O PAPEL DA LITERATURA NA DESCONSTRUÇÃO DO RACISMO, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202512181208


Ana Paula Fernandes Massuia1
Janis Patrícia Benka2
Débora Cristina de Lima Valero3
Kamila da Rosa Kenauth4
Marta Regina Ozanski5
Viviani Dias Barradas de Souza6


RESUMO: O artigo vislumbra uma reflexão sobre o papel da escola e da formação do educador na desconstrução do racismo, preconceito e discriminação, já que atualmente o grande desafio dos profissionais da Educação, perpassa pela aquisição de práticas educacionais que possibilitem um conhecimento com fundamentações teóricas capazes de proporcionar ao educador uma percepção do meio e dos sistemas sociais, políticos e econômicos. Conclui-se que o preconceito racial é um problema que fomenta a exclusão social, ocasionando divergências no âmbito educacional, o que torna importante que os profissionais da Educação discutam pelo menos o bojo da Lei 10.639/ 2003, para desta forma analisar a questão racial.

Palavras-chave: Literatura; Preconceito; Ensino.

INTRODUÇÃO

O interesse em refletir acerca do papel da literatura na desconstrução do racismo, preconceito e discriminação, ocorreu devido à percepção que ao longo da História do Brasil, o negro vem sendo estigmatizado. Isso aconteceu e ainda acontece devido à fomentação historiográfica ter sido construída perante o eurocentrismo.

Percebe-se, que o negro sempre labutou e continua lutando pela sua equidade. E, dentre várias lutas, conseguiu levantar sua bandeira a partir da Lei 10.639/03, onde entrevê que o negro não deve ser visto somente como peça de trabalho, ou seja, a partir do tráfico negreiro, mas sim mostrar para o educando que este negro tem um a cultura, uma História a ser estudada, e foram os construtores do país chamado Brasil.

Vale ressaltar, que os educadores que se encontram no exercício de sua profissão sentem dificuldades perante certas situações de preconceito, isso se deve ao processo de assimilação de uma ideologia superior, imposta no âmbito escolar, já que quando eram educados, foram ensinados a perceber a vida do negro a partir da sua vinda ao Brasil para argamassar a economia de seus senhores mediante um trabalho duro e árduo.

Ao enfrentar tal questão, os educadores se deparam com um grande desafio que decorre da necessidade de se desfazer os equívocos que deturparam as culturas de origem africana nas áreas onde se desenvolveram relações de trabalho escravo. O desafio decorre, ainda, da urgência de se analisar os esquemas de violência que perpassam as relações entre os diferentes grupos da sociedade brasileira, de se estudar e de se vivenciar as culturas africanas e afro-descendentes como realidades dialéticas, dispostas no jogo social, permeadas por contradições e em constante processo de reinterpretação de si mesmas.

Neste ensaio teórico estudaremos os contextos das questões étnicos raciais, bem como alguns conceitos sobre racismo, etnocentrismo, discriminação e preconceito, enfatizando que o diferente deve ser tratado com diferença dentro da igualdade e a formação dos professores mediante o bojo da Lei 10.639/03 aplicada nas escolas.

A literatura deve ser importante por si mesma, sendo primordial para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo do aprendiz. É importante a escolha de textos com os quais o aprendiz se identifique, além de diversificar a abordagem do processo de ensino-aprendizagem com práticas metodológicas para a inserção da literatura em sala de aula. 

1. RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA     

O objetivo deste tópico é oferecer uma contribuição ao debate sobre o tema das desigualdades raciais no trato com a Educação e que, nos últimos anos, tem havido um efetivo esforço crescente dos movimentos sociais, autoridades e escolas para contribuir com reflexões sobre a questão do racismo, preconceito e discriminação.

