HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA GRAVE EM IDOSO COM DIAGNÓSTICO DE DENGUE TIPO C E ÚLCERA PÉPTICA EM HOSPITAL SECUNDÁRIO – UM RELATO DE CASO

SEVERE UPPER GASTROINTESTINAL BLEEDING IN AN ELDERLY PATIENT DIAGNOSED WITH DENGUE TYPE C AND PEPTIC ULCER IN A SECONDARY HOSPITAL – A CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202512202043


Caroline Stocco Vasques1
Adriana Trein Enzveiler2


Resumo

Este relato descreve um caso de hemorragia digestiva alta grave em um idoso com diagnóstico de dengue tipo C e úlcera péptica, atendido em um hospital secundário. O paciente, com comorbidades prévias, apresentou evolução atípica da dengue, com sintomas persistentes por mais de 10 dias e sangramento digestivo. A endoscopia revelou pangastrite erosiva severa e úlcera péptica (Forrest IIa), sendo realizada hemostasia química. O paciente evoluiu favoravelmente com estabilização da hemoglobina e tratamento com inibidor da bomba de prótons. Este caso ressalta a importância do reconhecimento da dengue como causa de hemorragia digestiva alta, especialmente em pacientes idosos e com comorbidades, e enfatiza a necessidade de atenção ao uso concomitante de AINEs, que podem agravar a mucosa gástrica. Foram seguidos os aspectos éticos do estudo de caso conforme a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012.

Palavras-chave: dengue, hemorragia digestiva alta, úlcera péptica, idoso, complicação.

ABSTRACT

This case report describes a severe upper gastrointestinal bleeding in an elderly patient diagnosed with type C dengue and peptic ulcer, treated at a secondary hospital. The patient, with previous comorbidities, presented an atypical dengue evolution, with persistent symptoms for over 10 days and gastrointestinal bleeding. Endoscopy revealed severe erosive pangastritis and peptic ulcer (Forrest IIa), and chemical hemostasis was performed. The patient progressed favorably with hemoglobin stabilization and proton pump inhibitor therapy. This case highlights the importance of recognizing dengue as a cause of upper gastrointestinal bleeding, especially in elderly patients with comorbidities, and underscores the need for caution with concomitant NSAID use, which may exacerbate gastric mucosal injury.

KEYWORDS: dengue, upper gastrointestinal bleeding, peptic ulcer, elderly, complication.

1  INTRODUÇÃO

Conforme a Organização Mundial da Saúde – OMS (2009), a dengue é descrita como uma doença viral transmitida por mosquitos (principalmente o Aedes aegypti) que se espalha mais rapidamente no mundo. É uma doença febril aguda, sistêmica e dinâmica, com um espectro clínico muito amplo, e, pode ser classificada quanto a manifestação em três grupos: Dengue sem sinais de alarme (pacientes com febre e sintomas leves como náusea, exantema e dores); Dengue com sinais de alarme (casos que exigem observação rigorosa devido ao risco de choque, cujos sinais incluem dor abdominal intensa, vômitos persistentes, acúmulo de líquidos e letargia); e Dengue Grave (caracterizada por extravasamento grave de plasma, levando ao choque ou desconforto respiratório, sangramento grave ou comprometimento grave de órgãos como fígado, SNC ou coração). A incidência da dengue aumentou 30 vezes nos últimos 50 anos (considerando o período até 2009), com a expansão de ambientes estritamente urbanos para áreas rurais e para novos países e regiões que antes não eram afetados. A OMS atribui o aumento da incidência ao crescimento populacional não planejado, urbanização rápida, falta de saneamento adequado, viagens internacionais (globalização) e mudanças climáticas, descrevendo a dengue não apenas como um problema de saúde clínica, mas como uma emergência de saúde pública global em expansão contínua, exigindo sistemas de vigilância mais robustos e um manejo clínico focado na detecção de sinais de choque para reduzir a mortalidade.

O diagnóstico da dengue é essencialmente clínico, baseado em sintomas, no entanto, a baixa especificidade desses sintomas dificulta a distinção entre dengue, malária, febre tifoide e leptospirose sem o auxílio do diagnóstico laboratorial (FARRAR et al., 2007).

Este é um estudo descritivo, observacional e retrospectivo, na forma de relato de caso que descreve a evolução de dengue em idoso, com comorbidades prévias, hemorragia digestiva alta grave e diagnóstico de dengue tipo C e úlcera péptica.

