REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202510291548
Aline Do Nascimento Pereira
Leandro Barbosa Pinto Guilherme
Ricardo Dzierva
Professora orientadora: Milena Dombrowski
RESUMO
Este trabalho acadêmico investiga o luto como uma experiência inevitável e universal, marcada por reações emocionais, cognitivas e comportamentais diante da perda de um ente querido. A análise contempla as fases do luto e suas manifestações, desde a negação inicial até a aceitação, ressaltando que cada trajetória é singular, mas atravessada por padrões que favorecem a compreensão clínica e existencial. O estudo discute a relevância do suporte emocional, dos rituais de despedida, do autocuidado e das estratégias de enfrentamento como recursos fundamentais para a adaptação. A reflexão se fundamenta em referenciais da Psicologia Humanista-Existencial e da Terapia Cognitivo-Comportamental, integrando teoria e prática na compreensão do sofrimento e de suas possibilidades de ressignificação. Busca-se, portanto, oferecer não apenas uma visão abrangente sobre o fenômeno, mas também subsídios que contribuam de forma significativa para a atuação profissional na área da saúde mental, bem como para indivíduos que enfrentam a experiência da perda.
Palavras-chave: Morte; Luto; Ressignificação; Psicologia Humanista; Terapia Cognitivo-Comportamental.
ABSTRACT
This academic work investigates grief as an inevitable and universal human experience, characterized by emotional, cognitive, and behavioral reactions to the loss of a loved one. The analysis explores the stages of grief and their manifestations, from initial denial to acceptance, emphasizing that each trajectory is unique while sharing patterns that support clinical and existential understanding. The study also highlights the relevance of emotional support, farewell rituals, self-care, and coping strategies as essential resources for adaptation. The reflection is grounded in Humanistic-Existential Psychology and Cognitive-Behavioral Therapy, integrating theory and practice in the comprehension of suffering and its possibilities for meaning reconstruction. Thus, this research seeks not only to provide a comprehensive perspective on grief but also to offer contributions that support mental health practice and individuals facing the experience of loss.
Keywords: Death; Grief; Meaning Reconstruction; Humanistic Psychology; Cognitive-Behavioral Therapy.
1 INTRODUÇÃO
A morte constitui uma realidade inevitável da condição humana, atravessando todas as culturas, tempos e experiências individuais. Independentemente de crenças, posições sociais ou contextos históricos, ela se apresenta como a única certeza comum a todos os seres humanos. Quando a morte se manifesta na perda de alguém significativo, inicia-se um processo de luto complexo e multifacetado, marcado por oscilações entre negação e aceitação, desespero e esperança, vazio e ressignificação.
Compreender o fenômeno do luto vai além de abordá-lo como uma experiência individual de sofrimento. Trata-se de um acontecimento existencial e social que convida o ser humano a refletir sobre sua própria finitude, sobre os vínculos que estabelece ao longo da vida e sobre o significado que atribui à própria trajetória. Mais do que descrever sintomas ou estágios, este trabalho busca compreender de que modo o luto pode, paradoxalmente, constituir-se em um espaço de aprendizado, de crescimento emocional e de expansão da consciência (Frankl, 2019; Yalom, 2008).
O presente estudo examina o luto em suas múltiplas dimensões psicológicas, culturais, espirituais e relacionais. Reconhece-se que, embora universal, cada experiência de perda é única, pois carrega repertórios afetivos, simbólicos e históricos singulares (Worden, 2018).
Como sintetizam Michel e Freitas (2019),
O luto é vivido como um fenômeno intersubjetivo e como experiência de perda de um mundo partilhado que se rompe com a morte. Ao se perder um ente querido, perdem-se também uma perspectiva e uma possibilidade existencial, cabendo ao enlutado a ressignificação de seu existir, e não o retorno a uma vida anterior (Michel e Freitas 2019, p. 1)
Para alcançar tal propósito, este trabalho dialoga com referenciais teóricos de diferentes abordagens, entre elas a Psicologia Humanista-Existencial (Rogers, 2009; Frankl, 2019) e a Terapia Cognitivo-Comportamental (Beck, 2013), além de contribuições da medicina paliativa (Arantes, 2019), da filosofia (Heidegger, 2012; Sartre, 2015; Morin, 2005) e de autores que têm refletido sobre a finitude (Kübler-Ross, 2017; Yalom, 2008). A intenção é construir uma narrativa que transite entre a objetividade científica e a profundidade reflexiva, oferecendo não apenas fundamentação teórica, mas também uma aproximação afetiva e ética com o tema.
Reconhece-se, ainda, a importância dos rituais, das crenças religiosas e das práticas culturais na elaboração do luto, pois esses elementos funcionam como instrumentos de simbolização e integração da perda, permitindo ao enlutado expressar emoções que, de outro modo, permaneceriam silenciadas. Como destacam Souza e Souza (2019, n.p.), “o caráter expressivo dos rituais possibilita descrever o que não se consegue expressar em palavras, estimulando o trabalho de luto e desempenhando importante função de maturação social e psicológica diante da perda”. Ao mesmo tempo, o contexto contemporâneo, marcado pela aceleração da vida e pelo silenciamento social em torno da morte, impõe novos desafios à forma como lidamos com a finitude. Segundo os mesmos autores, “há um interdito sobre o tema que propicia um esvaziamento nas práticas rituais diante da morte, que podem ocorrer apenas de forma protocolar, sem possibilitar aos participantes a manifestação de sentimentos e o reconhecimento de seu luto” (Souza; Souza, 2019, n.p.).
1.1 Objetivo Geral
Analisar o processo de luto em sua complexidade, com ênfase nas dimensões psicológicas e emocionais envolvidas na vivência da perda, destacando as possibilidades de ressignificação e transformação existencial que emergem dessa experiência.
1.2 Objetivos Específicos
- Identificar e descrever as fases do luto, compreendendo suas manifestações emocionais desde a negação até a aceitação;
- Investigar estratégias de enfrentamento e ressignificação da perda, destacando a importância do suporte emocional e do autocuidado no processo de adaptação;
- Refletir sobre a influência de fatores culturais, espirituais e sociais no processo de elaboração do luto;
- Analisar as contribuições das abordagens psicológicas (Humanista-Existencial e TCC) para a compreensão e o acolhimento da dor da perda.
2 A DIMENSÃO EXISTENCIAL DA MORTE: ENTRE A DOR E O SENTIDO DA VIDA
A morte constitui-se como a única certeza que perpassa todas as eras, culturas e histórias humanas. Ela antecede nossa existência e permanecerá depois de nós. Não depende de crenças, medos ou desejos: é silenciosa, invisível, mas constantemente presente, acompanhando cada instante da trajetória humana como uma sombra que recorda a inevitabilidade do limite intransponível da vida. Mais do que o último ato de uma peça, a morte representa a moldura que dá forma à própria obra da existência.
Todavia, a morte não se manifesta apenas no instante derradeiro. Ela se insinua nos pequenos encerramentos do cotidiano: no fim de ciclos, na perda de vínculos, nos silêncios que permanecem após a partida de alguém. Nesse contexto, Kübler-Ross (2017) descreve cinco reações emocionais frequentemente observadas diante de perdas e da proximidade da morte: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Essas reações não constituem etapas obrigatórias nem lineares: cada trajetória é singular, e o confronto com a finitude tende a ser transformador, deixando marcas profundas e duradouras.
Essa presença constante da ausência se manifesta também nos detalhes mais simples do dia a dia, como lembra Carpinejar (2023), ao definir o amor incondicional como a capacidade de suportar a saudade:
Sem abraçar a pessoa, sem beijá-la, sem ouvir sua voz, sem aconselhá-la ou orientá-la, sem recolher suas roupas pelo chão, sem se surpreender com as mudanças de seu rosto ou com o acréscimo vertiginoso de altura, sem ter o direito de falar algo importante que aprendeu com a rotina” (Carpinejar 2023 p 82).
Nesse sentido, o luto se expressa não apenas na perda física definitiva, mas também na ausência dos gestos corriqueiros que davam forma e sentido à vida compartilhada.
O luto, nesse cenário, não deve ser reduzido a mero sofrimento, mas compreendido como um espaço de metamorfose. A ausência pode dar lugar a uma presença interior, e a dor revela camadas da subjetividade que talvez permanecessem ocultas sem a experiência da perda. Frankl (2019) evidencia que, mesmo em situações de sofrimento extremo, o ser humano pode encontrar sentido, frequentemente no modo como enfrenta a dor e a morte.
Nesse sentido, Sartre (2015) esclarece que a liberdade humana é atravessada pelo limite da morte; “estou condenado a ser livre” (Sartre, 2015, apud Silva, 2018, p. 543), e é justamente esse limite que confere peso e responsabilidade radical às escolhas de cada sujeito.
Neste sentido, Yalom (2008) aponta que a consciência da finitude pode estimular a autenticidade, já que, ao perceber que o tempo é limitado, o indivíduo se liberta da ilusão de posteridade infinita e busca viver de maneira mais verdadeira. Como sintetiza o autor: “quanto mais mal vivida é a vida, maior é a angústia da morte; quanto mais se fracassa em viver plenamente, mais se teme a morte” (Yalom, 2008, p. 20). A proximidade da morte ilumina, como um raio de luz, o que está além das máscaras sociais, revelando a essência do que somos quando não há mais tempo para sermos outra coisa.
Portanto, o luto se apresenta, simultaneamente, como ferida e possibilidade. Ele ensina que o amor é inseparável da perda e que amar implica, inevitavelmente, expor-se à dor. Entretanto, também é no luto que se descobrem novas formas de vínculo: vozes permanecem na memória, gestos na pele, olhares no silêncio. A ausência física não apaga a presença simbólica, e a vida de quem partiu pode ressoar em nossas escolhas, palavras e silêncios.
