INCLUSÃO ESCOLAR EM DEBATE: O DISTANCIAMENTO ENTRE A LEI E A PRÁTICA.

SCHOOL INCLUSION IN DEBATE: THE GAP BETWEEN LAW AND PRACTICE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202507191856


Fernanda de Fátima da Cruz Silva1; Adolfo Bezerra de Menezes2; Riquelle Aparecida da Silva3; Marcos Antônio Dias da Silva4; Joelma Pinheiro5; Fernando Amorim Araújo6; Alessandra Michelon Morais7; Maria da Piedade Sousa Dias8


Resumo:

O presente artigo analisa a inclusão escolar no contexto da escola pública brasileira, com ênfase nas barreiras estruturais, humanas e institucionais que dificultam a efetivação das políticas educacionais inclusivas. Tem como objetivo principal evidenciar o distanciamento entre os dispositivos legais, como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), e as práticas pedagógicas cotidianas. A problemática centra-se no hiato entre o ideal normativo e as condições reais de ensino. Justifica-se pela importância em repensar a inclusão para além da matrícula, considerando as demandas concretas das escolas. A metodologia adotada é qualitativa, de cunho teórico-documental, fundamentada em legislações e referências da área. Os resultados apontam para a necessidade de formação docente, cultura escolar inclusiva, articulação entre profissionais e condições materiais adequadas. Conclui-se que a efetivação da inclusão depende de ações intersetoriais que articulem políticas públicas, práticas pedagógicas e compromisso coletivo com a diversidade.

Palavras-Chave: Inclusão escolar. Educação pública. Barreiras à aprendizagem. Políticas educacionais. Diversidade.

Abstract:

This article analyzes school inclusion within the context of Brazilian public education, with emphasis on the structural, human, and institutional barriers that hinder the effective implementation of inclusive educational policies. Its main objective is to highlight the gap between legal frameworks—such as the National Policy on Special Education from the Perspective of Inclusive Education (PNEEPEI)—and everyday pedagogical practices. The core issue lies in the disconnect between normative ideals and the actual conditions of teaching. The study is justified by the urgency of rethinking inclusion beyond mere enrollment, considering the concrete demands of schools. A qualitative, theoretical-documentary methodology was employed, grounded in legislation and scholarly literature in the field. The findings point to the need for teacher training, an inclusive school culture, collaboration among professionals, and adequate material conditions. It concludes that effective inclusion requires intersectoral actions that integrate public policy, pedagogical practice, and a collective commitment to diversity.

Key Words: School inclusion; Public education; Learning barriers; Educational policies; Diversity.

Introdução

A inclusão escolar tem sido um pauta nos debates sobre a democratização do acesso e permanência na educação brasileira nas diversas etapas e modalidades. Nas últimas décadas houve importantes avanços, com destaque para a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) e a formulação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), marcos legais que sinalizam a tentativa do compromisso do Estado com uma educação para todos, sem distinções. No entanto, ao adentrar os espaços escolares, constata-se um descompasso evidente entre o que está garantido na legislação e o que de fato ocorre nas salas de aula. A chamada inclusão, em muitos casos, permanece restrita ao plano formal, sem os recursos, os profissionais e as estratégias necessárias para garantir a aprendizagem efetiva dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilidades.

Essa distância entre o que está garantido na legislação e o que se vivencia nas salas de aula coloca em evidência uma problemática central: como a inclusão escolar tem sido implementada nas escolas públicas frente às limitações estruturais e humanas, e o que revela esse distanciamento entre a legislação e a prática cotidiana? Esse hiato entre o ideal normativo-legal e a prática educativa tem gerado situações que podem ser descritas como processos de exclusão disfarçados de inclusão. A ausência de acessibilidade estrutural, a carência de formação continuada para os docentes, a sobrecarga dos professores regentes e a inexistência de apoio especializado comprometem diretamente a qualidade da educação oferecida a esses estudantes. A convivência cotidiana com essas lacunas, desafios e obstáculos observada por educadores, gestores e familiares, revela um cenário de fragilidades e obstáculos que precisam ser discutidos, revistos e realinhados no campo real da prática.

