REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504291551
Andrey Rian da Silva Gonçalves
Hellen Silva Carvalho Gama
Ian Santana Diotildes
João Marcelo Vasques Bezerra
Pedro Vinicyus Sousa Lins
Orientadora: Dra. Camila Arcanjo
Coorientadora: Lílian Filadelfa Lima dos Santos Leal
RESUMO
A Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) é uma doença renal inflamatória que ocorre após infecção por cepas nefritogênicas de estreptococos do grupo A, geralmente afetando crianças e apresentando sintomas como hematúria, edema e hipertensão. Este relato de caso tem como objetivo descrever a evolução clínica e o diagnóstico de uma paciente de 5 anos, inicialmente tratada para infecção do trato urinário, que evoluiu para o diagnóstico de GNPE. Utilizando uma abordagem descritiva e exploratória, foram analisados os sintomas, exames laboratoriais e de imagem, bem como a resposta ao tratamento. A paciente apresentou anemia, hematúria, hipertensão e dor abdominal, com histórico de lesão cutânea sugestiva de impetigo. Após investigação laboratorial e ultrassonográfica, foi diagnosticada com GNPE e tratada com penicilina benzatina, anti-hipertensivos e diuréticos, evoluindo com melhora clínica significativa. O caso ilustra a importância de um diagnóstico diferencial abrangente em quadros complexos de infecção urinária em pediatria, destacando a relevância da GNPE no contexto pós-estreptocócico.
Palavras-chave: Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica; Hematúria; Pediatria.
1. INTRODUÇÃO
A Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) é uma das formas mais comuns de glomerulonefrite em crianças, representando uma complicação imunológica secundária a infecções por Streptococcus pyogenes, principalmente, em contextos de faringite ou infecções cutâneas, como o impetigo. Caracteriza-se por uma resposta inflamatória nos glomérulos renais desencadeada pelo depósito de imunocomplexos, resultando em lesão glomerular. (Pereira; Andrade; Tofolo, 2020)
A GNPE, geralmente, se apresenta como uma síndrome nefrítica aguda com sinais clínicos, como hematúria macroscópica ou microscópica, edema, hipertensão arterial e proteinúria. Apesar de a maioria dos casos apresentar evolução favorável com recuperação espontânea, algumas situações podem evoluir para complicações graves, como insuficiência renal aguda ou doença renal crônica. (Aguiar et al., 2024)
Exames laboratoriais típicos incluem níveis elevados de anticorpos anti-estreptocócicos (como ASO ou anti-DNAse B), evidência de complemento sérico reduzido (particularmente C3) e análise de urina revelando hematúria, proteinúria e, em alguns casos, cilindros hemáticos. A biópsia renal é raramente necessária, sendo reservada para casos atípicos ou com evolução clínica incomum. (Pereira; Andrade; Tofolo, 2020)
O tratamento da Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) é, em sua maioria, de suporte, visando controlar os sintomas e prevenir complicações, já que a doença é autolimitada na maioria dos casos. O manejo inclui repouso, controle da hipertensão arterial, geralmente com o uso de diuréticos ou bloqueadores dos canais de cálcio, e restrição de sódio e líquidos em casos de edema significativo ou sobrecarga de volume. (Aguiar et al., 2024)
O uso de antibióticos, como a penicilina, é indicado apenas para erradicar a infecção estreptocócica residual ou em casos onde a infecção ainda esteja ativa. Em situações mais graves, como insuficiência renal aguda ou hipertensão refratária, pode ser necessário suporte intensivo, incluindo diálise temporária. O acompanhamento regular é fundamental para monitorar a recuperação da função renal e identificar possíveis complicações de longo prazo, como doença renal crônica. (Aguiar et al., 2024)
Apesar da redução da incidência da GNPE em certas regiões, impulsionada por melhores condições de vida e maior disponibilidade de antibióticos, a doença continua sendo um desafio de saúde pública em países em desenvolvimento. Sua manifestação clínica é bastante variável, ressaltando a necessidade de um diagnóstico preciso e de um tratamento adequado no momento oportuno. (Morais et al., 2024)
Neste artigo, relatamos um caso de GNPE com o objetivo de ilustrar os aspectos clínicos, laboratoriais e evolutivos da doença, destacando a importância do reconhecimento precoce e do manejo adequado para evitar complicações e garantir um melhor desfecho para o paciente.
2. METODOLOGIA
Este estudo trata-se de um relato de caso descritivo e exploratório, realizado com a concordância do participante mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram fornecidas duas vias do termo, uma destinada ao participante e outra mantida pelos pesquisadores.
