DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA PERIFÉRICA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202511131706


João Pedro Dias Queiroz
Assis de Freitas Tavares
Ary Gabriel Aires Waqued
Dra. Nubia Cristina do Carmo
Dra. Ana Célia de Freitas Ramos Tavares


Resumo – A Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP) constitui enfermidade vascular de evolução crônica, predominantemente associada ao processo aterosclerótico, cuja principal consequência é a redução do fluxo sanguíneo destinado aos membros inferiores. O presente trabalho propõe uma síntese das evidências científicas disponíveis sobre a condição, enfatizando a apresentação clínica, os métodos empregados no diagnóstico e as opções de tratamento. Para isso, realizou-se uma revisão integrativa da literatura, contemplando publicações em língua portuguesa dos últimos cinco anos.

Os achados apontam que a DAOP permanece pouco reconhecida e manejada de forma insuficiente, sobretudo nos serviços de atenção primária. A confirmação diagnóstica utiliza, de forma central, o Índice Tornozelo-Braquial (ITB), complementado pelo exame Doppler para melhor caracterização hemodinâmica. As alternativas terapêuticas incluem intervenções farmacológicas, procedimentos cirúrgicos e, destacadamente, modificações no estilo de vida. Entre as abordagens complementares, a eletroestimulação neuromuscular tem se mostrado uma ferramenta adjuvante com resultados promissores.

Dessa forma, reforça-se que a identificação precoce, somada a estratégias de cuidado multidisciplinares, desempenha papel fundamental na prevenção de desfechos graves e na melhora da qualidade de vida de indivíduos acometidos pela DAOP.

Palavras-chave: Diagnóstico; Doença Arterial Periférica; Gangrena; Tratamento; Trombos.

INTRODUÇÃO

A Doença Arterial Periférica (DAOP) corresponde a uma afecção crônica obstrutiva do sistema arterial, caracterizada pela redução do fluxo sanguíneo destinado aos membros inferiores em decorrência do estreitamento luminal provocado pelo acúmulo de placas ateroscleróticas. Estima-se que aproximadamente um quinto da população seja acometida, sobretudo indivíduos acima de 50 anos, com maior incidência entre idosos e portadores de múltiplos fatores de risco (Vasconcelos et al.).

Entre os principais determinantes, destacam-se o tabagismo e o diabetes mellitus, responsáveis pela maioria dos casos. O uso de derivados do tabaco favorece lesões endoteliais e aceleração da aterogênese, enquanto o diabetes promove alterações metabólicas e elevação glicêmica, contribuindo para a rigidez arterial e o agravamento da obstrução. Outros elementos associados incluem dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, histórico familiar de doença cardiovascular e estilo de vida sedentário, fatores que intensificam o dano vascular (Rocha et al.).

A apresentação clínica pode ser inicialmente discreta, progredindo para sintomas limitantes. A manifestação mais típica é a claudicação intermitente, caracterizada por dor em membros inferiores desencadeada pelo esforço e aliviada em repouso devido à hipóxia muscular. Em fases avançadas, podem ocorrer dor isquêmica em repouso, especialmente noturna, além de úlceras e gangrena decorrentes da perfusão insuficiente, com risco elevado de infecção e amputação (Patier et al.).

A gravidade é usualmente estabelecida pelos critérios de Rutherford, que variam de 0 a 6: do quadro assintomático às formas severas associadas à necrose tecidual, em que se observa necessidade de intervenção cirúrgica (Trainotti et al.). O diagnóstico baseia-se, principalmente, no Índice Tornozelo-Braquial (ITB), cujo valor inferior a 0,9 sugere estenose significativa. Exames complementares como Doppler de membros inferiores ajudam na avaliação hemodinâmica, enquanto tomografia computadorizada e ressonância magnética possibilitam análise anatômica detalhada e planejamento terapêutico (Azizi et al.).

A terapêutica envolve medidas abrangentes. Modificações no estilo de vida, como prática regular de atividades físicas e redução da ingestão de gorduras saturadas, assumem papel central. A cessação do tabagismo configura uma das intervenções mais relevantes para controlar a progressão da doença e reduzir eventos cardiovasculares. No âmbito medicamentoso, o uso de estatinas auxilia na redução do LDL e estabilização de placas, enquanto o ácido acetilsalicílico exerce ação antiagregante ao diminuir a formação de trombos (Xavier et al.).