Como expressa Carpinejar (2023, p. 81), “amor incondicional não é morrer no lugar do filho, é seguir vivendo com ele morto”. Essa reflexão sintetiza a profundidade do processo de luto, revelando que amar verdadeiramente é encontrar forças para continuar vivendo mesmo diante da ausência. O amor, nesse contexto, ultrapassa a presença física e se transforma em memória, coragem e compromisso com a vida. Amar, então, é sustentar a lembrança sem se deixar paralisar por ela, é permitir que a ausência dialogue com o presente e impulsione novos significados para a existência.
Desse modo, falar sobre a morte é, paradoxalmente, falar sobre a vida. É reconhecer a singularidade de cada encontro, a possibilidade de que um abraço seja o último e de que uma palavra se torne definitiva. Como não podemos controlar o tempo que nos resta, cabe-nos assumir responsabilidade pelo modo de vivê-lo.
A morte, longe de ser apenas o fim, torna-se mestra, lembrando-nos da urgência do agora. Como afirma Arantes (2019), que a morte é a grande mestra da vida, pois nos ensina que o tempo é finito e o amor, infinito. Nessa mesma direção, Frankl (2019), ressalta que somente quem vê a morte diante de si é capaz de apreender o valor incomparável da vida, indicando que a consciência da finitude pode ser fonte de sentido e plenitude.
Talvez o paradoxo resida justamente aí: é a certeza do fim que nos dá força para viver como se cada instante fosse essencial. A consciência da finitude, portanto, é também raiz de plenitude, porque desloca prioridades, convida à presença e à gratidão, e orienta escolhas coerentes com os próprios valores.
No plano das relações, a consciência da finitude estimula o cuidado com os vínculos, o ouvir com atenção, o perdoar e o pedir perdão, bem como o dizer o que ainda precisa ser dito. Esse movimento favorece a presença genuína nas relações humanas, pois, como defende Rogers (2009), é no encontro autêntico e empático com o outro que a vida adquire sentido e profundidade.
No plano subjetivo, a reflexão sobre a morte favorece a integração das perdas à autobiografia, transformando a ausência em presença interna e a memória em compromisso com um modo de existir mais verdadeiro. A esse respeito, Yalom (2008) observa que a consciência da morte pode intensificar a autenticidade, ao libertar o indivíduo das ilusões de permanência e conduzi-lo a escolhas mais significativas.
Essa presença simbólica do outro, mesmo após sua partida, manifesta-se de formas sutis e profundas no cotidiano.
Como expressa Carpinejar (2023, p. 37):
Os corpos de nossos mortos contam com um lugar certo no cemitério, com as honras de uma lápide e a decoração de um vaso de flores, mas a alma é livre e está espalhada pelos gestos do nosso cotidiano. A alma do outro jamais perece, jamais desaparece, continua acontecendo dentro de nós (Carpinejar 2023, p. 37)”.
Essa percepção revela que, embora a morte imponha o fim da presença física, ela não tem poder sobre os laços construídos, que permanecem vivos e atuantes no interior de quem permanece.
Ainda segundo o autor, “não existe como subtrair alguém de nossa vida. A faxina tem limite. Precisamos guardar uma prova física e material de nosso amor. Nem todas as páginas devem ser viradas. Algumas resistiram ao tempo com um bonito marcador” (Carpinejar, 2023, p. 36)”. Nesse sentido, a memória não é apenas lembrança passiva, mas também uma forma ativa de manter viva a relação com quem partiu, convertendo o amor em presença simbólica e permanente.
No plano ético, a finitude convoca o ser humano a responder pelos efeitos de suas ações no outro e no mundo. Heidegger (2012) compreende essa responsabilidade como um chamado para uma existência autêntica, na qual o “ser-para-a-morte” desperta a consciência da temporalidade e da necessidade de agir com sentido. Da mesma forma, Morin (2005) sustenta que refletir sobre a morte humaniza o cotidiano, pois reordena o cuidado de si e do outro, ressignifica o trabalho e o tempo livre e abre espaço para uma alegria simples e para uma esperança realista, nascidas da lucidez sobre nossos limites.
A morte, enquanto limite absoluto da existência humana, impõe um confronto inevitável com a finitude e a impermanência. Essa experiência, paradoxalmente universal e singular, revela a fragilidade da vida e suscita no indivíduo um movimento interno que vai além da simples ausência física do outro. O luto emerge como um processo complexo, cheio de nuances e profundamente íntimo, que convoca o sujeito a revisitar suas estruturas mais fundamentais de significado, identidade e relação com o mundo. Nesse sentido, Frankl (2019) enfatiza que é justamente diante dos limites intransponíveis da existência que o ser humano é chamado a descobrir um sentido para o sofrimento e a reorganizar sua história pessoal. A finitude, longe de anular a vida, pode torná-la mais autêntica e significativa, ao despertar no indivíduo a responsabilidade de escolher como viver diante da inevitabilidade da morte.
Morin (1997) lembra que a consciência da morte não é um peso que apenas paralisa, mas também um motor que instiga a busca incessante por sentido. Essa consciência funciona como um espelho em que se reflete o efêmero da vida, obrigando-nos a reconhecer que nada é perene e que toda experiência vivida carrega, em si, uma urgência silenciosa.
O luto, portanto, é mais do que a reação natural à perda; é um caminho pelo qual o sujeito é chamado a reconstituir sua existência a partir do vazio deixado pela ausência. A metáfora da “dança entre a vida e a morte” é elucidativa para compreendermos essa experiência. Essa dança não é linear ou previsível; é um entrelaçar constante de emoções aparentemente contraditórias, como tristeza profunda, revolta, negação, culpa, alívio e até momentos de esperança e gratidão. Nesse movimento, o sujeito aprende a acolher sua vulnerabilidade, permitindo que o luto se manifeste em suas múltiplas dimensões, em vez de encobri-lo ou apressar sua superação (Worden, 2018).
Frankl (2019) destaca a capacidade singular do ser humano de transcender o sofrimento por meio da busca de sentido. Tal busca não elimina a dor, mas possibilita ressignificá-la, permitindo que mesmo em situações extremas a vida seja sustentada por um propósito. Nesse movimento, a aceitação da finitude e da perda configura-se como um processo de reconstrução interior, em que a narrativa pessoal é reorganizada para integrar o vazio e a ausência, preservando, contudo, a possibilidade de projetar-se em direção ao futuro.
Assim, o luto se apresenta, simultaneamente, como ferida e possibilidade. Ele ensina que o amor é inseparável da perda e que amar implica, inevitavelmente, expor-se à dor. Entretanto, também é no luto que se descobrem novas formas de vínculo: vozes permanecem na memória, gestos na pele, olhares no silêncio. A ausência física não apaga a presença simbólica, e a vida de quem partiu pode ressoar em nossas escolhas, palavras e silêncios.
Como ressaltam Michel e Freitas (2019), o enfrentamento da morte e do luto não se limita a uma experiência de dor, mas também pode abrir espaço para a criação de novos significados e para a construção de uma vida mais consciente da finitude.
O impacto do luto provoca indagações existenciais profundas que ressoam na subjetividade do indivíduo: ‘Quem sou eu sem aquele que partiu?’, ‘Como reconstruir minha identidade diante desse vazio?’, ‘Qual o lugar da ausência na minha história?’. Essas perguntas refletem a necessidade de uma reestruturação simbólica, que integra o significado culturalmente construído da morte com a experiência pessoal e única de cada sujeito. (Michel; Freitas, 2019, p. 42).
Diante disso, Frankl (2019) sustenta que, mesmo nas situações mais adversas, o ser humano é capaz de encontrar sentido, e frequentemente esse sentido emerge justamente do confronto com a dor e a morte. A aceitação da finitude e da perda configura-se, assim, como um processo de reconstrução interior, em que a narrativa pessoal se reorganiza para incorporar o vazio e a ausência, sem perder a capacidade de projetar-se para o futuro.
Yalom (2008) acrescenta que a consciência da finitude atua como catalisadora da autenticidade: ao perceber a escassez do tempo, o indivíduo se liberta da ilusão de posteridade infinita e passa a viver de forma mais verdadeira, intensificando vínculos significativos e fortalecendo a presença plena na vida.
Dessa forma, falar sobre a morte, é falar sobre a vida. É reconhecer que um encontro é único, que um abraço pode ser o último e que uma palavra dita pode tornar-se definitiva. Como não é possível controlar o tempo que resta, cabe assumir responsabilidade pelo modo de vivê-lo. A morte, longe de ser apenas o fim, torna-se mestra, lembrando-nos da urgência do agora.
Talvez o maior paradoxo resida precisamente aí: é a certeza do fim que nos dá força para viver como se cada instante fosse essencial. A consciência da finitude, portanto, é também raiz de plenitude. No confronto com a morte, descobre-se uma verdade profunda: viver é, sobretudo, um ato de amor diante do inevitável.
Nesse sentido, Arantes (2019) destaca que a consciência da fragilidade humana pode impulsionar a autenticidade, levando-nos a abraçar a vida em sua vulnerabilidade essencial.
A vivência do luto, portanto, transcende o sofrimento para se transformar em um convite à transformação pessoal. De acordo com Frankl (2008), a dor pode se tornar uma via de acesso para o encontro de sentido, mesmo em meio às experiências mais dolorosas. O processo de ressignificação do sentido implica reconhecer o sofrimento, honrar a memória e, ao mesmo tempo, permitir-se a renovação.
Para Worden (2018), o trabalho do luto envolve justamente a tarefa de encontrar um espaço interno em que o vínculo com o ente perdido possa ser reconstruído de forma saudável, sem impedir a continuidade da vida.
