REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202511271302
Jurandir Goulart Soares2
Resumo
O presente artigo busca indicar algumas contribuições pedagógicas voltada à educação da promoção humana ao Sul de Moçambique. Não falamos, portanto, de uma única pedagogia, mas de um conjunto de encontros pedagógicos humanizantes. Com base na educação humanizadora, propomos as seguintes estratégias pedagógicas: técnicas de internalização de valores, pedagogia tradicional africana e pedagogia da comunicação intersubjetiva. Na perspectiva psicológica a primeira abordagem pedagógica destaca os pais como os interlocutores privilegiados da educação dos seus filhos, entre os demais educadores. A segunda abordagem considera a Educação Tradicional como um processo iniciático que contribui para a integração social da criança e reúne múltiplas influências e valores culturais do seu meio. Por fim, a terceira sugestão refere-se a uma pedagogia centrada na comunicação intersubjetiva; na esteira de Freire, propomos uma pedagogia da esperança que alimenta sonhos e utopias. Assim, esse conjunto de mediações pedagógicas pretende contribuir para a educação ao sul de Moçambique, com o intuito de romper com as injustiças sociais e superar a pobreza antropológica que incide sobre a população.
Palavras-chave: Moçambique; Educação; Estratégias Pedagógicas; Freire.
Abstract
This article aims to outline several pedagogical contributions to education for human promotion in southern Mozambique. We therefore do not speak of a single pedagogy, but rather of a set of humanizing pedagogical encounters. Grounded in a humanizing educational approach, we propose the fallowing pedagogical strategies: techniques for the internalization of values, african traditional pedagogy, and a pedagogy of intersubjective communication. From a psychological perspective, the first approach emphasizes parents as the privileged interlocutors in the education of their children, among other educators. The second approach views Traditional Education as an initiatory process that contributes to the child’s social integration and incorporates multiple cultural influences and values from their environment. Finally, the third proposal refers to a pedagogy centered on intersubjective communication ; following Freire, we propose a pedagogu of hope that nurtures dreams and utopias. Thus, this se of pedagogical mediations seeks to contribute to education in southern Mozambique with the aim of breking social injustices and overcoming the anthropological poverty that weighs on the population.
Keywords: Mozambique; Education; Pedagogical Strategies; Freire.
Introdução
No contexto cultural em que a nossa pesquisa se desenvolveu, precisamente, ao sul de Moçambique, África, talvez a abordagem mais aproximada seria a de propor uma pedagogia da promoção humana, por meio de uma educação como prática da liberdade (FREIRE, 2023a), no sentido de, promover a juventude moçambicana a partir do seu contexto sociopolíticocultural, priorizando a cosmovisão africana para um diálogo pedagógico intersubjetivo.
No campo da educação libertadora, Paulo Freire dá uma dupla contribuição à África: 1) uma teoria/prática pedagógica preocupada com o sujeito no seu contexto; 2) sua influência direta na educação em alguns países. Várias obras são publicadas nesse contexto: Cartas a Guiné-Bissau; Aprendendo com a própria história; Sobre a educação; Conscientização (REDIN; STRECK; ZITKOSKI, 2008). O presente trabalho procura, a partir de uma pesquisa bibliográfica, indicar algumas propostas pedagógicas. O ponto central do texto é propor estratégias pedagógicas que favoreçam a libertação de vários condicionamentos e o desenvolvimento de um humanismo total dos homens e das mulheres da África. Com base na educação humanizadora, propomos as seguintes estratégias pedagógicas: técnicas de internalização de valores, pedagogia tradicional africana e pedagogia da comunicação intersubjetiva. Na perspetiva da interdisciplinaridade, essas estratégias pedagógicas, tomadas em conjunto, poderão favorecer a promoção da juventude moçambicana em seu contexto, possibilitando-lhe ser agente de mudança e protagonista da própria história.
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES
Na linha de Paulo Freire, a pretensão não é ficar preso numa pedagogia, pelo que falaremos em estratégias pedagógicas, indicaremos algumas, sabendo, no entanto, que são variadas e que em cada tempo e lugar se vão criando estratégias educacionais. Na produção literária de Freire, o termo pedagogia aparece no título de várias obras, desde os clássicos Pedagogia do oprimido (2023b), Pedagogia da Esperança (2023c), Pedagogia da autonomia (2011) e outras.
A qualificação da pedagogia – da esperança, do conflito, da revolução, do diálogo – indica que para ele não existe uma única pedagogia. Existem pedagogias que correspondem a determinadas intencionalidades formativas e se utilizam de instrumental metodológico diverso. Essas pedagogias estão assentadas em matrizes ideológicas distintas, o que as posiciona os lugares diferentes ao mesmo antagónicos na dinâmica social (REDIN; STRECK; ZITKOSKI, 2008, p. 312).