A pesquisa tem como objetivo geral analisar os entraves para a efetivação da inclusão escolar nas escolas públicas, à luz das políticas legais e das condições reais de trabalho e atendimento educacional. De forma mais específica, busca-se identificar as principais lacunas que comprometem a inclusão no cotidiano escolar; relacionar os dispositivos legais com a realidade vivida nas escolas públicas; e refletir sobre os desafios enfrentados por professores e gestores na construção de uma educação verdadeiramente inclusiva.

A escolha do tema não é fruto de uma abstração teórica, mas nasce da vivência concreta em instituições escolares, onde a presença de estudantes com necessidades específicas é uma realidade cada vez mais comum, embora ainda pouco acolhida da forma adequada. A ausência de professores de apoio, intérpretes de Libras, psicopedagogos e recursos pedagógicos acessíveis torna evidente a fragilidade da política inclusiva quando não acompanhada de investimentos e condições concretas para sua realização. A intenção, portanto, não é negar os avanços legais conquistados, mas lançar um olhar responsável sobre a operacionalidade real e concreta dessas políticas diante das limitações enfrentadas no chão da escola.

Metodologicamente, a pesquisa se inscreve no campo qualitativo, com abordagem exploratória e analítica. Será realizada uma revisão de literatura que contempla artigos e dissertações, legislações e documentos oficiais que tratam da inclusão escolar, com foco nos principais marcos normativos, como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), o Decreto nº 7.611/2011, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Plano Nacional de Educação (PNE). A análise será conduzida a partir da articulação entre essas normativas e observações empíricas do cotidiano escolar, buscando evidenciar tensões, omissões e desafios que atravessam o processo de inclusão.

O artigo está estruturado em quatro partes, além desta introdução. Na primeira seção, apresenta-se um breve percurso histórico e normativo da inclusão escolar no Brasil nos últimos anos. Em seguida, são discutidas as principais lacunas estruturais e humanas identificadas nas escolas públicas. A terceira parte traz uma análise crítica da prática cotidiana frente à legislação vigente. Por fim, nas considerações finais, são apontadas reflexões sobre a temática abordada no estudo.

A construção da inclusão escolar no Brasil: fundamentos históricos e legais

Este tópico consiste em apresentar o percurso histórico e normativo da inclusão escolar no Brasil de modo objetivo, contextualizando os marcos legais e políticas públicas que orientam a educação inclusiva nos últimos tempos.

A trajetória da inclusão escolar no Brasil é marcada por uma lenta e gradual transição de um modelo segregador para uma perspectiva mais abrangente e democrática de educação. Até meados do século XX, predominavam práticas excludentes, baseadas em instituições especializadas que atendiam apenas determinados grupos de estudantes com deficiência, afastando-os do convívio escolar regular. Foi a partir da década de 1990, com a influência de documentos internacionais como a Declaração de Salamanca (1994), que o país começou a consolidar políticas públicas orientadas pela valorização da diversidade e pela construção de uma escola para todos.

No campo legislativo, marcos importantes passaram a delinear o direito à educação inclusiva como uma diretriz da política educacional. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicada em 2008 pelo Ministério da Educação, representa um avanço significativo ao propor que o atendimento aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação ocorra preferencialmente nas escolas regulares. O documento fundamenta-se no princípio de que todos os alunos devem compartilhar os mesmos espaços, conteúdos e experiências escolares, com os apoios necessários para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades (BRASIL, 2008).

Com o objetivo de fortalecer juridicamente os direitos das pessoas com deficiência, foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Essa legislação reafirma a educação inclusiva como um direito fundamental e obriga os sistemas de ensino a oferecerem recursos de acessibilidade, profissionais de apoio, materiais pedagógicos adaptados e formação continuada aos educadores. Além disso, a lei determina que nenhuma criança ou adolescente pode ser excluído do sistema educacional sob alegação de deficiência (BRASIL, 2015).

