NEGÓCIOS FAMILIARES EM LARANJAL DO JARI: UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA ÁREA URBANA E RIBEIRINHA

FAMILY BUSINESSES IN LARANJAL DO JARI: AN ANALYSIS OF CHALLENGES AND OPPORTUNITIES IN URBAN AND RIVERSIDE AREAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202506112111


Gelyandson Teixeira Martins1
Hanna Borges de Andrade2
Edilon Mendes Nunes3


ABSTRACT

This article discusses the contribution of family businesses to the socio-economic development of Laranjal do Jari (AP) according to local, urban and riverside communities. Using a mixed techniques approach – in which secondary data was used and a semi-structured survey was applied to a group of companies – the study maps the profile of these companies, their management, the main obstacles they face and their perspectives on growth possibilities. The results show that commercial and food activities predominate, there is a high level of informality and management by family fairs, and low use of technical tools. Entrepreneurs, who face structural obstacles such as restricted access to credit and training, expressed optimism about the potential for growth locally. The article refers to authors such as Bourdieu, De Soto, Sen and Yunus to interpret family business as an enabler of resilience, inclusion and territorial change. Theoretical and practical recommendations are provided regarding actions to formalize, train and strengthen local production chains with the intention of consolidating family businesses as a vector for sustainable development.

Keywords: Family business; Socio-economic development; Informality; Laranjal do Jari; Entrepreneurship; Sustainability.

RESUMO

O presente artigo discute a contribuição do negócio familiar no desenvolvimento socioeconômico de Laranjal do Jari (AP) segundo as comunidades locais, urbanas e ribeirinhas. Utilizando uma abordagem de técnicas mistas – na qual se utilizou dados secundários e foi aplicado um levantamento semiestruturado com um grupo de empresas – o estudo mapeia o perfil dessas empresas, sua gestão, os principais obstáculos que enfrentam e suas perspectivas sobre possibilidades de crescimento. Os resultados mostram que predominam atividades comerciais e alimentares, há alta informalidade e gestão por feira familiar, e baixo uso de ferramentas técnicas. Empreendedores, que enfrentam obstáculos estruturais como acesso restrito ao crédito e treinamento, expressaram otimismo quanto ao potencial de crescimento localmente. O artigo refere-se a autores como Bourdieu, De Soto, Sen e Yunus para interpretar o negócio familiar como um capacitador de resiliência, inclusão e mudança territorial. Recomendações teóricas e práticas são fornecidas em relação a ações para formalização, treinamento e fortalecimento das cadeias produtivas locais com a intenção de consolidar os negócios familiares como um vetor de desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Negócio familiar; Desenvolvimento socioeconômico; Informalidade; Laranjal do Jari; Empreendedorismo; Sustentabilidade.

1. INTRODUÇÃO 

    O município Laranjal do Jari, fica localizado no extremo sul do Amapá, surgiu de forma impensada às margens do rio Jari a partir da década de 1970. O surgimento ocorreu em decorrência do grande fluxo migratório de pessoas para a região, atraídas pela implantação do megaprojeto industrial Jari Celulose. Com a superlotação da cidade planejada de Monte Dourado, por estar na fronteira entre Pará e Amapá, fez com que uma grande quantidade de pessoas atravessasse o rio para construírem suas casas. Que muito tempo depois veio a se tornar o município de Laranjal do Jari.

    A região norte do Brasil, é historicamente negligenciada quando se trata de investimentos em desenvolvimento urbano. Com o início da produção, a fábrica se tornou a maior fonte de renda local, essa dependência gerou uma grande vulnerabilidade econômica para a região, que viria a se tornar um sério problema, com a declínio da fábrica no início dos anos 2000.

    Devido à escassez de renda e a falta de oportunidades, às empresas familiares surgiram como uma resposta à crise econômica, assumindo um papel de liderança na sobrevivência e na paz social das comunidades. Como não há opções de emprego formal em suas áreas, nem alternativas organizadas para gerar rendimentos, o negócio familiar é o que acontece dentro da família e se tornou uma prioridade. Essas práticas, que muitas vezes são informais e baseadas em redes familiares, têm sido o alicerce da economia urbana de duas gerações de trabalhadores no estudo aqui abordado, focado no comércio urbano, nos serviços de alimentação e na economia ribeirinha com extração e agricultura.

