O USO DE TELAS NA ADOLESCÊNCIA: UM PANORAMA DOS PRINCIPAIS IMPACTOS NO DESENVOLVIMENTO E BEM-ESTAR

SCREEN USE IN ADOLESCENCE: AN OVERVIEW OF THE MAIN IMPACTS ON DEVELOPMENT AND WELL-BEING

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504291334


Edna do Nascimento Moratti


RESUMO

A presença crescente de dispositivos digitais no cotidiano de adolescentes transformou significativamente suas experiências sociais, cognitivas e físicas. Esta revisão da literatura explora os efeitos do uso de telas nessa faixa etária, com foco nos impactos no desenvolvimento cerebral, nas funções cognitivas, no comportamento, bem-estar emocional, sono, obesidade, uso problemático e nas interações sociais online. A análise aponta que, embora haja benefícios associados ao uso moderado de mídias digitais, a exposição excessiva acarreta múltiplas consequências negativas. São discutidas ainda estratégias de prevenção e intervenção, além do papel fundamental de famílias, escolas e profissionais da saúde.

Palavras-chave: adolescência; telas; mídias digitais; desenvolvimento cognitivo; saúde mental; comportamento sedentário.

ABSTRACT

The growing presence of digital devices in adolescents’ daily lives has significantly transformed their cognitive, social, and physical development. This literature review explores the effects of screen use on this population, focusing on impacts on brain development, cognitive functioning, behavior, emotional well-being, sleep, obesity, problematic internet use, and online social interactions. The analysis indicates that while there are benefits associated with moderate use of digital media, excessive exposure leads to multiple negative consequences. Prevention and intervention strategies are also discussed, along with the fundamental role of families, schools, and health professionals.

Keywords: adolescence; screens; digital media; cognitive development; mental health; sedentary behavior.

 INTRODUÇÃO

A adolescência é uma fase de profundas transformações físicas, emocionais e sociais, marcada pela construção de identidade e autonomia. Nos últimos anos, o avanço tecnológico transformou essa fase ao inserir adolescentes em um ambiente digital complexo, composto por mídias tradicionais e interativas. Reid Chassiakos et al. (2016) destacam que essa nova realidade, embora facilite o acesso à informação e estimule o aprendizado, também traz riscos significativos, como distúrbios do sono, sedentarismo, problemas alimentares e exposição a conteúdos inapropriados.

Para Povoas et al., (2025) o uso excessivo de telas por crianças e adolescentes, embora facilitado pela tecnologia, configura um problema de saúde pública devido aos riscos físicos (sedentarismo, obesidade, distúrbios do sono, fadiga ocular), mentais (ansiedade, depressão, déficit de atenção) e sociais (isolamento, dificuldades interpessoais). Adicionalmente, compromete o desenvolvimento neurológico e cognitivo, afetando a plasticidade cerebral, especialmente em atividades passivas e multitarefas. Assim, compreender como o uso de telas afeta o desenvolvimento dos adolescentes é essencial para elaborar estratégias de cuidado e intervenção.

METODOLOGIA

Esta revisão da literatura explorou os impactos do uso de telas no desenvolvimento de adolescentes na era digital. A busca por artigos relevantes foi realizada em bases de dados como PubMed, Scopus e Google Scholar, utilizando termos como “adolescente”, “tempo de tela”, “mídias digitais” e seus correspondentes em inglês, combinados para identificar estudos pertinentes sobre os efeitos no desenvolvimento cognitivo, saúde mental, comportamento e bem-estar.

Foram incluídos artigos de revisão e estudos que abordassem a temática na adolescência, priorizando aqueles que apresentavam resultados relevantes para a discussão dos impactos do uso de telas nessa faixa etária. A análise dos artigos selecionados envolveu a síntese das principais evidências encontradas na literatura para fornecer um panorama dos efeitos do uso de telas no desenvolvimento adolescente.