É uma jornada que exige coragem, paciência e a capacidade de abrir espaço para o novo, sem apagar o que foi perdido. Nesse ponto, Kübler-Ross (2017) ressalta que a finitude humana nos confronta com limites inevitáveis, mas também pode abrir caminhos para a aceitação e para a valorização do presente. Esse movimento reflete a dimensão paradoxal da existência: somos seres finitos, confrontados diariamente com a perda e a impermanência, mas dotados da capacidade única de atribuir significado e continuidade para além da ausência física.
O luto se apresenta não como um estado a ser superado rapidamente, mas como um território em que o sujeito pode cultivar um relacionamento dinâmico com a perda, possibilitando o crescimento e a ampliação do sentido da vida. A experiência da dor pode ser compreendida como um caminho para descobrir novos significados na existência (Frankl, 2008).
Nesse contexto, a dor do luto não é um obstáculo, mas uma ponte para a compreensão mais profunda do que significa estar vivo. Ela convida a reconhecer que a vulnerabilidade, a impermanência e a finitude não são fraquezas a serem negadas, mas aspectos essenciais da condição humana que podem ser integrados em uma existência mais plena e consciente (Kübler-Ross, 2017).
Assim, ao compreender a morte e o luto como catalisadores da reflexão e transformação pessoal, abre-se caminho para analisar, de maneira mais detalhada, as fases do luto e suas manifestações emocionais singulares, mostrando como cada etapa contribui para a reconstrução do sentido da vida diante da ausência.
Dando sequência à reflexão sobre a dimensão existencial da morte apresentada no item anterior, aprofunda-se aqui a travessia do luto, compreendida como um movimento contínuo entre dor, ressignificação e reconstrução do sentido da vida. A morte, embora inevitável e universal, revela-se de forma singular em cada indivíduo, refletindo não apenas a relação com a pessoa perdida, mas também o repertório emocional, cultural e espiritual que cada um carrega. Essa singularidade, contudo, não impede a identificação de padrões emocionais, cognitivos e comportamentais que auxiliam na compreensão e no acolhimento da dor.
Essa constatação motivou estudiosos de diferentes campos a sistematizar observações sobre a experiência do luto. Entre eles, destaca-se Kübler-Ross (2017), cuja proposta das cinco fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação; tornou-se referência tanto na compreensão clínica quanto na popularização do tema. A intenção da autora não foi criar um roteiro rígido, mas oferecer uma linguagem simbólica capaz de nomear e validar as emoções que emergem diante da morte ou de outras perdas significativas.
Estudos posteriores demonstraram que tais fases não seguem necessariamente uma ordem linear. Worden (2018) ressalta que o luto é um processo fluido, permitindo que o indivíduo transite entre diferentes estados emocionais, retorne a etapas anteriores ou experiencie múltiplas fases simultaneamente. Stroebe e Schut (1999) acrescentam que a oscilação entre o confronto com a perda e a busca de restauração da vida é natural e necessária para a adaptação saudável.
Compreender essas fases vai além da simples classificação de sentimentos: trata-se de reconhecer que nomear e entender nossas reações abre espaço para que a dor seja integrada à narrativa da vida, evitando que se torne um peso paralisante. Frankl (2019) reforça que, mesmo nas experiências mais dolorosas, é possível encontrar sentido, e que a forma como nos posicionamos diante da perda determina não apenas o sofrimento, mas também as possibilidades de crescimento e transformação.
Essa perspectiva adquire ainda maior profundidade quando se observa que, em culturas diversas, rituais e práticas de luto cumprem papel similar ao das fases descritas por Kübler-Ross (2017), permitindo à pessoa transitar gradualmente entre a ruptura provocada pela perda e a reorganização simbólica de sua vida. Cerimônias religiosas, momentos de silêncio, atos de memória e expressões artísticas são formas de traduzir em gestos e palavras aquilo que, inicialmente, parece indizível.
A literatura contemporânea também ressalta que o luto não deve ser compreendido como um processo limitado por prazos rígidos, mas como uma travessia singular em que cada indivíduo constrói seu próprio ritmo de elaboração da perda. Michel e Freitas (2019) destacam que o tempo do luto não é cronológico, mas simbólico, e depende da intensidade do vínculo, da rede de apoio disponível e das estratégias subjetivas de enfrentamento. Esse caráter não linear explica por que algumas pessoas aparentam retomar a vida cotidiana de forma rápida, enquanto outras necessitam de anos para ressignificar plenamente a ausência.
Além disso, Neimeyer (2012) acrescenta que a experiência do luto envolve não apenas a oscilação entre perda e restauração, como apontam Stroebe e Schut (1999), mas também um processo ativo de reconstrução de significados. Essa reconstrução se dá tanto em nível individual quanto coletivo, já que a memória do ente perdido continua viva nas narrativas, nas lembranças compartilhadas e nos laços que permanecem, mesmo diante da ausência física. O luto, nesse sentido, transforma-se em um espaço de recriação de histórias, em que passado, presente e futuro dialogam na busca de continuidade e pertencimento.
Como lembra Arantes (2024, p. 25), “o amor é a maior coragem possível, porque se amamos muito uma pessoa, mas dizemos que não estamos preparados para perdê-la, é porque ainda não a amamos o suficiente”. Essa afirmação sintetiza a íntima relação entre vínculo e dor, mostrando que o luto, longe de ser apenas sofrimento, é também expressão da intensidade com que se amou. Nesse sentido, a ausência revela-se como prolongamento do afeto, pois só sofre quem verdadeiramente se permitiu amar.
Ao explorar as fases do luto, é essencial compreender que não se trata de um roteiro imutável, mas de uma cartografia emocional que orienta a travessia em um território desconhecido. A dor se apresenta em ondas, às vezes suaves, outras vezes avassaladoras, e cada fase carrega consigo potencial transformador, manifestando-se como resiliência, empatia ou reposicionamento existencial.
Dessa forma, cada fase deve ser compreendida como uma oportunidade de integrar a ausência ao fluxo da vida, cultivando novas formas de presença e significado. O objetivo não é conduzir o leitor a “superar” o luto, mas a reconhecê-lo como parte de uma jornada contínua, na qual dor e amor se entrelaçam para reconstruir o sentido da existência. Conforme Worden (2018) e Neimeyer (2012) destacam, o luto não deve ser entendido como algo a ser vencido ou encerrado, mas como um processo ativo de reconstrução simbólica, no qual o vínculo com o ente perdido é transformado e incorporado de modo saudável à narrativa de vida do indivíduo.
Com base nessa compreensão, torna-se possível avançar da perspectiva existencial para uma análise mais aplicada do fenômeno, observando como diferentes correntes psicológicas contribuem para o entendimento e o manejo do luto. É nesse ponto que se insere a reflexão a seguir, voltada à integração teórica entre abordagens que, embora distintas, convergem no propósito de promover significado e crescimento humano diante da perda.
2.1 O luto pelo viés das abordagens da Psicologia Humanista e Terapia Cognitivo Comportamental
A partir dessa transição, o luto passa a ser compreendido sob o olhar da Psicologia Humanista e da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), abordagens que, cada uma a seu modo, oferecem caminhos para compreender a dor e transformá-la em possibilidade de reconstrução. Enquanto a perspectiva humanista enfatiza a autenticidade, a empatia e o acolhimento incondicional da experiência do enlutado (Rogers, 2009), a TCC propõe ferramentas cognitivas e comportamentais para lidar com pensamentos disfuncionais e promover a adaptação emocional (Beck, 2013).
Essas reflexões evidenciam que o luto não se limita à dor ou à ausência do outro, mas configura-se como um território contínuo de ressignificação, no qual o indivíduo é convocado a revisitar vínculos afetivos, reorganizar sua narrativa de vida e confrontar sua própria vulnerabilidade. A experiência manifesta-se de forma não linear, perpassando momentos de negação, raiva, tristeza profunda, melancolia, assim como de reconciliação, esperança e reconstrução existencial.
Rogers (2009) enfatiza que a experiência humana se torna profundamente transformadora quando o indivíduo encontra um espaço de escuta empática, aceitação incondicional e autenticidade. Na vivência do luto, isso implica permitir que o enlutado experiencie sua dor sem julgamentos, reconhecendo sua singularidade. A relação terapêutica centrada na pessoa não visa suprimir o sofrimento, mas oferecer condições para que o sujeito descubra significado e sentido em sua experiência, promovendo resiliência e crescimento pessoal. O autor ainda evidencia que, ao acolher as emoções e ser autêntico consigo mesmo, o indivíduo abre espaço para a integração da dor na construção de uma vida mais plena.
Complementarmente, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), desenvolvida por Beck (2013), oferece instrumentos eficazes para lidar com os pensamentos automáticos negativos e as distorções cognitivas que frequentemente emergem durante o luto. Fundamentada na relação entre cognições, emoções e comportamentos, essa abordagem compreende que a forma como o indivíduo interpreta os acontecimentos influencia diretamente suas reações emocionais e a maneira como enfrenta a realidade. Por meio da reestruturação cognitiva e do enfrentamento gradual, o enlutado é convidado a identificar crenças disfuncionais relacionadas à perda, à própria identidade e ao sentido da vida, transformando interpretações rígidas em percepções mais flexíveis e adaptativas. A retomada de rotinas significativas e a reconexão com atividades prazerosas funcionam como estratégias de enfrentamento que fortalecem o propósito e favorecem o engajamento com a própria existência. Assim, a TCC promove uma postura ativa diante do sofrimento, permitindo que o sujeito reorganize sua narrativa pessoal sem negar a dor, mas aprendendo a integrá-la como parte de seu processo de crescimento e continuidade da vida.
Portanto, tanto a abordagem humanista, representada por Rogers (2009), quanto a TCC, proposta por Beck (2013), convergem na compreensão de que o luto não é apenas um estado de dor a ser superado, mas um processo ativo de ressignificação existencial, no qual a consciência da finitude e da ausência propicia maior profundidade na experiência de viver. Enquanto a perspectiva humanista enfatiza o acolhimento, a autenticidade e a escuta empática como condições fundamentais de transformação, a TCC contribui com ferramentas concretas que auxiliam o indivíduo a reconhecer e modificar padrões de pensamento e comportamento que intensificam o sofrimento. Dessa forma, ambas as abordagens, em diálogo, ampliam a compreensão do luto como um caminho de reconstrução subjetiva, no qual dor, amor e sentido se entrelaçam para sustentar a continuidade da existência.