    Neste contexto, esse artigo analisa detalhadamente o perfil, às ameaças e oportunidades das empresas familiares em Laranjal do Jari, levando em conta a dualidade entre às zonas ribeirinhas e urbanas, assim como a importância desses empreendimentos para o desenvolvimento socioeconômico local. O estudo busca entender como esses negócios funcionam como catalisadores de resiliência e inclusão produtiva numa região marcada pela informalidade, baixa capacitação técnica e restrições de crédito ao longo da história.

    Com base em uma metodologia mista (qualitativa e quantitativa), fundamentada em autores como Bourdieu (1986), De Soto (2000), Sen (2010) e Yunus (2008), a pesquisa identifica as características mais marcantes desses empreendimentos e sugere estratégias para sua consolidação, com base em políticas governamentais de capacitação, formalização e valorização das cadeias produtivas locais. O objetivo é contribuir no desenvolvimento de estratégias que favoreçam o crescimento sustentável e territorialmente consciente de Laranjal do Jari, valorizando os empreendimentos familiares como participantes ativos na mudança social na região Norte.

    2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

      A literatura sobre negócios familiares aponta sua relevância como forma de organização produtiva e estratégia de sobrevivência econômica, sobretudo em contextos periféricos marcados pela instabilidade institucional, escassez de investimentos públicos e vulnerabilidade social (SCHUMPETER, 1984; SEBRAE, 2025; DE SOTO, 2000). Em municípios como Laranjal do Jari, esses empreendimentos assumem um papel central na construção de alternativas econômicas resilientes, especialmente em meio à informalidade e à ausência de políticas públicas estruturantes (NAKANO et al., 2022).

      As empresas familiares têm uma longa história e grande importância no desenvolvimento econômico e social. Desde os tempos antigos, elas contribuem para o progresso das nações, como destacam estudos de Bird e colaboradores (2002). Lee (2006) reforça que esse tipo de negócio é, de fato, o modelo mais comum de organização empresarial, enquanto Lank (2001) ressalta seu papel fundamental na promoção do bem-estar dentro do sistema capitalista. 

      Joseph Schumpeter (1984) compreende o empreendedorismo como uma força dinâmica da economia, sendo os pequenos negócios familiares, mesmo em escalas reduzidas, agentes de transformação e continuidade local. No entanto, em regiões de baixa institucionalização como a Amazônia, o empreendedorismo ocorre, predominantemente, por necessidade — ou seja, não como busca por inovação, mas como estratégia de autossuficiência, conforme evidenciado pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2023).

      Nesse contexto, Amartya Sen (2010) destaca que o desenvolvimento só é efetivo quando amplia as liberdades das pessoas — inclusive a liberdade de escolher caminhos econômicos próprios — o que se relaciona diretamente à autonomia dos empreendedores familiares. Complementarmente, Muhammad Yunus (2008) argumenta que o microcrédito, aliado ao fortalecimento do empreendedorismo social, pode criar pontes entre a exclusão financeira e a construção de economias locais sustentáveis.

      Boaventura de Sousa Santos (2010), por sua vez, propõe a valorização das epistemologias do sul, defendendo que saberes locais e práticas tradicionais devem ser reconhecidos como formas legítimas de racionalidade econômica. Isso se conecta à realidade de muitos empreendedores ribeirinhos, cujas estratégias estão ancoradas em heranças culturais e na economia do cuidado.

      Assim, a presente análise fundamenta-se na articulação entre esses autores para compreender os negócios familiares não apenas como unidades econômicas, mas como expressões de resistência cultural, agência comunitária e capacidade adaptativa frente às desigualdades estruturais. A partir dessa base teórica, os resultados da pesquisa serão interpretados à luz de um olhar sensível ao território, às redes sociais locais e à pluralidade de racionalidades econômicas presentes em Laranjal do Jari.