A leitura sobre as relações étnico-raciais perpassa por uma análise de como o sistema educacional fomentou sua práxis profissional ao relacionar-se com seus educandos tidos como afro-descendentes. Como embasamento para pesquisa procuramos enriquecer este trabalho com os aportes teóricos, Darcy Ribeiro. “O Povo Brasileiro”.(2006), Oracy Nogueira no artigo “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem” (2006), “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” (2004), Waléria Menezes, “O preconceito racial e suas repercussões na instituição escolar”(2005), “O papel da literatura em sala de aula” Prudenciano & Torres e COSSON, “Letramento literário: teoria e prática” (2006) e CANDIDO, “A literatura e a formação do homem” (1972) & “Literatura e sociedade”(1973). 

 Para compreender a Educação Brasileira, devem-se levar em conta as relações étnicas raciais que argamassaram esta nação, e que a construção capitalista desenvolvida neste território deve ser pontuada na escravidão a priori da população indígena e, posteriormente da população negra, gerando concepções e práticas racista que duram até nossa atualidade.

A matriz cultural brasileira recebeu força européia dominante, com intuito de silenciar as matrizes indígenas e africanas. Assim o português constrói um paradigma educacional que acaba consolidando a formação educacional brasileira numa comunidade multirracial e pluriétnica.

Segundo Ribeiro (2006, P. 98), Com toda essa mistura de culturas e referências, o brasilíndio, o mameluco e o afro-brasileiro perceberam-se em uma terra de ninguém – o termo usado pelo autor é “ninguendade”–, gerando a necessidade de criarem uma identidade, a brasileira, sugerindo pluralidade de heranças por várias gerações, A população brasileira sem dúvida, resulta de mestiçagens várias de todos os grupos entre si, em maior ou menor grau”.

O surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver e acolher a gente variada que aqui se juntou, passa tanto pela anulação das identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como pela indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem, como os mulatos (negros com brancos), caboclos (brancos com índios) ou curibocas (negros com índios) (RIBEIRO, 2006, p. 119). 

Apesar de considerarmos que o Brasil vive uma diversidade cultural, é notório que a escola ainda não se sente preparada para lidar com certas situações de racismo que segundo a acepção do “Dicionário Aurélio”, é “a doutrina que sustenta a superioridade de certas raças” (2004, p. 616).Enquanto sistema de pensamento, o racismo teve as suas primeiras teorizações no século passado, na França. O Conde de Gobineau foi o principal teórico das teorias racistas. Sua obra, “Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas” (1855), lançou as bases da teoria arianista, que considera a raça branca como a única pura e superior às demais, tomada como fundamento filosófico pelos nazistas.

Tal ideologia de superioridade desmonta a tese lançada no século XX, com o lançamento de “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, que suscita um significativo debate acerca do provável relacionamento do escravo com seus senhores.

Freyre (1990) traz à tona a ideia de que no Brasil, houve um sistema patriarcal argamassado por uma economia agrária, onde a harmonia social fomentava-se a partir do cruzamento dos indivíduos envolvidos no processo de formação da civilização brasileira. Outra relação de brandura entre senhor e escravo pode ser constatada na miscigenação entre raça e cultura.

Ora, se realmente houve uma vicissitude entre indivíduos porque a ciência tenta montar explicações científicas de imputar no negro todos os males existentes na construção da sociedade. Dentre alguns estereótipos apontados ao negro, refere-se à mancha moral e física pré-conceituando este ser como sendo: impuro, pecaminoso, corrupto.

De acordo com Munanga concerne:

Em cima dessa imagem, tenta-se mostrar todos os males do negro por um caminho: a Ciência. O fato de ser o branco foi assumido como condição humana normativa e o de ser negro necessitava de uma explicação científica. Uma primeira tentativa foi a de pensar o negro como um branco degenerado, caso de doença ou de desvio à norma.(MUNANGA 1988, p. 14-15 aput GONÇALVES 2009).

A assimilação de superioridade nos é imposta, e muitas das vezes não nos sentimos preparados para enfrentar e desmistificar situações de preconceito, simplesmente  por que não damos importância à formação continuada, haja vista que ao terminarmos a graduação nos intitulamos donos do “saber”, e diga-se de passagem, que para muitos educadores, basta apenas dominar o seu conteúdo e esquecem que a Educação é um processo que transforma o indivíduo incutindo neste ser, valores sócio culturais capazes de mudar o mundo, cabendo ao profissional da Educação estar antenado com as modificações que perpassam na sociedade.