Sendo a dengue uma emergência de saúde pública global, é vital observar o manejo clínico adequado para reduzir a mortalidade, considerando que Saúde Coletiva é um campo interdisciplinar que estuda e atua na promoção da saúde e prevenção de doenças.

2  RELATO DE CASO

Paciente G.X., do sexo masculino, 70 anos, comorbidades prévias sendo Hipertensão Arterial Sistêmica, negava histórico de tabagismo ou etilismo, negava alergias conhecidas, fazia uso recorrente de Diclofenaco e Dipirona e uso contínuo de Propranolol 40mg/dia. Admitido no Hospital Municipal Getúlio Vargas, em Sapucaia do Sul-RS em 26/06/24. Paciente relatava que há 10 dias atrás havia aberto quadro com febre e mialgia, negava diarreia ou vômitos, o mesmo foi atendido em 19/06/2024 sendo solicitado NS1 que veio positivo, com alta e orientações. Evoluiu com piora clínica, se sentindo mais fraco, com adnamia e epigastralgia. Após isto apresentou episódios de fezes escurecidas e fétidas nos dias seguintes, negando qualquer outro tipo de sangramento ou presença de sangue vermelho vivo nas fezes. Com a permanência da epigastralgia, foi trazido por familiares para consulta em pronto atendimento. Paciente não manifestava sinais de choque hipovolêmico, bem como tinha sinais vitais estáveis, um pouco desidratado e estava eupneico em ar ambiente.

No ato da internação hospitalar foram realizados exames laboratoriais e Sorologia para Dengue IgG e IgM, solicitados uma radiografia de tórax em PA e perfil, Eletrocardiograma com D2 longo e uma Endoscopia Digestiva Alta. Os exames laboratoriais não revelavam plaquetopenia e apresentava valor normal esperado para o sexo masculino de hematócrito, bem como o Eletrocardiograma era normal. Já com evolução de 11 dias do quadro inicial, apresentando os resultados de exames na admissão conforme Figura 1.

Figura 1 – resultados dos exames na admissão

Fonte: prontuário do HMGV, autorizado em TCLE

As radiografia de Tórax em PA e Perfil mostraram ausência de alterações pulmonares agudas e alterações degenerativas da coluna dorsal, conforme Figuras 2 e 3.

A Endoscopia Digestiva Alta revelou uma Pangastrite erosiva severa e Úlcera peptica gástrica (Forrest IIa), demonstradas nas Figuras 4 e 5, sendo realizado durante o exame um procedimento curativo de hemostasia química com adrenalina e álcool absoluto.

No período entre 26/06/2025 e 03/07/2025 o paciente foi mantido em regime de internação apresentando alteração de Hemoglobina (Figura 6), porém sem novos episódios de sangramentos. Antes da alta hospitalar, a sorologia para Dengue foi positiva para ambos IgG e IgM, o paciente evoluiu sem novos sangramentos, teve a estabilização da Hb, sendo feito o diagnóstico final de Dengue tipo C, e, recebeu tratamento com Inibidor de Bomba de Prótons (Omeprazol) em dose plena 80mg/dia por 72h EV. Na alta hospitalar foi prescrito Omeprazol 40mg/dia por 8 semanas e orientada reavaliação ambulatorial em UBS.

3  DISCUSSÃO

O presente caso evidencia uma manifestação grave e atípica da dengue, associada à hemorragia digestiva alta em paciente idoso. O termo “dengue tipo C” ou grupo C, conforme utilizado nos protocolos brasileiros, corresponde a dengue com sinais de alarme, mas sem ainda evolução para choque ou dengue grave manifesta. É uma classificação intermediária, que indica risco aumentado de complicações e demanda maior vigilância hospitalar ou internação. Na dengue clássica/habitual, os sintomas febris (febre, mialgia, dor de cabeça, prostração) aparecem abruptamente e se mantêm entre 2 a 7 dias (fase febril). A partir do 3º ao 7º dia, com declínio da febre, podem surgir sinais de alarme e, no pior cenário, evolução para a fase crítica. Frequentemente, no período de 4 a 7 dias da doença, ocorrem manifestações hemorrágicas leves ou sangramentos de mucosas; porém, sangramentos digestivos altos graves após 10 dias de evolução não são esperados como padrão.

Conforme descrito nas Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle das Arboviroses Urbanas (2025), a dengue pode apresentar complicações hemorrágicas, sendo mais comuns em pacientes com fatores de risco, como idade avançada e uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) crônicos. O paciente utilizava diclofenaco de forma recorrente, o que potencializou a lesão gástrica, corroborando a literatura que indica que AINEs aumentam a vulnerabilidade a úlceras e sangramentos gastrointestinais.