Intervenções adjuvantes, como eletroestimulação voltada à promoção de angiogênese, têm apresentado resultados encorajadores ao favorecer o desenvolvimento de vasos colaterais e melhorar o fluxo sanguíneo (Medeiros et al.). Entre as abordagens invasivas, angioplastia com balão e colocação de stents são indicadas para casos refratários; quando as lesões são extensas ou complicadas, a revascularização cirúrgica por bypass pode ser necessária. Em situações extremas, nas quais a perfusão é irrecuperável e há infecção refratária, a amputação constitui a única alternativa terapêutica (Ristow et al.).

Programas de reabilitação vascular com exercícios supervisionados demonstram benefícios expressivos na funcionalidade e na redução da dor. A educação em saúde orienta cuidados com os pés, essenciais especialmente para pacientes diabéticos. A vigilância contínua e o controle rigoroso de fatores de risco, como hipertensão e diabetes, são fundamentais para minimizar complicações cardiovasculares graves, incluindo infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (Locatell).

MATERIAL E MÉTODOS

A presente pesquisa utilizou como método uma revisão bibliográfica, com análise e extração de dados provenientes de publicações científicas localizadas em bases digitais como PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e SciELO. Para seleção do material, foram considerados estudos que abordassem doença arterial obstrutiva periférica, suas características clínicas, métodos diagnósticos e alternativas terapêuticas. Foram incluídos artigos disponíveis em português e inglês, de acesso livre, com texto completo.

Foram excluídos trabalhos incompletos, produções que não contemplavam integralmente o tema proposto, além de teses e dissertações. Após a triagem e leitura do conteúdo, constituiu-se a amostra final utilizada para fundamentar a elaboração deste estudo, abrangendo os principais aspectos da doença arterial obstrutiva periférica, incluindo manifestações clínicas típicas, métodos de avaliação diagnóstica baseados em classificações reconhecidas e opções terapêuticas atuais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A fisiopatologia da doença apresenta caráter multifatorial e amplo, envolvendo alterações hemodinâmicas que se instalam de forma progressiva. Entre elas, destacam-se a redução do aporte sanguíneo, prejuízo contínuo da perfusão muscular, lesão de fibras e diminuição da capacidade respiratória celular. Com o avanço da DAOP, a circulação arterial periférica e o fornecimento de nutrientes tornam-se progressivamente comprometidos, evoluindo para disfunção significativa (Signorelli et al., 2020).

Outro componente fisiopatológico relevante são as alterações na hemostasia, favorecendo a formação de trombos e contribuindo para estenose ou mesmo obstrução completa de artérias periféricas. A trombose envolve ativação de vias plaquetárias e de trombina. Trombos agudos, compostos predominantemente por hemácias, fibrina e plaquetas aderidas ao endotélio após ruptura de placas ateromatosas, podem surgir tanto em lesões avançadas quanto em placas de menor repercussão. Já os trombos crônicos, caracterizados por presença de capilares, células musculares lisas, tecido conjuntivo e infiltrado inflamatório, ocorrem de forma mais frequente em placas ateroscleróticas pouco significativas (Miceli et al., 2022).

No processo clínico inicial, a anamnese costuma explorar a relação entre dor e distância percorrida, com relatos típicos de limitação após certo trajeto. Alterações cutâneas podem indicar redução do fluxo circulatório, manifestando-se por pele fina, seca e com aspecto brilhante, sobretudo nos membros inferiores. Pulso ausente em artérias pediosa e tibial posterior é achado comum. Há ainda redução do crescimento de pelos e unhas, além de possível sensação de frio nas extremidades, aspecto menos relatado, mas útil para reconhecimento do quadro (Patier et al., 2023).

Entre as complicações mais graves destaca-se a gangrena, decorrente de isquemia severa que impede o suprimento adequado de oxigênio e nutrientes, culminando em necrose tecidual. A condição pode se apresentar em forma seca ou úmida e, quando não abordada precocemente, evolui para infecção sistêmica e geralmente leva à necessidade de amputação (Patier et al., 2023).

Nesse contexto, o índice tornozelo-braquial (ITB) destaca-se como método diagnóstico complementar amplamente disponível, de baixo custo, execução simples em ambiente ambulatorial e interpretação objetiva. Por essa razão, consolidou-se como o padrão-ouro no diagnóstico não invasivo da doença arterial periférica (Revista Brasileira de Hipertensão, 28(4)). A Tabela 1 apresenta sua classificação segundo parâmetros específicos.

