A PRESERVAÇÃO DAS HISTÓRIAS DA TRADIÇÃO ORAL E DA CULTURA DE POVOS NEGLIGENCIADOS EM O FANTÁSTICO MISTÉRIO DE FEIURINHA DE PEDRO BANDEIRA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202506221202


Silvana Oliveira Reis Machado1
Profª  Drª Maria da Luz Lima Sales2


Resumo

O presente trabalho tem como objetivo realizar um estudo evidenciando a relação da tradição oral presente na obra O Fantástico Mistério de Feiurinha do escritor Pedro Bandeira. Nesse livro, o autor retoma alguns dos contos tradicionais e infantis mais conhecidos e apresenta um novo conto de fadas, da princesa Feiurinha, que ganha visibilidade a partir da contação de sua história por meio da personagem Jerusa, a qual preservou essa narrativa repassada por seus antepassados, evidenciando, assim, a importância da preservação dos contos da tradição oral e da cultura de povos negligenciados para a preservação da cultura que pertence não somente a uma nação, mas a todos os povos, pois tais enredos continuam universais. Para e referido estudo, será utilizado como instrumento metodológico a pesquisa documental, dialogando com diferentes estudiosos acerca da temática em questão como: Benjamin (1987), Coelho (2000), Cesarino (2015), Farias (2011), Lobato(2002), Pereira e Deon, (2022) e  Posternak (2002). Com base nessa abordagem, espera-se demonstrar de que forma a tradição oral se manifesta na narrativa proposta por Bandeira e como essa preservação da memória contribui para a valorização de culturas historicamente silenciadas.

Palavras-chave: Feiurinha. Tradição oral. Jerusa. Pedro Bandeira. Povos negligenciados.

Abstract:

The present study aims to analyze the presence of oral tradition in the work The Fantastic Mystery of Feiurinha by the writer Pedro Bandeira. In this book, the author revisits some of the most well-known traditional and children’s tales and introduces a new fairy tale—the story of Princess Feiurinha—who gains visibility through the storytelling of the character Jerusa. Jerusa preserved this narrative, which had been passed down by her ancestors, thus highlighting the importance of preserving oral tradition and the culture of marginalized peoples as a way of safeguarding a heritage that belongs not only to a single nation, but to all peoples, as such stories remain universal. For this study, the methodological approach will be documentary research, in dialogue with different scholars on the subject, such as Benjamin (1987), Coelho (2000), Cesarino (2015), Farias (2011), Lobato (2002), Pereira and Deon (2022), and Posternak (2002). Based on this approach, the study seeks to demonstrate how oral tradition manifests itself in Bandeira’s narrative and how the preservation of memory contributes to the appreciation of historically silenced cultures.

Keywords: Ugly. Oral tradition. Jerusa. Pedro Bandeira. Neglected peoples.

Introdução

A tradição oral é uma riqueza cultural transmitida de geração em geração por meio de histórias, lendas e canções. Antes da escrita, as narrativas eram compartilhadas por meio da oralidade que, na maioria das vezes, eram divulgadas por mulheres anciãs que as contavam a seus familiares e posteriormente para outros ouvintes. A prática não se ocupava de diversas ferramentas para que acontecesse, pois se desenvolvia apenas por meio da voz, do corpo do contador e de sua performance, seu talento pessoal. Essa tradição é parte da nossa herança literária.

Para a literatura, temos a tradição oral como forte inspiração, visto que grandes autores se inspiraram para compor suas obras a partir delas, colhendo esse material precioso de pessoas do povo que gostavam de narrar suas histórias – e de outros autores anônimos – para crianças e adultos, uma vez que, nessa época, não havia ainda diferença entre crianças e adultos (Pereira e Deon, 2022). O conceito de infância viria a se consolidar apenas nos séculos seguintes. Um exemplo desses compiladores está nos irmãos Grimm, que desenvolveram alguns de seus contos a partir de histórias que escutavam de camponeses, amigos e amigas. Assim, simultaneamente aos registros do cotidiano, os irmãos começaram a pesquisar antigos documentos para a preservação da memória e da tradição popular.