      3. METODOLOGIA

        A metodologia aplicada neste estudo foi exploratório-descritiva, com o intuito de investigar o perfil das empresas familiares em Laranjal do Jari, através de uma abordagem mista (quantitativa e qualitativa). A pesquisa foi realizada em duas etapas fundamentais: revisão de literatura e pesquisa de campo. A base teórica apoia-se pela literatura científica disponível nas bases de dados SciELO, Google Scholar e CAPES, bem como pelos documentos institucionais do SEBRAE e do IBGE. Decidiu-se a procura por publicações dos últimos dez anos que discorreram do empreendedorismo familiar, gestão de empresas familiares e desenvolvimento econômico regional.

        Foi preparado um questionário semiestruturado para a coleta dos dados primários, de negócios familiares locais, considerando o perfil do negócio, a gestão familiar e o impacto socioeconômico no território. A ferramenta passou por testes piloto para sua modificação e validação em cinco empresas. O tamanho da amostra foi estimado usando o software Raosoft, considerando o número da população presumida como 15 empresas, uma margem de erro de 5% e um nível de confiança de 95%, o que revelou um mínimo de 15 empresas. As empresas escolhidas tinham participação familiar no nível de gestão, aplicando-se em atividades de comércio, alimentação, serviços e agricultura, entre outros.

        Os questionários foram coletados de maio a junho de 2025 de forma presencial, garantindo o anonimato dos participantes. A taxa de resposta de 100% resultou em 15 questionários utilizáveis. As informações numéricas foram examinadas através de estatísticas descritivas (frequências e médias) feitas com o auxílio dos programas Excel e SPSS®. Por outro lado, as perguntas abertas foram classificadas por temas, enfatizando questões como acesso restrito a crédito e dificuldades em comunicação com clientes.

        Este estudo respeitou questões éticas de acordo com a Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, com os participantes assinando o Termo de Consentimento Informado (TCI). Uma das limitações do estudo está relacionada aos limites geográficos da investigação, reduzindo o potencial de informações. No entanto, a combinação de dados teóricos e empíricos tem como objetivo minimizar as influências de inconsistência e proporcionar uma visão geral da dinâmica operacional do empreendedorismo familiar em Laranjal do Jari.

        4. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

          Este estudo analisa 15 negócios familiares localizados nas áreas urbanas e ribeirinhas do município de Laranjal do Jari, buscando compreender seu perfil empreendedor, métodos de administração, principais obstáculos encontrados e percepções de possibilidades de crescimento. A investigação utiliza uma metodologia mista, unindo aspectos quantitativos e qualitativos da realidade local. 

          Durante o estudo, procuramos reconhecer traços comuns nos empreendimentos, particularmente no que diz respeito à informalidade, à falta de formação em gestão, à administração financeira familiar e à resiliência frente às limitações estruturais do Vale do Jari. A combinação de dados empíricos com fundamentos teóricos nos possibilita ponderar sobre o papel das empresas familiares como fator de resistência econômica e de coesão social em uma região historicamente marcada pela exclusão institucional.

          A seguir, os resultados são categorizados tematicamente e interpretados com base em trabalhos de autores como De Soto (2000), Bourdieu (1986) e Sen (2010), que auxiliam na compreensão da dinâmica local de empreendedorismo e desenvolvimento em regiões marginalizadas.  Esta discussão tem como objetivo não somente detalhar os dados, mas também auxiliar na formulação de políticas públicas adequadas às circunstâncias de Laranjal do Jari.

          4.1 PERFIL SETORIAL DOS NEGÓCIOS

          Os negócios familiares analisados envolvem predominantemente empresas que se dedicam ao comércio (53%), seguido pelo setor de alimentação (40%). Também presente em menor escala os setores de agronegócio, cosméticos e pesca (7% cada).  A partir desses dados percebe-se uma grande concentração em atividades tradicionais, relacionadas à subsistência local e utilizadas para serviços à comunidade.

          Essa situação reflete características comuns da economia baseada na comunidade das regiões periféricas nortistas, nas quais o comércio local e os serviços de alimentação desempenham um papel importante na geração de renda e na manutenção das relações sociais. De Soto (2000) argumenta que essas atividades empresariais se tornam informalizadas devido à ausência de um mercado formal, que surgem e crescem como alternativas flexíveis quando as instituições são fracas.

          Além disso, a predominância desses setores também pode ser articulada através da lente do capital social de Bourdieu (1986), uma vez que estão inseridos em um denso contexto de confiança, reciprocidade e relações familiares que substituem – ou pelo menos podem compensar – a ausência de iniciativas de apoio estatal e de infraestrutura formal.