O significado de pedagogia, para além da condução de crianças, jovens e adultos, é melhor compreendido a partir do conceito de praxis, no qual Freire tenciona dialeticamente a ação e a reflexão. A pedagogia situa-se no âmbito em que a prática e a teoria estão em permanente diálogo. Neste sentido, pedagogia refere-se a práticas educativas concretas realizadas pelos educadores e educadoras, sejam eles profissionais ou não. Significa que o próprio ato de conhecer no qual o educador e a educadora têm um papel testemunhal no sentido refazer diante dos educandos e com eles o seu próprio processo de aprender e conhecer (REDIN; STRECK; ZITKOSKI, 2008).
Nesse sentido, a nossa proposta inclui três indicações pedagógicas: a primeira delas é na perspetiva da Psicologia Moral e mais genérica, isto é, a referência ao primeiro encontro pedagógico que a criança teve com os seus pais em tenra infância. O segundo grupo de estratégias pedagógicas assume estratégias mais específicas, isto é, pensar e elaborar estratégias pedagógicas à luz da conceção de homem no pensamento africano contemporâneo. E, por fim, propor estratégias pedagógicas alicerçadas no diálogo intersubjetivo, a fim de promover a liberdade, responsabilidade e a autonomia entre educandos e educadores.
1. As técnicas pedagógicas de internalização dos valores morais
A pessoa humana não nasce dotada com os valores morais, mas sim com capacidades para os adquirir mediante processos pedagógicos. Em Psicologia do Desenvolvimento, dos psicólogos argentinos, Maria Cristina Griffa e José Eduardo Moreno:
o ser humano constitui-se de uma relação dialética entre o dado, o apropriado e a autodeterminação; entretanto esses três aspetos estão inscritos em um plano totalizador, embora cada um deles caracterize um momento da evolução epigenética em sua totalidade (2015, p. 314).
A autodeterminação surge com o início do desenvolvimento moral natural, a relação horizontal (Homem com o Homem) e a abertura ao transcendente, a relação vertical (Homem com Transcendente).
A moralidade segue uma ordem de desenvolvimento e está intimamente ligada ao desenvolvimento dos processos cognitivos e afetivos, bem como às relações interpessoais. Porém, a moralidade não deve ser confundida nem com o afetivo, nem com o social, nem com o cognitivo, embora requeira tais processos tem sua especificidade, como distingue em Psicologia, os sentimentos morais, as relações morais e os juízos morais dos sentimentos, dos sentimentos, relações e julgamentos que não têm o atributo de moral (GRIFFA; MORENO, 2015).
Encontramos, em alguns filósofos, uma aproximação entre os temas éticos e aqueles próprios da Psicologia do Desenvolvimento. Em Santo Tomás de Aquino e em outros pensadores escolásticos contemporâneos, seguindo um enfoque epigenético, encontramos a afirmação da existência de uma capacidade natural de juízo moral, ou uma disposição moral, ou ainda, um sentido moral, presente em potencial desde o início do novo ser. Essa posição afirma a presença precoce de um sentido moral no ser humano, que lhe permite avaliar e discernir instintivamente o bem do mal nos factos concretos. Dessa forma, esses autores sustentam que a dimensão moral é fundamentalmente uma exigência interior, aliada às tendências pessoais mais profundas que solicitam essa ordem e não de carácter extrínseco (GRIFFA; MORENO, 2015).
Esse pressuposto quer enfatizar a necessidade, no ato educativo, se terem presentes elementos da dimensão psicológica da pessoa humana, uma vez que os mesmos influenciam significativamente no processo do desenvolvimento humano nos seus vários aspetos e na própria realização e felicidade pessoal. A primeira questão a indicar para o acompanhamento na formação dos jovens em geral é ter em conta o seu primeiro encontro disciplinar e/ou o seu primeiro momento pedagógico (IMODA, 1996). A maioria das teorias de abordagem psicológica converge no reconhecimento da importância da figura dos pais para o desenvolvimento e a internalização dos valores morais de seus filhos.
Os pais são os interlocutores privilegiados da educação dos seus filhos dentre os demais educadores, mas não são autossuficientes, por isso há necessidade de um diálogo permanente com os educadores profissionais nas escolas.
De acordo com o estudo de Martir Hoffmam (1978) existem basicamente duas abordagens ao processo de desenvolvimento. Uma é a abordagem baseada no desenvolvimento cognitivo, seguida por Piaget, que dá ênfase à idade e as mudanças cognitivas a ela associadas com fatores que influenciam o desenvolvimento moral. A outra é a da aprendizagem social, definida amplamente, de modo a poder incluir tanto teorias psicanalíticas quanto as mais importantes teorias da aprendizagem. Esta abordagem salienta a influência do ambiente social, principalmente as técnicas de associação empregadas pelos adultos.