Tabela 1 – Classificação do ITB

ITB < 1.30Calcificação (risco de DCV)
ITB 0.90 – 1.30Normal
ITB < 0.90Anormal (sugestivo de DAP)
ITB < 0.60Isquemia significativa
Fonte: https://www.scielo.br/j/jvb/a/WVT3Bk5wCnGBVy7qHCpykYv/?lang=pt

Com base nos achados clínicos, é possível estratificar os indivíduos com doença arterial obstrutiva periférica em diferentes níveis de acometimento. Entre os sistemas classificatórios disponíveis, destacam-se aqueles propostos por Fontaine e Rutherford, amplamente utilizados na prática clínica. A Tabela 2 apresenta a classificação de Fontaine aplicada à doença arterial, assim como a indicação do nível de atendimento recomendado dentro da rede pública de saúde.

Tabela 2 – Acompanhamento da DAP conforme a Classificação Fontaine:

EstágioSinais/sintomasAcompanhamento
Estágio IAssintomáticoAtenção Primária em Saúde (APS)
Estágio II a Claudicação intermitente limitante (distância livre de dor >200m)APS
Estágio II bClaudicação intermitente limitante (distância livre de dor <200m)APS e atenção terciária (vascular)
Estágio IIIIDos isquêmica em repouso (ITB<60mmHg)APS e atenção terciária (vascular)
Estágio IVLesão trófica isquêmicaAPS e atenção terciária (vascular)
Fonte: DISTRITO FEDERAL, 2019.

Entre os exames complementares disponíveis, o Doppler vascular e a angiografia são destacados como métodos relevantes tanto para a confirmação diagnóstica quanto para o planejamento terapêutico, sobretudo nos quadros avançados. No entanto, apesar de sua utilidade, diversos trabalhos ressaltam que a oferta limitada desses exames em serviços de atenção primária ainda favorece atrasos no diagnóstico.

O tratamento da DAOP fundamenta-se, inicialmente, na prevenção secundária das doenças cardiovasculares, orientada por dois eixos principais: a adoção de mudanças no estilo de vida, como prática regular de atividade física, redução de peso e interrupção do tabagismo, e o manejo rigoroso de fatores de risco, incluindo hipertensão arterial sistêmica, intolerância à glicose, diabetes mellitus e dislipidemias (Distrito Federal, 2019).

Um dos estudos revisados também abordou a eletroestimulação neuromuscular como possível recurso complementar, com resultados promissores em relação à melhora da perfusão tecidual e redução da claudicação. Apesar disso, seu emprego ainda é limitado no país, devido principalmente ao custo elevado e à ausência de protocolos padronizados.

Diante desses achados, observa-se que, embora existam abordagens diagnósticas e terapêuticas eficazes para a DAOP, permanecem desafios importantes, como a dificuldade de acesso a métodos diagnósticos especializados e a baixa adesão ao tratamento conservador. Nesse contexto, a atuação integrada de diferentes profissionais da saúde e o investimento em ações educativas surgem como alternativas relevantes para aprimorar o cuidado e os desfechos clínicos dos pacientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A doença arterial obstrutiva periférica está intimamente relacionada a fatores de risco amplamente distribuídos na população, como dislipidemia, diabetes mellitus e hipertensão arterial. Diante disso, evidencia-se a necessidade de maior atenção por parte dos profissionais de saúde, considerando o impacto potencial de suas complicações, incluindo amputações e mortalidade decorrente de eventos cardiovasculares. Assim, o acompanhamento qualificado dessa população se torna fundamental para melhora do prognóstico.

A promoção de mudanças no estilo de vida deve integrar as orientações oferecidas em qualquer nível de atenção, visto que, em muitos casos, tais intervenções, isoladamente ou associadas ao tratamento medicamentoso, podem controlar a evolução da doença. Paralelamente, terapias intervencionistas vêm apresentando avanços que favorecem bons resultados em pacientes com comprometimento moderado.

O desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas e dispositivos aprimorados tem contribuído para maior melhora clínica sustentada e redução de reintervenções. No entanto, os riscos associados a procedimentos invasivos, como complicações perioperatórias e processos inflamatórios observados em implantes de stents, reforçam a necessidade de maior produção científica sobre essas estratégias.

Dessa forma, a síntese apresentada neste estudo reforça a importância de ampliar o conhecimento atualizado acerca do manejo da doença arterial obstrutiva periférica, favorecendo a formação crítica dos profissionais envolvidos e estimulando melhorias contínuas no cenário científico e assistencial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

AZIZI, M. A. A. Índice tornozelo-braço nos pacientes submetidos à programa de exercício supervisionado. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 108–111, mar. 2015

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