          Porto e Cunha (2023), sugere que, em pequenas cidades do norte do Brasil, o comércio informal e a comida caseira não são apenas um meio de subsistência, mas também uma prática de resiliência contra a opressão do mercado. Com isso, as empresas familiares tornam-se dispositivos de apego territorial, ligando práticas econômicas à identidade local.

          4.2 TEMPO DE OPERAÇÃO

          Quanto ao tempo de operação, os mesmos dados indicam que 47% das empresas familiares estão em funcionamento há mais de seis anos; 27% entre três e quatro anos; e apenas 7% começaram a operar no último ano. Esses números indicam uma tendência à permanência e estabilidade, ao contrário da intensa rotatividade experimentada no empreendedorismo periférico.

          A longa trajetória dessas empresas reflete a capacidade das famílias empreendedoras de superar as adversidades socioeconômicas e estruturais comuns à região norte. Essa informação também sustenta a hipótese de que o empreendedorismo familiar é uma estratégia de sucessão geracional, e o negócio se torna um patrimônio simbólico e monetário da família.

          Autores como Schumpeter (1984) reconhecem que em ambientes voláteis, a sobrevivência nos negócios está intimamente associada à capacidade de adaptação e ao apego emocional ao empreendimento, mais do que aos avanços tecnológicos. Da mesma forma, Bourdieu (1986) destaca como o capital simbólico relevante — especialmente em meio à escassez — torna-se um recurso inestimável na manutenção e reconhecimento de empresas locais.

          Além disso, a presença expressiva de negócios com mais de cinco anos de operação pode indicar um acúmulo de capital social e cultural, conforme discutido por Santos (2010), que tem sido transmitido através das gerações e que, mesmo operando em um modelo não formal, contribui para uma gestão mais forte. Portanto, a estabilidade temporal reflete a maturação das relações de confiança com a comunidade, a integração no território e a acumulação de experiência empírica de longo prazo.

          4.3 FORMALIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS

          Os resultados indicam um certo equilíbrio de negócios formalizados (53% da amostra) e de negócios não formalizados (47% da amostra). Essa divisão revela uma característica comum da maior parte da região norte do país: devido ao difícil acesso às instituições públicas, altos custos operacionais e burocracia densa, a formalização se torna um processo desafiador.

          Apesar da percepção de que a informalidade é um instinto de sobrevivência, ela pode comprometer o desenvolvimento e a longevidade dos negócios familiares. Ao fazer isso, restringe o acesso ao crédito bancário, restringe a inclusão em políticas públicas para promover o empreendedorismo e até mesmo afastar esses negócios de mercados mais formais.

          Segundo Nakano et al. (2022), o baixo índice de formalização está fortemente relacionado à ausência de políticas públicas territorializadas e à fragilidade da cultura empreendedora institucionalizada. Em outras palavras, a informalidade não é apenas uma escolha individual, mas reflexo de um sistema que falha em integrar essas iniciativas à economia formal.

          De Soto (2000) sugere que para muitos dos empreendedores marginalizados, os custos e obstáculos para a formalização superam em muito as dimensões positivas quando o Estado não fornece contrapartidas eficazes. Isso destaca a importância de políticas públicas para facilitar o processo de registro e solicitação do apoio, e assistência para a formalização de maneira gradual e ajustada à situação local.

          Além disso, medidas — como zonas de incentivo fiscal, treinamento em gestão financeira e instalações de assistência à microcrédito — destinadas a promover regularização desses empreendimentos trariam ganhos significativos.

          4.4 MOTIVAÇÃO PARA EMPREENDER

          O negócio familiar em Laranjal do Jari é iniciado principalmente para obter renda, o que é reportado como a principal razão por 60% dos entrevistados. Todas as outras razões estão empatadas, como continuar um negócio familiar (20%) e o desejo de autonomia pessoal e profissional (20%).  

          Este resultado demonstra o perfil de empreendedorismo por necessidade, sendo contrário ao empreendedorismo por oportunidade, conforme definido pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM). Dentro de um contexto de precariedade econômica e desemprego, o empreendedorismo é transformado em um meio viável, em vez de estratégico, para dar continuidade ao negócio familiar e sobreviver. 