 Desenvolvimento Cognitivo e Cerebral

O desenvolvimento neurocognitivo na adolescência ocorre de forma intensa, especialmente no córtex pré-frontal, responsável por funções executivas como memória, tomada de decisões e controle inibitório. Larsen e Luna (2018) comparam esse período a janelas críticas do desenvolvimento sensorial, sugerindo uma alta plasticidade cerebral que torna os adolescentes especialmente suscetíveis a influências ambientais como o uso de mídias digitais.

O neurocientista Michel Desmurget (2021) alerta que o excesso de telas danifica o cérebro infantil, causando atrofia cerebral, redução de Quociente de inteligência (QI) e transtornos como hiperatividade e ansiedade. Em A Fábrica de Cretinos Digitais, ele descreve a “demência digital” – perda de habilidades cognitivas – e associa o vício em telas a depressão, isolamento e outros distúrbios. Sem medidas urgentes, a próxima geração poderá ser menos inteligente e mais desequilibrada emocionalmente. Estudos como o de Ali, Janarthanan e Mohan (2024) sugerem que adolescentes com uso intensivo de smartphones apresentam alterações em áreas cerebrais ligadas à atenção, memória e autocontrole, além de redução da massa cinzenta. Entretanto, Benge e Scullin (2025), contestam essa hipótese, em seu estudo não encontrando evidências que sustentem o conceito de “demência digital”, pelo contrário, esses pesquisadores observaram que o uso de computadores, smartphones e internet entre pessoas com mais de 50 anos estava associado a menores taxas de declínio cognitivo, com efeito protetor comparável ao da atividade física.

Em contra partida Nivins et al. (2024), em um estudo longitudinal abrangente, demonstram que o uso isolado de diferentes mídias (TV, videogames, redes sociais) não afeta diretamente estruturas como o córtex ou o estriado. No entanto, observaram alterações significativas na trajetória do desenvolvimento cerebelar em adolescentes com uso elevado de redes sociais.

A exposição precoce a estímulos digitais compromete o desenvolvimento de habilidades cognitivas e linguísticas, conforme apontam Kuhl e Early (2011), Somerville et al. (2009) e Hummer et al. (2024), que defendem a primazia das interações humanas para o desenvolvimento da linguagem.

Comportamento, emoções e bem-estar psicossocial

O uso intenso de mídias digitais pode influenciar negativamente hábitos e comportamentos dos adolescentes, contribuindo para padrões alimentares inadequados, sedentarismo, irritabilidade, alterações de humor e distúrbios de sono( Cruz et al.,2025). Em seu estudo, Thorell et al. (2024) identificam uma relação longitudinal entre uso problemático de mídias e sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), demonstrando que essa relação é recíproca e duradoura, ainda que suas associações sejam consideradas de efeito pequeno.

O sono constitui um componente essencial no desenvolvimento biológico e mental de crianças e adolescentes, atuando como um período de restauração das funções orgânicas. A privação de sono e a exposição excessiva ao tempo de tela, em particular à televisão, demonstram uma correlação positiva com a percepção de baixa qualidade do sono. Silva então., (2017) verificaram uma associação significativa entre o tempo elevado dedicado à televisão e a maior incidência de parassonias, um grupo de distúrbios do sono que englobam eventos físicos ou experiências anormais ocorrendo durante o adormecer, o sono ou o despertar, como o sonambulismo e os terrores noturnos.

Brautsch (2023) destaca a relação direta entre uso noturno de telas e a privação de sono, que pode desencadear problemas de saúde como obesidade, depressão e má alimentação. O impacto no sono é ainda mais grave quando se considera a luz azul emitida pelas telas, que afeta o ciclo circadiano e dificulta o início do sono.

O estudo de Crispim et al. (2022), revelou um aumento expressivo no tempo de tela entre crianças e adolescentes, após a pandemia de COVID-19, associado ao aumento da impulsividade, prejuízos atencionais e ideação suicida, especialmente em usuários com dificuldades de expressar emoções online. Esses dados demonstram como o ambiente digital pode afetar profundamente o equilíbrio emocional dos jovens.