Outro marco relevante é o Decreto nº 7.611/2011, que dispõe sobre a organização da educação especial e estabelece o atendimento educacional especializado (AEE) como uma oferta complementar ao ensino regular. O decreto regulamenta a responsabilidade dos sistemas de ensino quanto à garantia de serviços e recursos de acessibilidade, bem como a articulação entre escolas comuns e instituições especializadas (BRASIL, 2011).

No âmbito curricular, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 2017, também incorpora o princípio da inclusão como um dos fundamentos da educação básica brasileira. A BNCC orienta que o currículo deve contemplar a valorização da diversidade e o atendimento às especificidades dos estudantes com deficiência, promovendo o desenvolvimento de competências e habilidades para todos, sem discriminação. O documento reconhece a necessidade de práticas pedagógicas diversificadas e a adaptação de recursos didáticos e avaliativos como parte do processo de inclusão (BRASIL, 2018).

A inclusão escolar também é uma meta expressa no Plano Nacional de Educação (PNE – Lei nº 13.005/2014), especialmente por meio da Meta 4, que estabelece a universalização do atendimento escolar para a população de 4 a 17 anos com deficiência, com acesso ao ensino regular e oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede pública regular de ensino. O plano ainda define estratégias para a formação de professores, ampliação da acessibilidade e monitoramento da inclusão em todas as etapas e modalidades da educação básica (BRASIL, 2014).

Esses marcos legais, embora representem avanços expressivos na consolidação de uma política nacional de educação inclusiva, ainda enfrentam obstáculos em sua efetivação nas escolas públicas. A construção histórica da inclusão escolar no Brasil, é resultado de uma articulação entre compromissos legais e a luta constante por práticas pedagógicas que garantam, de fato, o direito à educação com equidade e respeito às diferenças.

As barreiras estruturais e humanas à inclusão nas escolas públicas

Este tópicos tem como objetivo identificar e discutir as principais lacunas materiais, profissionais e organizacionais que dificultam a efetivação da inclusão escolar no cotidiano das instituições públicas.

A efetivação da inclusão escolar nas instituições públicas enfrenta diversos entraves, muitos dos quais estão relacionados a barreiras de ordem estrutural, organizacional e humana. Tais obstáculos e barreiras impactam diretamente o processo de aprendizagem e participação de alunos, principalmente daqueles com deficiência, transtornos do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Entre essas barreiras estão aspectos como a arquitetura escolar, a disposição das salas de aula, o currículo engessado, as metodologias pouco flexíveis e, sobretudo, a cultura institucional que muitas vezes não tem condições de favorecer e contemplar de modo ideal a diversidade (Booth e Ainscow, 2002, apud Oliva, 2016). Essas limitações, presentes não apenas em termos físicos, mas também simbólicos e relacionais, podem afetar qualquer estudante, não apenas aqueles que pertencem ao público-alvo da educação especial.

É importante ressaltar que, mesmo diante de recursos existentes, muitas vezes as escolas utilizam apenas uma parcela de seu potencial. O conceito de recurso, nesse contexto, vai além do financeiro e envolve também os conhecimentos e competências de professores, o apoio das famílias, o protagonismo estudantil e a capacidade coletiva da escola de se reorganizar para atender à diversidade (Booth e Ainscow, 2002). A subutilização desses elementos humanos e institucionais constitui uma das principais falhas no processo de inclusão.

Um ponto crítico está na adequação dos recursos às reais necessidades dos alunos. Em muitos casos, há uma oferta de materiais assistivos ou tecnológicos sem que haja escuta ativa do estudante ou viabilidade de uso em sala. Quando isso ocorre, o efeito pode ser contrário ao esperado, dificultando ainda mais a aprendizagem e provocando isolamento social (Laplane e Batista, 2008, apud Oliva, 2016).

Outro entrave refere-se à escassez de recursos pedagógicos e tecnológicos nas escolas públicas. Além disso, o acesso desigual à tecnologia assistiva mais avançada evidencia as desigualdades econômicas que atravessam o sistema educacional brasileiro.