          Além disso, a passagem de negócios familiares, notada por alguns entrevistados, aborda o significado simbólico desses negócios como capital cultural e prática geracional, o que também é explorado por Bourdieu (1986) ao tratar do capital simbólico e da reprodução social dentro das estruturas familiares.

          Nesse sentido, a decisão dos moradores de Laranjal do Jari de se tornarem empreendedores parece estar mais intimamente relacionada à permanência da renda familiar e à manutenção de sociabilidades familiares e territoriais, gerando um mosaico de resistências econômicas e sociais estabelecidas no conhecimento local.

          4.5 GESTÃO FINANCEIRA E PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS

          Todas as empresas estudadas estão sob o controle completo (100%) de membros da família, que é esporadicamente suplementado por ajuda profissional externa. Este aspecto também complementa o exterior com uma lógica doméstica e autogerida de cuidar dos negócios familiares em Laranjal do Jari, baseada na lógica de gerenciamento empírica e informal de práticas adaptativas e conhecimento, baseada em vivências, saberes informais e práticas adaptativas.

          Em termos de gestão:

          • 66% dos respondentes gerenciam de acordo com a experiência acumulada das gerações.
          • 33% gerenciam de uma maneira intuitiva baseada no instinto.
          • Apenas 7% utilizam qualquer software de gestão.

          Este é um registro de gestão informal em que a falta de recursos formais, como planilhas, indicadores financeiros ou planejamento estratégico, impede o controle, a expansão e a sobrevivência dos negócios.

          Quando se trata de gerenciamento de custos, os dados demonstram que:

          • 33% possuem formalização plena de seus processos financeiros.
          • 27% estão em processo de implementação.
          • 40% não possuem nenhum meio de controle.

          Mesmo com essas restrições, 80% dos empreendedores responderam que monitoram as finanças mensalmente, com evidências apontando para uma preocupação com a saúde financeira dos negócios, mesmo na ausência de instrumentos técnicos.

          De acordo com Nakano et al. (2022), a falta de estruturação formal na gestão é frequente em pequenas empresas periféricas, que valorizam o capital humano e o conhecimento prático como substitutos da educação técnica. Mas essa lacuna na gestão pode colocar em risco o acesso das empresas ao crédito, sua participação em licitações públicas e até mesmo sua sobrevivência em caso de crise econômica. 

          Além disso, apoiando essa ideia, o SEBRAE (2023) adverte que pequenas empresas no Brasil que começam a usar ferramentas simples de controle financeiro (como planilhas digitais, aplicativos ou softwares gratuitos) podem crescer, em média, até 30%. O cenário em Laranjal do Jari agora aponta para a necessidade de políticas de educação continuada e inclusão digital para o empreendedorismo familiar na região norte.

          4.6 LUCRATIVIDADE PERCEBIDA

          Indivíduos que relacionaram a lucratividade na época de suas entrevistas indicam que 73% percebem que suas empresas são moderadamente lucrativas, 20% relatam que a lucratividade é pequena e 7% consideram a empresa bastante lucrativa. Esses dados mostram que este é um sistema de nível de subsistência — um cenário de sustentabilidade mínima que possibilita apenas a sobrevivência e subsistência familiar, mas praticamente sem excedentes significativos.

          É essa perspectiva que caracteriza as empresas familiares que operam em áreas precárias, para as quais o lucro está diretamente relacionado a razões de sobrevivência, não ao crescimento e reinvestimento. Como observado por Yunus (2008) e De Soto (2000), em economias com pouco acesso a crédito, treinamento e infraestrutura, o lucro é percebido em termos de um espaço de estabilidade funcional, ou seja, “o suficiente para continuar”.

          Além disso, essa lucratividade moderada pode ter a ver com a falha no planejamento estratégico, eficiência de custo de gestão abaixo do padrão e baixo nível de escala de produção e de vendas de produtos, como outras seções desta pesquisa revelaram. Segundo o SEBRAE (2023), a lucratividade de empresas familiares aumentou significativamente quando a gestão financeira simples e o controle de estoque são introduzidos, enfatizando a necessidade de treinamento e assistência técnica para esse segmento.