Arantes (2019) destaca que a intensidade do luto está diretamente relacionada à profundidade do vínculo afetivo: “O luto é o preço do amor, e quanto maior o vínculo, maior a dor da ausência”. Para a autora, acolher e experienciar a dor da perda não representa sucumbir ao sofrimento, mas permite que ele seja transformado em memória, aprendizado e conexão afetiva. Essa vivência consciente revela camadas internas do indivíduo, possibilitando uma compreensão ampliada sobre amor, vida e finitude.
Frankl (2019) complementa, destacando que mesmo em circunstâncias de extremo sofrimento é possível encontrar sentido. A busca por significado diante da perda transforma a dor em recurso para sustentar a vida e reorganizar projetos existenciais, provocando questionamentos profundos sobre identidade, propósito e valores: “Quem sou eu sem aquele que partiu?” ou “Como dar continuidade à vida diante do vazio?”.
Yalom (2008) reforça que a consciência da finitude atua como catalisador para uma existência autêntica. A percepção da limitação do tempo intensifica a atenção às experiências presentes, fortalece vínculos significativos e dissolve ilusões de posteridade infinita. Confrontar a mortalidade desperta no indivíduo a urgência de viver de forma mais plena, com escolhas mais conscientes e relações mais genuínas.
O luto, portanto, é um fenômeno multidimensional, atravessando camadas afetivas, cognitivas e existenciais. Cada sujeito experimenta a perda de forma única, transitando entre angústia, desamparo e questionamentos sobre identidade e continuidade da vida. Essas experiências suscitam reflexões sobre memória, vínculos afetivos e sentido existencial. A integração da dor transforma a ausência em memória, aprendizado e continuidade afetiva, constituindo um alicerce para resiliência e reconstrução pessoal (Michel; Freitas, 2019).
Exemplos práticos da vivência do luto podem ser observados em relatos de pessoas que perderam entes queridos: a dor intensa manifesta-se em isolamento social, alterações no sono e na alimentação, crises de choro, mas também em busca de memórias compartilhadas, registros de diários ou envolvimento em rituais e homenagens. Como expressa Carpinejar (2023, p. 45), “quem chora não está desistindo, está lembrando”. Cada prática de enfrentamento reflete a tentativa de organizar a experiência interna e reconectar-se com o sentido da vida, demonstrando que o sofrimento pode ser também uma forma de honrar o vínculo e preservar o amor que permanece.
Arantes (2019) enfatiza que essas manifestações devem ser compreendidas como processos naturais de integração da perda na história pessoal, e não como sinais de fraqueza.
Contudo, é importante ressaltar que o luto não é vivenciado apenas pelos que ficam. O paciente em fase terminal também experimenta um processo doloroso de despedida, denominado luto antecipatório. Arantes (2024, p. 50) descreve que “o pior luto é o da pessoa que morre consciente de que está morrendo, porque essa pessoa está se despedindo da vida […]. Por isso afirmo que o luto do paciente consciente de sua finitude é o mais intenso”. Essa perspectiva amplia a compreensão do fenômeno, revelando que a experiência do luto envolve tanto quem parte quanto quem permanece, e que ambos são convocados a um movimento de ressignificação diante da inevitabilidade da morte.
Ao integrar as contribuições de Arantes (2019; 2024), Frankl (2019), Yalom (2008), Rogers (2009) e Beck (2013), compreende-se que o luto não é uma etapa a ser rapidamente superada, mas um território contínuo de ressignificação, no qual dor e sentido coexistem. A medicina paliativa em Arantes (2024) enfatiza comunicação, alívio do sofrimento e cuidado centrado na pessoa; Frankl (2019) recorda que o sentido pode ser encontrado mesmo em condições extremas; Yalom (2008) mostra como a consciência da finitude catalisa autenticidade e presença; Rogers (2009) sustenta que vínculo terapêutico, congruência, empatia e aceitação incondicional criam condições de crescimento; Beck (2013) oferece ferramentas para reconhecer e reestruturar crenças e interpretações que intensificam o sofrimento. Em conjunto, esses referenciais compõem uma base clínica e ética que legitima a singularidade do luto e orienta intervenções prudentes, respeitosas e efetivas.
Dessa síntese decorre uma consequência teórica e prática: o luto convoca o indivíduo a refletir sobre amor, ausência, memória e existência, favorecendo trajetórias de vida mais autênticas e conscientes, sem negar a dor que as acompanha. Essa compreensão prepara a passagem para o próximo capítulo, no qual será abordado as chamadas “fases” do luto não como etapas fixas, mas como paisagens emocionais singulares, com avanços e retornos, pausas e retomadas reforçando a continuidade entre sofrimento e reconstrução existencial, bem como a necessidade de cuidado longitudinal e interdisciplinar.
3 O LUTO E SUAS FASES
A experiência do luto, embora profundamente singular, manifesta-se em padrões emocionais e psicológicos que ajudam a compreender a complexidade desse processo. Kübler-Ross (2017), pioneira nesse campo, descreveu cinco reações frequentemente observadas diante de perdas significativas: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Essas fases não configuram etapas fixas nem seguem uma ordem linear, mas representam movimentos internos que podem se sobrepor, alternar ou reaparecer ao longo do tempo, compondo uma travessia dinâmica e não previsível.
Worden (2018) complementa essa perspectiva ao afirmar que o luto envolve um conjunto de tarefas psicológicas que permitem ao indivíduo aceitar a realidade da perda, processar a dor, ajustar-se a um mundo no qual o ente querido está ausente e encontrar um espaço interno para manter o vínculo de forma saudável.
Stroebe e Schut (1999) reforçam essa ideia ao proporem o modelo de oscilação entre perda e restauração, no qual o enlutado alterna entre momentos de confronto com a dor e períodos de reconstrução da vida cotidiana. Essa oscilação não é sinal de regressão, mas parte natural do processo adaptativo.
Nos últimos anos, autores como Shelton (2025) têm ressaltado a importância de incluir a dimensão espiritual nessa jornada. Segundo a autora, práticas simples como rituais pessoais, momentos de contemplação e reconexão com valores essenciais podem transformar a experiência do luto em uma oportunidade de crescimento interior e continuidade simbólica, sem apagar a dor, mas ressignificando.
A experiência do luto é simultaneamente pessoal e universal, atravessando culturas, épocas e histórias individuais. No capítulo anterior, é explorada a dimensão existencial da morte, reflexão sobre a finitude humana e análise do luto como processo de ressignificação. Essas discussões evidenciam que a perda não se limita à ausência física; constitui também uma ruptura no mundo simbólico, emocional e relacional do indivíduo, desafiando-o a reorganizar a própria narrativa de vida e a confrontar questões fundamentais sobre identidade, amor e sentido.
O luto extrapola a experiência imediata da perda, estendendo-se às memórias, vínculos afetivos e perspectivas de futuro. É, em essência, uma jornada de reconciliação entre o presente e o que foi perdido, convidando o indivíduo a vivenciar a vida com maior profundidade, autenticidade e presença. Arantes (2019) enfatiza que a intensidade do luto está diretamente relacionada à profundidade do amor vivido: quanto mais significativo o vínculo, mais intensa é a dor da ausência. Contudo, essa dor não deve ser interpretada como obstáculo, mas como oportunidade de crescimento, resiliência e descoberta do sentido da vida.
A Psicologia Humanista, especialmente os estudos de Rogers (2009), ressalta que o luto pode se tornar ferramenta de autoconhecimento e amadurecimento emocional quando o indivíduo encontra um espaço seguro para experienciar suas emoções com autenticidade, aceitação e empatia. O autor ainda destaca que o acolhimento da dor é essencial para integrar a experiência da perda, permitindo que o sujeito reconstrua sua narrativa de vida sem negar ou suprimir seus sentimentos. Assim, a vivência do luto se configura como território de consciência, reflexão e transformação.
Além dessas perspectivas clássicas, autores contemporâneos ampliam o entendimento do luto. Stroebe e Schut (1999) descrevem, no Modelo do Processo Dual, a oscilação entre momentos orientados para a perda e momentos orientados para a restauração da vida cotidiana, um movimento dinâmico que, longe de linear, favorece a adaptação saudável.
Nessa mesma direção, Neimeyer (2012) sustenta que o luto envolve sobretudo a reconstrução de significados: o indivíduo recompõe memórias, narrativas e valores para integrar a ausência e retomar projetos. Michel e Freitas (2019) destacam que esse processo simbólico e intersubjetivo pode atenuar a dor, fortalecer vínculos internos e criar condições de renovação.
Nesse horizonte, Luz (2021, p. 58) sintetiza de forma poética e transformadora a possibilidade de ressignificação da dor:
Independente de como tudo isso é para você, de como você está vivendo esse processo, lembre-se de escolher sobreviver. Você até pode criar uma ONG para acolher enlutados, mas não precisa, pois são apenas as grandes coisas que sinalizam o amor que não morreu. Você sobrevive quando decide que amor é maior do que a morte. Você sobrevive quando, mesmo em meio a uma dor paralisante, escolhe viver para poder contar a todo mundo sua história de amor. (Luz, 2021, p. 58).
Ao preparar o terreno para a análise detalhada das fases do luto, é necessário compreender que cada etapa; da negação à aceitação; não constitui reação isolada, mas parte de um continuum que reflete o entrelaçamento entre dor, memória, amor e reconstrução. Cada fase será explorada como paisagem emocional singular, evidenciando que o luto é fenômeno individual e, ao mesmo tempo, experiência compartilhada, atravessada por fatores culturais, sociais e espirituais.