Uso problemático, dependência digital e interações online

O uso desregulado da internet pode evoluir para um quadro de dependência, caracterizado por prejuízos emocionais, sociais e acadêmicos. Daves (2001) define o uso problemático como a dedicação excessiva a atividades não essenciais online, levando a sofrimento e prejuízo funcional. Musseti (2016) reforça que esses comportamentos devem ser analisados como entidades distintas, dado que diferentes usos da internet (como jogos, redes sociais, compras) envolvem mecanismos psicológicos variados.

Outro fator preocupante é a superexposição de crianças e adolescentes nas redes sociais. Oliveira e Tonelli (2023) alertam para os riscos de exploração da imagem por pais e responsáveis, que frequentemente expõem seus filhos sem consentimento. Tal prática pode causar bullying, afetar oportunidades futuras e representar riscos à segurança digital.

O cyberbullying, como ressaltado por Rondina, Moura e Carvalho (2016), emerge como uma forma moderna de violência relacional que se distingue do bullying tradicional pela sua capacidade de transcender barreiras físicas, perpetuar-se através do tempo e alcançar audiências amplas. Estudos recentes demonstram que esse fenômeno tem impacto direto na autoestima, no desempenho escolar e na saúde mental dos adolescentes, podendo desencadear quadros de depressão, ansiedade, isolamento social e, em casos extremos, ideação suicida (Alonso et al., 2024). Uma pesquisa longitudinal conduzida com adolescentes bolivianos revelou que a vitimização por cyberbullying está associada a consequências graves para o desenvolvimento e a saúde mental, com efeitos que podem persistir até a vida adulta (Mollo-Torrico & Garaigordobil, 2025). Particularmente preocupante é o papel dos espectadores, com aproximadamente 40% dos adolescentes mantendo-se indiferentes diante de situações de ciberacoso, enquanto outros experimentam medo ao considerar defender as vítimas (Marín-Cortez et al., 2020). Embora existam legislações específicas no Brasil, o enfrentamento efetivo desse fenômeno requer a atuação integrada de famílias, escolas e serviços de apoio psicológico, além de programas de alfabetização digital que promovam a empatia e a responsabilidade online.

 Uso de telas e seus efeitos no corpo e na rotina dos adolescentes

O vínculo entre tempo de tela e obesidade infantil é bem estabelecido na literatura. Robinson et al. (2017) demonstram que o excesso de tempo diante de telas contribui para o sedentarismo, a ingestão de alimentos ultraprocessados — muitas vezes estimulada por publicidade digital — e a privação de sono, todos fatores de risco para o aumento de peso. A forma como adolescentes vivenciam o sexo, seu desenvolvimento físico e o suporte que recebem de outros têm forte ligação com o quanto se exercitam e o tempo que passam em frente às telas (Piola et al., 2020). O aumento do tempo de tela em crianças e adolescentes, em detrimento de interações sociais, acarreta sedentarismo, obesidade e problemas de sono e humor (Tana & Amâncio, 2023).

Lucena et al. (2015), no entanto, revelam que em alguns subgrupos específicos (como meninos mais jovens de classes sociais elevadas), o tempo de tela não se correlaciona diretamente com sobrepeso. Essa aparente contradição pode ser explicada por fatores mediadores como acesso a atividades físicas estruturadas, padrões alimentares familiares e supervisão parental do uso de tecnologia. Uma meta-análise publicada em 2023 identificou que o mecanismo subjacente a essa relação envolve múltiplos fatores, incluindo o deslocamento de atividades físicas, exposição à publicidade de alimentos não saudáveis e alterações nos padrões de sono que afetam hormônios reguladores do apetite (Vitória et al., 2023). Esses achados evidenciam a necessidade de abordagens personalizadas e estudos longitudinais mais amplos que considerem variáveis socioeconômicas, culturais e comportamentais. Santos (2024) propõe que a Educação Física escolar, aliada ao uso consciente de tecnologias, pode reverter esse cenário por meio de práticas pedagógicas inovadoras, integrando movimento e tecnologia em intervenções adaptadas às diferentes realidades dos adolescentes.