Na escola é comum presenciarmos o preconceito, quer seja de educando com educando, trocando intrigas como, por exemplo: “só sendo preto”, “o preto, quando não suja na entrada, suja na saída”, “serviço mal feito é serviço de preto”. Ou ainda: ‘preguiçoso’, ‘neguinho’, ‘pretinho’, ‘tição’, ‘negão’, ‘crioulo’, ‘macaco’, ‘urubu’, ‘café’, ‘mussum’, ‘chocolate’, etc. Frases que apontam o quanto no âmbito educacional escutam-se frases preconceituosas. Porém, o pior é depararmos com professores oralizando o “mito da burrice”, ao dizer que seu aluno é incapaz de absorver conhecimentos, e começam por pré-conceituar o educando de “preguiçoso”, “este menino não quer nada com nada”, ou “aquele escurinho tem uma enorme dificuldade de aprendizado”. Nota que o educador não tem uma sensibilidade em investigar no que consiste a dificuldade do aluno e acaba por estereotipar a inteligência de seu aluno, fazendo certos tipos de preconceito.

No Brasil, é notório observar que o indivíduo absorve para os outros conceitos que foram impregnados em sua memória e acabam por alijar a identidade de uma determinada etnia.

Segundo Nogueira:

No Brasil, a intensidade do preconceito varia em proporção direta aos traços negróides, e tal preconceito não é incompatível com os mais fortes laços de amizade ou com manifestações incontestáveis de solidariedade e simpatia. Os traços negróides, especialmente numa pessoa por quem se tem amizade, simpatia ou deferência, causam pesar, do mesmo modo por que o causaria um “defeito” físico. (NOGUEIRA, 2006, P.296)

O preconceito no Brasil segregaciona um determinado grupo, isso é acarretado por uma ideologia que prega a supremacia de um povo, de uma raça, ou mesmo de uma cultura sobre outras, expressando-se de diversas maneiras: em nível cultural, religioso, biológico. Na concepção de valores, e em nível institucional, legalizado. Nogueira aponta que no Brasil acontece uma forma velada de preconceito, no intuito de vislumbrar um igualitarismo racial, onde acaba por assumir um “caráter de atentado contra um valor social que conta com o consenso de quase toda a sociedade brasileira, sendo por isso evitada”. 

Portanto, o preconceito racial está interligado com o modo ser de cada indivíduo, manifestando nas relações interpessoais aceitação dos padrões de comportamentos dos indivíduos participantes do ethos brasileiro, assim, torna-se mais fácil para o não branco acomodar o comportamento negro usando expressões como “pardo”, “moreno” e “preto”, tal adjetivos demonstram como acontecem o escamoteamento do preconceito racial no Brasil.

O ambiente escolar é um local que agrupa diversos seres humanos com as mais variadas divergências. Emergindo assim um grave problema: Já que somos considerados racionais, atribuímos a nossa personalidade um tom de verdade. E quando vislumbramos o outro como diferente ao nosso comportamento, criamos obstáculos e discriminamos este ser, achando que ele se torna uma ameaça a nossa integridade. Tal situação tem como suporte no etnocentrismo. Ou, ainda poderia se dizer que etnocentrismo é: “visão de mundo que considera o grupo a que o indivíduo pertence o centro de tudo. Elegendo como o mais correto e como padrão cultural a ser seguido por todos, Considera os outros, de algumas formas diferentes, como inferiores”. 

Carvalho explana sobre o etnocentrismo educacional:

A Educação e as organizações educativas são instrumentos culturais desse colonialismo cognitivo: é o etnocentrismo pedagógico e o correlato psico-cultural do “furor pedagógico”, uma gestão escolar autoritária e impositiva para nivelar as diferenças das culturas grupais por meio do planejamento. O etnocentrismo consiste na dimensão ético-política da mesma problemática cuja dimensão psico-antropológica envolve a Sombra ou o Inconsciente.( CARVALHO apud GONÇALVES 2009).

