CIGARRO ELETRÔNICO E SAÚDE RESPIRATÓRIA: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506231611


Jaime Parada Vasques Junior
Jorge Henrique Magno
Orientador(a): Prof. Ozi Deick Pereira Neto Lorensato


1. RESUMO 

Esta revisão bibliográfica analisa as evidências científicas sobre os efeitos do uso de cigarros eletrônicos na saúde respiratória. Foram selecionados estudos publicados nos últimos cinco a dez anos nas bases PubMed, Scopus, SciELO e Google Scholar. Os resultados apontam associação entre o uso de cigarros eletrônicos e doenças como asma e DPOC, independentemente do histórico de tabagismo convencional. Em fumantes que substituem o cigarro por dispositivos eletrônicos, não foram observadas pioras significativas nos parâmetros respiratórios. No entanto, os efeitos a longo prazo permanecem incertos, especialmente entre não fumantes. Conclui-se que o uso desses dispositivos oferece riscos à saúde respiratória e deve ser desencorajado, principalmente em indivíduos que nunca fumaram. 

Palavras-chave: Cigarro eletrônico. Saúde respiratória. Asma. DPOC. 

ABSTRACT 

 This review analyzes scientific evidence on the effects of electronic cigarette use on respiratory health. Studies published in the last five to ten years were selected from PubMed, Scopus, SciELO, and Google Scholar. Findings show an association between e-cigarette use and conditions such as asthma and COPD, regardless of previous smoking. Among smokers who switched to electronic devices, no significant worsening in respiratory parameters was found. However, long-term effects remain uncertain, especially in never-smokers. It is concluded that e-cigarette use poses respiratory health risks and should be discouraged, particularly among individuals who have never smoked. 

Keywords: E-cigarette. Respiratory health. Asthma. COPD. 

2. INTRODUÇÃO  

O uso de cigarros eletrônicos, também conhecidos como sistemas eletrônicos de entrega de nicotina (ENDS – Electronic Nicotine Delivery Systems) ou vapes, emergiu como um fenômeno de saúde pública global nas últimas décadas. Inicialmente promovidos por alguns como uma alternativa potencialmente menos prejudicial ao tabagismo convencional ou como ferramenta para cessação do tabagismo, sua popularidade cresceu exponencialmente, especialmente entre adolescentes e adultos jovens (WILLS et al., 2021; QURESHI et al., 2023). No entanto, a rápida disseminação desses dispositivos ocorreu em paralelo a um conhecimento ainda limitado sobre seus reais impactos na saúde a longo prazo, particularmente no que concerne ao sistema respiratório.  

Estudos recentes indicam uma prevalência significativa do uso de cigarros eletrônicos, levantando preocupações entre pesquisadores, profissionais de saúde e órgãos reguladores (WILLS et al., 2021). Enquanto algumas pesquisas sugerem que a exposição a substâncias tóxicas pode ser menor em comparação com os cigarros combustíveis, sob condições típicas de uso (QURESHI et al., 2023), a presença de nicotina, aromatizantes e outros produtos químicos nos aerossóis dos cigarros eletrônicos suscita questionamentos sobre sua segurança, especialmente para não fumantes e populações vulneráveis.  

A complexidade do tema reside na diversidade de dispositivos, líquidos (e-liquids) e padrões de uso, bem como na dificuldade em isolar os efeitos exclusivos dos cigarros eletrônicos daqueles associados ao tabagismo concomitante (dual use) ou pregresso. Estudos epidemiológicos e laboratoriais têm buscado elucidar a relação entre o uso de cigarros eletrônicos e desfechos respiratórios adversos, como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e outros sintomas respiratórios (WILLS et al., 2021; CACI et al., 2025). Revisões sistemáticas recentes apontam para associações significativas entre o uso de cigarros eletrônicos e o aumento do risco de desenvolver ou exacerbar condições respiratórias, mesmo após controle para o tabagismo convencional (WILLS et al., 2021). Contudo, a qualidade metodológica de alguns estudos e a necessidade de investigações longitudinais mais robustas ainda são pontos de debate na literatura (QURESHI et al., 2023; CACI et al., 2025).  

Diante desse cenário, o problema de pesquisa que norteia este trabalho é: 

Quais são as evidências científicas atuais sobre os impactos do uso de cigarros eletrônicos na saúde respiratória, considerando diferentes populações e padrões de uso? 