Estudos nacionais, como o de Teixeira et al. (2010), demonstram a persistência de sintomas de dengue em alguns pacientes por mais de 10 dias, sugerindo que complicações hemorrágicas tardias podem ocorrer mesmo na ausência de plaquetopenia. No caso descrito, apesar de não haver redução significativa das plaquetas, ocorreu hemorragia digestiva alta, indicando que a lesão gástrica pode se manifestar independentemente da trombocitopenia, especialmente em indivíduos com fatores predisponentes. O estudo avaliou 118 pacientes com diagnóstico de dengue em Uberaba, Minas Gerais, com objetivo de identificar sintomas persistentes após o 14º dia de evolução e seu impacto. Os principais sintomas relatados no momento do diagnóstico foram mialgia (98,3%), febre (97,5%) e fraqueza (95,8%). Após 14 dias, 65,2% dos pacientes relataram pelo menos um sintoma persistente; desses, 10 pessoas (8,5%) descreveram sintomas intensos com duração de 30 dias ou mais.

Contudo, no estudo de Teixeira et al. (2010) não há relato de hemorragia digestiva alta grave ocorrendo tão tardiamente (após 10+ dias), no caso descrito observa-se hemorragia digestiva alta aos 10–11 dias do início dos sintomas, o que foge à temporalidade mais comumente descrita para sangramentos significativos na dengue. Essa discrepância sugere que fatores predisponentes — como idade avançada, comorbidades e uso continuado de AINEs (diclofenaco) — podem ter contribuído para que a lesão gástrica evoluísse silenciosa inicialmente, com mucosa comprometida, culminando em sangramento tardio.

A literatura mostra que hemorragias graves, especialmente digestivas altas, não são manifestações comuns da dengue tipo C ou dengue com sinais de alarme. A Diretriz da American College of Gastroenterology (2021) ressalta que sangramentos ativos e complicações gastrointestinais requerem intervenção, mas eles tipicamente ocorrem em contextos com fatores de risco adicionais ou em formas mais graves da doença. A recomendação em casos de úlcera péptica com sangramento ativo (Forrest IIa) é que seja realizada hemostasia endoscópica, seguida de tratamento farmacológico com inibidores de bomba de prótons. A conduta aplicada neste paciente seguiu tais diretrizes, resultando em estabilização da hemoglobina e ausência de novos episódios de sangramento.

Este relato reforça a importância do monitoramento próximo de pacientes idosos com dengue, especialmente aqueles com uso de AINEs, considerando a possibilidade de manifestações hemorrágicas tardias, e demonstra a efetividade da abordagem endoscópica associada ao tratamento farmacológico adequado.

4  CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hemorragia digestiva alta em pacientes com dengue, embora incomum, representa uma complicação clínica relevante, principalmente em idosos e na presença de fatores predisponentes como uso crônico de AINEs. A abordagem precoce, com Endoscopia Digestiva Alta e hemostasia adequada, aliada ao tratamento farmacológico com inibidores de bomba de prótons, mostrou-se eficaz na estabilização do paciente. Este caso destaca a necessidade de atenção para manifestações hemorrágicas tardias da dengue e reforça a importância do manejo multidisciplinar e da correção de fatores de risco associados.

REFERÊNCIAS

AMERICAN COLLEGE OF GASTROENTEROLOGY. ACG Clinical Guideline: Upper Gastrointestinal and Ulcer Bleeding.American Journal of Gastroenterology, v. 116, n. 5, p. 899–917, 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle das Arboviroses Urbanas. Brasília: Ministério da Saúde, 2025.

Farrar J, Focks D, Gubler D et al. Towards a global dengue research agenda. Trop Med Int Health. 2007;12:695-9.

TEIXEIRA, L. de A. S.; SILVA, L. M.; LIMA, R. S.; et al. Persistência dos sintomas de dengue em uma população de Uberaba, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 26, n. 3, p. 624-630, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/JsFzsp3nncz3wsGdDcF5jYs/. Acesso em: 12 set. 2025.

World Health Organization-WHO. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention and control – New edition. Washington: WHO; 2009.


1 Médica Residente de Clínica Médica da Fundação Hospitalar Getúlio Vargas – Sapucaia do Sul/RS. e-mail: carolinestocco55@gmail.com
2 Médica Supervisora do Programa de Residência Médica em Clínica Médica da Fundação Hospitalar Getúlio Vargas – Sapucaia do Sul/RS. e-mail: iep@fhgv.com.br