Assim, evidenciamos que esse tipo de literatura nasce por meio de mitos, lendas, canções, registros e depois se propaga na escrita de diversos autores e, dessa forma, preservam a riqueza cultural de uma determinada época por intermédio de seus escritos literários. Na história de Pedro Bandeira, O Fantástico Mistério de Feiurinha, pode-se identificar a importância da preservação da tradição oral e isso fica evidente, graças à personagem Jerusa. Ela é uma senhora de setenta anos, que tinha ouvido histórias contadas por sua avó, que também ouvira da avó dela, o que garante a preservação da narrativa da protagonista Feiurinha, que intitula a obra, e, consequentemente, a memória da sociedade da qual os personagens fazem parte.

Evidenciar-se-á aqui neste trabalho a relação da tradição oral presente na obra de Bandeira, bem como, tratar-se-á da personagem Jerusa como instrumento importante para o estudo da obra desse autor. Num primeiro momento, será apresentada a inquietação do escritor em relação à sua escrita; posteriormente, abordar-se-á o encontro das princesas devido ao sumiço de Feiurinha e, por fim, a personagem septuagenária Jerusa, que será apresentada como representante da preservação da tradição oral. Trataremos também da preservação da cultura de povos negligenciados, precisamente dos indígenas, por sua tão forte relação com a tradição oral.

A Tradição Oral presente na obra O Fantástico Mistério de Feiurinha

O Fantástico Mistério de Feiurinha foi lançado em 1963, logo caindo no gosto dos leitores e inclusive recebendo o prêmio Jabuti daquele ano. Nessa narrativa, o narrador de Bandeira (2009) apresenta muitos aspectos relevantes em três principais momentos, o primeiro dos quais é o conflito de um narrador-personagem-escritor que aparece sem inspiração para escrever e continuar seu trabalho como autor. Desse modo, no “Capítulo Zero”, ele expressa suas inquietações por não conseguir se expressar por meio da escrita, conforme descrito no trecho seguinte:

Naturalmente você sabe que os escritores, quando estão sem inspiração, sentem inadiável necessidade de apontar lápis, limpar os tipos da máquina, verificar se há papel suficiente na gaveta e ver se a empregada deixou sobrar alguma coisa na geladeira, não é? (Bandeira, 2009, p. 8)

Em um segundo momento do livro, temos a narrativa sobre o que aconteceu após o “viveram felizes para sempre” de cada princesa dos tradicionais contos de fadas, e nesse instante são apresentadas para o leitor as semelhanças no “final feliz” das histórias principescas e o mistério que envolve a protagonista Feiurinha. Primeiramente, o autor apresenta as princesas, respectivamente, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Rapunzel, Bela Adormecida, Rosaflor Della e Bela-Fera, descrevendo-se cada uma delas com características atuais.

Todas as princesas se reúnem na casa de Branca de Neve para descobrir o que ocorrera com a princesa Feuirinha, pois chegara a notícia de que ela havia sumido e todas as demais se sentiram ameaçadas, uma vez que os clássicos finais dos contos de fadas poderiam estar comprometidos e elas deixariam de ser “felizes para sempre”. É o que vemos no fragmento:

– Vocês compreendem o perigo que todas nós estamos correndo? – perguntou dona Branca. – uma heroína como nós desapareceu sem deixar vestígios. Até o castelo e o marido dela desapareceram. […] – se uma heroína como nós sofreu alguma coisa ruim, isso quer dizer o encanto de nossa felicidade eterna foi quebrado… – continuou dona Branca – E, sem esse encanto, algum desastre pode acontecer com qualquer uma de nós a qualquer momento!… (Bandeira, 2009, p. 28, 29)