O despreparo dos profissionais da educação para trabalhar com a diversidade também é uma barreira significativa. Muitos professores não receberam, em sua formação inicial, orientações sobre como realizar adequações curriculares, o que compromete a qualidade da inclusão. A ausência de políticas de formação continuada sistemática nesse sentido agrava o cenário, tornando os educadores inseguros diante de demandas específicas e diversas (Oliva, 2016).

No ambiente escolar, há ainda barreiras humanas que dizem respeito às atitudes, concepções e valores. A permanência de práticas pedagógicas centradas na homogeneização do ensino revela uma dificuldade de romper com o paradigma excludente. Professores que não acreditam no potencial dos estudantes com deficiência, ou que julgam sua presença em sala como um “entrave ao andamento das aulas”, reforçam a cultura da exclusão mesmo dentro de um modelo teoricamente inclusivo (Oliva, 2011).

Nesse sentido, pode-se destacar ainda, a forma como os conteúdos são apresentados em sala também pode funcionar como obstáculo à participação. Quando não há variações metodológicas, ou quando os materiais não contemplam múltiplas formas de acesso e expressão, os alunos em situação de inclusão acabam sendo privados do pleno desenvolvimento de suas potencialidades. O trabalho colaborativo, por exemplo, tem se mostrado uma estratégia eficaz e de baixo custo para promover a inclusão, mas ainda é pouco explorado no cotidiano das escolas (Figueiredo, 2010, apud Oliva, 2016).

Outro ponto importante a se considerar são as adequações curriculares. Essas podem se dar em diferentes níveis, do projeto pedagógico institucional ao plano de aula individualizado, e demandam uma análise criteriosa para que não se transformem em práticas excludentes disfarçadas de inclusão. Quando realizadas sem critério, as adequações podem reforçar a segregação dos estudantes em vez de promover a equidade (Oliva, 2016).

Por fim, a legislação brasileira tem avançado na definição de direitos e garantias para a educação inclusiva, mas a distância entre o texto legal e a prática cotidiana nas escolas públicas ainda é expressiva. Mudanças na nomenclatura e nas concepções sobre deficiência refletem disputas epistemológicas e políticas sobre o que é, de fato, inclusão. O uso indiscriminado de termos como “necessidades especiais”, por exemplo, pode escamotear desigualdades estruturais e mascarar a responsabilidade do Estado em oferecer uma educação pública de qualidade para todos (Lopes, 2014).

A superação das barreiras estruturais e humanas à inclusão nas escolas públicas exige mais do que boa vontade individual: requer políticas públicas eficazes, investimento contínuo na formação docente, acesso democrático aos recursos assistivos e, acima de tudo, uma mudança na cultura institucional que valorize a diversidade como princípio e não como exceção (Oliva, 2016).

A prática escolar em confronto com a legislação: o hiato entre o ideal e o real

Neste tópico o objetivo é analisar como a inclusão escolar tem sido implementada nas escolas públicas, evidenciando o distanciamento entre os dispositivos legais e as condições reais de trabalho e atendimento educacional.

A promulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), em 2008, representou um marco importante na consolidação do direito à educação para estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no ensino comum/regular. Contudo, embora essa política tenha garantido a matrícula desse público nas escolas regulares, o distanciamento entre o previsto nos marcos legais e o que de fato se concretiza no cotidiano escolar ainda bastante expressivo e real.

A implementação das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), instituídas para oferecer o Atendimento Educacional Especializado (AEE), foi uma tentativa de dar resposta à diversidade presente nas salas de aula. Ainda assim, essa estratégia muitas vezes se resume a uma oferta desarticulada do trabalho pedagógico cotidiano e é mediada por uma lógica tecnicista e burocrática que não contempla plenamente a complexidade do processo de ensino-aprendizagem (Pereira, Lunardi-Mendes e Pacheco, 2018).