          Também é pertinente ter em mente que, em contextos periféricos onde o mercado é pequeno e o consumo muito localizado, a definição de ser lucrativo pode estar mais ligada a se a renda é contínua do que ao acúmulo de capital. Essa abordagem ‘sociocultural’ do lucro deixa claro a necessidade de enquadramentos analíticos mais nuançados que considerem tanto as particularidades territoriais quanto simbólicas da economia familiar.

          4.7 DESAFIOS E DIFICULDADES

          Os resultados desta investigação indicaram que os principais problemas que impedem empreendedores familiares laranjalense de iniciar ou manter suas atividades são: a falta de crédito e a ausência de financiamento (60%); burocracia excessiva (27%); dificuldade de acesso à clientela (27%); e a falta de mão de obra qualificada (7%). 

          A falta de acesso ao crédito aparece como o principal obstáculo para o desenvolvimento e expansão do negócio, refletindo uma tendência nacional que impacta com mais intensidade, regiões periféricas e amazônicas, como o norte do Brasil. Conforme referido na literatura, a insuficiência de linhas de microcrédito acessíveis, bem como a ausência de garantias efetivas e histórico bancário, restringe o investimento e a modernização de tais empreendimentos (YUNUS, 2008; DE SOTO, 2000).

          Além disso, a burocracia excessiva, particularmente relacionada à formalização e aquisição de alvarás, desencoraja a regularização e dificulta a entrada em mercados institucionais, programas e promoções. Conforme delineado por Nakano et al. (2022), o arcabouço regulatório brasileiro não está bem desenhado para tratar das especificidades de pequenas empresas informais e familiares, e há uma forte necessidade de reformas que considerem a diversidade territorial e sociocultural.

          A dificuldade em alcançar clientes também é um obstáculo importante, particularmente onde a economia está estagnada, como em Laranjal do Jari. Essa limitação se deve não apenas à baixa densidade populacional, mas também à escassa presença digital dessas empresas, o que limita inerentemente seu alcance e vantagem competitiva. Isso é ainda mais agravado quando não há estratégias promocionais ou métodos alternativos para facilitar a publicidade desses empreendimentos, conforme discutido nos pontos anteriores.

          Por fim, a falta de empregados – embora menos comum – destaca os problemas de qualificação da força de trabalho nas empresas iniciantes e os problemas de contratação em negócios de baixa lucratividade e baixo capital. Muitas vezes, a gestão e a operação são consolidadas entre os próprios membros da família, o que apresenta desafios para a escalabilidade do negócio. 

          Esses resultados apoiam o apelo pelo desenvolvimento de políticas públicas integradas que articulem crédito acessível, simplificação dos processos legais, qualificação empreendedora e inclusão digital, que possam ajudar na construção de um ambiente propício à sustentabilidade de pequenos negócios familiares na região norte.

          4.8 PERCEPÇÕES SOBRE OPORTUNIDADES

          Mesmo com as dificuldades, 87% dos empreendedores familiares pesquisados mostram acreditar na presença de oportunidades de crescimento em Laranjal do Jari. Esta informação indica uma expectativa econômica positiva, além da existência de um capital simbólico e social poderoso que ajuda a manter a esperança. 

          O capital simbólico é um recurso importante no contexto de falta de recursos materiais, já que constitui o reconhecimento, confiança e prestígio que um indivíduo constrói em uma rede social (Bourdieu 1986). Este capital, para os empreendedores locais, torna-se a esperança de dias melhores, um sentimento a ser colocado nos corações das comunidades, bem como na natureza mais forte dos negócios de algumas das empresas comerciais, apesar da informalidade e das restrições estruturais.

          Este otimismo também pode ser lido como um aspecto de resiliência territorial, uma noção retomada por Boaventura de Sousa Santos (2010), que sugere que comunidades historicamente marginalizadas desenvolvem suas próprias racionalidades para enfrentar a exclusão. Aqui, o empreendedorismo aparece como um conjunto de resistências e ajustes que não estão apenas associados à racionalidade de mercado, mas também à inserção social e cultural no local.