As princesas passam a buscar por informações, pois, “é preciso procurar direito, falar com pessoas certas. É preciso interrogar todos os personagens secundários da história de Feiurinha!” (Bandeira, 2009, p. 29). A partir desse momento, as moças nobres começaram uma busca incansável por respostas para o mistério do sumiço da protagonista. Após analisar a situação, as princesas perceberam que não conheciam o autor da história de Feiurinha; e Branca Encantado sugeriu que “descobrir onde foi parar a Feiurinha não é tarefa para nós, meninas – resolveu ela, tocando a campainha e chamando Lacaio. – Isso é trabalho para quem nos inventa. É trabalho para o autor!” (Bandeira, 2009, p. 31). E Lacaio recebe a missão de localizar grandes autores de contos de fadas e assim acaba encontrando o escritor e este também não se lembrava da história de Feiurinha e começa pesquisar a respeito dessa princesa em livros de bibliotecas e de coleções particulares, mas nada encontra.

Assim, ele escreve para escritores, conhecidos e desconhecidos, para folcloristas, bibliotecários e bibliotecárias, historiadores e historiadoras de todo o mundo, a fim de descobrir algo sobre a história de Feiurinha, mas não consegue informações. Desapontadas com a ausência destas, as princesas já estavam impacientes e, em um determinado dia, resolvem ir ao encontro do autor. E elas se instalam no apartamento do narrador-personagem e escritor, que diz para sua funcionária, Jerusa, que elas eram suas primas do interior. Foram dias de pesquisa para ele, que teve uma última esperança: um telegrama de um importante experto de Berlim. Mas o expert afirma não conhecer nada a respeito dessa heroína. Diante de mais uma resposta negativa, Branca fica desolada e o autor tenta consolá-la, afirmando que a encontraria.

A princesa se mantém inconsolável e declara que também desaparecerá. Nesse instante, o escritor retruca:

– Nada disso, Branca de Neve! Você jamais desaparecerá. Você é eterna como o Sol, como a Luz! Sua história foi escrita e reescrita pelos maiores artistas da humanidade e é lida todos os dias por milhões de crianças no mundo todo, o tempo todo. Você está viva nas risadas das crianças, nas narrativas das vovós, na memória de adultos como eu, que jamais negaremos a beleza da sua história! (Bandeira, 2009, p. 40)

Desse momento em diante, percebemos que a personagem principal não existia (por isso não foi encontrada) porque não constava nos livros canônicos de contos de fadas. Ela era um produto da imaginação de pessoas anônimas que contavam suas narrativas de modo oral, pois, diante da fala do escritor, citada acima, Branca Encantado compreende que o mistério de Feiurinha estava deslindado. Ela “desaparecerá porque ninguém havia escrito sua história, porque suas aventuras não se eternizaram através dos séculos nas risadas e nas emoções das crianças”  (Bandeira, 2009, p. 40, 41).

Após desvendar tal segredo, o escritor precisava escrever sobre essa protagonista, era importante que alguém a conhecesse, e então grita: “Onde está você, Feiurinha? Quem é você, Princesa?” (Bandeira, 2009, p. 41). Neste exato instante, Jerusa pergunta se o escritor a conhece. Neste momento, a narrativa para, e todos miram a funcionária do autor, que demonstra conhecer a história de Feiurinha: “[…] que história boa, não é? […] Sempre foi a minha preferida quando a minha avó reunia todo mundo pra contar histórias ao pé do fogo…” (Bandeira, 2009, p. 41). E então eles percebem que a resposta para o mistério estava próxima deles “[…] O tempo todo nós tínhamos, ao nosso lado, alguém que conhecia a história da Feiurinha. Tínhamos perguntado a todos, menos aos que estavam mais próximos. (Bandeira, 2009, p. 42)

O fato de a avó de Jerusa contar essa e outras histórias para a família dela ao pé do fogo, indica que o conto não foi tirado de um livro, mas da boca e da mente de uma narradora tradicional. Assim, num terceiro momento, no capítulo “Zero, quase um”, ocorre o início da solução do mistério sobre Feiurinha. É a partir dessa parte que podemos perceber a marca das narrativas tradicionais, origem de toda a literatura universal, representada por meio da personagem, uma humilde empregada doméstica. Ela é uma senhora idosa, que havia ouvido essas histórias, contadas pela avó, que também escutará da bisavó dela, o que garante a preservação da narrativa de Feiurinha e, consequentemente, da memória da sociedade da qual faz parte.