Dessa forma, está seção propõe examinar o luto não como algo a ser vencido rapidamente, mas como processo contínuo de integração, reflexão e crescimento, no qual cada indivíduo é chamado a encontrar significado na perda, honrar os vínculos afetivos e, simultaneamente, abrir espaço para a renovação da vida. Essa abordagem estabelece a ponte para a análise das fases específicas do luto, que serão discutidas nos subtítulos seguintes, permitindo ao leitor compreender tanto padrões emocionais recorrentes quanto singularidades de cada vivência.
3.1 Negação: O primeiro encontro com a ausência
A negação costuma ser o primeiro gesto psíquico diante da morte, um movimento silencioso que tenta proteger o coração do impacto insuportável da perda. Quando a notícia chega, a realidade parece maior do que a capacidade de compreendê-la, e o ser humano se agarra a uma espécie de suspensão: por instantes ou dias, é como se a ausência não pudesse ser verdadeira. Longe de representar fraqueza, esse mecanismo é a forma que a mente encontra de dar tempo ao corpo e à alma para assimilar aquilo que é irreversível.
Kübler-Ross (2017) explica que a negação é uma resposta inicial à impossibilidade de aceitar a ausência e pode se manifestar por meio de frases como “isso não pode ter acontecido” ou “ele ainda vai entrar por aquela porta”. Trata-se de um mecanismo adaptativo que concede tempo e espaço para que o sujeito assimile gradualmente a perda. Sem essa suspensão inicial, a desorganização emocional poderia ser tão devastadora que dificultaria a continuidade da vida cotidiana.
Nesse sentido, a negação revela a inteligência do próprio psiquismo humano, que, mesmo em meio ao caos, cria condições para que a vida não desmorone por completo. Carpinejar (2023) lembra que a dor do luto não desaparece, mas passa a ser incorporada à vida cotidiana, tornando-se parte da identidade de quem sofre:
Aprendemos a rir com aquela dor, a se relacionar publicamente com aquela dor, a trabalhar com aquela dor, a amar com aquela dor. Ela vira parte da nossa carne, do forro da nossa pele, da nossa visão de mundo. (CARPINEJAR, 2023, p. 16).
Essa perspectiva evidencia que a negação não é apenas um afastamento da realidade, mas também o início de um processo de integração: mesmo quando ainda não se consegue aceitar plenamente a ausência, já se começa a conviver com ela de maneira silenciosa e profunda. Kübler-Ross (2017) destacam que a negação não deve ser vista como recusa irracional, mas como mecanismo de proteção que permite ao indivíduo assimilar, aos poucos, a dimensão da perda, até que mente e coração estejam prontos para reconhecê-la.
Esse fenômeno pode se expressar de formas muito concretas: é o pai que continua arrumando a mesa para o filho que partiu, a esposa que fala no presente sobre o marido falecido, ou a mãe que preserva o quarto do filho intacto, como se ele pudesse voltar a qualquer momento. São gestos que, para quem observa de fora, podem parecer ilusórios, mas carregam profundo sentido simbólico: manter vivo o vínculo até que a consciência esteja pronta para aceitar a ausência.
A negação também pode ser observada em práticas coletivas e culturais. Em muitas tradições, os rituais de despedida, como velórios, cerimônias e rezas funcionam como espaços simbólicos que prolongam a presença do falecido, permitindo que a comunidade compartilhe o choque da perda antes de aceitá-la plenamente. Segundo Kübler-Ross (2017, p. 42), “os rituais oferecem um modo de manter viva a conexão com quem se foi, até que a mente e o coração estejam prontos para se despedir.”
Além de recurso psicológico e cultural, a negação revela algo profundamente existencial: a dificuldade humana de aceitar a finitude. Viver significa, em alguma medida, sustentar a ilusão de que a vida é contínua, que os vínculos permanecerão inabaláveis e que o amanhã está garantido. A morte, quando chega, rompe essa ilusão e nos confronta com a fragilidade da existência. Yalom (2008) descreve a consciência da morte como “uma visita indesejada que nos obriga a reavaliar tudo o que considerávamos eterno”, revelando a tensão entre a necessidade de negar e a urgência de viver.
Esse estágio também evidencia a importância do acolhimento. Pressionar alguém a “aceitar logo” a morte de quem ama é ignorar o valor dessa defesa psíquica. O enlutado precisa ser respeitado em seu tempo, em sua recusa momentânea, em seu desejo inconsciente de preservar a presença de quem partiu. A escuta empática e silenciosa é, muitas vezes, o gesto mais terapêutico, pois não tenta romper a negação à força, mas reconhece sua função protetiva. Como afirma Rogers (2009, p. 51), “o paradoxo curioso é que, quando me aceito exatamente como sou, então posso mudar.” Nessa lógica humanista, a aceitação nasce da autenticidade, e isso só pode acontecer quando a pessoa se sente livre para viver suas emoções sem julgamentos.
Do ponto de vista cognitivo, a negação também se manifesta em pensamentos automáticos protetivos, como “isso é um engano” ou “ele ainda vai entrar por aquela porta”. Embora irreais, esses pensamentos funcionam como estratégias temporárias de sobrevivência, ajudando a manter a estabilidade diante da avalanche emocional. Beck (2013) explica que pensamentos automáticos são respostas cognitivas imediatas e involuntárias que, embora distorçam a percepção da realidade, desempenham um papel de autoproteção diante de dores intensas. O trabalho reflexivo consiste, portanto, em compreender a função desses pensamentos e permitir que, com o tempo, cedam lugar a uma consciência mais integrada da realidade.
Nesse sentido, a negação é paradoxal: ao mesmo tempo que afasta a dor, já anuncia que ela virá. É uma porta de entrada no processo do luto, concedendo ao sujeito a chance de respirar antes de mergulhar no mar revolto da ausência. Arantes (2019, p. 92) lembra que “a negação não é o oposto da verdade, mas a pausa necessária para que possamos suportá-la.” Ao suspender o impacto imediato, a negação prepara o terreno para as fases seguintes, como a raiva, que emerge quando o indivíduo começa a perceber que não pode mais sustentar a ilusão de controle.
Portanto, a negação não deve ser combatida nem apressada, mas acolhida como parte natural da travessia. Ela protege, organiza e prepara. Ao reconhecer seu valor, compreendemos que o luto não começa na aceitação, mas justamente nessa recusa inicial, que dá o tom da jornada: uma viagem em que cada emoção tem sua função e onde até o silêncio e a suspensão carregam em si sementes de transformação.
3.2 Raiva: O confronto com a impotência
Após o período inicial de suspensão oferecido pela negação, o enlutado muitas vezes se vê invadido por uma emoção intensa e difícil de conter: a raiva. Esse sentimento não surge de maneira gratuita, mas como resposta ao confronto inevitável com a realidade da perda. Se antes havia uma margem de proteção que amenizava o choque, agora a ausência se impõe de modo inegável, despertando indignação, frustração e, por vezes, revolta. A raiva, nesse contexto, é uma forma legítima de expressão da dor, um grito de resistência diante do inaceitável.
O que se revela por trás dessa emoção é, muitas vezes, a impotência humana diante da finitude. A morte não pede permissão, não se submete à vontade ou ao planejamento humano; ela interrompe, rompe e desorganiza. Essa quebra da ordem esperada provoca no sujeito a sensação de injustiça: “Por que agora?”, “Por que comigo?”, “Por que com ele(a)?”. A raiva, então, não é apenas uma reação emocional, mas uma tentativa de nomear a experiência da desproteção diante da vida. Como explicam Kübler-Ross (2017), a raiva surge quando o indivíduo se vê desamparado diante da inevitabilidade da morte, expressando o protesto contra a perda e o desejo de recuperar o controle sobre o que já não pode ser controlado.
Essa emoção pode se manifestar de diferentes formas: direcionada ao falecido, por ter partido e deixado um vazio; a si mesmo, por sentir-se responsável ou incapaz de evitar a perda; a terceiros, como médicos, familiares ou amigos; e até mesmo a Deus ou ao destino, quando a fé se mistura à revolta. Cada expressão de raiva traz consigo a marca de um vínculo interrompido e da dificuldade em reorganizar o mundo sem aquela presença.
Kübler-Ross (2017) descreve essa fase como o momento em que a dor deixa de ser silenciosa e exige reconhecimento. A raiva, segundo ela, torna-se quase inevitável, pois representa a materialização da consciência de que a morte é incontrolável. Arantes (2019) acrescenta que a indignação é um movimento necessário, uma vez que possibilita ao sujeito confrontar a realidade e iniciar a integração da finitude. Não se trata de um erro ou desvio do processo, mas de um passo legítimo para dar forma ao sofrimento e, aos poucos, ressignificá-lo.
Carpinejar (2023) também oferece uma visão poética dessa fase ao lembrar que a dor não se apresenta de modo contido, mas explode de forma avassaladora. A raiva, nesse sentido, é a linguagem crua da ausência, aquilo que invade e ocupa todos os espaços da vida, exigindo ser atravessada em vez de domesticada. Essa metáfora reforça que a raiva não é patológica, mas uma expressão inevitável da vulnerabilidade humana diante da perda.
A raiva também possui uma dimensão social e cultural. Em algumas tradições, ela se expressa em rituais de lamento, gritos, cantos ou prantos coletivos que dão forma à revolta e oferecem um espaço de validação pública para essa emoção. O choro intenso, os desabafos ou até mesmo atitudes de inconformismo representam, no fundo, uma tentativa de reintegrar o sujeito à comunidade, permitindo que a dor seja compartilhada e reconhecida.
Ao mesmo tempo, em contextos em que se espera uma postura contida e racional diante da perda, a raiva pode ser reprimida, gerando sentimento de culpa ou inadequação. Essa tensão cultural evidencia como o luto não é apenas vivência individual, mas atravessado por normas sociais que moldam a forma de expressar emoções.