O uso prolongado de dispositivos digitais tem sido associado à Fadiga Ocular Digital (SED), como descrito por Auffret et al. (2021). Os sintomas mais comuns incluem visão turva, ardência ocular, dor de cabeça e dificuldade de foco. Os achados de Santos et al. (2024) evidenciam associações significativas entre o uso prolongado de dispositivos eletrônicos e fadiga ocular, síndrome do olho seco e miopia, reforçando a necessidade de medidas preventivas.

A etiologia da Síndrome de Fadiga Ocular Digital (SED) é multifatorial, envolvendo primariamente a redução significativa da frequência de piscar durante o uso de telas (de 15-20 para 5-7 piscadas por minuto), o que leva à evaporação acelerada do filme lacrimal e subsequentes alterações na superfície ocular, principalmente em relação a exposição prolongada à luz azul emitida por dispositivos digitais (Maciel et al., 2022). Um estudo publicado em 2025 demonstrou que esta radiação pode causar estresse oxidativo nas células da retina e contribuir para o Desenvolvimento de Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI) em modelos experimentais, embora a extrapolação desses resultados para humanos ainda requeira cautela (Almeida et al., 2025). A exposição cumulativa durante o desenvolvimento visual pode ter implicações de longo prazo, incluindo aumento na incidência de miopia e síndrome do olho seco em populações cada vez mais jovens (Beraldo et al., 2025).

Estratégias de Intervenção e Prevenção

A prevenção dos efeitos negativos do uso de telas exige a implementação de estratégias educativas e políticas públicas eficazes. Robidoux et al. (2019) destacam que, embora o uso de mídias digitais traga benefícios, seu uso excessivo está ligado a riscos físicos, mentais e sociais. Eles recomendam que profissionais da saúde estejam atentos aos sinais de uso problemático e ofereçam orientações específicas a pais e responsáveis.

Para incentivar mais atividade física, principalmente entre as meninas, e diminuir o uso de telas, o apoio social se mostra um caminho poderoso. As escolas, por reunirem muitos jovens, são espaços chave para promover hábitos mais ativos e menos tempo de tela (Piola et al., 2020). A postura parental é crucial, demandando intervenção para promover atividade física e reduzir o tempo inativo, beneficiando a saúde física e mental e as relações sociais. Urge mais pesquisa sobre a influência adulta no ajuste do uso excessivo de telas, dada a sua relevância e a limitada investigação atual (Tana & Amâncio, 2023).

Krafft et al. (2023) observam que intervenções curtas e generalistas têm eficácia limitada. Intervenções mais duradouras, com início precoce (desde a gestação) e ajustadas a cada etapa do desenvolvimento, mostram maior potencial de impacto. Piola et al. (2020) reforçam o papel das escolas como agentes formadores de saúde, capazes de promover mudanças comportamentais significativas por meio de políticas institucionais e curriculares.

A fim de mitigar os impactos negativos do uso excessivo de telas, preconizam-se estratégias de conscientização, limitação do tempo de tela, estímulo a atividades físicas e cognitivas, e a colaboração entre família, escola e profissionais para um desenvolvimento saudável (Povoas et al., 2025). Recomenda-se a adoção de medidas preventivas, como a limitação do tempo de tela e o incentivo a atividades ao ar livre, para mitigar os efeitos adversos na saúde ocular e promover a saúde visual juvenil (Santos et al., 2024).

DISCUSSÃO

A análise da literatura evidencia que os impactos do uso de telas entre adolescentes são multidimensionais e complexos, exigindo uma compreensão multifacetada que considere tanto os potenciais benefícios quanto os riscos associados. Embora o uso moderado de tecnologia possa promover o desenvolvimento cognitivo e social, o uso excessivo está associado a prejuízos significativos em múltiplas dimensões do desenvolvimento adolescente.