Este trabalho justifica-se pela relevância do tema para a saúde pública, pela crescente prevalência do uso de cigarros eletrônicos e pela necessidade de consolidar o conhecimento científico atualizado para subsidiar políticas de controle, prevenção e informação à população sobre os riscos associados a esses dispositivos.  

3. MATERIAIS E MÉTODOS 

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) caracteriza-se como uma revisão bibliográfica sistemática da literatura científica. O objetivo principal deste tipo de estudo é reunir, avaliar criticamente e sintetizar as evidências disponíveis sobre um tema específico, neste caso, a relação entre o uso de cigarros eletrônicos e a saúde respiratória. A metodologia adotada seguiu etapas estruturadas para garantir rigor e transparência ao processo de revisão. Inicialmente, foi realizada uma busca abrangente por artigos científicos relevantes em bases de dados eletrônicas reconhecidas internacionalmente, como PubMed/MEDLINE, Scopus e SciELO, além de buscas secundárias em listas de referências de revisões sistemáticas e narrativas publicadas sobre o tema (QURESHI et al., 2023) e consultas a plataformas como Google Scholar. 

Os termos de busca foram definidos com base nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH), combinando palavras-chave relacionadas a cigarros eletrônicos e saúde respiratória, tanto em português quanto em inglês. Exemplos de termos utilizados incluem: “cigarro eletrônico”, “e-cigarette”, “vaping”, “ENDS”, “saúde respiratória”, “respiratory health”, “asma”, “asthma”, “DPOC”, “COPD”, “revisão sistemática”, “systematic review”, “revisão bibliográfica”, “literature review”. A estratégia de busca detalhada pode ser consultada em revisões sistemáticas de referência utilizadas como base para este trabalho (WILLS et al., 2021; QURESHI et al., 2023; CACI et al., 2025). 

Foram estabelecidos critérios de inclusão e exclusão para a seleção dos estudos. Incluíram-se artigos originais (estudos epidemiológicos, ensaios clínicos, estudos laboratoriais) e revisões sistemáticas publicados preferencialmente nos últimos cinco a dez anos, que abordassem diretamente a relação entre o uso de cigarros eletrônicos (incluindo diferentes padrões de uso, como exclusivo, duplo ou substituição) e desfechos de saúde respiratória em humanos (sintomas, função pulmonar, doenças como asma e DPOC, mecanismos biológicos). Foram excluídos estudos in vitro ou em animais que não apresentassem correlação direta com desfechos humanos, artigos de opinião, editoriais, relatos de caso isolados (exceto quando parte de uma série de casos analisada) e estudos cuja metodologia não estivesse claramente descrita ou que não permitissem a extração de dados relevantes. 

A seleção dos artigos foi realizada em duas etapas: primeiro, pela leitura dos títulos e resumos; segundo, pela leitura completa dos artigos pré-selecionados. Esse processo foi conduzido de forma a identificar os estudos mais pertinentes para responder à pergunta de pesquisa. 

A análise dos estudos selecionados envolveu a extração de informações chave, como tipo de estudo, população, intervenção (tipo de cigarro eletrônico, padrão de uso), comparador, desfechos respiratórios avaliados, principais resultados, limitações e conclusões. A qualidade metodológica dos estudos primários incluídos nas revisões sistemáticas consultadas foi considerada, baseando-se nas avaliações realizadas pelos autores dessas revisões, que frequentemente utilizam ferramentas como as da Joanna Briggs Institute (JBI) ou critérios como o Oxford Catalogue of Bias (QURESHI et al., 2023).  

Devido à heterogeneidade esperada entre os estudos (diferentes desenhos, populações, medidas de exposição e desfechos), optou-se por uma síntese narrativa dos resultados, em linha com as abordagens adotadas por revisões sistemáticas na área (WILLS et al., 2021; QURESHI et al., 2023; CACI et al., 2025). A análise buscou identificar padrões, convergências e divergências nos achados, discutindo as possíveis explicações para as diferenças encontradas e as implicações para a compreensão da relação entre cigarros eletrônicos e saúde respiratória. 

Todo o processo de revisão e síntese foi conduzido buscando manter a objetividade e minimizar vieses, com foco na apresentação clara e organizada das evidências científicas disponíveis até o momento da conclusão deste trabalho. 