O conceito orientador da maioria das pesquisas sobre desenvolvimento moral é a internalização de proibições e ordens socialmente sancionadas. Para Hoffmamm (1978), um dos legados de Sigmund Freud, é a pressuposição, atualmente dominante entre os cientistas sociais, de que o indivíduo não passa toda a sua vida a considerar as normas centrais da sociedade como pressões externas e coercitivamente impostas, às quais ele se deve submeter. Embora sejam inicialmente externas, as normas são, finalmente, adotadas pelos indivíduos graças, em grande parte, aos esforços dos seus primeiros socializadores, os pais, passando a servir como guias internalizados, de maneira que ele se comporta de acordo com elas, mesmo quando a autoridade externa não está presente para as impor, ou seja, passa a existir um autocontrolo, ao que Freud denominou de “superego”.
Como orientação teórica, vamos tomar como ponto de partida a teoria psicanalítica: A teoria psicanalítica dá grande realce à figura dos pais. Consequentemente, ela forneceu a principal inspiração teórica e a orientação moral para a maioria das pesquisas sobre o papel das práticas adotadas pelos pais na modelagem e determinação moral. O núcleo central da teoria psicanalítica pode ser resumido no exemplo seguinte: A criança pequena está inevitavelmente sujeita a muitas frustrações, algumas das quais decorrem da intervenção e do controlo por parte dos pais, além de outras, como doenças ou desconfortos físicos, que nada têm a ver diretamente com os pais. Todas essas frustrações contribuem para o desenvolvimento da hostilidade em relação aos pais. Devido à ansiedade de punição antecipada, especialmente a perda do amor e o abandono pelos pais, a criança reprime a hostilidade. Ela também a desenvolve, de modo generalizado, para imitar o comportamento e adotar os estados internos dos pais (HOFFMAM, 1978).
Nesse sentido, de acordo com a teoria psicanalítica, o indivíduo desde tenra idade, começa a controlar o seu comportamento de acordo com os ditames dos pais; e durante o seu desenvolvimento, os valores morais que, de início, foram externamente impostos, passam a ser parte do conjunto de padrões de valores da própria criança. Neste caso, o desenvolvimento moral é estimulado na medida em que a disciplina empregada pelos pais desperta a ansiedade de perda do amor e não a dor física.
Neste contexto, Hoffman (1978) apresenta três modelos de técnicas educativas acerca da orientação moral: no primeiro a orientação moral, baseada no medo de vir a ser descoberto e na punição, está associada ao uso relativamente frequente, sobretudo pelos pais, de técnicas de disciplina que envolvem punição física e privação material, que denominamos de disciplina de afirmação de poder; enquanto no segundo modelo, a orientação moral independente de sanções externas; a culpa intensa da criança está associada ao uso relativamente frequente da disciplina de não afirmação de poder – algumas vezes denominadas disciplinas de psicologia indireta ou orientada pelo amor. E, por fim, o terceiro modelo, o mais indicado, denomina-se técnicas da indução, com as quais, os pais dão explicações ou razões para conseguir que a criança mude o seu comportamento.
Nas técnicas de indução os pais explicam à criança que um comportamento errado pode trazer duras consequências para si e para os outros. É uma tentativa de convencer a criança de que deve mudar seu comportamento segundo as normas prescritas. A eficácia da indução como disciplina, comparada à afirmação de poder e à retirada do amor, parece estar baseada menos no medo da punição e mais na conexão feita pela criança entre a sua substância cognitiva e os seus próprios recursos para compreender as necessidades da situação e, consequentemente, controlar seu comportamento.
A maior eficácia das técnicas de internalização de valores acontece quando se incorpora a dimensão emocional e motivacional da criança. A criança tem a necessidade de aprovação dos pais, daí a relevância do primeiro momento pedagógico e da presença dos primeiros educadores (HOFFMAM, 1978). Para o psicólogo Americano Theodore Lidz (1983), talvez o que dá mais eficácia às técnicas, e não simplesmente à sua aplicação, são pais seguros e coerentes, aqueles que possam desfrutar de seus filhos e conseguir uma maturidade achegada com os mesmos. A criança necessita cada vez mais de experiências de estimulação e socialização, a fim de receber “alimento” para que se desenvolva até ser uma pessoa. Os dois elementos são importantes, tanto o fisiológico quanto o desenvolvimento emocional, ou capacidade de estabelecer boas relações. Caso contrário, há crianças que “fazem amizade com a morte por falta apenas de amor” (LIDZ, 1983, p. 143).
Para Lidz (1983) uma tarefa crítica e um tema central da infância consiste no estabelecimento de confiança no mundo. Sendo elas completamente dependentes dos cuidados dos outros, as crianças precisam ganhar um senso de que aqueles dos quais sem o saberem dependem, e que constituem o seu mundo, são confiáveis. Deste modo, a criança obtém uma confiança básica nos outros, a qual formará o núcleo para construir confiança no eu, ou ficará com uma desconfiança duradoura. Assegura Lidz, “a provisão de alicerces firmes durante a infância permite que as crianças prossigam para a fase seguinte e invistam as suas energias e atenção na solução de suas tarefas básicas e fundamentos para o seu desenvolvimento” (1983, p. 146). Em síntese, a mãe ou alguma pessoa que cuida da criança não só provê condições que permitirão à criança ganhar um sentido de confiança no mundo, mas também promove condições sob as quais o filho pode ser melhor.