É através da Educação que a herança social de um povo é legada às gerações futuras e inscrita na História. Privados da escola tradicional, proibida e combatida para os filhos de negros, a única possibilidade era o aprendizado do colonizador. Ora, a maior parte das crianças está nas ruas. E aquela que tem a oportunidade de ser acolhida não se salva: a memória que lhe inculcam não é de seu povo; a História que lhe ensinam é outra; os ancestrais africanos são substituídos por gauleses e francos de cabelos loiros e olhos azuis; os livros estudados lhe falam de um mundo totalmente estranho, da neve e do inverno que nunca viu, da História e da Geografia das metrópoles; o mestre e a escola representam um universo muito diferente daquele que sempre a circundou. 

2. HISTÓRICO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO BRASILEIRA 

Nesta discussão, temos como objetivo perpassar por um contexto histórico no que se refere às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana. Iremos analisar as resoluções, bem como os pareceres, a fim de vislumbrarmos o bojo da Lei 10.639/03.

O Ministério da Educação tem uma linha de construção do processo democrático de acesso à Educação com garantia de oportunidades para todos, mas sabe-se que diante dos chamados direitos há as falhas de deveres e o pertencimento étnico racial tem peso muito alto.

Em 9 de janeiro de 2003, suscita no bojo da Educação brasileira as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana. Onde seu parecer regulamenta a alteração trazida à Lei 9394/1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Assim como cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26ª e 79B na Lei 9394/1996, que asseguram o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às Histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros. 

A obrigatoriedade da inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de uma decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a História e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da História e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra ao contrário, diz respeito a todos brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática. 

Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros. (BRASIL, 2004, p. 11-12).

Sem dúvida, assumir estas responsabilidades implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde esta se encontra e a que serve, assim sendo os sistemas de ensino devem conduzir ações que proporcionem aos professores cursos de formação que lhes permitam aprofundar seus níveis de estudos fomentando suas competências e habilidades diante de suas práxis.

É importante analisar que as Diretrizes Curriculares pretendem vislumbrar ao corpo discente e docente da escola que o negro foi sim inserido na sociedade brasileira a partir do tráfico negreiro, mas que este indivíduo trouxe na sua bagagem uma diversidade cultural, racial, social e econômica. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades que proporciona diariamente, as contribuições históricas culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e européia. É importante ter clareza que o Art. 26A acrescido à Lei 9394/1996 provoca bem mais do que a inclusão desses novos conteúdos, exige que se repensem relações étnico raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos táticos e explícitos da Educação oferecida pelas escolas.

Esta luta é uma conquista não só dos afro-descendentes, mas de toda a sociedade civil e, em especial do Movimento Negro, que ao longo do século XX, apontam para a necessidade de diretrizes que orientem a formulação de projetos empenhados na valorização da História e Cultura dos afrobrasileiros e dos africanos, assim como comprometidos com a Educação para Relações Étnico- Raciais positivas, a que tais conteúdos devem conduzir. 

3. O PAPEL DA LITERATURA NA DESCONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO  

A leitura do texto literário permite o envolvimento de sentimentos como a emoção, o prazer e o deleite, revelados pela maneira que o texto literário se organiza: fugindo ao padrão hegemônico, comunicar-se socialmente a partir de uma postura receptiva das divergências impostas pela vida.

O ato de ler torna-se uma “ação intelectiva”, uma vez que mobiliza os conhecimentos e as experiências prévias do leitor para codificar a informação veiculada pelo texto, materializando-se na apropriação do mesmo. Essa experiência é sentida pelo corpo e faz o sujeito tornar-se ativo frente ao contexto histórico-social do qual faz parte, ao passo que adquire uma independência maior de leitura. 