A forma como adolescentes vivenciam o sexo, seu desenvolvimento físico e o suporte que recebem de outros têm forte ligação com o quanto se exercitam e o tempo que passam em frente às telas (Piola et al., 2020), influenciando diretamente o desenvolvimento de hábitos saudáveis. O aumento do tempo de tela, em detrimento das interações sociais, acarreta sedentarismo, obesidade e problemas de sono e humor (Tana & Amâncio, 2023), impactando o bem-estar físico e mental. Estudos recentes demonstram uma associação significativa entre maior tempo de exposição a telas e piora na qualidade da dieta de adolescentes, com aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e redução da ingestão de frutas e vegetais. Essa relação é mediada por múltiplos fatores, incluindo a exposição à publicidade de alimentos não saudáveis e alterações nos padrões de sono que afetam hormônios reguladores do apetite (Vitória et al., 2023).

A crescente utilização de dispositivos eletrônicos também suscita preocupações sobre a saúde ocular, com associações significativas com fadiga ocular, síndrome do olho seco e miopia (Santos et al., 2024). Após 2 horas de uso contínuo do computador, recomenda-se pausas de 15 minutos para descanso visual. Manter a tela limpa e ajustada também é fundamental, assim como exames oftalmológicos regulares para prevenir a sintomas de fadiga ocular digital, e o incentivo a atividades ao ar livre, especialmente durante períodos críticos do desenvolvimento visual. (Maciel et al., 2022).

No âmbito cognitivo, pesquisas indicam que o uso frequente de mensagens de texto com abreviações pode estar associado a um menor entendimento da gramática formal entre crianças e adolescentes (Plester, Wood, & Bell, 2008). O debate sobre a “demência digital” ilustra essa complexidade: enquanto alguns estudos sugerem possíveis comprometimentos cognitivos associados ao uso excessivo de tecnologia (Ali, Janarthanan e Mohan, 2024), o estudo de Benge & Scullin, (2025) não encontraram evidências que sustentem essa hipótese, observando inclusive potenciais efeitos protetores do uso de tecnologia contra o declínio cognitive.

A prática e o desenvolvimento de habilidades sociais interpessoais, como a leitura de expressões faciais e a comunicação não verbal, podem ser impactados pela diminuição das interações presenciais devido ao tempo excessivo online (Uhls et al., 2014).

A crescente exposição online também torna os adolescentes vulneráveis a questões de cybersegurança e privacidade, reforçando a necessidade de literacia digital e orientação por parte de pais e educadores (Livingstone & Helsper, 2007). O cyberbullying emerge como uma preocupação particular, com estudos recentes demonstrando seu impacto direto na autoestima, no desempenho escolar e na saúde mental dos adolescentes, podendo desencadear quadros de depressão, ansiedade, isolamento social e, em casos extremos, ideação suicida (Alonso et al., 2024).

A teoria da suscetibilidade diferencial aos efeitos da mídia sugere que adolescentes podem ser particularmente vulneráveis aos impactos negativos de conteúdos online que promovem padrões de beleza irreais, levando a problemas de imagem corporal e autoestima (Valkenburg & Peter, 2013). Pesquisas recentes confirmam essa vulnerabilidade, mas também identificam fatores protetores como a mediação parental ativa e o desenvolvimento de pensamento crítico sobre conteúdos midiáticos (Mollo-Torrico & Garaigordobil, 2025).

É importante destacar que os efeitos do uso de telas variam significativamente de acordo com o tipo de mídia, frequência de uso, conteúdo acessado e contexto de exposição (Odgers & Jensen, 2020; Paula, 2022; Sales et al., 2021; Silva & Passos, 2021; Brito et al., 2025). Essa variabilidade explica aparentes contradições na literatura, como a observação de que em alguns subgrupos específicos (como meninos mais jovens de classes sociais elevadas), o tempo de tela não se correlaciona diretamente com sobrepeso (Lucena et al., 2015).