4. REFERENCIAL TEÓRICO 

 Este capítulo apresenta os conceitos fundamentais para a compreensão da relação entre o uso de cigarros eletrônicos e a saúde respiratória, abordando a definição e características dos dispositivos, bem como os principais desfechos respiratórios investigados. 

4.1. CIGARROS ELETRÔNICOS (ENDS) 

Os cigarros eletrônicos, ou Sistemas Eletrônicos de Entrega de Nicotina (ENDS), são dispositivos operados por bateria que aquece um líquido (e-liquid) para gerar um aerossol que é inalado pelo usuário (QURESHI et al., 2023; WILLS et al., 2021). Embora exista uma grande variedade de produtos no mercado, com diferentes designs e mecanismos (conhecidos como vapes, vape pens, pods, mods, etc.), eles geralmente compartilham componentes básicos: uma bateria, um atomizador (elemento de aquecimento) e um cartucho ou tanque que contém o e-liquid (WILLS et al., 2021) 

O e-liquid tipicamente contém propilenoglicol e/ou glicerina vegetal como veículos, nicotina em concentrações variáveis (embora existam opções sem nicotina) e agentes aromatizantes (WILLS et al., 2021; QURESHI et al., 2023). A composição exata do aerossol inalado pode variar significativamente dependendo do dispositivo, do e-liquid, das configurações de uso (como potência e temperatura) e do comportamento do usuário (padrão de tragada). 

Embora frequentemente apresentados como uma alternativa mais segura ao tabaco combustível por não envolverem combustão, os aerossóis dos ENDS não são isentos de substâncias potencialmente tóxicas. Além da nicotina, que é uma substância psicoativa e aditiva, podem conter partículas finas e ultrafinas, metais pesados (provenientes do atomizador), compostos orgânicos voláteis (COVs), nitrosaminas específicas do tabaco (em menor quantidade que nos cigarros convencionais) e os próprios aromatizantes, cujos efeitos na saúde pulmonar quando inalados ainda são amplamente desconhecidos ou sub estudados (WILLS et al., 2021; CACI et al., 2025). 

4.2. SAÚDE RESPIRATÓRIA: PRINCIPAIS DESFECHOS 

A avaliação do impacto dos cigarros eletrônicos na saúde respiratória envolve a análise de diversos desfechos, desde sintomas autorreferidos até medidas objetivas da função pulmonar e diagnóstico de doenças específicas. 

4.2.1. FUNÇÃO PULMONAR 

Testes de função pulmonar, como a espirometria, são ferramentas objetivas para avaliar a capacidade e o fluxo de ar nos pulmões. Os principais parâmetros medidos incluem: 

  • Volume Expiratório Forçado no primeiro segundo (VEF1): Volume de ar exalado no primeiro segundo de uma expiração forçada máxima. Reduções no VEF1 são características de doenças obstrutivas. 
  • Capacidade Vital Forçada (CVF): Volume total de ar exalado durante uma expiração forçada máxima. Pode estar reduzida em doenças restritivas ou obstrutivas graves. 
  • Relação VEF1/CVF: Percentual da CVF que é exalado no primeiro segundo. É um indicador chave para diagnosticar obstrução das vias aéreas (valores reduzidos). 
  • Fluxo Expiratório Forçado entre 25% e 75% da CVF (FEF25-75%): Mede o fluxo nas pequenas vias aéreas. Pode ser um indicador precoce de obstrução. 

Outras técnicas, como a oscilometria de impulso (IOS), podem fornecer informações adicionais sobre a resistência e reatância das vias aéreas (QURESHI et al., 2023) 

4.2.2 DOENÇAS RESPIRATÓRIAS 

Duas das principais doenças respiratórias crônicas associadas ao tabagismo e investigadas em relação ao uso de ENDS são a Asma e a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). 