No pensamento sobre o desenvolvimento humano, o pediatra e psicólogo inglês Danald Winnicot (1982), no contexto do desenvolvimento das crianças, dedicou-se a analisar as relações mais importantes. Entre essas, a mais significativa para um recém-nascido é aquela diária entre mãe e filho. Winnicot indica uma característica da mãe, a característica é esta: ‘uma mãe suficientemente boa’ porque a seu aviso, para tornar o ‘ambiente ótimo’ ao desenvolvimento da pessoa, o educador deve ser suficientemente bom, no que se refere ao sujeito educado. Na esteira de Winnicot, a mãe suficientemente boa e não imensamente ou absolutamente boa, acolhe as necessidades do seu filho, mas não lhe antecipa a satisfação das necessidades a fim de que a criança sinta sua ausência, mas não demora muito o acolhimento da necessidade para que aquela ausência, que experimenta não se transforme numa perda.
Um educador deveria ser suficientemente bom, ou seja, deveria ter prontidão e estar em condições de responder às necessidades dos educandos com a presença, mas também deixando espaço para a experiência da ausência, cuidando para que essa ausência não se torne num sentido de perda. Aqui, surge novamente o jogo da alternância entre presença e ausência, vale dizer, entre satisfação e frustração. Esses elementos deveriam estar presentes na relação formativa, para que o educando tenha possibilidade de se sentir seguro e, ao mesmo tempo, sentir-se impulsionado a buscar ele mesmo as respostas às perguntas que tem dentro de si.
2. Estratégia pedagógica da educação tradicional africana
Parece-nos pertinente a questão epistemológica: que intuição podemos obter das tradições, tais como as experimentamos no tocante à compreensão de Deus, ser humano e natureza e de que maneira esta intuição pode servir de fundamento para uma pedagogia africana que vá ao alcance das exigências da juventude moçambicana?
Uma hipótese plausível é que o ponto de partida para uma pedagogia bantu africana deve partir das bases epistemológicas e ser sustentada na cosmovisão africana, na sua maneira de ver o mundo, no homem e na natureza.
Desse modo, a ênfase está numa interpretação holística da realidade. E, no tocante ao ensino dessa visão holística da realidade, os (sábios) transmissores da experiência tradicional africana têm o privilégio epistemológico. Para o teólogo Thor H. Hovland,
não devemos esquecer, entretanto, que a religiosidade e cosmovisão africanas jamais foram formuladas em considerações teóricas ou abstractas, mas têm sido expressas em contos, símbolos, danças e experiências reais. Tradição africana tem uma religiosidade e cosmovisão marcantemente antropocêntricas e experienciais (1993, p. 217).
Aqui remetemo-nos à transmissão oral feita pelos mais velhos que, por meio dos ritos de iniciação, cerimónias à sombra de uma árvore, envolta da fogueira, acompanham o processo de humanização dos membros da comunidade. Para Amaral Bernardo Amaral, no seu artigo “Matriz estruturante da cultura tradicional africana”, caracteriza a educação tradicional pelo método iniciático:
A iniciação tradicional é baseada na concepção da vida como uma longa viagem de crescimento em que o indivíduo, guiado pela mão dos mais velhos, vai passando, gradual e progressivamente de uma fase da vida a outra; de “menos ser para mais ser”, até atingir o pleno estatuto de “munthu”, isto é, de pessoa madura, consciente, autónoma, responsável, solidária e comunicadora da vida. Na visão bantu das coisas, a pessoa não nasce já feita, mas vai se fazendo gradualmente no processo iniciático através de instruções, ritos, símbolos e cerimónias. O método iniciático africano imprime sempre uma mudança radical na pessoa que é iniciada. A pessoa deve passar por uma renovação interior profunda que lhe modifica, não somente os comportamentos, as atitudes, a mentalidade, a vida, mas também o próprio ser (2007, p. 47).
Entre outros aspetos, o sábio e ancião, Adriano Langa, apresenta dois traços pedagógicos da educação tradicional em Moçambique, que importa destacar. Trata-se de uma educação faseada: deve-se respeitar a idade, mesmo que o educando pareça mais maduro, ele pode conhecer só aquilo que é permitido à sua idade. Existem conteúdos diferentes por cada fase e cada assunto ter foro próprio; e, uma educação participativa: a educação na sociedade tradicional é tarefa de toda a família nuclear e alargada e de toda a sociedade (BONO; CASSAMO, 2015).