A prática de leitura do texto literário, segundo Antonio Candido :

[…] serve para ilustrar em profundidade a função integradora e transformadora da criação literária com relação aos seus pontos de referência na realidade […, visto que mostra como as criações ficcionais e poéticas podem atuar de modo subconsciente e inconsciente, operando uma espécie de inculcamento que não percebemos. Quero dizer que as camadas profundas da nossa personalidade podem sofrer um bombardeio poderoso das obras que lemos e que atuam de maneira que não podemos avaliar. (CANDIDO, 1972, p.3 – 4).

Na utilização do texto literário em sala de aula não se observa um ensino de literatura como exploração das potencialidades da linguagem, nem da literatura-prazer que conduzirá o aluno a compreensão da realidade, pois a literatura é humanizadora, pois age como o um impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela – com altos e baixos, luzes e sombras, verdadeiros e falsos, bons e ruins.

[…] o texto literário não está limitado a critérios de observação fatual, nem às categorias e relações que constituem os padrões dos modos de ver a realidade e, menos ainda, às famílias de noções/conceitos com que se pretende descrever e explicar diferentes planos da realidade. Ele os ultrapassa e transgride para constituir outra mediação de sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, mediação que autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo atual e dos mundos possíveis. (BRASIL, 1998, p. 26)

Assim, o texto literário, no ambiente escolar, não deveria ser utilizado como pretexto para outras atividades e integrar o livro didático, promovendo a visão de que este é enfadonho, desinteressante e sem importância, e de que o texto literário está vinculado olhar pedagógico-ideológico como pretexto de instrução moral e cívica ou ainda que seu fragmento só serve para reforçar as habilidades linguísticas, a transmissão de sequência de autores e estilos de época, o ensino de gramática, a prática de leitura e interpretação de texto, o que o torna menos acessível e nem um pouco prazeroso aos alunos. 

A literatura serve tanto para ensinar a ler e a escrever quanto para formar culturalmente o indivíduo, possibilita ao sujeito a construção da sua identidade e o humaniza. Além de contribuir para a construção de sua identidade, a literatura ensina a ler e a escrever já que a língua portuguesa é a matéria – prima dos textos literários 

O segredo maior da literatura é justamente o envolvimento único que ela nos proporciona em um mundo feito de palavras. O conhecimento de como esse mundo é articulado, como ele age sobre nós, não eliminará seu poder, antes o fortalecerá porque estará apoiado no conhecimento que ilumina e não na escuridão da ignorância.(COSSON, 2006, p. 29).

Entendendo a função da literatura e a função do artista literário ao compor seu texto e não se prendendo apenas aos significados das palavras, mas além, fazendo a leitura de mundo e de outros significados a aquelas palavras. A literatura tem um papel na construção de pessoas críticas, mais humanizadas e com olhar voltado ao respeito às diversidades possibilitando valores e melhor convívio social. 

A voz do negro na literatura não é algo recente, mas se tornou invisível. É por conta de um racismo estrutural que levou o Brasil a desenvolver justificativas temporais para legitimar a ausência histórica dos negros em diversos setores da vida social que a literatura afrobrasileira tem pouca visibilidade.

Essa atuação impulsionou a aprovação da Lei 10.639/2003, configurando-a em instrumento de valorização da História e da Cultura africana e afro-brasileira. Se a ideia “somos o que recordamos” é verdadeira, como esperar que alunos afrodescendentes queiram sentir-se parte de uma cultura e história dada como inferior? Com o objetivo ainda de fazer com que os educandos entendam que a história da construção do nosso país não se deu pela contribuição dos negros-africanos e sim formaram esse lugar, aprendendo sobre a diversidade e constituição da história. 

A literatura negra vai questionar as relações de poder e, principalmente, apresentar as subjetividades de homens e mulheres negras que tradicionalmente vêm sendo representados pela literatura brasileira de forma reduzida, equivocada e estereotipada. Para a escritora Miriam Alves “a expressão literatura negra só passou a ser usada no Brasil com regularidade a partir da década de 1970. […] e com isso os escritores negros brasileiros, iniciaram a denúncia da hipocrisia da ‘democracia racial’ e seus mecanismos, nada sutis, de discriminações raciais em todos os níveis de ações sociais. 