As informações apresentadas no caso clínico foram obtidas por meio da revisão de prontuário, análise de imagens de exames diagnósticos e consulta à literatura científica.
Durante todas as etapas do estudo, foi garantida a confidencialidade dos dados coletados, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), nº 13.709/2018.
3. RELATO DE CASO.
Paciente do sexo feminino, A. K. R. J, 5 anos, peso 22 kg, acompanhada de sua genitora T. R. S., busca atendimento médico na Unidade Básica de Saúde, em Juazeiro – BA, no dia 06/11/2024, queixando-se sangue na urina há 10 dias e odor fétido, sendo aventada a hipótese de infecção do trato urinário e prescrita cefalexina durante 10 dias e solicitados exames: hemograma, urocultura e Sumário de urina com proteínas ++, hemoglobina ++, incontáveis hemácias, raros cilindros hemáticos.
Após 3 dias, paciente evoluiu com piora do quadro clínico, com dor abdominal, náuseas e vômitos. Foi admitida na emergência, com bom estado geral, ativa, hipocorada +/4+, hidratada, anictérica, acianótica, sem edemas, abdome distendido, ruídos hidroaéreos presentes, hipertimpânico, dor difusa em abdome superior, Giordano positivo, tendo como hipótese diagnóstica pielonefrite. Foram solicitados novos exames laboratoriais (HMG, EAS, ureia, creatinina, proteína c reativa, proteinúria de 24h – exames descritos na Tabela 1) e ultrassonografia dos rins e vias urinárias, e modificado esquema antibiótico para ceftriaxona.
No dia 13/11/2024, a genitora relatou que, há cerca de um mês, a paciente apresentou lesão sugestiva de impetigo em região de nádegas, onde foi prescrito antibiótico tópico (não recordava o nome). A paciente cursou com o quadro dor abdominal associada a pico hipertensivo (140x90mmHg-160x106mmHg) e edema periorbitário, sendo prescrito analgésico e anti-hipertensivo (nifedipino). USG de rins e vias urinárias: sinais de nefropatia parenquimatosa bilateral aguda. Devido o quadro, aventada a hipótese de Glomerulonefrite pós-estreptocóccica (GNPE). Prescrito restrição hídrica, dieta hipossódica, ceftriaxona, penicilina benzatina, dipirona, ondansetrona, furosemida e hidralazina, esses últimos para controle da hipertensão arterial. Solicitamos novos exames laboratoriais: ureia, creatinina, ASLO, C3, C4 e C5.
Paciente evoluiu com melhora da dor abdominal, da hematúria e da curva de pressão arterial, devido já ter iniciado a medicação para GNPE. Então, ela seguia apenas com as medicações, aferições de sinais vitais de 6/6h, de pressão arterial de 4/4h e quantificando a diurese e, no dia 18/11/2024, teve alta hospitalar com orientações, foi encaminhada ao ambulatório de pediatria geral e foi fornecida atestado médica à paciente.
EXAMES LABORATORIAIS | DIA 05/11/24 | DIA 09/11/24 | DIA 10/11/24 | DIA 11/11/24 | DIA 13/11/24 | DIA 14/11/24 |
HEMOGLOBINA | 10,60g/dl (11,30/16,30) | 9,8g/dl (11,8/17,8) | ||||
HEMATÓCRITO | 33% (35/49) | 30,5% (40/54) | ||||
LEUCÓCITOS | 10.500mm³ (5.000/10.000) | 10.500mm³ (5.000/12.000) | ||||
PLAQUETAS | 430.000mm³ (150.000/450.000) | 424.000mm³ (150.000/450.000) | ||||
SUMÁRIO DE URINA | PROTEÍNA ++, HEMOGLOBINA +++, HEMÁCIAS INCONTÁVEIS, RAROS CILINDROS HEMÁTICOS | PROTEÍNA NEGATIVA, HEMOGLOBINA +++, HEMÁCIAS NUMEROSAS | PROTEÍNA ++, HEMOGLOBINA ++, HEMÁCIAS 10 POR CAMPO | PROTEÍNA +++, HEMOGLOBINA +++,HEMÁCIASNUMEROSAS | ||
CLORO | 107mmol/L (98/108) | |||||
FÓSFORO | 5mg/dl (4/7) | |||||
CÁLCIO | 8,3mg/dl (8,4/10,2) | |||||
SÓDIO | 137mmol/L (136/145) | |||||
UREIA | 34mg/dl (9/22,1) | 36MG/dL (9/22,1) | ||||
CREATININA | 0,98mg/dL (0,4/1,4) | |||||
MAGNÉSIO | 2,19mg/dl (1,7/2,3) | |||||
POTÁSSIO | 5,4mmol/L (3,5/5,5) | |||||
TRIGLICERÍDEOS | 104mg/dL (<150 normal) | |||||
COLESTEROL TOTAL | 161mg/dL (<200 desejável) | |||||
COLESTEROL HDL | 39mg/dL (>40) | |||||
COLESTEROL LDL | 101,2mg/dL (100/120 desejável) | |||||
ASLO | 800UI/mL (<200) | |||||
DENGUE IgM | NÃO REAGENTE | |||||
DENGUE IgG | REAGENTE | |||||
PARASITOLÓGICO DE FEZES | NEGATIVO |
4. DISCUSSÃO
4.1 Definição e fisiopatologia da GNPE
A Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) é uma condição renal inflamatória aguda que ocorre após infecções por Streptococcus pyogenes, principalmente em episódios de faringite ou impetigo causados por cepas nefritogênicas. Essa doença é mediada por mecanismos imunológicos, nos quais complexos antígeno-anticorpo se depositam nos glomérulos, provocando inflamação e disfunção renal. (Pereira; Andrade; Tofolo, 2020)