Do ponto de vista subjetivo, a raiva também cumpre uma função paradoxal: embora dolorosa, ela quebra a apatia e devolve energia ao enlutado. É nesse movimento que, muitas vezes, surgem reflexões mais profundas sobre o valor da vida, o sentido da perda e até mesmo a fragilidade da condição humana. A raiva, nesse sentido, não é apenas destrutiva, mas também construtiva, pois mobiliza forças internas que podem ser canalizadas para a reorganização existencial.
Acolher a raiva, portanto, é essencial. Rogers (2009) lembra que nenhuma emoção humana deve ser negada ou reprimida, mas vivida em autenticidade. Quando o enlutado encontra um espaço empático para expressar sua revolta sem julgamentos, essa emoção pode ser transformada em caminho de autoconhecimento e resiliência. A raiva, ao ser escutada, perde o caráter puramente destrutivo e se converte em oportunidade de reflexão e crescimento.
Na mesma direção, Beck (2013) mostra que pensamentos automáticos associados à injustiça ou à culpa podem intensificar a raiva, tornando-a paralisante. A consciência sobre esses padrões e a reestruturação cognitiva ajudam o indivíduo a compreender que essa emoção é parte do processo, mas não precisa se tornar definitiva. O desafio está em não se aprisionar no ressentimento, mas reconhecer a raiva como etapa transitória da travessia.
Essa fase, embora difícil, abre caminho para uma transição importante. Quando a revolta não encontra mais respostas, o enlutado pode passar a buscar alternativas, pactos imaginários ou negociações simbólicas. Surge, então, a barganha, momento em que se tenta, mesmo de forma ilusória, recuperar algum controle sobre o incontrolável. Assim, a raiva não é fim em si mesma, mas uma ponte que conduz à próxima fase, revelando que o luto é um processo dinâmico, onde cada emoção cumpre um papel fundamental na reconstrução do sentido da vida.
3.3 Barganha: A busca por controle e significado
Se a raiva revela a revolta contra a morte, a barganha traz consigo um tom diferente: é a tentativa de negociar com a ausência, de retomar algum senso de controle sobre aquilo que já se mostrou irreversível. Nesse estágio, a dor ainda não é plenamente aceita, mas o sujeito já não consegue se manter apenas na indignação. Surge, então, o movimento interno de formular pactos, promessas ou condições, como se fosse possível atenuar o sofrimento ou alterar o rumo dos acontecimentos.
De acordo com Arantes (2019), a barganha é uma expressão da força do vínculo afetivo, pois, mesmo diante da ausência, o enlutado continua dialogando simbolicamente com a pessoa que partiu. Esse movimento evidencia que a barganha não deve ser compreendida como ilusão ou fraqueza, mas como uma forma de preservar a relação afetiva, ainda que de modo simbólico.
Kübler-Ross (2017) descreve a barganha como a etapa marcada pelo desejo de adiar ou suavizar a perda, permitindo ao sujeito ensaiar a aceitação de maneira gradual. Para a autora, essa negociação é uma ponte necessária entre a raiva explosiva e a tristeza profunda da depressão.
Segundo Rogers (2009), esse processo precisa ser acolhido com empatia, sem julgamentos precipitados, já que expressa a autenticidade do sofrimento humano. No mesmo horizonte, Beck (2013, p. 115) adverte que pensamentos recorrentes de “e se…” ou “se ao menos…” podem se tornar armadilhas cognitivas, paralisando o enlutado. No entanto, quando reconhecidos e elaborados, esses pensamentos podem ser integrados como parte natural da travessia.
Carpinejar (2023) acrescenta uma dimensão poética ao lembrar que, mesmo quando sustentada por pactos internos e promessas impossíveis, a barganha revela a tentativa de reorganizar a dor em linguagem. Ao projetar a ausência em diálogos invisíveis, o enlutado reafirma o amor perdido, mostrando que, mesmo diante do incontrolável, o vínculo permanece vivo.
Esse fenômeno não se restringe ao âmbito individual. Em diferentes tradições culturais e religiosas, a barganha se manifesta em votos, promessas ou rituais que expressam o desejo de reconciliação com o transcendente e de preservação simbólica da relação com o falecido. Esses gestos revelam que a barganha, além de recurso psíquico, é também um fenômeno social e espiritual.
Com o tempo, entretanto, o sujeito percebe que tais pactos não sustentam a realidade da ausência. Os “se” e os “talvez” perdem força, e a dor se aprofunda. Nesse ponto, a barganha abre caminho para a depressão, quando o enlutado mergulha no vazio deixado pela perda e começa a integrar emocionalmente a ausência. Assim, a barganha não é um retrocesso, mas uma etapa fundamental: um ensaio para enfrentar a perda em toda a sua densidade emocional, preparando o coração para o encontro mais radical com a dor.
3.4 Depressão: O encontro profundo com a dor
A depressão, no contexto do luto, representa o momento em que a realidade da perda é plenamente reconhecida, trazendo consigo sentimentos intensos de tristeza, vazio e melancolia. Diferente de transtornos clínicos depressivos, essa fase do luto caracteriza-se por uma imersão natural na dor, necessária para a integração emocional e a ressignificação da ausência. De acordo com Kübler-Ross (2017), é nesse estágio que o indivíduo se depara com o peso real da perda, compreendendo a profundidade do impacto sobre sua vida, seus vínculos e sua existência.
Arantes (2019) enfatiza que essa etapa é, paradoxalmente, um espaço de encontro consigo mesmo e com a vulnerabilidade mais radical da condição humana:
A depressão no luto não é sinônimo de derrota, mas um processo de transformação silenciosa, no qual o indivíduo aprende a reconhecer a dor como parte constitutiva de sua nova realidade. (Arantes, 2019, p. 91).
Sob a ótica humanista, Rogers (2009) lembra que os sentimentos vivenciados nessa fase precisam ser acolhidos em sua autenticidade. Criar um espaço de aceitação, onde a tristeza e o vazio possam ser experienciados sem julgamento, favorece a consciência e a integração da dor. Beck (2013, p. 119), por sua vez, observa: “Os pensamentos de desesperança e culpa recorrentes na depressão podem ser trabalhados por meio da identificação de distorções cognitivas, evitando que a dor se transforme em paralisia”.
É importante destacar, segundo o DSM-5-TR (APA, 2022), que a tristeza intensa, o isolamento social e a melancolia próprios do luto não devem ser confundidos automaticamente com um Transtorno Depressivo Maior. A diferenciação está na intensidade, persistência e prejuízo funcional, bem como na presença de ideação suicida persistente, que caracterizam um quadro patológico. Compreender essa distinção é essencial para legitimar a depressão no luto como processo saudável e adaptativo.
Essa fase também possui uma dimensão cultural e ritual. Em muitas sociedades, o período de luto é marcado por práticas como o uso de roupas pretas, rezas, cânticos ou rituais de silêncio. Esses símbolos coletivos funcionam como espaços de validação e compartilhamento da dor, permitindo que o enlutado não se sinta isolado em sua experiência. Tais práticas revelam que a depressão não é apenas uma vivência individual, mas também um fenômeno social, no qual a comunidade participa da integração da ausência.
Além disso, a depressão pode ser compreendida como um movimento de maturação existencial. Frankl (2019) sustenta que, mesmo em condições extremas, é possível encontrar sentido, frequentemente no próprio confronto com a dor e com a morte. No contexto do luto, isso significa reconhecer que a dor não aniquila a vida, mas pode transformar-se em recurso de fortalecimento interior, despertando novos valores e perspectivas. A experiência de perda, embora dolorosa, abre espaço para uma consciência mais profunda da finitude e para a valorização da existência.
A passagem da depressão para a aceitação não significa apagar a dor, mas aprender a conviver com ela em novos termos. É nesse ponto que o luto deixa de ser apenas sofrimento e passa a se tornar uma experiência de aprendizagem, memória e reconstrução. A tristeza permanece, mas deixa de ser paralisante, abrindo espaço para um vínculo renovado com a vida.
Dessa forma, a depressão no luto não é o fim, mas parte de uma travessia. Ela prepara o indivíduo para a aceitação, mostrando que enfrentar a dor em sua profundidade é também reconhecer a força do amor que permanece. Essa compreensão confirma que o luto é um processo dinâmico, no qual cada fase cumpre uma função única e necessária na reconstrução da vida após a perda.
3.5 Aceitação: Integração e transformação do luto
A aceitação representa um marco importante na travessia do luto: o momento em que a realidade da perda é plenamente reconhecida e integrada à narrativa de vida do indivíduo. Diferente da resignação, que sugere passividade ou desistência, a aceitação implica amadurecimento emocional e abertura para uma nova forma de relação com a ausência. O sofrimento não desaparece, mas passa a ocupar um lugar diferente, transformando-se em memória, aprendizado e fonte de significado.
Pesquisadores que estudam o luto apontam que, nessa etapa, o sujeito começa a encontrar equilíbrio entre lembrança e continuidade, transcendendo o sofrimento imediato e abrindo espaço para reconstrução pessoal. É como se, após percorrer ondas de dor, revolta e desesperança, a pessoa percebesse que pode carregar consigo a presença simbólica do ente querido sem que isso a paralise (Kübler-Ross, 2017).
Arantes (2019) acrescenta que a aceitação envolve o cultivo de uma relação madura com a ausência, na qual o vínculo afetivo não se rompe, mas se transforma em memória ativa e fonte de fortalecimento. Nesse processo, o indivíduo aprende que a vida continua e que o amor pode persistir simbolicamente nas escolhas, nos gestos e nas lembranças que permanecem.