Alberto Viegas, explicita os dois aspetos (moralização e profissionalização) da educação tradicional nesses termos:
Na educação tradicional, tem-se em consideração dois aspectos principais: primeiro, o aspecto da moralização do homem, processo que vai desde a tera idade até à iniciação, isto é, até aos ritos de passagem para a vida adulta. Depois, vem o aspecto da profissionalização do indivíduo ou fase de aprendizagem dos conhecimentos práticos. No aspecto da moralização, os ensinamentos são transmitidos de maneira espontânea e empírica, colminando com a forma organizada, que se materializa nos ritos de iniciação (2014, p. 14).
Além do método pedagógico, os valores da Cultura Tradicional Africana merecem destaque para uma proposta educacional libertadora e humanizadora em África. Amaral (2007) apresenta as sete categorias existenciais da Cultura Tradicional Africana, enquanto uma imensa e secular riqueza de valores humanos e espirituais que se revelam, de uma forma natural e espontânea, na vida concreta das pessoas, das famílias e dos povos africanos. São elas: escuta, encontro, hospitalidade, relação, simpatia, alegria e esperança, que sinteticamente veremos.
1) Escuta, A Cultura Tradicional Africana é estruturada em função da oralidade. O termo usado para dizer “ouvir” tem uma significação que vai para além da simples atividade sensorial do ouvido. Ouvir é usado para exprimir todas as impressões e vivências interiores.
Portanto, ‘ouvir’ é fazer uma experiência global da realidade.2) Encontro, a vida é um encontro. Viver é encontrar continuamente novas terras, novas realidades, novas pessoas e novas experiências. 3) Hospitalidade, culturalmente falando, na África a boa família é aquela que acolhe visitantes. Em muitas línguas da África Ocidental, todo o estrangeiro ou o hóspede que chega é considerado como “o desejado”. 4) Relação, a vida é essencialmente relação. A pessoa humana é um ser em relação contínua com o mundo interior e exterior, com a sociedade, com os espíritos dos antepassados, com Deus. 5) Simpatia, culturalmente, o africano revela uma grande tendência para a compaixão. É esta capacidade de participar dos estados afetivos das outras pessoas, de comungar dos seus sofrimentos e das suas alegrias, que chamamos simpatia. 6) Alegria e a festa, a África é caracterizada pela sua alegria contagiante, a sua alma vibrante, o seu canto, dança e ritmo envolvente, o seu carácter quente e festivo. 7) Esperança e o futuro, muito se tem falado da África como ‘Continente de esperança’, até porque, os povos africanos não vivem senão de esperança num amanhã de libertação. Uma esperança que desafiou e sobreviveu a séculos de dominação e escravidão colonial e continua a bater no coração dos povos mergulhados no túnel obscuro do subdesenvolvimento, da fome, do analfabetismo, da corrupção generalizada e das guerras fratricidas. Apesar de tudo, o sorriso ainda não se apagou da face do homem, da mulher, do jovem e da criança africana. É de se perguntar, de onde vem esta esperança que continua a fazer dos Africanos, apesar de tudo, homens e mulheres de espírito alegre e contagiante?
Com efeito, no processo pedagógico da promoção humana, a Educação Tradicional, conforme vimos acima, poderá contribuir para a identificação de alguns elementos educativos a serem incorporados na educação de hoje.
Por um lado, a educação tradicional visa uma tripla integração do indivíduo: pessoal social e cultural. Conforme explica Manoel Golias (1993), essa tríplice tarefa da Educação Tradicional pode contribuir para a integração pessoal, pois com ela, o indivíduo reúne múltiplas influências do seu meio para, em seguida, as integrar na sua maneira de pensar, de agir e de se comportar, no âmbito da integração social. Nesse caso, a educação permite ao indivíduo participar ativamente nas atividades e na vida do grupo a que pertence. Por fim, a integração cultural faz da personalidade um modelo que é a expressão duma maneira de viver, de pensar e de ser própria dos membros do grupo. O indivíduo integra os valores culturais do seu grupo e nele se conforma nas suas maneiras de ser e de agir. Por outro lado, questiona Golias,
a educação tradicional dada à criança não lhe permitia individualizarse do grupo; ela visava à formação da personalidade no sentido de dependência ao grupo e pouco favorecia o desabrochamento de qualidades humanas individuais através do desenvolvimento da consciência (1993, p. 13).
Enquanto a educação não deveria se eximir do seu papel na formação da consciência. Neste sentido, uma pedagogia africana deveria possibilitar tanto ao educador quanto ao educando assumir o seu passado, solidarizar-se com os de ontem, marcar encontro de esperança, pelos seus compromissos ou o seu sacrifício, com aqueles de amanhã, o que não é natural nem instintivo, mas acontece num contexto pedagógico.
No plano da educação formal uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica consiste em propiciar as condições para que os educandos, nas suas relações com os outros e todos com o professor ou a professora, ensaiem a experiência profunda de se assumirem. Nas palavras de Freire, “assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar” (2011, p. 41).