  • Asma: É uma doença inflamatória crônica das vias aéreas caracterizada por hiperresponsividade brônquica e limitação variável ao fluxo aéreo, manifestando-se por episódios recorrentes de sibilância, dispneia, aperto no peito e tosse. Estudos investigam se o uso de ENDS pode desencadear o desenvolvimento de asma ou exacerbar os sintomas em indivíduos asmáticos (WILLS et al., 2021; CACI et al., 2025).  
  • DPOC: É uma doença pulmonar progressiva caracterizada por limitação persistente do fluxo aéreo, geralmente associada a uma resposta inflamatória crônica das vias aéreas e dos pulmões a partículas ou gases nocivos, principalmente a fumaça do cigarro. Inclui bronquite crônica e enfisema. A pesquisa busca determinar se o uso de ENDS contribui para o desenvolvimento ou progressão da DPOC (WILLS et al., 2021).  

Além dessas, outras condições como a bronquiolite obliterante (associada a certos aromatizantes como o diacetil) e a Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro. Eletrônico ou Vaping (EVALI – E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury), uma condição aguda grave que emergiu em 2019 nos EUA, principalmente ligada ao uso de produtos contendo THC e acetato de vitamina E, também são relevantes no contexto da segurança respiratória dos ENDS (WILLS et al., 2021). 

4.3. MECANISMOS BIOLÓGICOS 

Estudos laboratoriais (in vitro, ex vivo e em modelos animais) investigam os mecanismos biológicos pelos quais os aerossóis dos ENDS podem afetar o sistema respiratório. As principais áreas de investigação incluem: 

  • Citotoxicidade: Dano direto às células epiteliais e imunes das vias aéreas. 
  • Estresse Oxidativo e Inflamação: Desequilíbrio entre oxidantes e antioxidantes, levando à produção de mediadores inflamatórios. 
  • Suscetibilidade a Infecções: Alterações na capacidade de defesa do pulmão contra patógenos (vírus e bactérias). 
  • Alterações na Expressão Gênica: Modificações na atividade de genes relacionados à inflamação, reparo tecidual e desenvolvimento de doenças. 

Compreender esses mecanismos é crucial para estabelecer a plausibilidade biológica das associações observadas em estudos epidemiológicos (WILLS et al., 2021). 

4.4. DPOC ASSOCIAÇÃO COM ASMA E DPOC 

Uma revisão integrativa e meta-análise conduzida por Wills et al. (2021) consolidou dados de múltiplos estudos epidemiológicos, tanto transversais quanto longitudinais. Os resultados demonstraram uma associação estatisticamente significativa entre o uso de cigarros eletrônicos e a prevalência e incidência de asma e DPOC, mesmo após o controle para o tabagismo convencional e outros fatores de confusão. Para a asma (baseado em 15 estudos), o odds ratio ajustado (aOR) combinado foi de 1,39 (IC 95% 1,28–1,51), enquanto para a DPOC (baseado em 9 estudos), o aOR foi de 1,49 (IC 95% 1,36–1,65). Esses achados sugerem que o uso de ENDS representa um fator de risco independente para essas condições respiratórias crônicas. 

A consistência desses achados em diferentes estudos, a força da associação e, em alguns casos, a demonstração de temporalidade (uso de ENDS precedendo o diagnóstico) e gradiente dose-resposta reforçam a interpretação causal dessa relação (WILLS et al., 2021). A possibilidade de causalidade reversa (pessoas com doenças respiratórias pré-existentes adotando ENDS na tentativa de parar de fumar cigarros convencionais) é uma consideração importante em estudos transversais, mas a inclusão de estudos longitudinais na análise de Wills et al. (2021) ajuda a mitigar essa limitação, indicando que o uso de ENDS pode, de fato, contribuir para o desenvolvimento dessas doenças. 

No entanto, a complexidade aumenta ao considerar diferentes populações. Uma revisão sistemática focada em indivíduos que nunca fumaram (never smokers) por Caci et al. (2025) identificou dez estudos prospectivos elegíveis. A análise desses estudos, majoritariamente baseados nos dados do Population Assessment of Tobacco and Health (PATH) dos EUA, apresentou resultados mistos e, em alguns casos, não encontrou associação significativa entre o uso exclusivo de ENDS e o desenvolvimento de asma ou sintomas respiratórios importantes em nunca fumantes, especialmente em jovens (CACI et al., 2025; KAREY et al., 2021 citados em CACI et al., 2025; PATEL et al., 2021 citados em CACI et al., 2025). Contudo, um estudo foi incluído na revisão de Caci et al. (PEREZ et al., 2022 citado em CACI et al., 2025) sugeriu um risco aumentado de incidência de asma em idades mais precoces entre adultos nunca fumantes que usavam ENDS, embora essa associação não tenha sido consistente em análises de sensibilidade ou observada em jovens. Essa heterogeneidade destaca a necessidade de mais pesquisas focadas especificamente em nunca fumantes, com seguimento prolongado e controle rigoroso de confundidores. 

