quais soluções de “compliance acessível” são exigidas das empresas?
- Proposição de um Microssistema Jurídico: Seria viável a criação de normas específicas (um “microssistema”) para regular o atendimento e a reparação de danos a consumidores hipervulneráveis no Brasil?
7. Referencial Teórico Preliminar
COROLLO, Denise. Vulnerabilidade e Inclusão no Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Foco, 2021. (Obra hipotética para ilustrar a citação) MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva.
1Professor em Mestrado Acadêmico e Profissional em requisito para Lei Civil
e-mail: warbear6@gmail.com
2Mestre em Civil e Criminal, acervo Histórico e Cultural