A fisiopatologia da Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) envolve uma resposta imunológica anormal após uma infecção por Streptococcus pyogenes. A infecção inicial, frequentemente uma faringite ou impetigo, desencadeia a formação de anticorpos contra os estreptococos, gerando complexos imunes que circulam pela corrente sanguínea, como no caso em questão que, há um mês, ela tinha tido um impetigo nas nádegas. Esses complexos podem se depositar nos glomérulos renais, ativando o sistema complemento e promovendo uma inflamação local. (Nunes et al., 2024)
A resposta inflamatória resulta em danos à barreira de filtração glomerular, com consequente extravasamento de células sanguíneas e proteínas para a urina, caracterizando a hematúria e proteinúria típicas da doença. Além disso, a ativação do complemento provoca a liberação de mediadores inflamatórios que contribuem para a vasoconstrição e aumento da pressão arterial, levando à hipertensão e ao edema. Essa reação imunológica é a principal responsável pela disfunção renal observada na GNPE, que foi de acordo com o quadro clínico da paciente. (Morais et al., 2024)
4.2 Epidemiologia DE GNPE
A Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) é uma doença predominante em crianças, especialmente na faixa etária de 2 a 12 anos, com maior incidência em países em desenvolvimento, onde as condições de higiene e o acesso a cuidados médicos podem ser limitados. (Nunes, 2024)
A infecção estreptocócica, que precede o desenvolvimento da GNPE, é mais comum em populações com alta carga de doenças respiratórias e de pele. Embora a incidência tenha diminuído consideravelmente nos países desenvolvidos devido à profilaxia antibiótica, a doença ainda representa uma preocupação em locais onde a erradicação da infecção estreptocócica não é completamente eficaz. (Nunes, 2024)
A GNPE é tipicamente diagnosticada com base em achados clínicos e laboratoriais, tornando a biópsia renal desnecessária na maioria dos casos. No entanto, em situações onde o curso clínico se apresenta atípico ou há sinais de complicações, a biópsia pode ser considerada. As principais indicações incluem hematúria macroscópica persistente por mais de quatro semanas, hematúria microscópica que dura além de 1 a 2 anos, oligúria por mais de 48 a 72 horas, piora progressiva da função renal, hipocomplementemia que persiste por mais de oito semanas, proteinúria nefrótica inicial que dura mais de seis semanas ou proteinúria não-nefrótica persistente por mais de seis meses, além da presença de sinais de doença sistêmica ou histórico familiar de doença renal. (Morais et al., 2024)
Embora a biópsia renal seja uma ferramenta diagnóstica valiosa em determinadas circunstâncias, não há dados específicos amplamente disponíveis sobre a porcentagem exata de pacientes com GNPE que necessitam desse procedimento. Estima-se que seja uma minoria, dado que a maioria dos casos segue um curso autolimitado e responde bem ao tratamento conservador. A decisão de realizar a biópsia deve ser cuidadosamente avaliada pelo médico nefrologista, levando em consideração os critérios mencionados e o quadro clínico do paciente. (Bajracharya, et al., 2024)
Em termos de distribuição geográfica, a GNPE continua a ser uma das principais causas de doença renal aguda em crianças de regiões da Ásia, África e América Latina. A prevalência de GNPE tem relação direta com a frequência de infecções estreptocócicas na comunidade e surtos podem ocorrer em áreas com condições sanitárias precárias ou onde a profilaxia antibiótica pós-infecciosa não é amplamente praticada. (Nunes, 2024)
4.3 Fatores de risco para GNPE
A Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) está intimamente associada à infecção estreptocócica prévia, sendo os fatores de risco primários a ocorrência de faringite ou impetigo causados por Streptococcus pyogenes. Crianças entre 2 e 12 anos são mais suscetíveis à doença, especialmente aquelas que apresentam infecções estreptocócicas não tratadas ou inadequadamente tratadas, como no relato do caso da paciente de 5 anos com infecção prévia de impetigo. (Alhamoud et al., 2021)