4.5. EFEITOS DA SUBSTITUIÇÃO DE CIGARROS CONVENCIONAIS POR ENDS 

Para indivíduos que já fumam cigarros convencionais, a substituição por ENDS é frequentemente discutida como uma estratégia de redução de danos. Uma revisão sistemática por Qureshi et al. (2023) avaliou especificamente os efeitos respiratórios dessa substituição. A análise de dezesseis estudos (com vinte publicações) revelou que a maioria dos parâmetros respiratórios avaliados (principalmente por espirometria) não mostrou diferenças significativas após a substituição. Dos 66 parâmetros reportados, 65% não foram estatisticamente significativos. Os achados significantes foram mistos, com nove testes indicando melhora e catorze indicando declínio, mas nenhuma dessas alterações foi considerada clinicamente relevante (QURESHI et al., 2023). 

Embora esses resultados sugerem que a substituição de cigarros por ENDS provavelmente não acarreta danos respiratórios adicionais e pode não piorar a função pulmonar em fumantes, os autores alertam para a baixa qualidade metodológica da maioria dos estudos incluídos (dez classificados com alto risco de viés e seis com algumas preocupações). Limitações como desenhos inadequados, curta duração, falta de poder estatístico e viés de relato foram comuns, diminuindo a confiança nas conclusões. Portanto, embora a substituição possa representar uma redução na exposição a muitos tóxicos da fumaça do tabaco, são necessários estudos mais robustos e de longa duração para confirmar a ausência de danos ou potenciais benefícios respiratórios a longo prazo dessa estratégia (QURESHI et al., 2023). 

5. DISCUSSÃO 

A integração das evidências epidemiológicas e laboratoriais sugere que, embora os ENDS possam expor os usuários a níveis mais baixos de alguns tóxicos em comparação com os cigarros convencionais, eles não são inócuos para o sistema respiratório. A associação consistente com asma e DPOC em estudos populacionais, apoiada pela plausibilidade biológica demonstrada em laboratório, indica um risco real (WILLS et al., 2021). 

A aparente discrepância nos achados entre a população geral (incluindo fumantes versus ex fumantes) e os nunca fumantes (CACI et al., 2025) pode refletir diferenças na suscetibilidade basal, nos padrões de uso, na duração da exposição ou limitações metodológicas dos estudos focados em nunca fumantes. É crucial que pesquisas futuras abordem essas questões com desenhos longitudinais robustos e amostras maiores de nunca fumantes. 

Para fumantes que substituem completamente os cigarros por ENDS, os dados atuais, embora limitados pela qualidade dos estudos, não indicam uma piora significativa na função respiratória a curto e médio prazo (QURESHI et al., 2023). No entanto, a falta de agravamento não significa que não haja risco e os impactos a longo prazo dessa troca ainda precisam ser esclarecidos. Além disso, o fenômeno da dupla utilização (uso conjunto de ENDS e cigarros tradicionais), comum entre muitos usuários, pode resultar em riscos adicionais ou sinergéticos, como sugerido por Wills et al (2021), exigindo uma investigação específica.  

Em resumo, a literatura atualmente aponta que o uso de cigarros eletrônicos está relacionado a consequências negativas para a saúde respiratória. A gravidade do risco pode variar conforme o histórico de tabagismo da pessoa e o modo como são utilizados; no entanto as evidências desaconselham seu consumo por não fumantes e levantam sérias preocupações sobre os possíveis impactos de longo prazo como uma alternativa para fumantes reduzirem os danos causados pelo cigarro tradicional. 

6. CONCLUSÃO 

Esta revisão bibliográfica sistemática buscou analisar as evidências científicas atuais sobre a relação entre o uso de cigarros eletrônicos (ENDS) e a saúde respiratória. A análise da literatura recente, incluindo revisões sistemáticas, estudos epidemiológicos e pesquisas laboratoriais, permite extrair conclusões importantes, embora também aponte para a necessidade contínua de investigação em áreas específicas. 