O autor pontua que procurara em muitas fontes sobre essa personagem, esquecendo-se de inquirir aos que estavam próximos a ele e, assim, Jerusa compartilha com todos a respeito da história de Feiurinha, a qual

“Era uma vez, há muitos e muitos anos, uma menina muito linda que acabara de nascer numa casa muito pobre, mas cheia de amor e felicidade.
Seu pai e sua mãe não tinham ainda escolhido um nominho para ela[…]quando ouviram batidas na porta.
Pensando que era visita para o bebê, o pai abriu a porta.[…] três mulheres muito feias e muito malvestidas que pediram para entrar  e conhecer a menina.
[…]No mesmo instante, com uma  praga de bruxaria, as três paralisaram o pai e a mãe da menina. Os dois ficaram como estátuas e, quando passou o efeito da praga, o bebê tinha desaparecido!”
[…] a menina foi levada para muito longe[…] A menina seria criada como a sobrinha delas[…]
Assim que Feiurinha cresceu, as bruxas, além de deixarem o trabalho da velha casa para ela, atormentavam-na dizendo que era feia. Falavam de seus dentes, de seus cabelos louros, de seu nariz: “– É isso: você é mesmo um horror! / – Uma vergonha! Uma feiura! / – Feiurinha! Feiurinha! (Bandeira, 2009, p. 44, 48).

Ao compartilhar a história por meio dos conhecimentos transmitidos por seus antepassados, avós e bisavós de Jerusa representam as contadoras de histórias, assim como Tia Nastácia, em Histórias de Tia Nastácia, de Monteiro Lobato, que contava histórias do folclore para as crianças, e em determinado momento Pedrinho reconhece a sabedoria que tia Nastácia carrega de seus antepassados destacando-se, porque ela “é o povo. Tudo que o povo sabe e vai contando, de um para outro, ela deve saber.” (Lobato, 2002, p. 1). Elas não deixaram seus nomes para a história, à exceção da personagem lobatiana, mas usavam de uma imaginação fértil para aquecer os corações e criar memórias afetivas das crianças e adultos por gerações seguidas e ainda o fazem até os dias de hoje. Essas narrativas, transmitidas oralmente, não só entretêm e emocionam, mas também mantêm viva a conexão com as raízes culturais, reforçam os laços entre as pessoas e ajudam a preservar a identidade de um povo. Mesmo diante das mudanças da modernidade, contar histórias permanece sendo um ato de cuidado, de transmissão de saberes e de valorização da memória coletiva. 

Acerca do que foi falado, a professora Coelho destaca que:

Ao estudarmos a história das culturas e o modo pelo qual elas foram sendo transmitidas de geração para  geração, verificamos que a literatura foi o seu principal  veículo. Literatura oral ou literatura escrita foram as principais formas  pelas  quais   recebemos a herança da tradição que nos cabe transformar, tal qual outros o fizeram, antes de nós, com os valores herdados e por sua vez renovados (Coelho, 2000, p. 16)

As antepassadas de Jerusa e ela mesma retratam, assim como a Nastácia lobatiana, as mulheres contadoras. Essas mulheres, ainda que muitas vezes não possuam formação acadêmica formal, são portadoras de profundos saberes populares. É por meio delas que a memória tradicional de seus povos é preservada e transmitida, mantendo vivas as narrativas, os costumes e a cultura oral de suas comunidades. Na obra de Pedro Bandeira, esse aspecto se manifesta de maneira significativa. Por meio da oralidade, a personagem Jerusa torna possível o resgate da história da princesa até então desconhecida. 