As evidências convergem para a necessidade de uma abordagem equilibrada, com participação ativa de escolas, famílias e profissionais da saúde na promoção de hábitos saudáveis, alfabetização digital e supervisão ativa do uso da tecnologia. O papel das escolas como espaços chave para promover hábitos mais ativos e menos tempo de tela, através do apoio social, é fundamental (Piola et al., 2020). Intervenções eficazes devem ser personalizadas, considerando as características individuais, familiares e socioculturais dos adolescentes.

É importante reconhecer que o uso moderado de telas também pode oferecer benefícios significativos em termos de acesso à informação, aprendizado e conexão social, desde que acompanhado de orientação e equilíbrio (Rideout & Robb, 2019). A pandemia de COVID-19 evidenciou o potencial das tecnologias digitais para manter conexões sociais e continuidade educacional em momentos de crise, embora também tenha exacerbado desigualdades digitais preexistentes (Crispim et al., 2022).

Em síntese, a literatura atual sugere que não é simplesmente a quantidade de tempo de tela, mas a qualidade do engajamento digital, o contexto de uso e a mediação adulta que determinam os impactos do uso de tecnologia no desenvolvimento adolescente. Políticas públicas, intervenções educacionais e orientações familiares devem refletir essa compreensão nuançada, promovendo um equilíbrio saudável entre os benefícios da inclusão digital e a proteção contra seus potenciais riscos.

CONCLUSÃO

O uso de telas na adolescência configura-se como uma realidade ambivalente, que oferece tanto oportunidades quanto desafios para o desenvolvimento saudável. Esta revisão evidenciou que, quando utilizado de forma moderada e supervisionada, o acesso às tecnologias digitais pode promover aprendizagem, criatividade e conexões sociais. Contudo, a exposição excessiva e não regulada demonstra associação significativa com diversos prejuízos à saúde física, mental e social dos adolescentes.

Os principais achados apontam para alterações neurocognitivas, incluindo modificações na estrutura cerebral relacionadas ao controle inibitório e à atenção. Na esfera emocional, identificou-se maior prevalência de sintomas de ansiedade, depressão e ideação suicida, especialmente no período pós-pandêmico. Os distúrbios do sono emergiram como outra consequência preocupante, frequentemente relacionados ao uso noturno de dispositivos e à exposição à luz azul. Além disso, o sedentarismo e seus correlatos metabólicos, assim como os riscos inerentes às interações online (como cyberbullying e violação de privacidade), completam o quadro de possíveis adversidades.

Diante desse cenário, torna-se imperativa a implementação de estratégias multifacetadas para a promoção do uso saudável de tecnologias. Em nível macro, políticas públicas baseadas em evidências científicas – como a regulamentação do tempo de tela em ambientes educacionais – mostram-se necessárias. No âmbito escolar, programas que integrem educação digital ao currículo formal podem desenvolver competências críticas nos jovens. Já no contexto familiar, a mediação ativa e o estabelecimento de limites consistentes figuram como práticas fundamentais.

Reconhece-se como limitação deste estudo a predominância de pesquisas transversais na literatura analisada, o que sinaliza a necessidade de investigações longitudinais mais robustas. Futuros estudos deverão explorar com maior profundidade as diferenças socioculturais no padrão de uso de telas, bem como os impactos das tecnologias emergentes.

Em suma o desafio contemporâneo reside em equilibrar os inegáveis benefícios da conectividade com a proteção da saúde integral dos adolescentes. Para tanto, faz-se necessária uma abordagem cooperativa que envolva pesquisadores, formuladores de políticas, educadores e famílias, sempre pautada pelo princípio do desenvolvimento saudável e pela garantia dos direitos fundamentais dessa população.

Contribuição dos autores O autor é responsável por todas as etapas da produção deste manuscrito.

Financiamento: Este estudo não recebeu apoio financeiro de agências de fomento públicas ou privadas.

Conflito de interesses: O autor declara não haver conflito de interesses.

Declaração de responsabilidade ética: Este estudo é uma revisão de literatura e não envolveu coleta de dados com seres humanos.

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