Os achados consolidados indicam consistentemente uma associação significativa entre o uso de cigarros eletrônicos e um risco aumentado para o desenvolvimento ou exacerbação de doenças respiratórias crônicas, como asma e DPOC. Essa associação persiste mesmo após o controle estatístico para o tabagismo convencional, sugerindo que os ENDS representam um fator de risco independente para essas condições (WILLS et al., 2021). A plausibilidade biológica para esses efeitos é robusta, sustentada por evidências laboratoriais que demonstram os efeitos deletérios dos aerossóis de ENDS em múltiplos níveis do sistema respiratório, incluindo citotoxicidade, indução de estresse oxidativo e inflamação, comprometimento das defesas contra infecções e alterações na expressão gênica (WILLS et al., 2021). 

No contexto da redução de danos para fumantes de cigarros convencionais, a substituição completa por ENDS parece não acarretar piora significativa nos parâmetros respiratórios a curto e médio prazo, de acordo com a literatura disponível (QURESHI et al., 2023). Contudo, essa conclusão é atenuada pela baixa qualidade metodológica de muitos dos estudos que a suportam. A ausência de piora detectável não implica segurança, e os efeitos a longo prazo da exposição crônica aos aerossóis de ENDS, mesmo em ex-fumantes, permanecem incertos e requerem estudos longitudinais mais rigorosos. 

A situação dos indivíduos que nunca fumaram e iniciam o uso de ENDS é particularmente preocupante. Embora alguns estudos não tenham encontrado associações claras com desfechos respiratórios adversos nesse grupo, especialmente entre jovens (CACI et al., 2025), a heterogeneidade dos resultados e a detecção de risco aumentado de asma em adultos nunca fumantes em algumas análises (PEREZ et al., 2022 citado em CACI et al., 2025) indicam que o risco não pode ser descartado. Dada a ausência de benefícios para a saúde e a presença de substâncias potencialmente nocivas no aerossol, o uso de ENDS por nunca fumantes representa um risco desnecessário à saúde respiratória. 

As principais limitações da literatura atual incluem a heterogeneidade dos produtos ENDS e padrões de uso, a dificuldade em controlar adequadamente o histórico de tabagismo e outras exposições, a duração muitas vezes insuficiente do acompanhamento nos estudos longitudinais e a qualidade metodológica variável das pesquisas, especialmente aquelas focadas na substituição (QURESHI et al., 2023; CACI et al., 2025). 

Diante do exposto, conclui-se que, com base nas evidências científicas atuais, o uso de cigarros eletrônicos não é isento de riscos para a saúde respiratória. Há evidências suficientes para associar seu uso a desfechos adversos como asma e DPOC. Embora possam representar uma alternativa de menor exposição a alguns tóxicos para fumantes que não conseguem ou não desejam cessar o uso de nicotina, sua segurança a longo prazo não está estabelecida, e seu uso por não fumantes deve ser fortemente desaconselhado. São necessárias pesquisas futuras de alta qualidade, com seguimento prolongado, avaliação padronizada de exposições e desfechos, e foco em populações específicas (como nunca fumantes e usuários duplos) para elucidar completamente o espectro de riscos associados aos ENDS. 

A disseminação de informações claras e baseadas em evidências sobre os riscos dos cigarros eletrônicos é fundamental para a saúde pública, visando prevenir a iniciação entre jovens e não fumantes e orientar adequadamente os fumantes sobre as opções disponíveis para cessação ou redução de danos. 

7. REFERÊNCIAS 

CACI, G. et al. Respiratory effects of electronic cigarette use in individuals who never smoked: A systematic review. Clinical Medicine, [S.l.], v. 25, n. 2, p. 100295, mar. 2025. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.clinme.2025.100295. Acesso em: 4 jun. 2025. 

QURESHI, M. A. et al. Respiratory health effects of e-cigarette substitution for tobacco cigarettes: a systematic review. Harm Reduction Journal, London, v. 20, n. 1, p. 143, 4 out. 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12954-023-00877-9. Acesso em: 4 jun. 2025.

WILLS, T. A.et al. E-cigarette use and respiratory disorders: an integrative review of converging evidence from epidemiological and laboratory studies. European Respiratory Journal, Sheffield, v. 57, n. 1, p. 1901815, jan. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1183/13993003.01815-2019. Acesso em: 4 jun. 2025.