A narrativa oral, nesse contexto, confere legitimidade à memória coletiva e possibilita ao autor não apenas registrar, mas também eternizar a personagem Feiurinha, à semelhança do que muitos autores fizeram ao longo da história com outras figuras do imaginário popular. Segundo Farias (2011, p. 19), “graças à tradição oral que muitas histórias se perpetuaram, sendo transmitidas de uma geração para outra”. Assim, temos a tradição oral como uma ferramenta importante para a preservação de muitas culturas, como a preservação da cultura de povos negligenciados, como é o caso dos povos indígenas, que carregam na sua cultura a tradição oral por séculos. A respeito desse costume de contar, Pedro Cesarino evidência:

As narrativas indígenas não desapareceram, mesmo com todas as mudanças do mundo moderno. Elas ainda permanecem vivas porque são muito importantes para os povos indígenas, porque são as suas verdades sobre o mundo, e também porque fazem parte de uma tradição muito antiga, transmitida por pessoas que viviam por aqui há milhares de anos.
Elas são uma demonstração de que, por trás da aparência de simplicidade, os povos indígenas possuem um universo de imaginação e de pensamento muito rico. (2015, p. 11, 12)

A população indígena é composta por diversas etnias, gerando assim uma maior propagação da sua cultura e tradição oral ao longo dos séculos, representando a importância de preservar os costumes de povos que transmitem a tradição oral que é tão importante para a construção da nossa sociedade. O premiado antropólogo destaca que para os indígenas “uma das maneiras mais importantes de transmitir todos os conhecimentos é pela tradição oral. Através dela, algumas pessoas consideradas mais sábias, em geral os mais velhos e os pajés, costumam narrar histórias […]” (Cesarino, 2015, p. 8). Os povos indígenas são um exemplo de que valorizar um determinado conhecimento é essencial para que memórias sejam preservadas e que não sejam esquecidas ao longo do tempo, permitindo que gerações futuras tenham acesso a conhecimentos e histórias milenares.

Entretanto, a prática da narração oral encontra-se ameaçada quando as histórias deixam de ser preservadas e as experiências não são mais compartilhadas nem transmitidas entre os indivíduos. Conforme destaca Walter Benjamin (1987, p. 205), a narrativa “se perde porque ninguém mais fica ou tece enquanto ouve a história. […] Quando o ritmo do trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire espontaneamente o dom de narrá-las”. Para o crítico literário alemão, os contos funcionam quase como terapêuticos, por sua ação junto às tarefas cotidianas. Da forma como ele os aborda, o processo de narração oral depende não apenas da transmissão das histórias, mas também da escuta ativa e da participação do ouvinte na construção da narrativa, fatores fundamentais para a perpetuação e preservação da tradição oral.

Outro aspecto a ser observado é a questão levantada por Leonardo Posternak. Em seu livro O Direito à Verdade: cartas para uma criança (2002), ele reforça que as crianças têm direito a ouvir histórias, sejam elas eruditas ou populares, canônicas ou folclóricas, está sendo uma prerrogativa universal. Contar fábulas, mitos, contos, apólogos, lendas e quaisquer outros tipos é importante para a formação dos pequenos, pois entretêm, comovem, instruem e dão prazer. Parar para narrar tais tramas aos meninos e meninas é como fazer um carinho a eles e elas, e suas tramam entrarão em suas mentes e dificilmente sairão, se contadas com o carinho que eles merecem.

Considerações Finais

A personagem Feiurinha, protagonista da narrativa de Pedro Bandeira, não existia antes, por simplesmente constar apenas nas histórias da tradição oral, sendo esse o mistério de seu desaparecimento. E jamais seria encontrada se não fosse a persistência das princesas e do autor em procurá-la, e principalmente pelo fato de a personagem Jerusa ter ouvido falar dela em um conto de fadas ou história popular. Permitindo assim que agora fosse possível registrar nos livros para ela passar a existir. Contos infantis, mesmo os orais, precisam ser registrados para serem mais valorizados pelos ouvintes e leitores.