Na perspectiva humanista, entende-se que a aceitação é um ato de autenticidade e congruência, em que a pessoa se permite experienciar a realidade de forma plena, reconhecendo tanto sua vulnerabilidade quanto sua capacidade de resiliência e crescimento (Rogers, 2009). Abordagens cognitivas ressaltam que a consolidação de padrões mais adaptativos auxilia o enlutado a perceber que, mesmo diante do irreversível, ainda possui controle sobre a forma como escolhe viver (Beck, 2013).
Também é importante considerar que a aceitação da perda não deve ser confundida com uma resposta patológica. Estudos clínicos indicam que, embora a tristeza permaneça, ela não compromete a funcionalidade, mas se transforma em recurso de reconstrução da vida, diferenciando-se de transtornos caracterizados por intensidade desproporcional e prejuízos significativos (APA, 2022).
A aceitação, portanto, não deve ser entendida como um ponto final rígido, mas como território de contínua ressignificação. Cada novo dia pode reacender a memória da perda, mas também renovar a possibilidade de criar sentido. Essa consciência fortalece o enlutado a olhar para o futuro sem negar o passado, reconhecendo que cada emoção vivida da negação à depressão, foi necessária para chegar a esse momento de maior equilíbrio.
Além da dimensão psicológica, a aceitação se manifesta também em rituais de memória, homenagens e práticas religiosas ou espirituais, que funcionam como espaços coletivos de validação da dor e preservação do vínculo. Esses elementos demonstram que aceitar não é abandonar, mas perpetuar a presença de quem partiu em formas mais sutis e duradouras.
Frankl (2019) reforça que, mesmo nos momentos de maior sofrimento, é possível encontrar sentido, e que justamente essa busca é o que sustenta a vida e possibilita seguir adiante. Assim, a aceitação não elimina a dor, mas ensina a dar-lhe um lugar dentro da própria história, transformando a perda em experiência de aprendizado e fortalecimento interior.
Dessa forma, a aceitação pode ser compreendida como um ato de reconciliação com a própria condição humana. Ela não elimina o vazio deixado pela morte, mas permite que ele se torne parte de uma vida reconfigurada, mais consciente da finitude e mais comprometida com o presente. Ao final desse processo, o luto se revela não apenas como dor, mas como oportunidade de aprendizado, resiliência e transformação pessoal.
4. REFLEXÃO SOBRE A VIDA E A MORTE: O LUTO COMO CAMINHO PARA A EXISTÊNCIA PLENA
Ao longo deste trabalho, a morte e o luto são analisados em suas dimensões existenciais, psicológicas e cognitivas, compreendendo como cada fase se entrelaça com a vivência da finitude humana. Este momento busca ir além da compreensão teórica: propõe uma imersão reflexiva na experiência da vida por meio da consciência da morte, desafiando o leitor a confrontar aquilo que é inevitável, silencioso e muitas vezes evitado. A intenção não é oferecer respostas prontas, mas abrir espaço para reflexões que, embora desafiadoras, possam se tornar transformadoras.
A morte é a única certeza que acompanha todos os seres humanos, mas é, paradoxalmente, o tema mais evitado na sociedade. O indivíduo vive como se fosse eterno, projetando desejos e adiando gestos importantes, como se o tempo fosse um recurso inesgotável. No entanto, quando a finitude se apresenta, seja pela perda de alguém próximo, seja pela consciência da própria fragilidade, o sujeito é convocado a reorganizar sua forma de estar no mundo.
Arantes (2019) lembra que falar sobre a morte não significa cultivar morbidez, mas sim aprender a honrar a vida em sua totalidade. É reconhecer que cada instante vivido tem um valor único, irrepetível, e que somente ao acolhermos a finitude podemos viver com maior autenticidade. Essa perspectiva nos convida a romper com o tabu cultural que silencia a morte e, muitas vezes, priva o sujeito de elaborar o luto de forma consciente e saudável.
O luto, nesse contexto, apresenta-se como uma verdadeira escola de humanidade que obriga a confrontar a vulnerabilidade, a lidar com emoções contraditórias e a compreender que o amor e a perda caminham lado a lado. Rogers (2009), representante da Psicologia Humanista, defende que é no encontro genuíno com a própria experiência que encontramos autenticidade.
O luto, por mais doloroso que seja, pode se tornar um caminho de crescimento emocional quando o sujeito encontra espaço de escuta, aceitação e empatia. Da mesma forma, Yalom (2008) destaca que a consciência da finitude pode funcionar como catalisador de escolhas mais significativas, libertando o indivíduo das ilusões de eternidade e chamando-o a viver de forma mais verdadeira.
Do ponto de vista cognitivo, a forma como interpretamos a morte molda intensamente nossas emoções e comportamentos. Beck (2013) mostra que pensamentos automáticos negativos e crenças disfuncionais podem aprofundar o sofrimento do enlutado, tornando o processo ainda mais doloroso.
Quando alguém acredita que “a vida acabou sem a pessoa amada”, o luto pode se tornar paralisante. Por outro lado, a reestruturação cognitiva permite que o sujeito reconheça a dor, mas ao mesmo tempo reoriente suas crenças, descobrindo que ainda há espaço para vínculos, projetos e sentidos possíveis. A Psicologia Cognitiva, assim, não nega a experiência emocional, mas oferece recursos para que ela não se transforme em prisão. Nesse sentido, Beck (2013) ressalta que a forma como interpretamos os acontecimentos influencia diretamente nossas emoções e comportamentos, e que modificar crenças absolutas e pensamentos disfuncionais é um passo essencial para reconstruir o sentido da vida após a perda.
Falar sobre a morte é, ao mesmo tempo, falar sobre a vida. Cada gesto, cada palavra, cada abraço se torna definitivo. Morin (2005) afirma que é justamente a consciência da morte que intensifica o valor da vida, pois revela que tudo é frágil e passageiro. Isso não deve ser motivo para desespero, mas sim para valorização: ao reconhecer que nada é eterno, descobre-se que cada instante vivido possui um peso único e insubstituível.
Frankl (2019) acrescenta que mesmo diante do sofrimento extremo, o ser humano é capaz de encontrar propósito. Para ele, a dor não precisa ser eliminada para que haja sentido; muitas vezes, é no enfrentamento da própria dor que o sentido mais profundo da existência emerge.
Essa reflexão nos provoca a romper tabus culturais. Em muitas sociedades ocidentais, a morte é escondida: hospitais e funerárias assumem o protagonismo, e falar sobre finitude é visto como inadequado. Em contrapartida, culturas orientais ou indígenas mantêm rituais que integram a morte ao cotidiano, ensinando desde cedo que a vida e a finitude não são polos opostos, mas partes de um mesmo ciclo.
Michel e Freitas (2019) lembram que os rituais cumprem um papel fundamental de simbolização, permitindo ao enlutado expressar emoções que poderiam permanecer silenciadas. Assim, ao invés de negar a morte, essas práticas permitem transformá-la em experiência de continuidade, memória e pertencimento coletivo.
Também é importante destacar o papel da espiritualidade nesse processo. A espiritualidade, entendida em sentido amplo, pode oferecer recursos para a ressignificação do sofrimento, funcionando como ponte entre a dor e a esperança. Não se trata apenas de religiosidade, mas da capacidade de o sujeito buscar conexões com algo que transcende sua individualidade. Arantes (2019) afirma que a consciência da morte, quando acompanhada da espiritualidade, ajuda a viver melhor, pois desperta no sujeito a percepção da preciosidade do presente. Nesse mesmo horizonte, Carpinejar (2023) descreve o luto como um prolongamento do amor, mostrando que a ausência não destrói os vínculos, mas os transforma em memória ativa e fonte de aprendizado.
O luto, portanto, não deve ser visto como inimigo ou estado a ser superado rapidamente, mas como caminho de reconstrução. Ele convida o sujeito a reconhecer que a ausência pode ser transformada em presença simbólica, que a dor pode se tornar aprendizado e que cada vínculo pode permanecer como força silenciosa. Rogers (2009) reforça que quando o indivíduo é acolhido em sua dor sem julgamentos, ele encontra espaço para reorganizar sua narrativa de vida. Nesse processo, o luto deixa de ser apenas ruptura e se torna possibilidade de transformação existencial.
Assim, integrar a morte, o luto e a reflexão sobre a vida é reconhecer que cada ausência pode ser transformada em memória viva, que cada dor pode abrir espaço para novos sentidos e que cada vínculo pode se prolongar para além da finitude física. É necessário viver com intensidade, propósito e autenticidade, reconhecendo que a morte, embora inevitável, funciona como uma mestra silenciosa, ensinando sobre a urgência do presente e o valor do existir.
Este capítulo, portanto, não encerra a discussão, mas abre caminho para uma nova etapa. Se até aqui se refletiu sobre a morte e o luto como experiências universais e existenciais, o próximo passo será compreender como a Psicologia pode oferecer recursos concretos para auxiliar aqueles que atravessam essa travessia.
No próximo capítulo, abordaremos os instrumentos psicológicos voltados para o acolhimento e ressignificação da perda, destacando especialmente as contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental e da Psicologia Humanista-Existencial, que, em diálogo, ampliam a capacidade de transformar a dor em aprendizado, resiliência e crescimento humano.
5 INSTRUMENTOS DA PSICOLOGIA NO MANEJO DO LUTO: DIÁLOGO ENTRE A TCC E A PSICOLOGIA HUMANISTA-EXISTENCIAL
Nesse seção, são abordados os instrumentos psicológicos voltados para o acolhimento e ressignificação da perda, destacando especialmente as contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental e da Psicologia Humanista-Existencial, que, em diálogo, ampliam a capacidade de transformar a dor em aprendizado, resiliência e crescimento humano.
O luto é uma experiência inevitável da existência humana, marcada por uma dor que, embora universal, manifesta-se de forma singular em cada sujeito. Refere-se de um processo emocional e psicológico que acompanha a perda de alguém ou de algo significativo, envolvendo tanto reações conscientes quanto inconscientes.