Embora a legislação represente um avanço, a estrutura escolar brasileira, herdeira de uma tradição seletiva e excludente, não se transformou na mesma velocidade dos documentos legais e normativos. A escola pública, em muitos casos, ainda opera sob um modelo homogeneizador, pautado por práticas pedagógicas inflexíveis, que acabam por negar o direito à aprendizagem plena à muitos estudantes. Esse modelo reforça padrões de normalidade e marginaliza aqueles que não se enquadram, perpetuando desigualdades sob a aparência de inclusão (Martins Junior, Martins e Bock, 2019).

A legislação, por si só, não é suficiente para garantir inclusão. O enfrentamento das práticas discriminatórias exige um movimento consciente de ressignificação da cultura escolar e de reorganização do cotidiano pedagógico (Andrade, 2023). A presença do aluno com deficiência nas escolas, muitas vezes, não é acompanhada de ações que garantam sua permanência e participação efetiva. A ausência de formações específicas para professores, a precariedade da infraestrutura e a carência de recursos humanos são aspectos que comprometem esse processo (Souza et al., 2014).

Apesar do avanço no número de matrículas, conforme demonstrado pelas estatísticas da PNEEPEI, esses dados não traduzem, necessariamente, inclusão efetiva. O sistema educacional ainda mantém práticas excludentes, pois desconsidera as condições concretas das escolas públicas e transfere à sociedade a responsabilidade pelo insucesso das políticas inclusivas (Venâncio, Faria e Camargo, 2020).

Não se pode esperar que a mera publicação de políticas públicas provoque mudanças reais se essas não forem acompanhadas por investimentos, formações continuadas e articulações entre os sistemas de ensino e a comunidade escolar. É necessário criar condições objetivas para que os princípios da inclusão sejam operacionalizados e não permaneçam apenas como discurso (Alves e Aguilar, 2018).

A PNEEPEI propõe diretrizes claras: acesso, permanência e aprendizagem com respeito à individualidade dos estudantes; formação adequada de profissionais; acessibilidade física e comunicacional; participação da comunidade; e articulação entre setores. No entanto, essas propostas, embora legítimas, muitas vezes esbarram na ausência de condições materiais e na permanência de uma lógica educacional excludente (Brasil, 2008).

De acordo com Glat e Pletsch (2013), reorganizar o cotidiano escolar é fundamental para que a política de inclusão se materialize. O desafio consiste em ultrapassar a concepção assistencialista que ainda marca muitas práticas escolares e que se apoia em modelos de atendimento que reforçam a segregação, mesmo sob a roupagem da inclusão.

A distância entre a política e sua aplicação revela que o modelo educacional vigente não foi suficientemente tensionado pela lógica inclusiva. Muitas escolas, não contam com Salas de Recursos Multifuncionais, tampouco com especialistas preparados para atuar no AEE, e aquelas que contam, por vezes, vivenciam esse atendimento de forma paralela e desconectada da proposta pedagógica da sala de aula comum (Bezerra, 2021).

A crítica à forma como o AEE tem sido conduzido se intensifica ao se observar que, ao invés de complementar a escolarização do aluno, ele acaba, muitas vezes, por reafirmar uma prática segregadora. Isso ocorre quando o atendimento é ofertado em contraturno e sem articulação com os demais docentes, gerando o risco de deslocar a responsabilidade do processo inclusivo para o professor do AEE, enquanto o sistema se isenta (Kassar, 2011).

É nesse ponto que as críticas ao viés neoliberal das políticas públicas educacionais ganham força. Ao priorizarem a lógica do capital e a produtividade, tais políticas tendem a reduzir a inclusão a uma questão gerencial, desconsiderando os fatores sociais e estruturais que determinam o fracasso escolar das minorias (Pavezi e Mainardes, 2018).

A presença de estudantes com diferentes ritmos, formas de aprendizagem e necessidades específicas exige da escola mais do que adaptações pontuais: exige um novo projeto educativo. Como afirmam Marin e Braun (2013), a diversidade desafia a escola a refletir sobre seu papel na sociedade e a transformar suas práticas para atender de forma equitativa a todos.