3. Estratégia pedagógica da comunicação intersubjetiva: perspetiva freiriana
A terceira sugestão que propomos diz respeito a uma pedagogia centrada no diálogo, ou mais precisamente, na comunicação intersubjetiva. Acreditamos que esta modalidade tem uma correspondência intrínseca com a própria natureza humana.
A comunicação é uma componente essencial da existência humana. Na perspetiva do pensar freiriano, existir é um conceito dinâmico. Implica uma dialogação eterna do homem com o homem. Do homem com seu Criador. É essa dialogação do homem sobre o seu contorno e até sobre os desafios e problemas que o faz histórico (FREIRE, 2023a). O diálogo é, assim, tomado como “fenómeno humano, se nos revela algo que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra” (FREIRE, 2023b, p. 89).
Amedeo Cencini (1998) ao tratar da vida fraterna dedica um capítulo especial para a comunicação, pois entende que o próprio viver é comunicar. A comunicação não é uma consequência ou uma escolha opcional, mas um fenómeno ligado às capacidades ou à disponibilidade do sujeito – nem se coloca na categoria dos acidentes; é, ao invés, fenómeno essencialmente “vital”. Como qualquer outra realidade humana, a existência já é, por si mesma, um comunicar-se. Por outras palavras, não se pode não se comunicar. Ou, como diz Heidegger, em termos filosóficos:
A faculdade do falar não é no homem somente uma capacidade que se coloca ao lado das outras, no mesmo plano das outras. É, ao contrário, a faculdade que faz do homem um homem […]. Já desde o começo nós estamos na linguagem e com a linguagem” (HEIDEGGER, 1973, p. 189, apud, CENCINI, 1998, p. 153-154).
Outro autor com o qual Amedeo Cencini fundamenta sua defesa à comunicação é H. G. Gadamer, que sob o ponto de vista filosófico, evidencia um elemento que nenhum interlocutor pode ignorar. Ele afirma:
No colóquio há algo que está no meio, como diziam os gregos, do qual os interlocutores participam e no qual chegam a um intercâmbio (…). Não é o acerto interior de um instrumento; ou melhor, não é nem mesmo certo dizer que os interlocutores se adaptam um ao outro; mas do que isso, no diálogo bem-sucedido ambos chagam a se colocar na verdade do objeto, e é isso que os une em uma nova comunhão. O fato de se compreender no diálogo não é um puro colocar tudo em jogo para fazer triunfar o próprio ponto de vista, mas um transformar-se naquilo que se tem em comum, transformação na qual não se permanece sendo o que era (GADAMER, 1983, p. 437, apud, CENCINI, 1998, p. 155-156).
No pensamento de Paulo Freire (2023b), o diálogo é este encontro dos homens, mediatizado pelo mundo, para o pronunciar, não se esgotando, portanto, a relação entre eu-tu. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens.
Na dinâmica dialógica, a palavra é importante, não obstante o suficiente, pois precisa do silêncio e da escuta para que esse diálogo seja autêntico. Escutar é obviamente algo que vai além da possibilidade auditiva de cada um, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro (FREIRE, 2011).
Quando se fala da comunicação intersubjetiva existem outras prerrogativas importantes, isto é, os componentes que dão coerência e sustentabilidade ao diálogo: o amor ao ser humano e o amor a verdade. Nesse sentido argumenta Freire:
Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda (…). Onde quer que estejam este, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico (…). Se não amo o mundo, se ao amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo. Não há por outro lado, diálogo, se não há humildade (FREIRE, 2023b, p. 110-111).
Em outras palavras, Paulo Freire (2023b) insiste na tese de que diálogo é fruto da confiança mútua, o que, em suma, é uma intensa fé nos homens. Não há diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direitos dos homens. Com efeito, “A dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, tornam radicalmente éticos” (FREIRE, 2011, p. 59).
Contextualizando a proposta da dialogicidade, um dos questionamentos que atualmente se faz à educação em Moçambique diz respeito à escassa presença dos elementos culturais no sistema de ensino, em outras palavras, a necessidades de se estabelecer um diálogo pedagógico entres as culturas e o sistema de Educação moçambicano.
O filósofo moçambicano José Castiano fala da existência de «uma crença generalizada, segundo a qual o nosso sistema de educação, de certa forma, anda descalço sem as suas botas, que são as culturas moçambicanas” (2011, p. 213). Por essa razão, ele defende “que a educação é o espaço institucional epistémico privilegiado para a construção da Identidade Nacional através do cultivo da interculturalidade” (CASTIANO, 2011, p. 213). Na perspetiva do ensino da interculturalidade, isto é, formação de atitudes e predisposição, a prioridade, deve ser, por uma educação cultural na qual os aprendentes se confrontam com os conteúdos, valores e práticas culturais do seu ambiente cultural.