          Além disso, autores como Faraone (2025) sugerem que identificar oportunidades locais representa uma inteligência territorial (capacidade cognitiva e institucional das pessoas de identificar, reinterpretar e converter recursos locais em produtos economicamente rentáveis, mesmo em ambientes degradados). E em Laranjal do Jari, esse potencial está intimamente relacionado ao conhecimento tradicional, à biodiversidade regional e às redes de apoio comunitário que compõem a base deste ecossistema de negócios familiares.

          Em suma, o alto grau de visão de oportunidade entre os empreendedores sinaliza não apenas otimismo, mas potencial estratégico que pode ser mais bem aprimorado por políticas públicas para desenvolver as cadeias produtivas locais, estimular a inovação social e reforçar as áreas de natureza econômica dos territórios de emprego.

          4.9. CAPACITAÇÃO E FORMAÇÃO

          Um alerta revelado pela pesquisa é a baixa frequência em treinamentos internos entre empreendedores familiares, cujo indicador derivado deste estudo é alarmantemente baixo. Aproximadamente 53% dos entrevistados não haviam participado de nenhum curso ou qualquer outra forma de treinamento empresarial, e dos que participaram, muitos acreditavam que o impacto foi apenas de baixo a modesto.

          O fenômeno, no caso, mostra uma diferença notável na expertise em tecnologia e gestão entre essas pequenas empresas locais, e essa diferença anatômica resulta na baixa eficiência administrativa, falta de inovação e desconexão com a demanda do mercado. Em locais remotos, como Laranjal do Jari, onde os gerentes de propriedades mal têm educação formal, essa lacuna é preenchida pela gestão popular de tentativa e erro; no entanto, esse mecanismo, embora funcione no curto prazo, restringe o aumento da produtividade e, consequentemente, a sustentabilidade do negócio (Nakano et al., 2022).

          De acordo com o SEBRAE (2023), programas de treinamento aumentam em 50% a chance de sobrevivência nos primeiros cinco anos de existência de pequenas empresas. Também se entende que treinamentos baseados conforme a região e realidade socioeconômica tem sido mais produtivo do que modelos de treinamento padrão baseados em uma sede central.

          A falta de acesso a capacitações também está diretamente relacionada à escassez de políticas públicas de educação empreendedora em municípios do interior, além das barreiras de conectividade digital e deslocamento físico. Santos (2010) argumenta que o reconhecimento dos saberes locais e a democratização do acesso ao conhecimento técnico são elementos essenciais para romper com ciclos históricos de exclusão produtiva.

          Portanto, torna-se essencial criar programas de formação empreendedora para a prática diária, adaptados ao contexto ribeirinho e urbano de Laranjal do Jari, que poderiam ter acesso gratuito ou com meia-entrada. Tais programas devem incorporar assuntos como gestão financeira, planejamento estratégico, marketing digital e cooperativismo, assegurando ligar a eficiência econômica com a melhoria da liderança local e a geração de capital humano regional.

          4.10 ESTRATÉGIAS DE DIVULGAÇÃO

          A divulgação dos empreendimentos familiares em Laranjal do Jari ocorre, quase exclusivamente, por meio do tradicional “boca a boca” (100%). Não foram identificadas práticas estruturadas de marketing digital, tampouco o uso regular de redes sociais ou outras ferramentas de comunicação digital.

          Esse padrão reflete a força das relações comunitárias e do capital social local, que funcionam como vetores de confiança e fidelização da clientela — característica comum em economias de proximidade (BOURDIEU, 1986). No entanto, essa dependência exclusiva da circulação oral e informal da informação também revela uma lacuna significativa no acesso a mercados mais amplos e na adoção de práticas modernas de promoção comercial.

          A ausência de estratégias digitais limita não apenas a visibilidade dos empreendimentos, mas também sua competitividade, capacidade de crescimento e acesso a públicos externos ao círculo imediato de convivência. Em um cenário global cada vez mais conectado, a presença online torna-se uma condição básica para inserção no mercado contemporâneo.

          Segundo relatório da McKinsey (2023), microempresas com presença ativa nas redes sociais e uso estratégico de marketing digital têm 30% mais chances de aumentar seu faturamento, quando comparadas às que operam exclusivamente por canais tradicionais. Esse dado reforça a urgência de políticas de inclusão digital empreendedora, especialmente voltadas a populações periféricas e ribeirinhas.