A ausência de profilaxia antibiótica após a infecção estreptocócica, especialmente em áreas com condições de saúde precárias, aumenta o risco de desenvolvimento de GNPE. A exposição a ambientes com alta carga de infecções, como em populações superlotadas ou com condições sanitárias deficientes, também contribui para a maior incidência de infecções estreptocócicas e, consequentemente, para o risco de GNPE. (Alhamoud et al., 2021)
Outros fatores de risco incluem a predisposição genética, que pode influenciar a resposta imunológica do indivíduo à infecção estreptocócica, aumentando a probabilidade de formação de complexos imunes que se depositam nos glomérulos renais. Além disso, a presença de comorbidades, como doenças imunológicas ou histórico de infecções frequentes, pode agravar a evolução da GNPE, levando a complicações mais graves, como insuficiência renal aguda. (Alhamoud et al., 2021)
4.4 Manifestações clínicas
As manifestações clínicas da Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) geralmente se desenvolvem entre 1 a 3 semanas após uma infecção estreptocócica, como faringite ou impetigo. A principal característica clínica é a síndrome nefrítica, que inclui hematúria macroscópica, frequentemente descrita como urina “cor de coca-cola”, devido à presença de glóbulos vermelhos na urina, o que no presente estudo de caso foi bem característico. (Morais et al., 2024)
O paciente pode apresentar edema, inicialmente em áreas como face e pernas, devido à retenção de líquidos, e hipertensão arterial, que resulta da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e da inflamação nos glomérulos, onde o caso em questão teve edema periorbitário e picos hipertensivos. Esses sintomas são frequentemente acompanhados de mal-estar geral, cansaço e perda de apetite. (Morais et al., 2024)
Em casos mais graves de GNPE, pode ocorrer insuficiência renal aguda, manifestada por diminuição da produção de urina (oligúria) e aumento dos níveis séricos de creatinina e ureia. A proteinúria, embora geralmente de baixo grau, também é observada, refletindo a alteração na barreira de filtração renal. (Morais et al., 2024)
A patologia GNPE costuma seguir um curso autolimitado, com a maioria dos pacientes apresentando melhora gradual após algumas semanas, mas complicações como insuficiência renal crônica ou hipertensão persistente podem ocorrer em casos mais severos ou quando o diagnóstico e tratamento não são adequados. Entretanto, como o diagnóstico e o tratamento da paciente foram coerentes, a mesma teve o curso da sua patologia autolimitado, onde apresentou melhora gradual ao longo dos dias de internação. (Nunes, 2024)
4.5 Diagnóstico da GNPE
O diagnóstico da Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) é fundamentado em uma análise detalhada do histórico clínico, exames laboratoriais e sinais clínicos apresentados pelo paciente. A história de uma infecção estreptocócica prévia, como faringite ou impetigo, ocorrendo de 1 a 3 semanas antes do surgimento dos sintomas renais, é um indicativo importante. (Dhakal et al., 2023)
A presença de sintomas típicos da síndrome nefrítica, como hematúria, edema e hipertensão, juntamente com o histórico de infecção, reforça a suspeita de GNPE. Exames laboratoriais, como a dosagem de anticorpos anti-estreptocócicos (anti-DNAse B e ASO) e a dosagem de complemento, especialmente o C3, são fundamentais para confirmar o diagnóstico, uma vez que a redução do complemento é comumente observada. (Alhamoud et al., 2021)
Além disso, a análise de urina é um dos principais métodos diagnósticos, revelando hematúria, proteinúria e a presença de cilindros hemáticos. O acompanhamento da função renal, com medições dos níveis de creatinina e ureia, é essencial, pois esses valores podem indicar insuficiência renal aguda. Em casos mais complexos ou com diagnóstico incerto, a biópsia renal pode ser considerada, embora não seja frequentemente necessária. (Bajracharya, et al., 2024)
Assim, com base em uma anamnese detalhada, exames físicos completos e solicitações de exames acima descritos importantes para a patologia GNPE sendo feitas regularmente, a paciente teve um diagnóstico adequado e teve como ser tratada de forma eficaz.