Castiano (2011) prende-nos a atenção para duas realidades. Por um lado, ele leva-nos a tomar consciências das diferenças culturais entre os moçambicanos, sem menosprezar o cultivo dos aspetos humanos comuns. Por outro lado, fala de identidade nacional no singular, para indicar a sua adesão ao projeto político de construção de bases culturais que justifiquem um projeto comum e libertador que inclua todas as culturas moçambicanas nesse mesmo projeto político.
Tudo isso para dizer que a educação formal com os seus profissionais não substitui a educação tradicional e os seus transmissores, mas, pelo contrário, deve tê-los como interlocutores no diálogo pedagógico, para juntos, possibilitarem ao educando o seu desenvolvimento em cada espaço e momento pedagógico em que este se vai encontrando.
A primeira possibilidade do diálogo pedagógico, como mostra Castiano (2011), parte das culturas para a educação, isto é, as culturas “cultivam” a educação. Castiano indica sete funções da cultura, as quais contextualiza no sistema da educação moçambicana: 1) as culturas são determinantes para a configuração do sistema de educação; 2) A segunda função da cultura é ser critério de avaliação. Em relação à educação esta função é de extrema importância, antes de ser um lugar onde vamos buscar conhecimento e habilidades profissionais, é, sobretudo, um processo de confrontação de valores. As culturas são os espaços onde a educação deveria buscar os valores; 3) a terceira função das culturas seria constituir o fundamento da identidade como moçambicanos, elas oferecem raízes para que os moçambicanos sejam conhecidos no plano da humanidade e da história; 4) A quarta função das culturas consiste nos modos de comunicação. Aplicado ao sistema de educação diz respeito ao domínio da língua dos estudantes como fator importante para que os conteúdos de aprendizagem sejam entendidos; 5) A quinta função das culturas é a de ser lentes de perceção e de cognição. Em relação ao sistema de educação esta função ajuda a questionar o facto de os saberes locais e tradicionais continuarem, apesar dos avanços, a terem um espaço periférico e marginal; 6) A sexta e última função das culturas pode ser entendida como base do comportamento humano, uma vez que, aparentemente elas emitem motivações, interesses e valores que informam e influenciam o nosso comportamento.
A segunda perspetiva da possibilidade do diálogo entre as culturas e a educação moçambicana, desta vez da educação às culturas, isto é, de como a educação educa a cultura.
A ideia central apresentada por Castiano é a seguinte:
O papel da educação é o de inovar, modernizar as nossas culturas tradicionais; por inovar não quero significar destruir ou ser hostil a elas; quero sim dizer que a educação deve apropriar-se da riqueza tradicional depositada nas nossas culturas moçambicanas e, a partir desta riqueza, propor soluções para os problemas modernos e futuros inspirada pela tradição; inovar significa que a educação é o espaço privilegiado para que o aluno se confronte criticamente com o mundo de valores, “hábitos”, costumes, saberes e a língua da comunidade em que ele nasceu ou os pais escolheram (2011, p. 223).
Parece-nos que o elemento unificador entre as culturas tradicionais e a educação enquanto sistema de ensino passa pelo projeto comum, a saber, o compromisso autêntico com desenvolvimento e a promoção humana dos nossos educandos, sem perder as raízes culturais e nem ficar preso ao determinismo cultural, histórico de um período de colonização.
Na componente estratégia pedagógica a comunicação autêntica na perspetiva da intersubjetividade é um critério fundamental na arte docente. Desse modo, percebe-se, assim, “A importância do papel do educador, o mérito da paz com que vive a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo” (FREIRE, 2011, p. 28). A autenticidade do diálogo é corroborada por aquilo que o comunicador (educador) acredita, pensa e luta para alcançar, sem menosprezar, a verdade que o outro (educando) tem a dizer. Para Paulo Freire (2011, p. 29), “só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pensa errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiados certos de nossas certezas”. Para o educador brasileiro. Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo. O clima de quem pensa certo é de quem busca seriamente a segurança na argumentação, é o de quem, discordando do seu oponente não tem por que contra ele ou contra ela nutrir numa raiva desmedida, bem maior, às vezes, do que a razão mesma da discordância.
Em suma, Freire (2011, p. 39) entende que “a tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado”. Ou ainda, “aprender a dizer a sua palavra é toda a pedagogia, e também toda a antropologia” (FREIRE, 2023b, p. 19).
Com efeito, essa decisão pelo bem social possibilita à pessoa, no seu contacto com a realidade, criar, recriar e dar um novo dinamismo ao seu mundo. A educação humaniza o homem e o homem humaniza suas relações com a realidade produzindo cultura. Freire salienta que esta opção tem duas características básicas: o amor e a coragem. “A educação é um ato de amor e, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa” (2023a, p. 127).