Nessa direção, Mészáros (2008) propõe uma ruptura com o modelo educacional atrelado à lógica capitalista, indicando que a construção de uma escola inclusiva exige, em última instância, uma transformação estrutural, tanto do sistema educacional quanto da própria sociedade.

Considerações finais

A análise sobre as barreiras estruturais e humanas, bem como sobre o distanciamento entre a legislação e a prática, evidencia que a inclusão escolar nas instituições públicas ainda enfrenta inúmeros desafios. Embora o marco legal brasileiro apresente avanços significativos ao garantir o direito de matrícula, de permanência e de aprendizagem aos estudantes com deficiência, transtornos do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, esses dispositivos muitas vezes não se concretizam nas práticas pedagógicas cotidianas. Persistem lacunas materiais, formativas e organizacionais que comprometem a efetividade da inclusão, revelando um hiato entre o ideal normativo e as realidades vividas nas escolas públicas.

As práticas escolares continuam, em muitos contextos, condicionadas por uma lógica tradicional e homogeneizadora, que não reconhece a diversidade como valor. O despreparo dos profissionais, a falta de acessibilidade, a escassez de recursos humanos e materiais, bem como a ausência de uma cultura institucional inclusiva, revelam que a transformação necessária vai muito além somente da implantação de políticas, exige rupturas com modelos excludentes historicamente construídos.

Nesse cenário, alguns caminhos se mostram fundamentais para que a inclusão escolar vá além do discurso e se concretize na prática cotidiana. Um deles diz respeito ao investimento consistente na formação inicial e continuada dos professores, com foco em práticas pedagógicas inclusivas, no planejamento colaborativo e na utilização de metodologias ativas e diversificadas, capazes de atender à heterogeneidade das salas de aula. Soma-se a isso a necessidade de fortalecer o Atendimento Educacional Especializado (AEE), assegurando que ele esteja integrado ao projeto político- pedagógico da escola e que exista articulação efetiva entre o professor da sala de recursos, o docente regente e a equipe gestora.

Outro aspecto essencial é o fomento a uma cultura institucional inclusiva, na qual toda a comunidade escolar, professores, estudantes, famílias, equipe gestora e demais profissionais, compartilhe responsabilidades e esteja comprometida com o reconhecimento e a valorização das diferenças. Para que isso ocorra, é imprescindível também que sejam garantidas condições materiais adequadas, incluindo acessibilidade arquitetônica-estrutural, comunicacional e tecnológica, bem como a presença de recursos humanos qualificados e em número suficiente para atender às múltiplas demandas do cotidiano escolar. Por fim, a construção de práticas pedagógicas centradas nos estudantes, que respeitem seus ritmos, conhecimentos prévios, modos de aprender e trajetórias individuais, constitui um princípio orientador para a efetivação de uma educação que, de fato, se pretenda ser inclusiva.

Portanto, consolidar uma escola pública inclusiva exige mais do que legislar, demanda coragem política, compromisso ético e ações concretas. A inclusão não pode ser um anexo do sistema educacional, mas o seu eixo estruturante. Para isso, é necessário articular políticas públicas com escuta ativa das escolas, assegurar suporte técnico e financeiro permanente, e, sobretudo, transformar a cultura escolar para que ela reconheça, acolha e valorize todas as formas de existência.

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1 Mestranda em Letras ( UFT) . E-mail: mestra.fernandasilva@gmail.com
2 Especialista em Gestão, Orientação e Supervisão Escolar. SEDUC/TO. adolfobezerra@hotmail.com
3 Mestranda em Letras (UFT). riquelle@gmail.com
4 Mestrando em Ensino de Física (UFNT). marcosdias@seduc.to.gov.br
5 Especialista em Educação Especial e Inclusiva com Ênfase e Deficiência Intelectual e Múltipla. SEDUC/TO. Joelmapinheirobioned@gmail.com
6 Graduação em Geografia. SEDUC/TO proferamorim@gmail.com
7 Especialização em Educação Física Adaptada a Inclusão. SEDUC/TO. Michelon888@hotmail.com
8 Mestranda em Língua Portuguesa pela UFT. piedade.dias@mail.uft.edu.br