          A falta de estratégias de divulgação mais amplas também está relacionada à baixa familiaridade com tecnologias digitais e à ausência de capacitações específicas. Como apontado pelo SEBRAE (2023), a introdução de ferramentas simples, como perfis comerciais em redes sociais, aplicativos de mensagens e marketplaces locais, pode gerar impactos positivos imediatos na visibilidade e no desempenho comercial dos negócios.

          Dessa forma, estimular o uso de mídias sociais, construir conteúdos digitais acessíveis e promover oficinas práticas de marketing digital são medidas urgentes e viáveis para aumentar o alcance dos negócios familiares da região, conectando saberes tradicionais à inovação tecnológica de forma inclusiva e territorialmente sensível.

          5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O estudo destaca a posição-chave que as empresas familiares assumem na economia local em Laranjal do Jari, atuando como portadoras da recuperação e reconstrução. As evidências indicam que, embora principalmente informais e sujeitas a restrições gerenciais, tais atividades sobrevivem através do capital social, costume familiar e flexibilidade. A informalidade, o acesso financeiro limitado e a falta de treinamento em gestão são barreiras importantes que requerem uma forte intervenção do governo e das instituições que atuam para apoiar o empreendedorismo.

            A análise de dados também sugere novos caminhos potenciais de ações no campo das estratégias digitais, associativismo e o recurso à inteligência territorial, conforme sugere Faraone (2025). Dada a importância desses programas para a viabilidade e solidariedade das comunidades, eles valem o investimento em:

            • Treinamento contínuo que se concentre em finanças, inovação e marketing digital;
            • Programas de microcrédito, que estejam bem definidos, flexíveis em termos de burocracia e com menos entraves e condições de acordo com a realidade laranjalense;
            • Criação de redes conjuntas entre empreendedores urbanos e ribeirinhos para reforçar a economia circular local;
            • Valorização do conhecimento tradicional, à maneira de Boaventura de Sousa Santos (2010), a fim de consolidar abordagens solidárias e regenerativas para o âmbito econômico.

            Por fim, este estudo contribui para desenvolver um olhar crítico e estratégico sobre o empreendedorismo familiar em Laranjal do Jari, ao demonstrar caminhos para um desenvolvimento mais justo, autônomo e ancorado territorialmente.

            Os negócios analisados são caracterizados pela:

            • Predominância nos setores de comércio e alimentação;
            • Gestão familiar e empírica, o modo de fazer as coisas com base na experiência;
            • Baixo uso de administração formal e controles financeiros;
            • Alto grau de informalidade, impedindo o acesso a crédito e incentivos fiscais;
            • Forte percepção de oportunidades de desenvolvimento, significando que têm um capital social significativo e confiança no mercado local.

            Por outro lado, os desafios são:

            • Acesso limitado ao crédito e apoio financeiro;
            • Burocracia excessiva;
            • Falta de treinamento em como gerir e expandir;
            • Uso inexistente de tecnologias gerenciais e de marketing.

            De acordo com essas descobertas, pode-se sugerir o seguinte:

            • Promover as políticas públicas de desburocratização e incentivo à formalização;
            • Aumentar o acesso a linhas especiais de microcrédito para pequenos negócios familiares;
            • Fornecer oficinas de administração financeira, planejamento estratégico e marketing digital;
            • Incentivar a promoção através das redes sociais e plataformas online;
            • Desenvolver relações de cooperação e associação locais, consolidar o capital social e ampliar o escopo de negociação e expansão.

            Este estudo contribui para o entendimento do papel estratégico do empreendedorismo familiar na dinâmica econômica nortista, evidenciando sua capacidade de resiliência e sua importância para a promoção de um desenvolvimento local sustentável e inclusivo.

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            1Discente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto Federal do Amapá Campus Laranjal do Jari e-mail: gelyandsont@gmail.com.

            2Discente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto Federal do Amapá Campus Laranjal do Jari e-mail: hannaandrade84@gmail.com.

            3Docente do Curso Superior de Bacharelado em Administração do Instituto do Amapá Campus Laranjal do Jari. Doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA-UFPE). e-mail: edilon.nunes@ifap.edu.br.