A pesquisadora Simone Ricco contribui dizendo que “a gente quer falar de literatura brasileira, mas de um recorte dela, o que está sendo produzido na literatura brasileira contemporânea e destacando a produção literária negra, e muitos não sabem o que está acontecendo, não conhecem os autores, não  têm ideia de como é o texto e ficam presos, muitas vezes,  associando a literatura negra a um texto mais panfletário, e muitas vezes não é o que acontece, a militância acontece de uma forma bem mais literária e bem menos panfletária.” 

Entendemos que o preconceito é tão velho quanto a humanidade e por esta razão é difícil de ser extinto. Entretanto, o preconceito conforme descrito por Crochík (1996), é compreendido não como uma característica inata e presente em todos os seres humanos, mas algo aprendido e desenvolvido durante as socializações, ou seja, nas relações sociais, ninguém nasce racista e sim apropria-se deste preconceito de acordo com suas vivências e assim se faz necessário o trabalho além da conscientização e sim mudanças na prática. 

Ainda hoje temos a materialização do racismo em nossa sociedade por meio de preconceitos, discriminalização e estereótipos deixando marcas na vida do outro. Ao discutirmos a questão do preconceito racial no contexto escolar é importante levar em consideração um fator importante que é a mediação do professor no processo ensino e aprendizagem, buscando a articulação entre teoria e prática efetivando esse objetivo por meio da literatura. 

Com base nessas afirmações, realizou-se um trabalho voltado a prática reflexiva do preconceito racial com alunos do ensino médio baseado no conto de Machado de Assis “O caso da vara” e vídeos que complementaram a manifestação do preconceito em nossa sociedade. Sendo assim, observamos e analisamos a imagem do negro representada nas obras literárias relacionando-as aos dias atuais, podendo deste modo refletir e romper com os estereótipos e preconceitos raciais representado na personagem “Lucrécia”, trabalho esse que possibilitou a criticidade diante da análise da obra discutindo sobre os conteúdos implícitos e explícitos. Perceberam ainda o silenciamento e a condição do negro (não era considerado ser humano), ainda a denúncia ao preconceito racial. Percebendo o negro como um sujeito mudo e incapaz de aprender. 

Para Menezes (2005) é atribuído à sociedade do eu tudo o que for mais elaborado ou civilizado. Já a sociedade do outro é marcada pela reificação de idéias etnocêntricas […] ele é percebido como um ‘intruso’ que trará a desordem. Portanto, para evitar o possível caos, busca-se manter o status, para o que é necessário calar o outro, mantendo-o excluído e dominado a fim de permanecer a ilusão do equilíbrio e da ordem vivida na ausência da diferença.

REFERÊNCIAS 

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática . São Paulo: Contexto, 2006.

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.P.287- 308.

NOGUEIRA,Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil (2006). Artigo publicado: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 19, n.1. 

GONÇALVES, Fabiane L. C.Relação étnico raciais da educação brasileira. (2009) O texto publicado foi encaminhado por um usuário do Brasil Escola, através do canal colaborativo Meu Artigo. Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse:http://www.brasilescola.com. Acesso em: 15 novembro 2017.

PARANÁ. Secretaria da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Secretaria de educação: Curitiba, 2008.

MENEZES, Waléria. O preconceito racial e suas repercussões na instituição escolar. Disponível em: . Acesso em: 03 de outubro 2005.


1Mestre em Letras. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. aninha_fernandesmas@hotmail.com
2Graduada em Letras Língua Portuguesa. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. jpatriciab@hotmail.com
3Graduada em Letras Língua Portuguesa. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. deboravalero@live.com
4Graduada em Pedagogia-Unopar.kamila_rosa_kenauth@hotmail.com
5Graduada em Pedagogia – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. martaozanski@gmail.com
6Doutoranda em Letras. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Vivianibarradass@gmail.com