Educação para pessoas livres é propor outras alternativas que não o assistencialismo, uma vez que o mesmo rouba do homem uma das suas satisfações fundamentais, isto é, a responsabilidade. A responsabilidade, a par com a liberdade, exige da pessoa tenha que fazer opções e tomar decisões em problemas, grandes ou pequenos, que afetam interesses alheios aos seus próprios, com os quais, porém, se sente comprometido. “É exatamente por isso que a responsabilidade é um dado existencial. Daí não poder ser ela incorporada ao homem intelectualmente, mas vivencialmente» (FREIRE, 2023a, p. 80). Educar para a responsabilidade possibilita ao formando, desde o princípio de sua experiência formadora, que seja sujeito da sua própria história, assumindo-se como sujeito da produção do saber.
A arte de ensinar pressupõe a esperança. Na verdade, do ponto de vista da natureza humana, a esperança é uma realidade constituição e fundamental.
A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de um movimento constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança (FREIRE, 2011, p. 70).
Uma esperança que não se dá no vazio, mas sim na confiança de que algo de novo pode acontecer com a participação de cada sujeito e na sua relação com o mundo e com os outros, particularmente no âmbito educativo. A educação é vocacionada para endereçar-se até sonhos, ideais, utopias e objectivos. “Se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode” (FREIRE, 2011, p. 110). Neste sentido a educação, ou seja, uma pedagogia para autonomia possibilita acreditar no desenvolvimento da pessoa humana e não deixa vítimas de mecanicismos que minimizam a pessoa.
Por fim, a tarefa da pedagogia em contexto, no nosso entender, diz respeito, a capacitação dos jovens a serem sujeitos da própria história atuando no aqui e agora da vida. Além disso, deve ser uma pedagogia intercultural que contempla a leitura de mundo desses jovens e familiarizar-se com ela, pois, somente do saber nela contida será possível dialogar com outra leitura de mundo e com outro saber. É esse processo pedagógico que indicamos como caminho de libertação e da promoção humana da juventude moçambicana.
Considerações finais
Acreditamos que cada povo, e em particular o africano, encontra em si mesmos elementos essenciais para superar as suas crises, mas não sozinho. Recordamos as palavras de Freire: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (2023b, p. 95). Ao nosso ver, a educação é um dos pilares que favorece o desenvolvimento humano em todos os aspetos, desde que seja uma educação contextualizada que visa a promoção humana.
É com base nestes fundamentos que propomos estratégias pedagógicas que contemplam a pessoa com sua história, no seu contexto cultural e como sujeito da própria história. Portanto, não falamos em uma única pedagogia, mas num conjunto de encontros pedagógicos, que a pessoa já experimentou e ainda outros encontros possíveis pedagógicos que se podem estabelecer.
O primeiro método que indicamos ajudar-nos-á a conhecer a pessoa no seu contexto e a identificar com ela a sua história dos encontros pedagógicos do passado. Este método, em psicologia, denomina-se de método genético (IMODA 1996). É considerado o método mais adequado para o estudo do pessoa enquanto mistério, uma vez que considera os diversos estágios de desenvolvimento da pessoa, revela-se o mais útil uma vez que procura fornecer uma série de interpretações do comportamento humano, não somente à luz do estágio final ou ideal, mas das diversas configurações ou estágios de desenvolvimento e, portanto, de maturidade ainda presente e operante na pessoa.
Entendemos que as estratégias/momentos pedagógicos: método da indução, educação tradicional e comunicação intersubjetiva, serão mais eficazes quando forem construídos a partir de uma visão antropológica adequada, que ressalve a dignidade da pessoa humana e se comprometa com a sua promoção. No nosso caso, essa visão antropológica surge de uma epistemologia autenticamente africana. É, portanto, a partir dessa epistemologia e dessa visão antropológica africana, que indicamos uma pedagogia que visa a autonomia da pessoa africana como sujeito e não objeto do processo formativo. É uma pedagogia da libertação que permite romper com as injustiças sociais e superar a pobreza antropológica que incide sobre os povos africanos. Deste modo, propomos uma pedagogia da esperança que permite sonhos e utopias.
Isso exige uma postura ética universal ao ser humano. Aqui retornamos a ideia de Paulo Freire (2023b) pensar certo e saber ensinar não é transmitir conhecimento. O pensar certo, não me coloca na posição de superior, a ponto de menosprezar o outro. Sei que as coisas podem piorar, mas sei também que posso intervir para melhorar.
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1Este artigo é uma versão modificado do terceiro capítulo da dissertação de mestrado concluído em 2018 pela Universidade Pedagógica de Moçambique.
2O autor tem em Filosofia e Teologia pela Faculdade Palotina [Fapas]. Mestrado em Educação com especialização em Ensino de Filosofia pela Universidade Pedagógica de Moçambique [UP]. Doutorando em educação pela Universidade Federal de Santa Maria [UFSM]. Email: juragoulart@yahoo.com.br, Fone: (55) 991541328, Acesso ao lattes: http://lattes.cnpq.br/4278553738614119.