O livro de Bandeira retoma alguns dos contos de fadas mais conhecidos e, nos apresenta um nunca antes visto e ouvido, o conto da Feiurinha e, por meio dele, o autor evidencia a importância da tradição oral para a preservação de determinadas culturas, como a dos povos indígenas, cujos saberes são transmitidos oralmente por várias gerações. Por meio da obra, entendemos que esta de Bandeira estimula o leitor criança a preservar as histórias orais, a partir de uma nova escrita, na qual, seja possível a preservação dessas narrativas contadas por gerações apenas de forma oral.

As histórias que pertencem à tradição oral de determinadas culturas, embora representem a identidade e os conhecimentos de diversos grupos culturais, são por muitas vezes excluídas e passam por um processo de esquecimento, devido à falta de reconhecimento do seu valor literário e social, visto que as histórias valorizadas são aquelas de grandes autores e que estão presentes no cânone literário. O que infelizmente é um dano para a sociedade, uma vez que determinadas culturas têm tantos ensinamentos que precisam ser repassados, mas a ferramenta principal para transmitir tal sabedoria e entretenimento é por meio da oralidade.

Destarte, entendemos o que Bandeira destaca em sua obra em relação a uma nova escrita, evidenciando que é imprescindível que surjam mais escritores comprometidos com a escuta e a tradução literária desses saberes ancestrais e os potencializa, por meio da escrita, tais conhecimentos e sejam capazes de transmiti-los. Dessa forma, teremos cada vez mais histórias e conhecimentos oriundos da oralidade, o que possibilitará o reconhecimento e a valorização da tradição oral e assim contribuir para o fortalecimento da tradição oral e sua inserção no espaço literário.

Referências

BANDEIRA, Pedro, 1942. O fantástico mistério de Feiurinha/ Pedro Bandeira; ilustrações Avelino Guedes. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2009.

CESARINO, Pedro. Histórias indígenas dos tempos antigos/Pedro Cesarino; ilustração Zé Vicente. –  1. ed. – São Paulo: Claro Enigma, 2015.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 1. ed. São Paulo:  Moderna, 2000.

FARIAS, Carlos Aldemir. Contar histórias é alimentar a humanidade da humanidade. In: PRIETO, Benita (Org.). Contação de histórias: um exercício para muitas vozes. Rio de Janeiro: 2011. p. 18-22.

LOBATO, Monteiro, 1882 – 1948. Histórias de Tia Nastácia / Monteiro Lobato : [ ilustrações de capa e miolo Manoel Victor Filho ].  32″. ed. – São Paulo : Brasiliense, 2002. – (Sítio do Picapau Amarelo).

PEREIRA, Graciele Perciliana de C.; DEON, Vanessa A. As concepções de infância e o papel da família e da escola no processo de ensino-aprendizagem. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v 22, n. 5, 2022. disponível em: http://educacaopublica.cecier.edu.br/artigos/22/5/as-concepcoes-de-infancia-e-o-papel-da-familia-e-da-escola-no-processo-de-ensino-aprendizagem.

POSTERNAK, Leonardo Posternak. O Direito à Verdade: cartas para uma criança. São Paulo: Globo, 2002.

BENJAMIN, Walter. O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas – Magia e técnica, arte e política. 3. ed. São Paulo. Editora Brasiliense, 1987. 1v


1Silvana Oliveira Reis Machado, Graduanda de Letras – Língua Portuguesa pelo IFPA, campus Belém. E-mail: profa.silvanamachado@gmail.com
2Maria da Luz Lima Sales, Doutora  em  Ciências  da  Educação  pela Universidade  de Évora  (Portugal),  professora  do  Instituto  Federal  de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA). E-mail:madaluz@gmail.com