4.6 Tratamento e prognóstico da GNPE
O tratamento da Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) é, em sua maioria, de natureza conservadora e de suporte, já que a doença tende a ser autolimitada na maioria dos casos. A abordagem inicial busca o controle dos sintomas, com ênfase no manejo da hipertensão, do edema e na prevenção de complicações renais, como foi realizado na paciente em questão. (Pinheiro et al., 2022)
O tratamento não farmacológico da GNPE é fundamental para a recuperação do paciente e envolve medidas de suporte que auxiliam no controle dos sintomas e na prevenção de complicações. O repouso é recomendado especialmente nas fases iniciais da doença, visando reduzir a sobrecarga cardiovascular e renal. Além disso, a restrição de sódio em aproximadamente 1 a 2 mEq/kg/dia e líquidos na dieta, ajustando a ingestão dos mesmos com base na diurese e nas perdas insensíveis para prevenir sobrecarga de volume, limitando-a, inicialmente, a 400 ml/m² de superfície corporal por dia, adicionando um terço ou metade do volume da diurese do dia anterior ou restrição hídrica inicial de 20 ml/kg/dia ou 400 ml/m²/dia, ajustando nos dias subsequentes com base na diurese das 24 horas anteriores, podem ser necessárias para minimizar a retenção hídrica e o edema, enquanto o controle do aporte proteico pode ajudar a diminuir a sobrecarga renal. Monitoramento rigoroso da pressão arterial e do equilíbrio hidroeletrolítico também são essenciais, permitindo ajustes na conduta conforme a evolução do quadro clínico. (Mengstie et al., 2024)
Medicamentos anti-hipertensivos, como inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) ou bloqueadores dos receptores de angiotensina (ARBs), podem ser indicados para o controle da pressão arterial elevada. Além disso, diuréticos são frequentemente utilizados para reduzir o edema, promovendo a excreção de líquidos acumulados no organismo, especialmente nos casos mais graves. Na paciente foram utilizados furosemida e hidralazina. (Mengstie et al., 2024)
Embora o tratamento antibiótico seja crucial para erradicar a infecção estreptocócica inicial, ele não tem impacto direto sobre o curso da doença renal instalada, uma vez que a GNPE é mediada por uma resposta imunológica. Em pacientes com histórico recente de infecção estreptocócica, a profilaxia com antibióticos é indicada para prevenir o desenvolvimento da doença, mas não há necessidade de tratamento antibiótico após a manifestação clínica da GNPE. Por isso, que após diagnosticada com GNPE, a paciente não fez mais uso de ceftriaxona. (Bajracharya, et al., 2024)
Nos casos em que a insuficiência renal aguda ocorre, o manejo pode incluir terapias de suporte, como a diálise, para controlar o equilíbrio de fluidos e a função renal até que haja uma recuperação da função renal. A monitorização constante dos níveis de creatinina e ureia é essencial para avaliar a gravidade da insuficiência renal e a resposta ao tratamento. (Mengstie et al., 2024)
Em pacientes com complicações mais graves ou insuficiência renal persistente, pode ser necessário o uso de terapias imunossupressoras, como corticosteroides, para reduzir a inflamação nos glomérulos e limitar o dano renal. No entanto, essa abordagem é reservada para casos raros e mais complicados, uma vez que a maioria dos pacientes apresenta recuperação sem a necessidade de medicação imunossupressora. (Bhat et al., 2024)
O tratamento deve ser individualizado, levando em consideração a gravidade da doença, a resposta do paciente e o risco de complicações. O manejo adequado, combinado com a monitoração regular, garante melhores resultados clínicos. (Mengstie et al., 2024)
O prognóstico da Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica é, em sua maioria, favorável com a maioria dos pacientes, apresentando recuperação completa da função renal dentro de algumas semanas após o início do tratamento. A remissão dos sintomas renais, como hipertensão e edema, ocorre frequentemente, e a função renal retorna ao normal. (Bhat et al., 2024)
A recuperação é mais comum em pacientes que são diagnosticados precocemente e que seguem o tratamento de forma adequada. Mesmo nos casos graves, a função renal pode ser restaurada com o tratamento oportuno, o que contribui para um prognóstico positivo na grande maioria dos pacientes. Entretanto, em casos mais graves ou com diagnóstico tardio, a progressão para insuficiência renal crônica pode ocorrer, especialmente, em pacientes com fatores predisponentes, como comorbidades ou complicações durante o tratamento. (Pinheiro et al., 2022)