Quando se fala em luto, a associação imediata é com a morte, mas ele também pode emergir em rupturas afetivas, mudanças de papéis sociais ou na vivência antecipatória da própria finitude, como no caso de pacientes em estágio terminal. Nesse contexto, a Psicologia assume papel fundamental ao oferecer recursos teóricos e práticos que favoreçam a elaboração da perda, permitindo ao sujeito transitar da dor à reconstrução de sentido.
Freud foi um dos primeiros a diferenciar o luto da patologia, mostrando que o luto é reação natural à perda de um objeto amado, enquanto a melancolia representa a dificuldade de elaboração, marcada por hostilidade contra si mesmo (Freud, 2011) afirma:
O luto é, em geral, a reação à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupava o lugar dela, como a pátria, a liberdade ou um ideal. […] Apesar de envolver graves desvios da conduta normal, nunca nos ocorre considerá-lo como condição patológica, nem encaminhá-lo ao médico para tratamento. (Freud, 2011, p. 127).
Esse reconhecimento mostra que o luto, embora doloroso, faz parte da vida, funcionando como condição necessária para que o sujeito possa reinvestir sua energia vital em novos vínculos e experiências. Kübler-Ross (2017) aprofundou essa discussão ao propor as cinco fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Embora não devam ser vistas como etapas rígidas ou lineares, tais fases ofereceram uma abordagem simbólica capaz de legitimar a diversidade de reações emocionais diante da perda (Kübler-Ross, 2017; Valdecí; Netto, 2015).
Entre as abordagens contemporâneas que se destacam no acompanhamento clínico, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem papel relevante ao oferecer técnicas que ajudam o enlutado a compreender e reorganizar sua experiência. Fundamentada na relação entre pensamentos, emoções e comportamentos, a TCC busca identificar cognições automáticas negativas, questionar crenças disfuncionais e desenvolver estratégias de enfrentamento mais adaptativas. Paula et al., (2025) aponta que essa abordagem favorece a ressignificação da perda, pois permite reorganizar a narrativa sobre a morte e abrir espaço para novos significados.
A psicoeducação é um recurso central nesse processo. Explicar ao paciente que manifestações como tristeza intensa, choro frequente, alterações no sono e na alimentação são reações comuns ao luto e ajudam a normalizar a experiência e a reduzir a angústia (Cavalcanti; Rêgo, 2022).
Outro recurso importante é a reestruturação cognitiva, que possibilita transformar pensamentos absolutos como “minha vida acabou” em percepções mais equilibradas e funcionais. Além disso, técnicas como a ativação comportamental, que incentiva o retorno gradual a atividades prazerosas, e o uso de cartas terapêuticas ou dramatizações, que permitem ao enlutado expressar culpas e diálogos não realizados, contribuem para o alívio emocional e a elaboração da perda. Em casos de luto antecipatório, vivenciado por pacientes terminais e suas famílias, práticas como mindfulness e aceitação têm se mostrado eficazes, reduzindo a ruminação e favorecendo maior presença no momento (Silva, 2021).
Contudo, o luto não pode ser compreendido apenas como um processo cognitivo. Ele envolve dimensões existenciais mais profundas, como a busca por sentido, a reconstrução da identidade e a integração da ausência na própria narrativa de vida. Nesse ponto, a Psicologia Humanista-Existencial traz contribuições fundamentais. Carl Rogers sustenta que o crescimento humano acontece em um ambiente de escuta empática, aceitação incondicional e autenticidade. Como afirma o autor: “Quando a pessoa é aceita exatamente como é, pode começar a considerar a si mesma de modo mais realista e a avançar em direção a mudanças que antes pareciam impossíveis” (Rogers, 2009, p. 35).
No luto, essa postura cria um espaço seguro para que o indivíduo se permita viver a dor em toda a sua complexidade, sem ser julgado, reconhecendo sua vulnerabilidade como parte do processo de amadurecimento emocional. Frank (2008) reforça essa visão ao destacar que, mesmo diante do sofrimento inevitável, o ser humano é capaz de encontrar sentido. Em suas palavras, “o homem não é destruído pelo sofrimento, mas pelo sofrimento sem sentido” (Frankl, 2008, p. 115). Essa reflexão aproxima-se das técnicas cognitivas, mas vai além ao propor que a busca por significado é o eixo central da superação do luto e da construção de novos horizontes existenciais.
A espiritualidade também surge como fator protetivo e campo simbólico de ressignificação. Segundo Vale, (2021) integrar a espiritualidade ao processo terapêutico, de forma respeitosa e contextualizada, oferece conforto e esperança, ampliando a rede de significados e fortalecendo vínculos simbólicos com quem partiu. Arantes (2019) acrescenta que falar sobre a morte não significa antecipar sofrimento, mas sim aprender a viver de forma mais consciente, reconhecendo a finitude como mestra silenciosa que dá densidade à vida.
Além das técnicas já citadas, é importante destacar que o manejo do luto demanda uma perspectiva integrativa, capaz de articular o conhecimento teórico com a sensibilidade clínica. Nesse sentido, pesquisas recentes apontam que intervenções combinadas, que mesclam estratégias da TCC com abordagens humanistas e existenciais, potencializam a resiliência do enlutado, favorecendo não apenas a diminuição de sintomas depressivos e ansiosos, mas também a reconstrução de um projeto de vida coerente e significativo (Paula et al., 2025).
A dimensão temporal do luto também merece atenção. Estudos indicam que a duração e a intensidade das manifestações emocionais não seguem uma linha linear, estando sujeitas à influência de fatores individuais, culturais e contextuais. Portanto, o psicólogo deve considerar a singularidade do processo, adaptando intervenções de acordo com as necessidades e recursos do sujeito, sem impor padrões normativos rígidos (Cavalcanti; Rêgo, 2022).
Outro aspecto relevante refere-se ao papel das narrativas pessoais. O luto implica a reorganização da história de vida do indivíduo, exigindo que ele integre a ausência do ente querido em sua própria identidade. Técnicas narrativas, como a construção de diários, cartas terapêuticas e registros reflexivos, permitem ao sujeito externalizar sentimentos complexos e reinterpretar memórias de forma construtiva, promovendo sentido e continuidade da experiência vital (Frankl, 2008; Arantes, 2019).
6. CONCLUSÃO: INTEGRANDO VIDA, MORTE E LUTO
Concluir este trabalho é reconhecer que falar de morte e luto é, sobretudo, falar de vida. Não de uma vida idealizada, mas da vida real: finita, imperfeita e, justamente por isso, preciosa. Ao longo das páginas, compreendeu-se que o luto não é um obstáculo a ser superado rapidamente, mas um território de sentido, onde dor e amor se encontram e, nesse encontro, promovem transformação. Se a morte é certa, não precisa ser silenciada; se a dor é inevitável, não precisa ser negada; se a perda nos fere, também pode nos amadurecer.
O objetivo geral deste estudo foi analisar o processo de luto em sua complexidade, destacando as dimensões psicológicas e emocionais envolvidas na vivência da perda e as possibilidades de ressignificação e transformação existencial que emergem dessa experiência. A análise realizada permitiu compreender que o luto ultrapassa o sofrimento imediato e pode se tornar um espaço de aprendizado, reconstrução e crescimento humano. A dor, quando acolhida e elaborada, revela-se uma via possível para o fortalecimento emocional e a ampliação da consciência existencial.
Em relação aos objetivos específicos, o primeiro, identificar e descrever as fases do luto e suas manifestações emocionais, evidenciou que essas etapas não se apresentam de maneira linear, mas oscilam entre momentos de negação, raiva, tristeza e aceitação, refletindo o caráter singular de cada história.
O segundo objetivo, investigar estratégias de enfrentamento e ressignificação da perda, mostrou que o suporte emocional, o autocuidado e a vivência consciente da dor são elementos fundamentais para que o indivíduo reorganize sua vida após a ausência.
Já o terceiro objetivo, refletir sobre a influência de fatores culturais, espirituais e sociais destacou que rituais, crenças e manifestações simbólicas cumprem um papel essencial na expressão do luto, pois permitem transformar a dor em partilha, fortalecendo vínculos e preservando a memória dos que se foram.
Por fim, o quarto objetivo, analisar as contribuições das abordagens psicológicas Humanista-Existencial e Cognitivo-Comportamental (TCC), revelou que ambas se complementam: enquanto a perspectiva humanista oferece empatia, aceitação e escuta como instrumentos de cura, a TCC fornece recursos práticos para reestruturação de pensamentos e promoção de comportamentos saudáveis diante da perda.
Dessa forma, foi possível compreender que o enfrentamento do luto demanda um olhar integrador, que una a técnica e a humanidade, a razão e o afeto. A escuta empática, a aceitação incondicional e a compreensão das crenças e pensamentos do enlutado favorecem a reconstrução simbólica da perda, permitindo transformar a dor em sentido e continuidade.
Conclui-se, portanto, que o luto, em suas diversas expressões, seja pela perda de um ente querido, pelo término de um vínculo ou pela antecipação da própria finitude, constitui uma experiência inevitável e profundamente humana. Olhar para o luto não apenas como dor, mas como possibilidade de transformação, é reconhecer que o sofrimento pode se tornar via de crescimento, reconciliação e amadurecimento existencial. Ao acolher nossas fragilidades, abrimos espaço para reconstruir sentidos, encontrar novos significados e seguir adiante, ainda que marcados pela ausência.
Que esta pesquisa, portanto, não se encerre em si mesma. Que cada leitor a transforme em gesto, presença e cuidado; que cada perda encontre uma forma de memória viva; e que cada vida, sabendo-se breve, ouse ser plena. Honrar os que se foram é, antes de tudo, honrar a própria vida, a que nos foi dada hoje, enquanto ainda há tempo.
REFERÊNCIAS
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