Pacientes que não recebem o diagnóstico adequado ou que não têm um controle adequado das infecções podem sofrer danos renais permanentes. O acompanhamento contínuo e o diagnóstico precoce são fundamentais para evitar complicações mais graves e melhorar o prognóstico de longo prazo, prevenindo sequelas renais irreversíveis. (Mengstie et al., 2024)
Novas estratégias terapêuticas e prognósticas estão ocorrendo na abordagem da glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica (GNPE). Entre as inovações, estão o uso de biomarcadores, como proteína C-reativa elevada, hipoalbuminemia e níveis reduzidos de complemento, que auxiliam na avaliação da gravidade da doença. Além disso, há estudos sugerindo que inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) podem ter um papel mais eficaz no controle da hipertensão associada à GNPE, embora sejam evitados na fase aguda. Outra evolução importante é a personalização do manejo com diuréticos e restrição de sódio para minimizar complicações, como edema pulmonar. Ocorre, também, a necessidade de estudos de longo prazo para monitorar possíveis complicações renais persistentes em crianças afetadas. (Aguiar et al., 2024)
Embora o tratamento convencional ainda seja predominantemente de suporte, novas abordagens têm sido investigadas para melhorar o prognóstico da doença. Entre os principais avanços, destacam-se o uso de imunossupressores para casos graves, terapias direcionadas à modulação da resposta inflamatória e estratégias inovadoras para controlar a ativação do complemento, como inibidores específicos. Além disso, estudos clínicos recentes exploram o desenvolvimento de vacinas baseadas em peptídeos para prevenir infecções estreptocócicas, potencialmente reduzindo a incidência da GNPE. Existe uma necessidade de monitoramento rigoroso, especialmente em pacientes com fatores de risco, como idade precoce e comprometimento renal severo, e da importância de novas pesquisas para aprimorar o manejo clínico e reduzir a progressão para doença renal crônica. (Ong, 2022)
Atualmente, as pesquisas sobre GNPE têm focado em novas abordagens terapêuticas e preventivas para melhorar o prognóstico da doença. Estudos recentes investigam o uso de imunossupressores e terapias moduladoras da resposta inflamatória para casos mais graves, com o objetivo de reduzir a inflamação glomerular e prevenir danos renais permanentes. (Ong, 2022)
Há avanços na compreensão da ativação do sistema complemento, levando ao desenvolvimento de inibidores específicos que podem minimizar a progressão da doença. Outra área promissora é a criação de vacinas baseadas em peptídeos contra Streptococcus pyogenes, que poderiam prevenir infecções estreptocócicas e, consequentemente, reduzir a incidência da GNPE. Ensaios clínicos também analisam biomarcadores para identificar precocemente os pacientes com maior risco de complicações, permitindo intervenções mais eficazes e personalizadas. (Aguiar et al, 2024)
5. CONCLUSÃO
A Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) é uma doença rara, mas significativa, que pode ocorrer após infecções estreptocócicas, como faringite e impetigo, afetando, principalmente, crianças. O caso apresentado neste artigo enfatiza a relevância do diagnóstico precoce, que deve considerar a combinação de sinais clínicos típicos, como hematúria, edema e hipertensão, juntamente com um histórico recente de infecção estreptocócica.
O prognóstico geralmente é favorável, com a recuperação espontânea da função renal na maioria dos casos, porém é essencial que o tratamento seja adaptado à gravidade do quadro e aos riscos de complicações, como insuficiência renal aguda.
O manejo da GNPE é, predominantemente, de suporte, focando no controle da pressão arterial, redução do edema e monitoramento contínuo da função renal. Embora o tratamento antibiótico para eliminar a infecção estreptocócica seja fundamental, ele não tem efeito direto sobre a progressão da doença renal.
A detecção precoce e o acompanhamento constante são primordiais para evitar agravamentos e garantir a recuperação renal completa. Este relato de caso reforça a importância de uma abordagem integral, da conscientização sobre fatores de risco e do acompanhamento contínuo para identificar possíveis sequelas renais, promovendo a recuperação do paciente e prevenindo complicações a longo prazo.
REFERÊNCIAS
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